Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2973/17.5T8BRR.2.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO
REMIÇÃO
ACTUALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: A pensão devida à sinistrada por acidente de trabalho ocorrido em 06.04.1993 e do qual resultou uma incapacidade permanente parcial de 0,20 não é passível de actualização com referência aos anos de 1994 a 2000.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho foram instaurados em 17.12.1993, mediante participação da entidade seguradora que deu conta do acidente sofrido pela sinistrada AAA em  06.04.1993.

Em 24.02.1994 foi realizada tentativa de conciliação e foi obtido o seguinte acordo : A seguradora “BBB” pagará à sinistrada, com início em 14.12.1993, a pensão anual e vitalícia de 73 254$00. Foi estabelecida a IPP de 0,20.

O referido acordo foi homologado.

Em 28.03.1994 a sinistrada veio requerer a remição da pensão, o que foi indeferido por despacho de 13.04.1994.

Em 19.07.2017  “BBB, S.A.” veio requer que a pensão seja remida, o que foi indeferido. Foi ainda determinado que a entidade seguradora demonstrasse nos autos a actualização.

Em 28.12.2017 a entidade seguradora disse que a pensão não é passível de actualização.

Em 17 de Março de 2018 foi reformada esta última decisão e foi ordenada a imediata remição da pensão anual e vitalícia devida à sinistrada, tendo em conta o valor devido no ano em que devia ter sido obrigatoriamente remida.

Foi ainda determinado: «Previamente, porém, deverá proceder-se à actualização da pensão anual e vitalícia, que é devida face à desvalorização do seu valor real em função do tempo decorrido, sendo-o desde 1994 até à data em que devia ter operado a remição, 31/12/2000. Crie-se, para o efeito, o integrado da actualização da pensão, seguindo-se vista destinada à sua fixação em conformidade com as Portarias legais.»

“ BBB, S.A.” recorreu desta decisão, na parte em que determinou a actualização da pensão, e formulou as seguintes conclusões :
1.- Na sequência de acidente de trabalho sofrido em 12-12-1993, foi fixada à sinistrada, por decisão homologatória do acordo alcançado em sede de conciliação, uma pensão anual e vitalícia no valor de 73.254$00, a partir de 14- 12-1993, calculada com base numa IPP de 20%.
2.- A ora recorrente requereu, em 19-07-2017, a remição da pensão anual e vitalícia fixada à sinistrada, nos termos do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22/9, nos artigos 17º, n.º 1, alínea d) e 33º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13/9, e nos artigos 56º, n.º 1 e 74º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4.
3.- O douto tribunal indeferiu o requerimento da recorrente por entender não estarem reunidos os pressupostos para a remição da pensão, mais ordenando a atualização do seu montante.
4.- Nessa sequência, a ora recorrente veio informar que a pensão fixada à sinistrada não era passível de atualização, ao abrigo do disposto na Lei n.º 2127, de 3/8, em vigor à data do sinistro, e nos Decretos-Lei n.ºs 668/75, de 24/11, 466/85, de 5/11 e 142/99, de 30/4.
5.- A douta decisão ora recorrida reformou a anterior e ordenou que a pensão anual e vitalícia fixada à sinistrada fosse remida, tendo para tanto de se atender ao valor devido em 31-12-2000, data em que deveria ter operado a remição.
6.- Determinou ainda a atualização da pensão desde 1994 até 31-12-2000, sem no entanto indicar qualquer base legal que o fundamentasse.
7.- A pensão fixada nos autos não é passível de atualização, porquanto os supra citados diplomas legais, aos quais acresce ainda o Decreto-Lei n.º 360/71, de 21/8, não a prevêem para incapacidades permanentes inferiores a 30%, como in casu.
8.- Bem assim, a atualização do valor das pensões consagrada na Lei n.º 100/97, de 13/9, e no Decreto-Lei n.º 142/99, opera somente quando a pensão devida se baseie numa incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou na morte.
9.- As pensões anuais e vitalícias calculadas com base em incapacidades permanentes inferiores a 30%, como é o caso da sinistrada, são obrigatoriamente remidas, ao abrigo do disposto nos artigos 33º, n.º 1 e 41º da Lei n.º 100/97 e 56º, n.º 1, alínea b) e 74º do Decreto-Lei n.º 143/99.
10.- Assim, a douta decisão recorrida violou o prescrito nos artigos 39º, n.º 2 da Lei n.º 100/97 e 1º, n.º 1, alínea c), subalínea i) do Decreto-Lei n.º 142/99.
11.- Termos em que deve a douta decisão recorrida ser revogada na parte em que ordena a atualização do valor da pensão anual e vitalícia, desde 1994 até à data em que deveria ter sido remida, 31-12-2000.
12.- Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve a douta decisão recorrida ser revogada na parte em que ordena a atualização da pensão anual e vitalícia devida à sinistrada desde 1994 até 31-12-2000, devendo ser mantida no remanescente.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–Importa solucionar no âmbito do presente recurso se a pensão devida à sinistrada deverá ser actualizada desde 1994 até 31.12.2000.
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III–Apreciação
À data do acidente estava em vigor a lei nº 2127, de 3/8/1965 e o Decreto nº 360/71, de 21/8. De acordo com o art. 64º deste diploma só poderiam ser remidas as pensões por incapacidades inferiores a 20%.

O Decreto Lei nº 668/75, de 24 de Novembro  veio estabelecer:
Artigo 1.º- As pensões devidas por acidentes de trabalho e doenças profissionais, independentemente da entidade responsável, são sempre calculadas com base na Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e Decreto 360/71, de 21 de Agosto,  e no salário anual de 48000$00, caso a retribuição real anual seja inferior a este valor.
Art. 2.º- Não estão abrangidas pelo disposto no artigo anterior as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30%.
Art. 3.º- 1. As pensões já estabelecidas em tribunal de trabalho serão actualizadas em conformidade com o disposto nos artigos 1.º e 2.
O preâmbulo deste diploma referia: «Nesta fase, dadas as actuais dificuldades e tendo em conta que as desvalorizações inferiores a 30% de um modo geral não representam flagrante redução efectiva na capacidade de ganho da vítima e que a contemplarem-se todas as situações isso seria uma dispersão financeira em flagrante prejuízo dos casos mais graves, optou-se apenas pela actualização dos casos iguais ou superiores a 30%.»
Este diploma foi objecto de alterações quanto ao salário a atender para efeito de actualização (DL nº 456/77, de 2/11, DL nº 286/79, de 13/08 e DL nº 195/80, de 20/06).

O art. 1º do Dec. Lei nº 39/81, de 07/03 veio estatuir :  O artigo 1.º do Decreto-Lei 668/75, de 24 de Novembro passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 1.º As pensões devidas por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais que não sejam da responsabilidade da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais são sempre calculadas com base na Lei 2127, de 3 Agosto  de 1965, no Decreto 360/71, de 21 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 459/79, de 23 de Novembro, e nos salários anuais correspondentes a doze vezes a remuneração mínima mensal legalmente fixada para o sector em que o trabalhador exerce a sua actividade e para o território - continente ou Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira - onde a exerce, desde que a respectiva remuneração anual seja inferior a esses valores.»

Este diploma não veio, contudo, permitir a actualização das pensões independentemente do grau  incapacidade atribuído ao sinistrado ( neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 4-4-2001- www.dgsi.pt).

Apenas era permitida a actualização de pensões iguais ou superiores a 30%.

O que se discutia é se deveria ser vedada a remição de pensões correspondentes a desvalorizações iguais ou superiores a 20% e inferiores a 30%. A este propósito decidiu o Ac. do Tribunal Constitucional de 18 de Maio de 1999 : « Julgar inconstitucional por violação das disposições conjugadas dos artigos 13º, nº 1, 59º, nº 1, alínea f), e 63º, nº 3, todos da Constituição, a norma constante do artº 64º, nº 2, do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 459/79, de 23 de Novembro em conjugação com o artº 2º do Decreto-Lei 668/75, de 24 de Novembro, na parte em que veda, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis, a remição de pensões correspondentes a desvalorizações iguais ou superiores a 20% e inferiores a 30%, desde que o seu valor não exceda o valor da pensão calculada com base numa desvalorização de 20% sobre o salário mínimo nacional».

A Lei 100/97, de 13 de Setembro veio estabelecer o novo regime jurídico em matéria de acidentes de trabalho e sob o art. 41º, nº2 estatuiu que o diploma regulamentar iria definir o regime transitório a aplicar à remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades inferiores a 30%.

O art. 74º do DL nº 143/99, de 30 de Abril (que foi objecto de alteração pelo DL 382-A/99, de 22/09) veio definir as datas em que seriam concretizadas as remições das pensões.

De acordo com o disposto no art. 17º, nº1, d) da lei 100/97 e no art. 56º, nº1, b) do DL. nº 143/99 é obrigatoriamente remível a pensão devida a sinistrado, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.

Conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 11.03.2013- www.dgsi.pt - ao tratar da matéria atinente à actualização de pensões: «Após a vigência da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, esta matéria veio a ser regulada pelo Decreto-Lei n.° 142/99, de 30 de Abril, do qual resulta que as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização, quer nas situações em que o sinistrado se mostrasse afectado de uma incapacidade permanente – fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse ela absoluta para o trabalho habitual – quer nas situações em que do acidente viesse a resultar a morte do sinistrado e a pensão fosse fixada aos seus beneficiários, com excepção das situações em que o valor da pensão fosse inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, caso em que, e à semelhança do que sucede com as pensões por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, seria obrigatoriamente remível (artigo 56.º, da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que regulamentou a Lei 100/97, de 13 de Setembro).»

De acordo com o disposto no art. 1º, nº1, c) i) do referido DL. nº 142/99, compete ao Fundo de Acidentes de Trabalho reembolsar as empresas seguradoras dos montantes relativos às actualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte derivadas de acidentes de trabalho.

Do quadro legal acima referido resulta que a pensão devida à sinistrada não poderia ser objecto de actualização nos anos 1994 a 2000.

Procede, assim, a apelação.
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IV–Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso de apelação e revoga-se a decisão recorrida na parte em que determinou a actualização da pensão nos anos 1994 a 2000.
Sem custas.
Registe e notifique.



Lisboa, 19 de Dezembro de 2018


           
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos