Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11421/16.7T8LSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: VEÍCULO ÚNICO
TRACTOR E SEMI-REBOQUE
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A equiparação do conjunto de veículos a um veículo único para efeitos de circulação, feita no art. 111º nº 2 e 3 do Código da Estrada, não pode ser interpretada como significando que também o mesmo se aplica para fixação de indemnização ao proprietário pelos danos sofridos com a paralisação do tractor e do semi-reboque para transporte de mercadorias em consequência de acidente de viação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório:

Transportes, Lda instaurou acção declarativa comum contra Seguros, SA pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de 42.525,08 € acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese:

em 03/05/2015 ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes um conjunto de veículos de que é proprietária - tractor de mercadorias e atrelado a este um semi-reboque de carga - e um veículo segurado na ré, tendo sido este o causador do acidente;

accionou o seu seguro de danos próprios, mas teve de suportar franquias;

deve ser indemnizada pela paralisação dos veículos e despesas de transporte da carga, despesas com a deslocação do semi-reboque e franquias, num total de 42.525,08 €.

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A ré não contestou a versão do acidente apresentada na petição inicial, mas impugnou a factualidade referente aos danos alegados, concluindo pela improcedência parcial da acção.

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Realizada a audiência final, foi proferida sentença em que foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de 13.273,48 €, depois rectificada para 13.289,48 € por despacho, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do mais que era pedido.

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Inconformada, apelou a autora, terminando a alegação com as seguintes conclusões:

A Na sentença aqui em discussão a Recorrida veio condenada no pagamento à Recorrente da quantia de €13.273,48 (treze mil duzentos e setenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), porém a Recorrente não se conforma com a mesma, o que motiva a apresentação do presente recurso, pelas seguintes razões:

- A sentença é contraditória e incompreensível;

- Incorre em erro de julgamento da matéria de facto, motivo pelo qual se propugna a alteração dos factos considerados provados;

- E ainda incorre em erro na interpretação e aplicação do direito, revelando-se assim manifestamente injusta e desproporcionada.

B Em primeiro lugar, e ainda que o recurso não procedesse pelos restantes motivos, o que apenas se avança por mera necessidade de raciocínio, a sentença deveria sempre ser alterada porquanto é contraditória e incompreensível; isto é, somadas as quantias referidas nos factos provados (franquias e reboque do veículo tractor), o montante calculado a título de paralisação e o montante referente ao transporte do semi-reboque (referidos no ponto III.O Direito), nunca se alcançaria o montante pelo qual a Recorrida veio condenada.

C As referidas quantias - €1.840,88/€639,00/ €10.433,60 e €650,00 – adicionadas totalizam €13.563,48, e não €13.273,48.

D Porém, entende ainda a Recorrente que não se poderia ter considerado 40 dias úteis de paralisação, visto que desde o dia do acidente, que ocorreu a 3 de Maio de 2015, ao dia 9 de Julho de 2015, conforme decorre dos factos considerados provados, temos os seguintes dias úteis:

Mês de Maio – 20 dias úteis;

Mês de Junho – 20 dias úteis;

Mês de Julho – 6 dias úteis.

O que soma 46 dias úteis, e que à razão de €253,99, totaliza a quantia de €11.683,54.

E De onde, no mínimo a Recorrida deveria ter sido condenada a pagar à Recorrente a quantia de €14.813,42 (franquias - €1.840,88 / reboque do veículo tractor de mercadorias - €639,00 / transporte do semi-reboque - €650,00 e paralisação - 11.683,54). Razões pelas quais a decisão deverá ser alterada nos termos aqui propugnados, condenando-se a Recorrida no pagamento à Recorrente da quantia de €14.813,42, a que acrescerão juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

F No entanto, entende ainda a Recorrente que a decisão deverá ser alterada porquanto a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos seguintes termos:

Ao dar como provado o seguinte: 16. A A. teve ainda que custear despesas com a deslocação do semi-reboque, desde o local do acidente, até ao expedidor, em Pombal.

E como não provado o seguinte: 3. A A. teve ainda que custear despesas com a deslocação do semi-reboque, desde o local do acidente, até ao expedidor, em Pombal, na quantia de €1.300,00 (mil e trezentos euros).

G De acordo com o depoimento da Testemunha MC, que se encontra transcrito com indicação das passagens concretas da gravação da audiência de julgamento no n.º 13 supra das Alegações, deveria ter sido dado como provado o seguinte: A A. teve ainda que custear despesas com a deslocação do semi-reboque, desde o local do acidente, até ao expedidor, em Pombal, na quantia de €1.300,00 (mil e trezentos euros).

