Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/22.8JBLSB-A.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: MEDIDA DE COACÇÃO
ARGUIDO INIMPUTÁVEL
CUMPRIMENTO EM MEIO PRISIONAL
ESTABELECIMENTO HOSPITALAR VOCACIONADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Havendo sérias necessidades de segurança, fundadas em perigo sério para bens jurídicos do próprio ou de terceiros ou de fuga, que requeiram a sua afetação a estabelecimento ou unidade integrados nos serviços prisionais, será nesse tipo de estabelecimento que o inimputável será afeto.
- E ainda que tais necessidades não existam, não havendo vaga, o inimputável manter-se-á em hospital prisional.
- Por seu turno, essa inicial afetação pode e deve vir a ser revisitada, isto é, reponderada e alterada, se se verificarem circunstâncias supervenientes que determinem a necessidade de internamento em estabelecimento hospitalar diverso daquele em que inicialmente o inimputável foi afeto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
*
I – relatório
1. Na sequência de requerimento apresentado pelo arguido DH, que peticionava a alteração da medida coactiva de prisão preventiva a que está sujeito, foi proferido despacho, em 28.11.2022, indeferindo tal pedido.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso desse despacho, pedindo que seja alterada a medida de coacção a que o arguido detido está sujeito, nos termos do art.º 212º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPP, mediante determinação de internamento preventivo na instituição supra identificada – Hospital Júlio de Matos.
 3. O recurso foi admitido.
4. O Mº Pº do tribunal de 1ª instância pronunciou-se no sentido de o recurso dever ser considerado improcedente.
5. Neste tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se igualmente no sentido da improcedência do recurso.

II – questão a decidir.
Alteração da medida coactiva imposta.
           
iii – fundamentação.
Alteração da medida coactiva imposta.
1. O despacho que indeferiu a pretensão do arguido, tem o seguinte conteúdo:
Por despacho de 08-06-2022, o arguido DH foi sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, estando fortemente indiciado da prática de factos susceptíveis de configurarem crime de coacção contra órgãos constitucionais, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 23.º, n.ºs 1 e 3 a contrário, 73.º e 333.º; de crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, e crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 2.º, n.º 5, alínea n), e 3.º, alínea aa),todos da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na versão da Lei n.º 50/2019, de 24-07.
A prisão preventiva foi aplicada na modalidade de internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado.
O INML remeteu relatório de perícia psiquiátrica em ref. 33697612, de 27-09-2022, através do qual conclui que «o examinando padecia de uma anomalia psíquica à data dos factos descritos nos autos. Esta anomalia psíquica, que engloba alterações do conteúdo do pensamento, i.e., delírios de teor megalómano e persecutório, e do humor, com episódio maníaco, traduz-se numa constelação psicopatológica com suficiente dinamismo para conseguir interferir como adequado pensamento do examinando e a inerente capacidade em avaliar a ilicitude, mediante interpretações delirantes (irreais), como subsequente comportamento desorganizado e algo exuberante, que demonstrou na Assembleia da República, na data dos factos. E neste contexto ocorre o “agir” ilícito de um portador de anomalia psíquica, e por causa dela, sendo possível estabelecer o necessário nexo de causalidade médico-legal psiquiátrica. Esta anomalia psíquica era, e é, grave, não acidental e o examinando não domina os seus efeitos em situação de descompensação, de estado psicótico maníaco, o que se verificava in casu. O examinando, à datados factos, não se encontrava capaz, em virtude da anomalia psíquica referida e da qual era detentor, de avaliar a ilicitude dos mesmos. (…) O examinando deverá ser sujeito ao necessário tratamento do quadro psicótico maníaco actual agudo e posteriormente deverá ser sujeito a intervenções de Psicoeducação e Reabilitação Cognitiva, em Unidade Psiquiátrica adequada, na comunidade, ainda que em regime compulsivo».
No dia 15-11-2022 foi proferido despacho de acusação, por factos susceptíveis de configurarem os sobreditos crimes, pugnando o Ministério Público, em síntese, por se manter o estatuto coactivo do arguido, e preconizando que em, em sede de julgamento, seja aplicada ao arguido uma medida de segurança por o mesmo ser inimputável por anomalia psíquica.
Cumpre, por isso, agora proceder ao reexame ao abrigo do gizado pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
É, atenta a fase processual em curso, desnecessário proceder, neste momento, à audição do arguido (artigo 213.º, n.º 3, a contrario, do Código de Processo Penal).
Desde o último reexame, assim como desde o despacho inicial, não se vislumbra que tenham ocorrido quaisquer alterações relevantes, de facto e de direito, que infirmem o juízo concernente à adequação, legalidade, necessidade e suficiência do estatuto coactivo actual do arguido, o qual se revela ainda, destarte, proporcional e necessário, dando-se por reproduzidos, também, os fundamentos invocados aquando da prolação dos sobreditos despachos.
Deste modo, determina-se que DH aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, na modalidade de internamento preventivo, ao abrigo do consagrado nos artigos 191.º a195.º, 202.º, n.º 2, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal, além do TIR.

