Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1904/12.3TYLSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PRAZO
INÍCIO DO PRAZO
PLANO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA
ADMINISTRADOR JUDICIAL
DESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O prazo para a conclusão das negociações no processo especial de revitalização conta-se a partir do final do prazo para apresentação das impugnações da lista provisória dos créditos, não se suspendendo até à decisão das impugnações.
II – O decurso do aludido prazo implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz recusar homologar o plano de recuperação da empresa, aprovado (no caso dos autos, sem unanimidade dos credores) para além daquele prazo, ou seja, in casu, três meses após o termo do mencionado prazo legal.
III – O administrador judicial provisório que não desempenhe as suas funções pode ser destituído, por aplicação analógica do disposto no n.º 1 do art.º 56.º n.º 1 do CIRE.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 25.10.2012 “A”, S.A. propôs no Tribunal do Comércio de Lisboa processo especial de revitalização, ao abrigo dos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE.
Em 12.11.2012 foi proferido despacho de nomeação do administrador judicial provisório.
Em 12.7.2013 foi apresentado, pelo administrador judicial provisório, plano de recuperação da devedora.
Em 12.8.2013 foi proferido despacho em que se decidiu:
a) Não homologar o plano de recuperação, por se mostrar excedido o prazo legal para a conclusão das negociações conducentes à revitalização da devedora;
b) Destituir o administrador judicial provisório e nomear outro administrador judicial provisório.
A devedora “A”, S.A., apelou deste despacho, tendo apresentado motivação, em que formulou as seguintes conclusões:
(…)
A credora reclamante “B”, S.A., contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata para esta Relação, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões suscitadas na apelação são as seguintes: prazo para a conclusão das negociações tendo em vista a aprovação de um plano de recuperação do devedor que requereu a revitalização e consequências do incumprimento de tal prazo; possibilidade e fundamento da destituição do administrador judicial provisório.
Primeira questão (prazo para a conclusão das negociações tendo em vista a aprovação de um plano para a recuperação do devedor e consequências do incumprimento de tal prazo)
Com relevo para esta matéria, colhe-se dos autos o seguinte
Factualismo
1. Em 12.11.2012 foi proferido despacho de nomeação do administrador judicial provisório.
2. O despacho referido em 1 foi publicitado em 13.11.2012 no portal Citius.
3. Em 11.12.2012 o administrador judicial provisório apresentou no processo a lista provisória de créditos.
4. Em 21.12.2012 publicitou-se no portal Citius a apresentação da lista provisória de credores.
5. Em 07.01.2013 a Autoridade Tributária e Aduaneira alegou que o anúncio referente à lista provisória de credores não fora acompanhado da dita lista, pelo que solicitou que se diligenciasse pela publicação da mesma.
6. Em 06.02.2013 a secção consignou nos autos ter verificado que apenas fora publicitada a primeira folha da lista provisória de credores apresentada pelo Sr. “administrador de insolvência” (sic), pelo que nessa data o processo tinha sido enviado à secção central para nova publicitação da lista provisória de credores completa.
7. Em 06.02.2013 foi publicada no portal Citius a lista provisória de credores completa.
8. Antes e depois da publicitação das duas listas supra referidas foram deduzidas impugnações à lista provisória de credores.
9. Em 15.4.2013 foi proferido despacho que apreciou e decidiu as impugnações da lista provisória de créditos.
10. Em 20.5.2013 a credora reclamante “C”, S.A. veio aos autos informar que ainda não se tinham iniciado as negociações no âmbito do processo e pedir ao tribunal que oficiasse ao administrador judicial provisório e à devedora para que dessem início àquelas.
11. Em 20.5.2013 a credora reclamante “D”, S.A., veio aos autos declarar que o prazo para conclusão das negociações havia findado em 20.4.2013, pelo que o processo negocial deveria ser encerrado e o sr. administrador judicial provisório deveria comunicar tal facto ao processo e publicá-lo no portal Citius; por outro lado, porque a devedora se encontrava em situação de insolvência, esta deveria ser decretada pelo tribunal no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da dita comunicação do administrador judicial provisório.
12. Em 04.6.2013 foi proferido despacho em que, após se ajuizar que expirara havia muito o prazo legal para a conclusão das negociações, ordenou-se que o sr. administrador judicial provisório fosse notificado para vir aos autos dar cumprimento ao disposto no art.º 17.º-G n.ºs 1 e 4 do CIRE, ou seja, comunicar ao processo o encerramento do processo negocial por ter sido ultrapassado o prazo legal para a conclusão das negociações e publicitar tal facto no portal Citius e emitir parecer sobre se o devedor se encontrava em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor.
13. Em 13.6.2013 o administrador judicial provisório juntou ao autos um documento, não datado, em que ele e a devedora declaravam acordar na prorrogação do prazo para conclusão das negociações a que alude o n.º 1 do art.º 17.º-D do CIRE, por um mês.
14. O acordo referido em 13 foi publicado no portal Citius em 20.6.2013.
15. Em 24.6.2013 o administrador judicial provisório veio aos autos, em resposta ao despacho referido em 12, declarar que contara o prazo (para a conclusão das negociações) desde 15.4.2013, data do despacho que julgara as reclamações à lista provisória de créditos, e que ele e a requerente estavam a ultimar uma proposta que visava o pagamento de todos os credores, que seria apresentada até ao fim do prazo de prorrogação já acordado, ou seja, até 15.7.2013.
16. Em 27.6.2013 foi proferido despacho em que, após se ajuizar que não podia haver acordo de prorrogação do prazo para conclusão das negociações quando o prazo máximo para a sua conclusão já havia decorrido havia muito (terminara, segundo o tribunal, em 31.12.2012), ordenou-se que a requerente do processo e o administrador judicial provisório fossem notificados para se pronunciarem sobre a destituição deste.
17. Em 05.7.2013 o administrador judicial provisório pronunciou-se contra a sua destituição, afirmando estar convicto de que o prazo para a conclusão das negociações apenas se contava após a decisão das impugnações da lista provisória de créditos e mais informou que naquela data estava a enviar a todos os credores a proposta do plano de revitalização para ser votada de imediato, do que daria atempadamente notícia nos autos.
18. Em 08.7.2013 a credora reclamante “B”, S.A. veio aos autos declarar que em 05.7.2013 havia recebido do administrador judicial provisório um e-mail contendo em anexo “cópia do plano de recuperação conducente à revitalização da devedora para aprovação”; ora, no entender da credora, tal ato era nulo, por ter ocorrido após ter terminado o prazo de conclusão das negociações, pelo que deveria tirar-se as devidas consequências.
19. Em 08.7.2013 a devedora pronunciou-se no sentido de que a lei não permitia a destituição do administrador judicial provisório e, ainda, que o prazo para a conclusão das negociações se completava em 13.7.2013, pois deveria contar-se a partir da data da decisão do tribunal sobre as reclamações da lista provisória de créditos, pelo que não havia justa causa para a referida destituição, tanto mais que o administrador judicial provisório havia desempenhado diligentemente as suas funções.
20. Em 11.7.2013 o administrador judicial provisório veio aos autos informar que o processo negocial estava concluído, sem a aprovação unânime do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, tendo votado contra o plano três credores, representando 6,55% dos votos expressos, votado a favor cinco credores, representando 53,57% dos votos expressos e permanecendo em silêncio os restantes credores notificados pelo administrador judicial provisório, pelo que o plano de recuperação considerava-se aprovado.
21. Em 12.8.2013 foi proferido o despacho ora recorrido, em que se decidiu: a) não homologar o plano de recuperação, por se mostrar excedido o prazo legal para a conclusão das negociações conducentes à revitalização da devedora; b) destituir o administrador judicial provisório e nomear outro administrador judicial provisório.
O Direito
Em 30.12.2011 o Governo apresentou na Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 39/XII, a qual visava proceder à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 200/2004, de 18 de Agosto, 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho, e 185/2009, de 12 de Agosto, “simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização.”
Aí se anunciava que “o principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.” Assim, desde logo se justificava o proposto retoque na redação do art.º 1.º do CIRE, como visando, “por um lado, sublinhar que a recuperação dos devedores é, sempre que possível, primacial face à sua liquidação, desde que, obviamente, tal não prejudique a satisfação tão completa quanto possível dos credores do devedor insolvente, designadamente a administração fiscal e a segurança social”. E acrescentava-se que, “na mesma linha, é criado o processo especial de revitalização (artigos 17.º-A a 17.º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n.º 2 do artigo 1.º, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.”
Desenvolvendo os traços característicos do processo de revitalização, dizia-se, na Exposição de Motivos, que “o processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas. Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários”. Mais se dizia, na Exposição de Motivos, que “o processo terá o seu início com a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, no sentido de se encetarem negociações, que não poderão exceder os três meses. Durante este período, suspendem-se as acções que contra si sejam intentadas com a finalidade de lhe serem cobradas dívidas, assegurando-se, assim, a existência da necessária calma para reflexão e para criação de um plano de viabilidade para o devedor que se encontre em negociações” (sublinhado nosso).
A Proposta de Lei n.º 39/XII deu origem à Lei n.º 16/2012, de 20.4, que alterou o CIRE, nomeadamente através do aditamento dos artigos 17.º-A a 17.º-I, referentes ao processo de revitalização.
Nos termos do n.º 1 do art.º 17.º-A “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”. O n.º 1 do art.º 17.º-C estipula que “o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação”, declaração essa que será entregue no tribunal competente juntamente com a comunicação de que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação, ao que o juiz deverá nomear, de imediato, administrador judicial provisório (alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º-C do CIRE).
Logo que seja notificado do despacho de nomeação do administrador judicial provisório o devedor deve, de imediato, comunicar a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial de encetamento de negociações, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar (n.º 1 do art.º 17º-D do CIRE).
A partir da publicação no portal Citius do despacho de nomeação do administrador judicial provisório os credores têm 20 dias para reclamar créditos, perante o administrador judicial provisório (n.º 2 do art.º 17.º-D do CIRE).
O administrador judicial provisório tem cinco dias para elaborar lista provisória de créditos, a qual é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius (n.ºs 2 e 3 do art.º 17.º-D do CIRE).
Os interessados têm cinco dias úteis para impugnarem a lista provisória de créditos e o juiz tem igual prazo para decidir sobre as impugnações formuladas (n.º 3 do art.º 17.º-D do CIRE).
Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius (n.º5 do art.º 17.º-D do CIRE).
Caso o devedor ou a maioria relevante dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, “ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D” (prazo para conclusão das negociações - 2 ou 3 meses após o fim do prazo para impugnação da relação provisória de créditos), o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius (n.º 1 do art.º 17.º-G do CIRE).
Das normas legais em causa resulta que o prazo para a conclusão das negociações é de dois meses, podendo ser prorrogado por um mês. Esse prazo conta-se a partir do termo do prazo para impugnação da lista provisória de créditos, que é de cinco dias úteis e inicia-se com a publicação da lista provisória de créditos (neste sentido, vide acórdão da Relação de Coimbra, de 26.02.2013, processo 1175/12.1T2AVR.C1, in www.dgsi.pt). Assim, no caso sub judice, uma vez que a lista provisória de créditos foi publicada em 06.02.2013 (referimo-nos à publicação da lista completa e não à primeira publicação, ocorrida em 21.12.2012, que por lapso da secção apenas continha a primeira folha da lista, tendo por isso, após reclamação de um dos interessados, sido retificada mediante a segunda publicação), o prazo das impugnações terminava em 11.02.2013, pelo que as negociações deveriam ter-se concluído até 12.4.2013 ou, caso tivesse ocorrido atempado acordo de prorrogação por mais um mês, até 12.5.2013. Da lei não resulta que a impugnação da lista provisória de créditos suspende o dito prazo até decisão final das impugnações. Pelo contrário, o n.º 3 do art.º 17.º-F do CIRE, ao estipular que o juiz, na apreciação da maioria de votos que deve verificar-se para a aprovação do plano de recuperação, pode computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida, pressupõe que as negociações e a elaboração do plano não esperam pela decisão final das impugnações. Realce-se ainda que, nos termos do n.º 1 do art.º 17.º-E do CIRE, a nomeação do administrador judicial provisório “obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”. Ou seja, durante as negociações os credores ficam impedidos de exercer judicialmente os seus direitos contra o devedor, mesmo quando não pretendam participar no processo de revitalização – o que obriga a que a situação do devedor fique rapidamente definida, sob pena de o processo se poder tornar tão só num mecanismo dilatório utilizado pelo devedor para fins que subvertem os que presidem a este instrumento legal.
A revitalização visa evitar os custos inerentes ao desaparecimento de agentes económicos que se encontram em dificuldades, no pressuposto de que ainda é possível mantê-los em atividade, por terem viabilidade e o esforço da recuperação não ser (pelo menos manifestamente) desfavorável aos credores (por contraposição com a liquidação do património do devedor em processo de insolvência). O sucesso de tal medida pressupõe uma atuação célere e bem delimitada no tempo, conforme decorre do regime legal descrito. As negociações entre o devedor e os credores devem, pois, concluir-se no prazo máximo de três meses, contado desde o termo do prazo para a apresentação das impugnações da lista provisória de créditos. De resto, o processo negocial pode iniciar-se antes mesmo da instauração do processo judicial de revitalização, entre o devedor e pelo menos um credor (art.º 17.º-C n.º 1 do CIRE), e é alargado aos restantes credores mediante o convite que o devedor lhes deve enviar imediatamente após a nomeação do administrador judicial provisório, antes, pois, da publicação da lista provisória de créditos (art.º 17.º-D, n.º 2, do CIRE).
Conforme se verificou supra, no caso sub judice o processo de negociações deveria ter-se concluído em 12.4.2013 ou, se nisso tivesse sido atempadamente (ou seja, antes de ter decorrido o prazo de dois meses) acordado entre a devedora e o administrador judicial provisório, em 12.5.2013. Ora, o prazo de dois meses decorreu infrutiferamente, sem que o administrador judicial provisório retirasse as devidas consequências. Pelo contrário, mesmo após o tribunal ter proferido despacho em que se dera conta do termo do prazo para a conclusão das negociações e se determinara que o sr. administrador judicial provisório procedesse à consequente comunicação e publicitação, veio este, em 13.6.2013, dar conta de um acordo de prorrogação do prazo de conclusão das negociações, que foi publicitado em 20.6.2013, e, já em 11.7.2013, comunicou a conclusão das negociações, com a aprovação de processo de recuperação da devedora por uma alegada pequena maioria de votos dos credores.
Pensamos, face ao supra exposto, que as consequências não podiam deixar de ser a da irrelevância da aprovação do plano de recuperação, o qual, assim, não podia ser homologado, por ter sido aprovado em violação de norma legal imperativa, ou seja, da norma prevista no n.º 1 do art.º 17.º-G do CIRE, conjugada com o n.º 5 do art.º 17.º-D do CIRE (cfr. artigos 17.º-F n.º 5 - “o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Título IX, em especial, o disposto nos artigos 215.º e 216.º” - e 215.º do CIRE: “o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”). Outra poderia ser a solução se, por hipótese, o plano de recuperação fosse aprovado pela totalidade dos credores: aí eventualmente seria de ponderar a negligenciabilidade da eventual ultrapassagem do prazo para a conclusão das negociações, caso se mostrasse, apesar de tudo, satisfeita a totalidade dos interesses em presença, isto é, os do devedor, os dos credores e os da comunidade em geral. É nesse sentido que aponta a jurisprudência que a apelante cita nas conclusões do recurso – embora todos os acórdãos aí referidos respeitem a situações diferentes da que ora nos ocupa.
Não é, porém, o que sucede no caso dos autos, tendo inclusive alguns credores manifestado a sua insatisfação quanto à falta ou demora das negociações e manifestado o desejo de que o processo fosse, por excesso do prazo, dado por encerrado.
Nesta parte, pois, a apelação improcede.
Segunda questão (possibilidade e fundamento da destituição do administrador judicial provisório)
Além do factualismo já supra relatado, e por serem indiretamente mencionados no despacho recorrido, importa ainda atentar, por resultarem dos autos, nos seguintes
Factos
1. Com data de 07.3.2013 o administrador judicial provisório enviou à sociedade “B”, S.A., credora reclamante, a carta registada com aviso de receção cuja cópia consta a fls 683 dos autos, na qual notificou a dita sociedade para no dia 20.3.2013, às 10 horas, proceder à entrega da unidade fabril sita em ..., ..., composta por um pavilhão e bens móveis.
2. Em 12.3.2013 a dita sociedade pediu ao tribunal para intervir junto do administrador judicial provisório, a fim de se abster do ato que anunciara na dita carta, na medida em que a requerente era a proprietária do imóvel e das ditas máquinas e o administrador judicial provisório não tinha competência para a diligência em causa.
3. Em 20.3.2013 a “B”, S.A. comunicou no processo que nesse dia o administrador judicial provisório estivera nas supra referidas instalações da credora reclamante e que lhe tinha sido vedada a entrada, por este não ter qualquer direito nem poderes para a diligência que tentara promover; mais requereu, a credora reclamante, que o administrador judicial provisório fosse de imediato destituído do cargo, para evitar novas situações idênticas e por o administrador ter demonstrado não reunir as qualidades/competências para o exercício da função.
4. Em 15.4.2013 o tribunal, após ponderar que ao administrador judicial provisório nomeado no âmbito do processo especial de revitalização não competia tomar medidas, em nome do devedor, junto de terceiros, relativas a quaisquer bens, ordenou que o senhor administrador fosse notificado para se abster de tomar qualquer providência como a que resultava da carta supra mencionada e, ainda, ordenou que o administrador judicial provisório fosse notificado para se pronunciar sobre a destituição requerida.
5. Em 23.4.2013 o administrador judicial provisório veio aos autos dizer que o ato que quisera praticar mostrava-se totalmente necessário para a preservação do património do devedor e que o mesmo cabia nas suas funções, ao abrigo do disposto no art.º 33.º, n.º 1, do CIRE, pelo que não havia fundamento para a sua destituição e, pelo contrário, mantinha-se válida a referida solicitação de entrega das instalações supra mencionadas.
6. Em 06.5.2013 foi proferido despacho em que, após se reiterar o entendimento expresso no despacho de 15.4.2013 (supra n.º 4), decidiu-se, ainda assim, não destituir o administrador judicial provisório, por se considerar que a situação descrita resultara de uma errada interpretação da lei por parte daquele, que tais dúvidas já estariam dissipadas e já se encontrava em curso o prazo para conclusão das negociações.
O Direito
O administrador judicial provisório desempenha um papel do maior relevo, no âmbito do processo de revitalização.
Compete-lhe participar nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade e, na falta de convenção entre todos os intervenientes, deve definir as regras que regerão as negociações (n.ºs 8 e 9 do art.º 17.º-D do CIRE). Deve assegurar que as partes não adotam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha das negociações (n.º 9 do art.º 17.º-D do CIRE). O administrador judicial provisório elabora a lista provisória de créditos (n.º 2 do art.º 17.º-D), acorda com o devedor a prorrogação do prazo para as negociações (n.º 5 do art.º 17.º-D), autoriza ou não o devedor a praticar atos de especial relevo (n.º 2 do art.º 17.º-E), atesta a documentação que comprova a aprovação unânime do plano de recuperação (n.º 1 do art.º 17.º-F), recebe os votos, abre-os em conjunto com o devedor e elabora o documento com o resultado da votação (n.º 4 do art.º 17.º-F), comunica ao tribunal o encerramento do processo negocial caso o devedor e a maioria dos credores concluírem antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo para a conclusão das negociações e publicita tal facto no portal Citius (n.º 1 do art.º 17.º-G), emite parecer, após ouvir o devedor e os credores, sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência, e, em caso afirmativo, requer a insolvência do devedor (n.º 4 do art.º 17.º-G).