H E consequentemente condenando-se a Recorrida no pagamento desta

quantia à Recorrente, e não no pagamento da quantia de €650,00, conforme erroneamente foi decidido.

I A Testemunha MC, com conhecimento directo dos factos, prestou um depoimento claro, isento e convincente, referindo que foi aquela a quantia despendida com a deslocação do semi-reboque, efectuada pela própria Recorrente, isto é, com os seus meios, deslocando um tractor para o efeito, que foram efectuados 705 quilómetros e ainda necessários três dias para esta operação; explicou ainda que efectuou o cálculo da referida quantia, com base numa diária de €250,00, multiplicada por três dias, e ainda com base nos quilómetros realizados. De onde não se compreende que a Meritíssima Juiz considere que a Testemunha apenas confirmou que a Autora fez deslocar um tractor para trazer o semi-reboque, percorrendo 705 quilómetros para o efeito, o que não se verificou de todo, conforme fica demonstrado.

J Além disso, exigir a apresentação de um documento para prova deste facto conforme é referido, e uma vez que foi a própria Recorrente que efectuou com os seus meios a deslocação do semi-reboque, é exigir uma prova impossível.

K Razões pelas quais, não deveria a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ter recorrido à equidade para fixação do valor despendido pela Recorrente com o transporte do semi-reboque, que aliás não se compreende, mas sim devia recorrido à prova produzida e fixando-o no montante de €1.300,00.

L Por último, a Recorrente considera ainda que a decisão falha gravemente e discorda do decidido pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo no que se refere ao cálculo do montante devido a título de paralisação visto que se considerou o conjunto de veículos como um só para efeitos do cálculo da indemnização.

M Na verdade não se compreende que se dêem como provados períodos distintos de paralisação para cada veículo, 13 dias e 67 dias, e bem, e depois se venha a concluir desta forma, o que é contraditório. Ademais, justifica-se a consideração de diferentes períodos porque os veículos são diferentes, têm usos distintos e uma utilidade económica também diferente.

N Por outro lado, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, com o devido respeito, interpretou e aplicou incorrectamente o artigo 111.º do Código da Estrada. O artigo refere que se considera conjunto de veículos o grupo constituído por um veículo tractor e seu reboque ou semi-reboque, o que é o caso. E unicamente para efeitos de circulação, o conjunto de veículos é equiparado a veículo único, justamente o disposto no n.º 3 do referido artigo.

O Aliás como sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2003, disponível em www.dgsi.pt . e a que se adere na íntegra.

P Pelo exposto, também nesta parte a sentença deverá ser alterada, calculando-se uma indemnização pela paralisação de cada um dos veículos nos seguintes termos, e condenando-se a Recorrida no pagamento das mesmas:

a.- Tractor de mercadorias – 46 dias úteis à razão de €253,99, no total de €11.683,54;

b.- Semi-reboque – 10 dias úteis à razão de €253,99, no total de €2.539,99.

Nestes termos e nos melhores de direito supridos, deverá ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a sentença recorrida e alterando-se a mesma, nos termos pretendidos, com o que se fará a costumada justiça.

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A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:

- se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada

- se a indemnização deve ser fixada tendo em consideração que o tractor e o semi-reboque são veículos com usos distintos e utilidades económicas diferentes

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IIIFundamentação.

A)Na sentença recorrida vem dado como provado:

1.- No dia 03 de Maio de 2015, cerca das 23:50 horas, na via A62, ao KM 350,640, em Fuentes de Oñoro, Ciudad Rodrigo, Salamanca, Espanha, ocorreu um acidente de viação.

2.- O local do acidente é uma recta, na estrada supra identificada, com duas faixas, uma para cada sentido, e com um separador.

3.- O acidente ocorreu quando o veículo propriedade da A. circulava na sua mão de trânsito, junto à berma direita, na A62, sentido Portugal – Salamanca, ao Km 350, 640, e de súbito o veículo segurado da R., que seguia na outra faixa de rodagem, sentido Salamanca – Portugal, invade a faixa de rodagem do veículo da A., em contramão, embatendo neste;

4.- No momento do acidente era noite e o tempo estava seco.

5.- No acidente foram intervenientes os seguintes veículos: - O tractor de mercadorias de marca RENAULT, matrícula X, que tinha atrelado o semi-reboque de carga marca CHEREAU, matrícula L-X com caixa frigorífica. - O veículo ligeiro de marca OPEL, modelo VECTRA, matrícula H.

6.- O veículo de transporte de mercadorias era conduzido por AB, empregado da A., no interesse e por conta desta, proprietária do tractor de mercadorias e do semi-reboque, e o veículo ligeiro era conduzido pelo respectivo proprietário;

7.- O embate supra referido provocou danos materiais quer no tractor de mercadorias, quer no semi-reboque, na frente e lateral esquerda; e ainda provocou a destruição total da carga, que era composta por 28 paletes com ovos.

8.- A A. accionou o seu seguro de danos próprios de forma a resolver a situação rapidamente.

9.- O tractor de mercadorias foi considerado como perda total, atendendo ao custo da reparação e ao capital seguro, e o semi-reboque foi reparado;

10.- Em virtude do acidente a Autora suportou as franquias: no montante de €807,19 (tractor de mercadorias) e €1.033,69 (semi-reboque), no total de €1.840,88 (mil oitocentos e quarenta euros e oitenta e oito cêntimos).

11.- E esteve privada do uso dos veículos, que utilizava diariamente, até à data do acidente, na prossecução da sua actividade, que é o transporte rodoviário de mercadorias.

12.- O semi-reboque, esteve parado durante cerca de 13 dias, desde o dia do acidente até ao dia 16 de Maio de 2015, data em que foi concluída a reparação;

13.- O tractor de mercadorias, esteve parado desde o dia do acidente, e até ao dia em que a A. foi ressarcida do seu valor, a 9 de Julho de 2015.

14.- A carga que o veículo transportava na altura do acidente, composta de 28 paletes com ovos, ficou completamente destruída em virtude do acidente.

15.- A A. teve ainda que custear despesas com o reboque do tractor de mercadorias que ficou impedido de circular em virtude do embate, do local onde esteve parqueado em Porto da Carne para a sua sede, em Arruda dos Vinhos, no montante de €639,00.

16.- A A. teve ainda que custear despesas com a deslocação do semi-reboque, desde o local do acidente, até ao expedidor, em Pombal.

17.- A responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo de matrícula encontrava-se transferida para a Ré através da apólice TT

18.- Foi celebrado um acordo entre a ANTRAM e APS para fixação da indemnização pela paralisação de veículos de transporte a que corresponde o valor diário de 253,99 euros para o caso de serviços internacionais e com respeito a veículos pesados superiores a 26 toneladas até 40 toneladas.

19.- Resulta de tal acordo que a paralisação corresponde ao período de imobilização da viatura aguardando peritagem, o período de tempo em que se aguarda disponibilidade dos serviços de reparação na oficina e o período de tempo para reparação dos danos, não sendo considerados sábados, domingos e feriados oficiais.

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B) E vem dado como não provado:

1.- A Autora despendeu diariamente a quantia de 253,69 euros para substituição de cada um dos veículos aqui em causa, a fim de prosseguir a sua actividade.

2.- A A. teve que custear a carga transportada e ainda despesas de logística, no total de €17.800,00 (dezassete mil e oitocentos euros) e €650,00 (seiscentos e cinquenta euros), respectivamente.

3.- A A. teve ainda que custear despesas com a deslocação do semi-reboque, desde o local do acidente, até ao expedidor, em Pombal, na quantia de €1.300,00 (mil e trezentos euros).

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C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Sustenta a apelante que deve ser dado como provado: «A A. teve ainda que custear despesas com a deslocação do semi-reboque desde o local do acidente até ao expedidor, em Pombal na quantia de 1.300 €», alterando-se assim a matéria constante do ponto 16. dos factos provados e eliminando-se o ponto 3 dos factos não provados.

Invoca o depoimento da testemunha MC e diz que exigir a apresentação de documento para prova é exigir prova impossível.

Por seu lado, entende a apelada que deveria ter a apelante documento contabilístico justificativo daquele custo e que não é plausível que o transporte do semi-reboque tenha custado sensivelmente o dobro do transporte do tractor.

Na sentença recorrida exarou-se:

«Sobre o valor gasto pelo Autor com a deslocação do tractor o Tribunal teve em conta a factura de fls 17 verso, conjugada com o depoimento da testemunha MC, funcionário do Autor, que confirmou o seu pagamento.

Contudo, relativamente ao valor despendido pelo Autor com a deslocação do semi-reboque, nenhum documento foi apresentado que comprovasse a despesa em causa, nem a testemunha conseguiu convencer o Tribunal dos gasto alegado, confirmando apenas que o Autor fez deslocar um tractor para trazer o semi-reboque, percorrendo 705 km para o efeito, único facto que demos por demonstrado.».

Na petição inicial vem alegado:

«Por último, a A. teve ainda que custear despesas com a deslocação do semi-reboque, desde o local do acidente, até ao expedidor, em Pombal, na quantia de € 1.300 (mil…); e ainda com o reboque do tractor de mercadorias, que ficou impedido de circular em virtude do embate, do local onde esteve parqueado em Porto da Carne para a sua sede em Arruda dos Vinhos, no montante de € 639,00 (seiscentos …), vide doc. nº 9 que se junta.».

Apreciando.

Decorre do art. 5º nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.

O art. 342º nº 1 do Código Civil (CC) dispõe: «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».

O art. 414º do CPC estabelece que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

«A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.» (art. 396º do CC).

«O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.» (nº 5 do art. 607º do CPC).

A lei não exige que a alegada despesa com a deslocação do semi-reboque seja provada por documento.

E a verdade é que a apelante nenhum documento juntou, pretendendo fazer prova unicamente com o depoimento da testemunha MC, seu funcionário, e que se identificou como exercendo as funções de escriturário.

Explicou este que a apelante deslocou o semi-reboque de Porto da Carne para Pombal para aí descarregar a mercadoria (ovos) e daí para Arruda dos Vinhos, utilizando para o efeito um tractor seu que partiu desta localidade, que «Isso teve um custo de 1300 €», correspondente ao «valor das diárias» - 250 € /dia - e ao valor dos quilómetros - 78 cêntimos /dia -, que o tractor percorreu 705 km e que ocupou-se 3 dias com tudo.

No entanto, na petição inicial vem alegado que a apelante custeou a despesa com a deslocação do semi-reboque desde o local do acidente- ou seja, desde Fuentes de Onoro- até Pombal,e é isso que vem dado como provado no ponto 16 sem impugnação, pelo que é esse o local que temos de considerar.

Por outro lado, nada vem alegado na petição inicial sobre a forma como foi calculado aquele valor, designadamente a ocupação de um condutor e de um reboque durante três dias, que, segundo a testemunha, foram necessários para descarregar manualmente as paletes com os ovos.

Referiu a testemunha que o custo diário do tractor que deslocou o semi-reboque foi calculado com base numa tabela que tem a apelante. Ora, se assim é, não tem fundamento a alegação de que exigir a apresentação de um documento para prova do custo de 1.300 € «é exigir uma prova impossível», tanto mais que decorre dos autos que tem escrita organizada - cfr certidão permanente junta com a petição inicial.

Portanto, o depoimento da testemunha não é suficiente para formar a convicção de que a apelante suportou a dita despesa de 1.300 €, improcedendo assim a impugnação.

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C)O Direito.

Discorda a apelante da 1ª instância na parte em que para efeito de fixação da indemnização pela imobilização do reboque e do semi-reboque considerou tratar-se de um só veículo por aplicação do art. 111º nº 3 do Código da Estrada.

Sustenta também a apelante que se deveria ter considerado 46 dias úteis de paralisação e não 40, desde o dia do acidente - 09/07/2015 - até 09/07/2015, o que, à razão de 253,99 €/dia totaliza 11.683,54 €

Na sentença recorrida ponderou-se:

«Dos factos resulta que o semi-reboque esteve parado 13 dias, desde a data do acidente até à data da sua reparação e que o tractor de mercadorias esteve imobilizado durante 67 dias, até à data do pagamento da indemnização pela sua perda total.

Considerando a necessidade de reparação e substituição dos veículos que ficaram danificados pelo embate, não se discute o nexo de causalidade entre o acidente e a paralisação pelo tempo necessário para efectuar a reparação.

Não estando demonstrado o gasto efectivo, recorreremos para fixar a quantia devida para indemnizar tal dano, ao acordo firmado entre ANTRAM e APS, considerando que o conjunto de veículos deve ser considerado como um só para efeitos do cálculo desta indemnização, conforme art. 111º, nº 3 CE e fixando-se assim o valor da indemnização em 10.159,60 euros, reduzindo os dias de paralisação aos dias úteis, nos termos do mesmo acordo (253,99 euros x 40 dias).».

Vem dado como provado:

«Foi celebrado um acordo entre a ANTRAM e APS para fixação da indemnização pela paralisação de veículos de transporte a que corresponde o valor diário de 253,99 euros para o caso de serviços internacionais e com respeito a veículos pesados superiores a 26 toneladas até 40 toneladas.», e que «Resulta de tal acordo que a paralisação corresponde ao período de imobilização da viatura aguardando peritagem, o período de tempo em que se aguarda disponibilidade dos serviços de reparação na oficina e o período de tempo para reparação dos danos, não sendo considerados sábados, domingos e feriados oficiais.».

Realmente, desde o dia 03 de Maio inclusive até ao dia 09 de Julho exclusive temos 67 dias consecutivos. Mas excluindo os sábados e domingos e os feriados nacionais de 4 e 10 de Junho, temos 46 dias úteis. Assim, não está correcto o cálculo da indemnização pela paralisação do reboque e do semi-reboque com base em 40 dias úteis, pelo que a acolher a tese exposta na sentença de que o conjunto destes veículos deve ser considerado como um só, o valor seria de 11.683,54 €.

Dispõe o art. 111º do Código da Estrada:

«(…)

2- Conjunto de veículos é o grupo constituído por um veículo trator e seu reboque ou semirreboque.

3- Para efeitos de circulação, o conjunto de veículos é equiparado a veículo único.».

De harmonia com o preceituado no art. 9º nº 2 do Código Civil não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Assim, a equiparação do conjunto de veículos a um veículo único para efeitos de circulação não pode ser interpretada como significando que também o mesmo se aplica para fixação da indemnização ao proprietário pelos danos sofridos em consequência dos estragos causados no tractor e no semi-reboque.

Mas na contra-alegação diz a apelada - reiterando o que defendeu na contestação - que foi com base no pressuposto de serem considerados estes veículos como uma única realidade que foi celebrado o acordo entre a ANTRAM e a APS cfr documentos 2 e 3 da contestação.

No art. 3º desse Acordo lê-se:

«1. A Seguradora obriga-se perante a 1ª Outorgante a liquidar aos Associados desta as importâncias constantes do anexo a este acordo para a paralisação dos seus veículos conforme a sua classificação - (Anexo 1).

2.A prova a efectuar sobre o tipo de veículo e tipo de serviço consiste na apresentação de fotocópia do livrete e da licença emitida pela Direcção geral dos Transportes Terrestres.

3.Conceito de Paralisações e Regras de Pagamento

3.1.Por paralisação entende-se o período de tempo da imobilização da viatura aguardando peritagem, o período de tempo em que se aguarda disponibilidade dos serviços de reparação na oficina e o período de tempo para reparação dos danos.

(…)».

No Anexo 1 consta que o valor diário pela paralisação, para o serviço internacional, de veículos pesados superiores a 26 e até 40 toneladas é de 253,69 €.

Na petição inicial é reclamado o valor diário de 253,69 € quanto ao tractor e o valor diário de 235,69 € quanto ao semi-reboque, sem que se explique a razão desta diferença, e sendo certo que naquele Anexo não consta este último valor. Repare-se, aliás, que na alegação recursiva, vem reclamado o valor diário de 253,99 € para ambos e que corresponde ao mencionado no ponto 18 da matéria de facto.

Nos certificados de matrícula - docs. 3 e 4 juntos com a petição inicial a fls. 10, 10v e 11 destes autos - lê-se que o «peso bruto em circulação nacional» do tractor é de 40.000 kg - 40 toneladas - e que o «peso bruto em circulação nacional» do semi-reboque é de 33.500 kg - 30,5 toneladas. O total deste conjunto perfaz 70,5 toneladas, peso este que não está contemplado no Anexo, já que o peso máximo ali indicado é 40 toneladas.

Além disso, o Anexo reporta-se às categorias dos veículos, o que não sucede no art. 111º do Código da Estrada.

Portanto, conclui-se que nos termos do acordo entre a ANTRAM e a APS deve a apelante ser indemnizada pela paralisação de cada um dos veículos em função da respectiva categoria.

Assim, para o tractor temos o valor de 11.669,74 € (253,69 € x 46 dias úteis) e para o semi-reboque temos o valor de 2.536,90 € (253,69 € x 10 dias úteis).

Concluindo, procede parcialmente a apelação.

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IVDecisão.

Pelo exposto, julga-se parcialmente a apelação e alterando-se a sentença recorrida, condena-se a apelada a pagar à apelante a quantia de 17.336,52 € acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do mais que era pedido.

Custas por apelante e apelada na proporção de vencido.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018

Anabela Calafate

António Manuel Fernandes dos Santos

Eduardo Petersen Silva