2. As razões do recorrente, fundamentadoras do seu pedido de alteração da medida coactiva imposta, são as seguintes:
A. A medida de coacção aplicada, na forma de internamento preventivo (prisão preventiva) em clínica do estabelecimento prisional de Caxias, é mais gravosa do que o internamento preventivo no Hospital Júlio de Matos.
B. O internamento preventivo no Hospital Júlio de Matos é uma medida de coacção bastante e eficaz para garantir a impossibilidade de continuação de actividade criminosa e de perturbação da ordem pública ou coacção sobre órgão constitucional.
C. O internamento preventivo no Hospital Júlio de Matos é idóneo e o meio mais adequado para a recuperação do arguido nos curto e médio prazos.
D. Nos termos do art.º 212º, n.º 3, verificando-se uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida mais gravosa – prisão preventiva – o juiz deve substituí-la por outra menos gravosa na sua execução.

3. Apreciando.
Para que possa haver lugar a uma alteração da medida coactiva imposta, o pedido terá de radicar numa concreta verificação de uma atenuação das exigências cautelares.
Isso significa que só poderá haver lugar a eventual deferimento desse pedido, caso sejam invocadas (ou decorram directamente dos autos) circunstâncias posteriores (ou de conhecimento posterior), que não tenham sido ponderadas no momento em que foi proferida a decisão quanto à imposição da medida coactiva inicial.
De facto, embora a decisão de imposição de medida coactiva de prisão preventiva não se possa entender como absolutamente definitiva (no sentido de, transitado em julgado o despacho que a decretou, jamais poder ser alterada), pois a lei prevê e permite a sua reapreciação, alteração, extinção e até revogação (como decorrência da sujeição à aplicação das medidas coactivas da condição "rebus sic stantibus"), a verdade é que, fora das circunstâncias expressamente previstas na lei (designadamente nos art.ºs 212 do C.P.Penal), tal decisão não pode ser alterada, nem modificada, se se mantiverem, se subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.
O tribunal não pode, assim, alterar ou revogar a decisão relativa à imposição de uma medida coactiva (qualquer que ela seja, com excepção do TIR), sem que tais circunstâncias supervenientes atenuativas se verifiquem, sob pena de, fazendo-o, provocar a instabilidade jurídica que advém de julgados contraditórios, que abalam os valores de certeza ou segurança jurídica que estão na base do caso julgado.

4. Vejamos então o caso dos autos.
Comecemos por assinalar que o despacho ora posto em crise se trata de mera repetição de uma posição já anteriormente assumida, em pretéritos despachos judiciais, que se debruçaram sobre pedido formulado pelo arguido, em precisamente idêntico sentido.
Fundou sempre o arguido tal pedido, na alegação de que:
O arguido foi novamente agredido por outro detido (sem que lhe tenha dado causa), sofrendo concussão no braço esquerdo e queixas na perna direita, não tendo participado à Guarda e aos assistentes médicos o facto por receio de represálias do agressor.
Esta situação só prejudica a sua estabilidade psíquica e recuperação.
O detido está agora consciente dos episódios de delírio que teve e a que está sujeito se não mantiver tratamento e acompanhamento psiquiátrico. Por esse motivo, no que toca à sua saúde e ao seu tratamento, o detido demonstrou inequivocamente desejo de voltar a ser acompanhado pelos médicos psiquiatras do Hospital Júlio de Matos que conhecem o seu processo pelo acompanhamento anterior que já lhe prestaram.
O arguido detido, aceita o seu internamento compulsivo no hospital Júlio de Matos, quer como alternativa à prisão preventiva, quer como medida preventiva, por reconhecer ter necessidade de apoio psiquiátrico, para conseguir a sua nova reinserção na vida activa.

5. O pedido que o arguido formula apenas se mostra de passível apreciação, se se puder entender que ocorreu alteração das circunstâncias e dos perigos que determinaram a imposição da medida coactiva de prisão preventiva, decisão esta que se reporta a Junho de 2022 e que foi já, por mais do que 3 vezes, mantida, tendo sido indeferidos os pedidos de alteração entretanto formulados pelo arguido, sem que este tivesse desses despachos interposto recurso.

6. Ora, o que o arguido novamente vem agora alegar, foi o que já anteriormente invocou, em sede dos pedidos de alteração que anteriormente colocou ao tribunal “a quo” e com cujo indeferimento se resignou.
Nada de novo, perante o que aí então afirmava, consta deste pedido e deste recurso, pelo que, em bom rigor, não podemos deixar de entender que a questão de tais fundamentos não preencherem os requisitos consignados no art.º 212 do C.P.Penal (que permitiriam a alteração da medida coactiva imposta, por diminuição das exigências cautelares) se mostra, quanto a tais circunstâncias, definitivamente decidida, por ausência de impugnação tempestiva.
Apenas caso novas circunstâncias viessem a ser alegadas pelo arguido, poderia este tribunal reponderar uma decisão que se mostra transitada em julgado, dentro desses estritos limites.
Daí que o presente recurso se mostre, desde logo, manifestamente improcedente.

7. Não obstante e ainda que assim se não entendesse, sempre se diria o seguinte:
A circunstância de o arguido ter sido alegadamente agredido no Hospital-prisão, é situação que deve ser averiguada junto dos serviços prisionais, uma vez que a estes cabe a protecção da saúde e do bem-estar dos cidadãos que têm à sua guarda, imputáveis ou inimputáveis. É algo que deve ser analisado e impedida a sua repetição, sendo certo que não cabe nas competências deste tribunal a realização de tal tarefa.
Sucede, todavia, que de tal circunstância não resulta qualquer atenuação de exigência cautelar.

8. Por seu turno, o facto de agora o arguido se encontrar medicado e ter consciência de que deve continuar a sê-lo, não implica que, sendo alterada a medida coactiva de prisão preventiva por uma medida de internamento compulsivo, essa adesão à terapêutica se mantenha, por virtude de estar a ser seguido no HJM. Efectivamente, pela análise dos autos constata-se que o arguido era seguido em tal estabelecimento hospitalar desde 2016 e, não obstante, terá actuado do modo descrito nos autos; isto é, a comprovar-se a sua inimputabilidade, a verdade é que o tratamento e a necessidade de o manter, juntamente com a eventual toma de medicamentos, não ficou assegurada neste esquema de tratamento em sede desta instituição hospitalar.
Note-se, aliás, que no relatório do INML se afirma que “O examinando deverá ser sujeito ao necessário tratamento do quadro psicótico maníaco actual agudo e posteriormente deverá ser sujeito a intervenções de Psicoeducação e Reabilitação Cognitiva, em Unidade Psiquiátrica adequada, na comunidade, ainda que em regime compulsivo”
Assim, o que parece decorrer do relatório do Sr. Perito, é que a eventual fase de tratamento compulsivo na comunidade (isto é, fora de um hospital prisão) só poderá mostrar-se viável, uma vez realizado o tratamento do quadro psicótico maníaco actual agudo. Ora, em parte alguma afirma o Sr. Perito que este quadro se mostra, de momento, ultrapassado, pelo que se não pode entender ter ocorrido circunstância atenuante das exigências cautelares, que permita a revogação da medida coactiva de prisão preventiva.

9. Transcrevemos, nesta sede, o despacho proferido no âmbito do recebimento da acusação, na parte que se debruçou sobre a manutenção da medida coactiva imposta (despacho este não alvo de impugnação), por se concordar com o seu teor e por no mesmo se dar ênfase à circunstância de o acompanhamento realizado ao arguido, pelo HJM, não se ter demonstrado efectivo, no sentido da prevenção do incidente em apreciação neste processo, por fraca aderência terapêutica do recorrente:
São condições de aplicação da medida de coação de prisão preventiva a verificação dos pressupostos, da existência de fortes indícios da prática de um dos crimes previstos no artigo 202.º do Código de Processo Penal (cfr. artigo 27.º, n.º 3, alínea b), da CRP) e verificação dos requisitos gerais de aplicação das medidas de coação: perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, perigo em razão das circunstâncias do crime ou da personalidade da arguida, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa (cfr. artigo 204.º do Código de Processo Penal).
As medidas de coação encontram-se sujeitas aos princípios da adequação e proporcionalidade, ou seja, deverão cumprir as finalidades cautelares que se visam atingir com a aplicação da medida e por outro lado, deverão ser proporcionais à gravidade do facto (artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), estatuindo o n.º 2 do mesmo artigo que a prisão preventiva só poderá ser aplicada quando se mostrem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.
De acordo com o relatório de perícia psiquiátrica médico-legal a que o arguido foi sujeito, resulta que este padece de “anomalia psíquica grave”, a qual é codificada pela Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial de Saúde (OMS) com F25.0
Tal doença exige terapêutica de acompanhamento psiquiátrico em Unidade de Internamento Psiquiátrico de doentes agudos.
O arguido foi tendo ao longo do tempo acompanhamento psiquiátrico de forma algo irregular e com fraca adesão terapêutica. Tem historial de 4 internamentos em psiquiatria, o primeiro em 2016, o último em 2022, com diagnóstico de Psicose SOE, e perturbação da personalidade, teve alta medicado com “Paliperdona” injetável 100mg/mensal e “Valproato” de sódio 500mg 2id. Nessa altura terá sido encaminhado para comunidade terapêutica.
O arguido padecia de uma anomalia psíquica grave à data dos factos descritos. Esta doença engloba alterações do conteúdo de pensamento, isto é, delírios de teor megalómano e persecutório, e de humor, com episódio maníaco, traduz-se numa constelação psicopatologia com suficiente dinamismo para conseguir interferir com adequado pensamento e a inerente capacidade em avaliar a ilicitude, mediante interpretações delirantes (irreais) com o subsequente comportamento desorganizado e algo exuberante, como demostrou ao praticar os factos em causa.
Embora, se encontre medicado, porém, necessita de cuidados hospitalares em Unidade de Internamento Psiquiátrico de doentes agudos, para tratamento do quadro psicótico maníaco actual agudo.
As condutas praticadas pelo arguido são muito graves, e há sério perigo que o mesmo venha a manter comportamentos similares ou mais graves, se restituído à liberdade, e se deixar de ser acompanhado clínica e farmacologicamente ao problema de saúde de que padece.
Assim, conclui-se que subsistem os pressupostos de facto e de direito que conduziram à aplicação ao arguido da medida coactiva de prisão preventiva na modalidade de internamento preventivo em hospital psiquiátrico, tendo as diligências de investigação já realizadas reforçado os indícios já existentes concretizados na acusação deduzida, permanecendo o perigo de continuação da actividade criminosa e de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

10. Acresce que, no momento presente, foi já proferida decisão – embora ainda não transitada em julgado – que declarou o arguido inimputável perigoso e aplicou-lhe uma medida de internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, pelo período mínimo de 3 anos e até cessar a perigosidade do mesmo, com o limite máximo de 8 anos.
Nessa mesma decisão foi determinada a manutenção da medida coactiva de prisão preventiva, na modalidade de internamento preventivo em hospital psiquiátrico, até ao trânsito em julgado desse acórdão (Com o trânsito em julgado do presente acórdão, extinguem-se as medidas de coacção a que o arguido se encontra sujeito (artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal), sendo que até lá o arguido continuará a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de prisão preventiva na modalidade de internamento preventivo em hospital psiquiátrico aplicada ao arguido aquando do seu primeiro interrogatório judicial de arguido detido realizado em 08 de Maio de 2022, na medida em que com a presente decisão resultaram reforçados os pressupostos, de facto e de direito, que determinaram a sujeição do arguido a tal medida.).
Não obstante, determinou ainda tal decisão que após tal trânsito, fosse comunicado ao TEP, bem como ao Estabelecimento Prisional onde o arguido se encontra recluso, e à DGRSP, solicitando que diligenciem pela colocação do arguido em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, para cumprimento da medida que lhe foi aplicada, informando-se este Tribunal do estabelecimento para onde o arguido deverá ser conduzido.
Temos, pois, que, no presente, se mantém e se reforçaram as circunstâncias que determinaram a imposição ao arguido da medida coactiva de prisão preventiva, na modalidade de internamento preventivo em hospital psiquiátrico, o que mais reforça o sem razão do pedido formulado pelo recorrente.

11. Finalmente e mais relevantemente:
Há ainda que abordar o derradeiro e fundamental argumento da improcedência do pedido formulado pelo recorrente e que se reconduz tão-somente ao seguinte: Não está na disponibilidade do inimputável a escolha do estabelecimento hospitalar onde cumprirá internamento preventivo ou medida de segurança, algo que resulta inequivocamente da lei.
Senão vejamos.

12. O despacho n.º 12406/2019, de 27 de Dezembro classificou, como unidades de saúde mental não integradas nos serviços prisionais, vocacionadas para a execução das medidas de segurança de internamento de inimputável, de internamento de imputável em estabelecimento destinado a inimputáveis e de internamento preventivo, as unidades de internamento de psiquiatria forense integradas nos seguintes estabelecimentos hospitalares:
a) Hospital Magalhães Lemos, E. P. E., sito no Porto;
b) Hospital Sobral Cid, sito em Coimbra, integrado no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, E. P. E.;
c) Hospital Júlio de Matos, sito em Lisboa, pertencente ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

13. Por seu turno, estipulam os art.ºs 6º e 7º do Decreto-Lei n.º 70/2019, de 24 de Maio o seguinte (sublinhados nossos):
Avaliação inicial e afectação do internado
Artigo 6.º
Avaliação inicial
1 - Com vista à avaliação prevista no artigo 19.º do Código, o internado ingressa inicialmente em estabelecimento ou unidade integrados nos serviços prisionais, para o efeito designado por despacho do diretor-geral.
2 - O internado recebe cuidados médico-psiquiátricos permanentes, desde o momento do ingresso.
3 - A avaliação inicial é realizada nos termos previstos no artigo 19.º do Código e nos artigos 19.º e 67.º do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de abril, na sua redação atual, e inclui uma avaliação clínico-psiquiátrica forense, bem como a audição do internado sobre a sua futura afetação.
4 - Logo que concluída, a avaliação é remetida aos serviços centrais da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) para efeitos de decisão sobre a afetação.
Artigo 7.º
Afetação
1 - A decisão de afetação baseia-se na avaliação dos riscos e necessidades individuais do internado, em especial as necessidades clínicas, de reabilitação, de segurança e de reinserção social, documentados nos seguintes elementos:
a) Decisão judicial que tiver aplicado o internamento;
b) Relatórios sociais e perícias psiquiátricas ou sobre a personalidade constantes do processo judicial em que tiver sido aplicado o internamento;
c) Avaliação inicial, efetuada nos termos do artigo anterior.
2 - O internado é afeto a unidade de saúde mental não integrada nos serviços prisionais, exceto se necessidades de segurança, fundadas em perigo sério para bens jurídicos do próprio ou de terceiros ou de fuga, requererem a sua afetação a estabelecimento ou unidade integrados nos serviços prisionais.
3 - Quando a execução da medida de internamento deva decorrer em unidade de saúde mental não integrada nos serviços prisionais, a escolha da concreta unidade de afetação baseia-se:
a) Na localização geográfica da unidade, optando-se pela que melhor se adeque à proximidade com o meio familiar e social de origem do internado, caso haja vantagem em mantê-la ou promovê-la, ou, no caso oposto, à proximidade com o meio onde se perspetiva a sua futura reinserção;
b) Nas características da unidade, optando-se pela que melhor se adeque, pela sua especialização, programas e atividades disponíveis ou instalações físicas, às concretas necessidades terapêuticas, de reabilitação ou de segurança verificadas.
4 - No caso de não haver vaga em unidade de saúde mental não integrada nos serviços prisionais, o internado mantém-se no estabelecimento ou unidade de ingresso inicial até ser possível o ingresso na unidade de afetação.
5 - A decisão compete ao diretor-geral, é fundamentada e é comunicada ao internado, ao representante legal, caso exista, ou a familiar ou outra pessoa indicada pelo internado, ou ao seu advogado, à unidade de afetação, ao tribunal à ordem do qual o internado cumpre a medida de internamento e ao tribunal de execução das penas, sendo remetidos à unidade de afetação os elementos indicados no n.º 1.
6 - A decisão de afetação a estabelecimento ou unidade integrados nos serviços prisionais é comunicada ao Ministério Público junto do tribunal de execução das penas, para verificação da legalidade.
7 - Se, no decurso da execução da medida de internamento, se verificarem circunstâncias que tornem inadequada a afetação do internado à unidade, designadamente em razão do seu nível de segurança, localização geográfica ou serviços disponibilizados, o diretor comunica o facto, fundamentadamente, ao diretor-geral, que decide sobre a afetação a outra unidade ou a estabelecimento ou unidade integrados nos serviços prisionais, nos termos previstos no presente artigo.
8 - Se, no decurso da execução em estabelecimento ou unidade integrados nos serviços prisionais, deixarem de se verificar as circunstâncias que tiverem determinado essa afetação, o diretor do estabelecimento prisional comunica o facto, fundamentadamente, ao diretor-geral, que decide sobre a afetação a unidade de saúde mental não integrada nos serviços prisionais, nos termos previstos no presente artigo.
 
14. Cremos que o que resulta inequivocamente da leitura da lei é que, pese embora o HJM seja considerado como unidade de saúde mental não integrada nos serviços prisionais - o que a habilita a poder receber inimputáveis em regime de internamento preventivo e em cumprimento de medida de segurança - a verdade é que a decisão de internamento em tal estabelecimento não cabe aos tribunais.

15. De facto, há todo um processo administrativo a ser realizado, que abrange uma primeira avaliação, seguida da ponderação de pareceres médicos, relatórios sociais e perícias psiquiátricas ou sobre a personalidade, assim como a avaliação da decisão que decretou o internamento, a que acresce a ponderação das eventuais necessidades de segurança, sendo que no termo de tal processo próprio, a decisão de afectação compete aos serviços centrais da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).

16. Mais: havendo sérias necessidades de segurança, fundadas em perigo sério para bens jurídicos do próprio ou de terceiros ou de fuga, que requeiram a sua afectação a estabelecimento ou unidade integrados nos serviços prisionais, será nesse tipo de estabelecimento que o inimputável será afecto.
E ainda que tais necessidades não existam, a verdade é que, não havendo vaga, o inimputável manter-se-á em hospital prisional.
Por seu turno, essa inicial afectação pode e deve vir a ser revisitada, isto é, reponderada e alterada, se se verificarem circunstâncias supervenientes que determinem a necessidade de internamento em estabelecimento hospitalar diverso daquele em que inicialmente o inimputável foi afecto.

17. Assim, cremos que se mostra como manifestamente improcedente o pedido que o recorrente formula pois, como se constata do que se deixa dito, a decisão de afectação pressupõe um processo de ponderação que cabe a uma entidade administrativa, sendo que, apenas após o seu termo e nos casos que a lei determina, deve tal decisão ser comunicada ao MP junto do TEP, para verificação da legalidade.
 O que a lei não prevê nem permite é que caiba ao internando a escolha do estabelecimento onde deve ser internado.

18. Atento o que se deixa dito, resta concluir não assistir razão ao recorrente nos reparos que dirige ao despacho proferido, pelo que o mesmo deve ser mantido.
 
iii – decisão.
Face ao exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido DH.
Condena-se o recorrente no pagamento da taxa de justiça de três UC.
Dê imediato conhecimento do teor deste acórdão ao tribunal “a quo”.

Lisboa, 8 de Março de 2023
Maria Margarida Ramos Almeida
Adelina Barradas Oliveira
(vencida conforme voto que junta)
Ana Paramés


Voto de vencido

O despacho recorrido descreve os factos fortemente indiciados que, demonstram à evidência que, apenas uma medida de coação privativa da sua liberdade de circulação, satisfaz as exigências de prevenção verificadas e tem em conta a sua situação pessoal, nomeadamente no que se refere ao seu estado de saúde.
No entanto encontra-se desvalorizada, a nosso ver, a situação psiquiátrica do arguido que exige encaminhamento adequado.
O que o tribunal se limitou a fazer foi restringir a margem de manobra do arguido, a sua tendência para atingir os outros, e a si mesmo, limitar a possibilidade de repetição de situações como a que se desenha no processo e que é demonstrativa do perigo de repetição de comportamentos não pensados ou demasiado pensados, caso não se  encontre  medicado, acompanhado ou com apoio familiar.
No entanto, e como nos diz o legislador, quanto a estes casos particulares, o facto de se tratar de medidas privativas da liberdade, agravado pelo facto de os sujeitos objeto da execução serem, na generalidade, cidadãos particularmente vulneráveis, torna-se indispensável que Juízes e Magistrados  do Ministério Público,   enquanto garantes da legalidade da execução e dos direitos dos internados, estejam  motivados para  fazer a diferença entre um arguido doente  e a precisar de internamento porque tem uma doença que obriga a hospitalização, como uma doença autoimune, ou cardíaca, ou renal,  e um arguido do foro psiquiátrico que pela especial vulnerabilidade e fragilidade deve  ser preservado de um ambiente prisional já de si agressivo e  alheio à sua patologia.
Repare-se que o recorrente já foi agredido e voltará a sê-lo se permanecer no hospital prisão, e repare-se, o que se compreende, que o facto de se encontrar hospitalizado em meio prisional, em nada contribuirá para a sua recuperação que no fundo é que o que se pretende.
 Concorda-se que a situação deve ser averiguada pela entidade competente ligada aos serviços prisionais e pensa-se que já deverá ter sido.
 Conforme já resulta dos autos o recorrente foi sujeito a uma medida de segurança de internamento em estabelecimento de cura tratamento ou segurança por determinado período.
De preferência, dizemos nós e o legislador, fora do ambiente prisional situação para a qual os tribunais devem estar despertos não deixando apenas ao TEP essa obrigação.
A anomalia psíquica de que sofria e sofre é grave, não acidental e, o recorrente não domina os seus efeitos em situação de descompensação, de estado psicótico maníaco, o que se verificava in casu não estando pois, segundo o relatório já citado, capaz para avaliar a ilicitude dos seus actos.
 Assim, o tratamento do quadro psicótico com necessidade de intervenções de Psico educação e Reabilitação Cognitiva, em Unidade Psiquiátrica adequada, na comunidade, ainda que em regime compulsivo, deveria ter lugar em estabelecimento não  integrado nos serviços prisionais para tal adequado e indicado. 
E a lei indica.
Começando pelo Despacho n.º 12406/2019  de 27 Dezembro que determina que sejam classificadas como unidades de saúde mental não integradas nos serviços prisionais, vocacionadas para a execução das medidas de segurança de internamento de inimputável, de internamento de imputável em estabelecimento destinado a inimputáveis e de internamento preventivo, as unidades de internamento de psiquiatria forense integradas nos Hospitais Magalhães Lemos, no Porto, Sobral Cid, em Coimbra, e Júlio de Matos, em Lisboa.
Nesse despacho pode ainda ler-se:
O Decreto-Lei n.º 70/2019, de 24 de maio, estabelece as adaptações ao regime do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado em anexo à Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, e alterado pelas Leis nº 40/2010, de 3 de setembro, 21/2013, de 21 de fevereiro, 94/2017, de 23 de agosto, e 27/2019, de 28 de março, das medidas de segurança de internamento de inimputável, internamento de imputável em estabelecimento destinado a inimputáveis e internamento preventivo, quando realizadas em unidades de saúde mental não integradas nos serviços prisionais, tendo em conta as especificidades destas unidades.
As unidades de saúde mental onde podem ser executadas tais medidas de segurança, detendo uma estrutura orgânica específica e regras próprias de funcionamento, são objeto de classificação enquanto tal, mediante despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da saúde, de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º do referido decreto-lei.
Assim, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 70/2019, de 24 de maio, determina-se o seguinte:
1 - São classificadas como unidades de saúde mental não integradas nos serviços prisionais, vocacionadas para a execução das medidas de segurança de internamento de inimputável, de internamento de imputável em estabelecimento destinado a inimputáveis e de internamento preventivo, as unidades de internamento de psiquiatria forense integradas nos seguintes estabelecimentos hospitalares:
a) Hospital Magalhães Lemos, E. P. E., sito no Porto;
b) Hospital Sobral Cid, sito em Coimbra, integrado no Centro Hospitalar
Universitário de Coimbra, E. P. E.;
c) Hospital Júlio de Matos, sito em Lisboa, pertencente ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
O n.º 2 do artigo 126.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Código), aprovado em anexo à Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, e alterado pelas Leis n.ºs 40/2010, de 3 de setembro, 21/2013, de 21 de fevereiro, 94/2017, de 23 de agosto, e 27/2019, de 28 de março, estabelece que as medidas privativas da liberdade aplicadas a inimputáveis ou a imputáveis internados por decisão judicial em estabelecimento destinado a inimputáveis, bem como o internamento preventivo, são executados preferencialmente em unidade de saúde mental não prisional e, sempre que se justificar, em estabelecimentos prisionais ou unidades especialmente vocacionados para a prestação de cuidados de saúde mental.
 Dá-se efetividade à preferência, estabelecida inovatoriamente pelo n.º 2 do artigo 126.º do Código, pela execução das medidas em unidade de saúde mental não integrada nos serviços prisionais, apenas se justificando a sua execução em estabelecimentos ou unidades do sistema prisional quando razões de segurança o requeiram.”
  
Nada no despacho nos diz que há condições que o impeçam, antes pelo contrário, há no despacho condições que favorecem o pretendido pelo recorrente, pelo que as medidas a aplicar e aplicadas o devem ser em estabelecimento próprio fora de ambiente prisional.
Mesmo não podendo ser o arguido doente psiquiátrico a escolher o local onde cumprir as medidas de internamento, devem os tribunais estar atentos a que tais medidas (dependentes provavelmente de processo administrativo, formalidades e burocracias), sejam cumpridas em casos como o dos autos fora de ambiente prisional.
Se o que se pretende com tais determinações  legislativas é subtrair o doente ainda que arguido, ao ambiente prisional, devia o tribunal a quo ter fundamentado a razão que o levou, ainda que a hospitalizar o arguido, a fazê-lo de preferência em ambiente prisional.

Adelina Barradas de Oliveira