Ora, se o administrador judicial provisório não desempenhar cabalmente as suas funções, haverá que tomar medidas. Nada dizendo a lei a este respeito, há uma lacuna que caberá suprir, aplicando-se a norma aplicável a casos análogos (art.º 10.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil). Essa norma, cremos, é a que foi aplicada pelo tribunal a quo, ou seja, a que se contém no art.º 56.º n.º 1 do CIRE: “O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa.”
In casu, o tribunal ouviu a devedora e o administrador judicial provisório (sendo certo que não havia comissão de credores) e, após, decidiu destituir o senhor administrador de insolvência com a seguinte fundamentação:
“No caso concreto, o conceito de justa causa terá que ser preenchido por recurso à integração das funções previstas para o Administrador judicial provisório, extensamente reguladas e, se necessário, com recurso às demais regras eventualmente aplicáveis.
O que resulta desta linha de raciocínio é que existirá justa causa, em primeiro lugar, se o Administrador judicial provisório não cumprir com as funções que lhe estão legalmente confiadas.
Ora, os autos contêm já, desde o despacho datado de 14.04.2013 passando pelos de 6.05, 4.06 e 27.06, as razões pelas quais o Tribunal não pode deixar de considerar que existe nesta fase - em que encerrado o processo negocial falta ainda emitir o parecer sobre se a devedora se encontra ou não em situação de insolvência - justa causa para a destituição do Sr. Administrador judicial provisório nomeado nos autos. Tal resulta também da factualidade exposta no início deste despacho e da fundamentação da recusa de homologação do plano de recuperação.
O Sr. Administrador pronunciou-se no sentido de que não agiu nunca de má fé, e a Requerente, sustentando a impossibilidade legal de destituição do administrador provisório nomeado no âmbito do PER; pronunciou-se em todo o caso no sentido de que não existe justa causa para a sua destituição, estando apenas em causa diferentes interpretações da lei no que respeita à contagem e suspensão do prazo para conclusão das negociações.
Quanto à possibilidade, legal, de destituição do Administrador provisório nomeado no âmbito do PER (ainda que do art. 17 e do art. 32 não resulte qualquer remissão expressa para o art. 56, que prevê a destituição do Administrador de insolvência), ela resulta da exigência de coerência do sistema e da necessidade de garantir que no processo (seja de insolvência seja especial de revitalização) sejam cumpridas pelo administrador nomeado as suas funções, por forma a assegurar o cumprimento da Lei e a salvaguarda de todos os interesses em presença.
Não está aqui em causa a inexistência de má-fé por parte do Sr. Administrador.
Nem tão pouco, nesta fase - proferidos que foram os despachos já citados, de que o Sr. Administrador foi devidamente notificado (e que não seria necessário, relativamente à comunicação do encerramento do processo negocial) - a divergência de interpretação das normas aplicáveis.
E sim o não cumprimento pelo Sr. Administrador, neste processo, das funções que como administrador judicial provisório nomeado, lhe cabia exercer.
Por tudo o exposto, destituo o Sr. Administrador Judicial provisório do cargo.
Ou seja, o senhor administrador judicial provisório foi destituído do cargo porque, no entender do tribunal a quo, não cumprira as suas funções, e ainda havia tarefas a realizar, que, dizemos nós, não oferecia garantias mínimas de estar em condições de poder realizar cabalmente.
Face ao conturbado historial dos autos, supra descrito, protagonizado pelo administrador judicial provisório que o tribunal a quo havia primeiramente nomeado (por sugestão, diga-se, da devedora, conforme resulta do requerimento inicial), não vemos razões para alterar, também nesta parte, a decisão recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante.

Lisboa, 13.3.2014

Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Eduardo José Oliveira Azevedo
Decisão Texto Integral: