Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
349/14.5TTLRS.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ÍNDICES DE LABORALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– O artigo 12.º do C.T./2009 estabelece uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados nas diversas alíneas do número 1 dessa disposição legal para fazer funcionar a mesma.
II– O Réu, não obstante o preenchimento aparente e formal de dois ou mais desses índices de laboralidade previstos nas alíneas do n.º 1 do art.º 12.º do C.T./2009, pode obstar ao funcionamento da correspondente presunção legal através da prova de outros factos que rebatam, contrariem e transfigurem aquelas características indiciárias de maneira a que as mesmas sejam compatíveis com tipos contratuais diversos e/ou antagónicos ao daquele que deriva do funcionamento da presunção de laboralidade em análise.
III- Estamos face a um contrato de trabalho, atenta a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes de enquadramento, orientação, direção, formação, supervisão e fiscalização (concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré sobre os serviços realizados pela enfermeira comunicadora, relativamente a uma atividade de natureza intelectual, em local e com os instrumentos de trabalho da entidade beneficiária de tal atividade, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal, que visa pagar aquela atividade (e não o resultado, melhor dizendo, os múltiplos resultados da mesma), havendo direito ao gozo de férias (ainda que não remuneradas) e dentro de um determinado quadro temporal que, muito embora não reconduzível aos legalmente denominados período normal e horário normal de trabalho, era, no entanto, previamente determinado pela demandada, em função da situação de duplo emprego existente e da disponibilidade profissional previamente comunicada pela recorrida.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.



I–RELATÓRIO:



O MINISTÉRIO PÚBLICO colocado junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, veio propor, em 02/06/2014, ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a Ré L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, CIF n.º 507 697 350 e com sede na Avenida... Lisboa, pedindo, com referência a AA, com o Cartão de Cidadão n.º (…), NIF (…) e residência na Rua (…), que o Tribunal declare a existência de um contrato de trabalho firmado entre a mesma e a Ré LCS- LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA.

Em abono da sua pretensão, alega que a referida enfermeira AA foi admitida ao serviço da Ré no dia 15/01/2011, tendo, para o efeito, assinado um documento denominado “Contrato de Prestação de Serviços”.

Desde essa data e até 15/01/2014, data em que cessou o contrato, AA exerceu funções de enfermeira comunicadora, no desenvolvimento das quais efetuava a triagem, atendimento e encaminhamento dos utentes, no cumprimento de ordens emanadas da Ré, na sede da Ré e com equipamento da Ré.

Mais refere que a Enfermeira AA cumpria horas de início e termo da respetiva prestação determinada pela Ré, através da emissão de uma escala de serviço mensal e estava sujeita a avaliações mensais e trimestrais de desempenho e que auferia um valor/hora, que lhe era pago mensalmente. Mais tinha que comunicar e justificar antecipadamente as suas ausências.

No dia 15/01/2014 a Enfermeira AA foi informada pela Ré da rescisão do contrato, com efeitos a partir de 15/02/2015, tendo de imediato e a partir da primeira data referida, sido impedida de entrar nas instalações da mesma.

Conclui o Ministério Público que os factos alegados traduzem-se na subordinação jurídica e económica de AA à Ré e que a mesma goza da presunção prevista no art.º 12.º do Código do Trabalho, motivo pelo qual o contrato que vigorou entre ambas deve ser considerado contrato de trabalho.
*

Tal petição inicial do Ministério Público fundou-se no Auto de Utilização indevida de contrato de prestação de serviços, levantado no dia 17/04/2014 por uma Inspetora da ACT e que se mostra junto a fls. 5 a 15.

O Auto de Notícia certificava o procedimento imputado à arguida (e aqui Ré), constatado no dia 10/01/2014 e que se traduzia no facto da mesma ter AA ao seu serviço profissional, como enfermeira comunicadora, desde 16/11/2009, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, quando a forma quotidiana como aquela desenvolvia a sua atividade indiciava a existência de uma relação de índole laboral. 

Notificada a arguida, veio a mesma apresentar o requerimento de fls. 16 e seguintes, onde pugnava pela natureza autónoma, entre diversos outros, do vínculo estabelecido com a referida enfermeira AA, tendo ainda arguido a nulidade do respetivo auto, por falta de indicação dos meios de prova sobre os quais a ACT formou a sua convicção.

A ACT, face a tal posição da L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, procedeu à participação ao Ministério Público do expediente junto a fls. 2 a 46, nos termos n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.  
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A Ré foi citada a fls. 61 e 44, por carta registada com Aviso de Receção, tendo apresentado a contestação + documentos de fls. 65 a 167, tendo suscitado uma questão prévia quanto a custas, arguido, sucessivamente, as exceções de arquivamento dos autos pela ACT e de erro na forma do processo, radicadas no facto do contrato de prestação de serviço celebrado com a aludida enfermeira AA ter cessado os seus efeitos em 14/2/2014, o que era do conhecimento da ACT e a ação ter sido proposta em 2/6/2014 e, finalmente, impugnado os factos alegados pelo Ministério Público, pugnando pela inexistência da relação de trabalho subordinado invocada pelo Ministério Público e pedindo a sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, do pedido.    
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Foi proferido, a fls. 170 e 171, despacho saneador, onde o juiz do processo determinou a notificação da contestação ao Ministério Público, na sua qualidade de Autor, considerou válida e regular a instância (no que respeita às nulidades ou exceções dilatórias de que cumprisse conhecer de imediato), designou data para a Audiência de Discussão e Julgamento e indeferiu a notificação das testemunhas requerida pelo aludido magistrado.

A alegada trabalhadora foi notificada das diversas peças processuais nos termos do artigo 186.º-L, n.º 4, do C.P.T. (fls. 176) e veio a intervir nos autos a fls. 178 a 180 (o que mereceu o esclarecimento judicial dado no despacho de fls. 192, 2.ª parte) e depois, a fls. 200 a 266, tendo o seu mandatário vindo renunciar entretanto ao mandato que lhe havia sido conferido pela mesma (fls. 182 e 183) e o seu requerimento de adesão, que havia já merecido a oposição da Ré (fls. 271 e seguintes) e parecer favorável do M.P. (fls. 276 e 277), sido considerado extemporâneo e, nessa medida, ordenado o seu desentranhamento dos autos (despacho de fls. 278 e 279, datado de 2/12/2014 e já transitado em julgado).  
    
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 443 a 445, 551, 552 a 554 e 568 e 569), tendo a prova aí produzida sido objeto de gravação-áudio e sido juntos múltiplos documentos pela Ré.
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Foi então proferida a fls. 571 a 582 e com data de 03/06/2015, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes[1]:
“Por todo o exposto, julgo procedente a presente ação e, em consequência, reconheço a existência de um contrato de trabalho firmado entre a Ré LCS - LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA e AA, com início em 16/11/2009 e termo em 14/02/2014.
Custas pela Ré (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
Ao abrigo do disposto no art.º 186.º-Q do CPT, fixo à causa o valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
Registe e notifique (inclusive AA).
Oportunamente, comunique à ACT e ao Instituto da Segurança Social, IP (art.º 186.º-O, n.º 9 do CPT).”
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A Ré L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 587 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 829 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo derivado do número 1 do artigo 83.º do C.P.T.
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A Apelante apresentou, a fls. 588 verso e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que absolva a Recorrente do pedido formulado!”
*

O Ministério Público apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 801 e seguintes):
(…)
11. Em nosso entender, deve a douta decisão ser mantida nos seus precisos termos.
Vossas Excelências, no entanto, com maior prudência, decidirão como for de JUSTIÇA.»
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS.

O tribunal da 1.ª instância deu como provados e não provados os seguintes factos:

Da petição inicial:

1.A Ré “LCS – LINHA DOS CUIDADOS DE SAÚDE, SA” presta cuidados aos respetivos utentes, em situações de doença, mediante triagem, aconselhamento e encaminhamento para assistência e tratamento nas Unidades do Serviço Nacional de Saúde.
2.AA foi admitida ao serviço da LCS em 16/11/2009, tendo assinado o documento junto a fls. 10 e 11 denominado “Contrato de Prestação de serviços”.
3.Desde essa data e até 15/01/2014, AA exerceu funções de enfermeira comunicadora na Ré, na sede da Ré, na Av. das Forças Armadas, n.º 125, 1.º B, em Lisboa.
4.Como enfermeira comunicadora AA efetuava a triagem atendimento e encaminhamento dos utentes, conforme formação que lhe foi ministrada pela Ré e seguindo os algoritmos do sistema informático da Ré.
5.A Ré afetava semestralmente a AA um supervisor, com vista a realizar a avaliação da qualidade do serviço prestado pela mesma.
 (5. A Ré afetava semestralmente a AA um supervisor.)
6.A atividade de AA era realizada nas instalações da Ré, tendo em consideração que os equipamentos e software específicos se encontram aí instalados, assim como o apoio clínico ou uma segunda opinião de um colega ou supervisor, que se mostrassem necessários em situações pontuais.
7.Todos os equipamentos de trabalho como Computador, software, rato, headseats, secretária e cadeira eram pertença da “LCS - LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA”.
8.Nos termos da cláusula 3.ª do contrato a Enfermeira AA obrigou-se a “(…) de seis em seis meses informar o responsável da linha de saúde 24 da sua possibilidade de prestar serviços por referência aos concretos modelos temporais de funcionamento da linha de saúde 24 e compromete-se à prestação do serviço nos tempos do modelo da sua opção que aquele responsável, em cada semestre lhe adjudicar”, pelo que após a comunicação da disponibilidade, a Ré, duas ou três semanas antes do início de cada mês emitia uma escala de serviço mensal, com as horas a que a Enfermeira AA deveria iniciar o turno e terminar o mesmo, que comunicava à AA através da Intranet, não havendo autorização para impressão.
9.Mesmo no caso de existirem trocas de horários, eram as mesmas reduzidas a escrito e comunicadas ao administrativo responsável pela emissão dos horários, em folha própria, sendo que tais trocas não poderiam ser efetuados pelo mesmo enfermeiro comunicador dois turnos consecutivos e, já após a enfermeira AA ter deixado de prestar serviço para Ré, só eram permitidas entre as próprias equipas (equipa A ou B) que vieram a ser posteriormente organizadas.
 (9.Mesmo no caso de existirem trocas de horários, eram as mesmas reduzidas a escrito e comunicadas ao administrativo responsável pela emissão dos horários, em folha própria, sendo que tais trocas só eram permitidas entre as próprias equipas (equipa A ou B), com a limitação de que não poderiam ser efetuados pelo mesmo enfermeiro comunicador dois turnos consecutivos.)
10.A hora de pausa para a refeição era determinada pelo supervisor que estava de serviço ao mesmo tempo que a AA, existindo ainda um controle de tempo de trabalho realizado através do sistema informático no qual eram igualmente registados os intervalos para refeição e outras pausas.
(10.A hora de pausa para a refeição era determinada pelo supervisor a que a AA estava afeta, existindo ainda um controle de tempo de trabalho realizado através do sistema informático no qual eram igualmente registados os intervalos para refeição e outras pausas.)
11.Em cada turno existia uma pausa de cerca de dez minutos para além do intervalo para refeição a qual era escolhida pela trabalhadora, mas sujeita a autorização do seu supervisor.
12.Quando existiam muitas chamadas em espera, a Enfermeira AA podia receber indicações do supervisor que estava de serviço, no sentido de fazer retornos, ainda que normalmente os fizesse por sua iniciativa e segundo as indicações que lhe haviam sido genericamente dadas pela Ré, consistindo os mesmos, em atender a chamada, fazer uma triagem inicial e, caso considerasse que não eram uma situação de urgência, informava o utente de que iria contactá-lo, mais tarde (no espaço de 90 minutos), caso o mesmo concordasse.
(12.Quando existiam muitas chamadas em espera, a Enfermeira AA recebia indicações do seu supervisor, no sentido de que deveria fazer retornos, consistindo os mesmos, em atender a chamada, fazer uma triagem inicial e, caso considerasse que não eram uma situação de urgência, informava o utente de que iria contactá-lo, mais tarde (no espaço de 90 minutos), caso o mesmo concordasse.)
13.AA estava sujeita a avaliações mensais e trimestrais de desempenho, efetuadas pelo supervisor que lhe estava associado, com o objetivo de acompanhamento e apreciação da sua prestação.
14.Aquele supervisor dava-lhe orientações como as formas de procedimento a adotar, tendo como base as chamadas atendidas pela AA, algumas das quais, para o efeito eram ouvidas e analisadas pelo mesmo, sendo-lhe atribuída uma avaliação de 0% a 100%, consoante dissesse ou não as frases ensinadas no curso referido na cláusula segunda do contrato, respondesse a todas as questões do sistema informático que lhe era disponibilizado pela ré, seguisse a solução proposta e o tempo despendido com cada chamada.
15.As referidas avaliações influenciavam a progressão no escalão de retribuição e o resultado das mesmas era-lhe comunicado através da entrega de um documento assinado pela administração da ré.
16.A Ré comunicava à autora através dos enfermeiros supervisores quaisquer alterações aos procedimentos instituídos, as quais eram lidas pelos mesmos e assinada uma folha pelos enfermeiros comunicadores, em que declaravam terem tomado conhecimento dessas instruções.
17.A referida trabalhadora auferia o montante de € 8,75 (oito euros e setenta e cinco cêntimos), por cada hora de trabalho prestado, com os respetivos acréscimos, de acordo com o número de horas realizadas e o horário em que são prestadas.
18.Sendo os referidos acréscimos os seguintes:
- Nos dias úteis das 20h00/24h00, de 25%;
- Das 24h00 às 08.00 de 50%
- Aos fins-de-semana e feriados, entre as 08/20horas de 25%;
- Entre as 20h00/24horas, de 50% e entre as 24h00/08h00, de 100%;
19.O pagamento era efetuado à AA, pela Ré, mensalmente, no mês seguinte àquele a que respeita o “recibo verde”, o qual devia ser emitido até ao dia 13 desse mês, caso contrário o pagamento só era processado no mês seguinte.
20.No curso ministrado nos termos da cláusula segunda do contrato, a Enfermeira AA foi informada de que as ausências deviam ser comunicadas ao supervisor escalado, quando não eram conseguidas trocas com enfermeiros da Ré, ou caso se verificasse algum imprevisto, devendo, sempre que possível ser justificadas antecipadamente.
21.As ausências comunicadas e consideradas justificadas eram objeto de registo no mapa de horário laranja, as não justificadas ou não informadas, eram registadas a vermelho, refletindo-se as ausências no redimensionamento dos turnos retirados, em que a prioridade é dada aos elementos com maior assiduidade.
22.Aos 17/04/2014, pelas 16 horas, a inspetora do trabalho BB levantou o auto junto a fls. 5 e 6 dos presentes autos em virtude de ter constatado que no dia 10/01/2014 AA encontrava-se a prestar a sua atividade de enfermeira comunicadora na sede da Ré.

23.Em 15/01/2014, AA recebeu da Ré uma carta registada com aviso de receção com os seguintes dizeres:
“Vimos pela presente, nos termos e para os efeitos previstos na cláusula 7.ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre V. Exa. e a LCS – Linha de Cuidados de Saúde, SA, em 16/11/2009, comunicar a rescisão do mesmo, com o aviso prévio de 30 dias contratualmente previsto, a qual produzirá efeitos a partir do trigésimo dia a contar da presente data”,
24.A partir de 15/01/2014 a Enfermeira AA foi impedida de entrar nas instalações da Ré tendo-lhe sido retirados os turnos, designadamente, os que se encontravam definidos no horário divulgado no mês anterior através da intranet.

Da contestação:

25.A Ré tem por objeto a “conceção, projeto, instalação, financiamento, exploração e transferência para o Estado Português do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, nos termos previstos no Contrato de Prestação de Serviços aprovado por Despacho de vinte e sete de Fevereiro de dois mil e seis, do Ministro da Saúde” .
26.Em 25 de Maio de 2006, a Ré celebrou com o Estado Português, através do Ministério da Saúde, um contrato designado de “de prestação de serviços, em regime de parceria público-privada”.
27.Com vista à conceção, projeto, instalação, financiamento e exploração do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (Linha Saúde 24) [adiante “Centro de Atendimento do SNS”].
28.Ao abrigo do qual, a Ré passou a explorar o Centro de Atendimento do SNS.
29.No qual são prestados serviços de triagem, aconselhamento e encaminhamento, de assistência em saúde pública e de informação geral de saúde.
30.O Centro de Atendimento do SNS funciona 24 horas por dia, destinando-se a todos os utentes do serviço nacional de saúde.
31.Para assegurar a exploração do referido Centro de Atendimento, a Ré contrata serviços a profissionais habilitados para o efeito.
32.Nos termos do contrato datado de 16/11/2009 (fls. 10), a AA, “compromete-se a prestar a sua atividade profissional de enfermagem, na Linha de Saúde 24, praticando atos de triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes” (idem, Cláusula 1.ª/1).
33.Prevê-se expressamente no contrato referido que “a Linha de Saúde 24 presta cuidados aos respetivos utentes em situações de doença, mediante triagem, aconselhamento e encaminhamento para assistência e tratamento nas unidades do Serviço Nacional de Saúde, estando, portanto, sujeita aos normativos que regem a prestação de cuidados de saúde e tecnicamente organizada em função das exigências técnico-científicas e deontológicas do exercício das profissões de saúde” [idem, Considerando 2)].
34.Bem como que AA “pretende prestar serviço na Linha de Saúde 24 sem sujeição à autoridade e à específica organização da Primeira Contraente, enquanto pessoa coletiva, mas tendo exclusivamente, em conta o fim essencial da proteção dos valores da saúde e da vida dos utentes da Linha de Saúde 24, o Direito da Saúde e as regras técnicas, científicas e deontológicas da enfermagem” [idem, Considerando 3)].
35.AA e a Ré acordaram que os aludidos serviços seriam prestados nas instalações desta, sitas em Lisboa (idem, Cláusula 1.ª/2).
36.Os serviços em causa são prestados por via telefónica.
37.Atenta a sua natureza e forma de execução, tais serviços têm de ser executados num espaço físico dotado da logística necessária para o efeito, nomeadamente de plataforma de atendimento multicanal e de computador central.
38.Esse computador central guarda informação confidencial e sensível, nomeadamente dados pessoais e de saúde dos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
39.Por razões relacionadas com a complexidade do sistema informático utilizado e necessidade de garantia de segurança e confidencialidade dos dados, não é possível a utilização pelos prestadores de serviços de equipamentos próprios, designadamente informáticos, para a prestação do serviço à Ré.
40.Para execução dos referidos serviços, a Ré não atribui a AA equipamentos próprios e de uso exclusivo desta, apenas o auricular é atribuído especificamente a cada enfermeiro, o que sucede por razões de higiene e saúde
41.As secretárias existentes nas instalações da Ré são utilizadas por quem, a cada momento, se encontre a executar os serviços em causa.
42.AA não estava sujeita a período de trabalho diário ou semanal, mínimo e máximo.
43.Os dias e períodos de tempo em que os serviços são prestados dependem das necessidades da Ré e da disponibilidade de AA.
44.Por forma a assegurar o funcionamento adequado do Centro de Atendimento do SNS, a Ré estima mensalmente as suas necessidades.
45.Definindo o nível de serviço que deve ser assegurado em cada período (diário, semanal e mensal).
46.Tendo em conta as indisponibilidades previamente manifestadas pelas enfermeiras, normalmente 35 dias por ano, a Ré elabora escalas mensais de organização interna para a execução dos serviços.
47.Estas escalas são geradas automaticamente pelo sistema informático.
48.O qual conjuga as indisponibilidades manifestadas pelas enfermeiras para determinado período com as necessidades de serviço da Ré definidas para o mesmo período.
49.A Ré introduz no sistema informático informação sobre as indisponibilidade previamente manifestadas pelas enfermeiras e, bem assim, sobre o nível de serviço a assegurar em cada momento.
50.As enfermeiras contratadas pela Ré podem trocar entre si o horário em concreto definido pela Ré, assim como fazer-se substituir, por enfermeiras contratadas pela Ré.
51.A referida troca ou substituição não carece de autorização da Ré ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, mas a ré pode não aceitar a troca ou substituição.
52.AA efetuava trocas com outros enfermeiros da ré e, bem assim, substituiu ou fez-se substituir por estes nos turnos que lhe foram marcados.
53.Sendo que, noutros casos, não compareceu para prestar o serviço, nem se fez substituir.
54.No mês de Outubro de 2013, a Ré atribuiu a AA a realização de dez turnos, tendo esta efetivamente realizado onze turnos, embora dos quais apenas dois correspondiam aos inicialmente atribuídos pelo sistema informático
55.No mês de Novembro de 2013, a Ré atribuiu à AA a realização de sete turnos, tendo esta efetivamente realizado, naquele período, cinco turnos, dos quais apenas dois correspondiam aos atribuídos (idem).
56.No mês de Dezembro de 2013, a Ré atribuiu a AA a realização de nove turnos, tendo esta realizado, naquele período, sete turnos, dos quais apenas um correspondia aos atribuídos (idem).
57.AA informou a Ré de que não teria disponibilidade para prestar serviço entre os dias 2 a 10 de Novembro de 2013 (idem).
58.Não lhe tendo sido atribuído serviços naquele período (idem).
59.Por vezes, o enfermeiro que comparece nas instalações da Ré para assegurar determinado turno é distinto daquele a quem o mesmo estava atribuído, sem que a Ré tenha sido sequer previamente informada dessa alteração.
60.A Ré processa o pagamento dos honorários aos enfermeiros em duas datas distintas, consoante o momento em que estes emitam o correspondente recibo eletrónico.
61.A Ré não paga quaisquer quantias a título de subsídios de férias ou de Natal.
62.Entre a Ré e AA não foi acordado qualquer regime de exclusividade.
63.Desde Abril de 2012 que AA trabalha no Hospital (…).
64.A Ré avalia os níveis e qualidade do serviço prestado ao utente e o resultado das funções dos enfermeiros contratados em termos similares à avaliação feita pelo Estado Português relativamente aos resultados do serviço adjudicado à Ré,
65.Esta avaliação do serviço é trimestral e assenta na análise de três chamadas por mês (i.e., de nove chamadas por trimestre), escolhidas de forma aleatória de entre todas as chamadas realizadas pelo prestador de serviços.
66.A Ré aplica sistema de incentivos ou prémios em função do resultado da avaliação da qualidade do serviço prestado aos utentes pelos prestadores do Centro de Atendimento do SNS.
67.Esses incentivos traduzem-se num incremento do valor hora pago aos prestadores, aplicável no trimestre seguinte ao da avaliação em causa.
68.A enfermeira AA nunca se arrogou trabalhadora da Ré, nem reclamou a existência de vínculo de trabalho subordinado.
*

2.2. Factos não provados:

1. Que a Ré para além da intervenção referida em 49. não tenha qualquer outra intervenção na definição da escala.
2. Que a Ré seja alheia à situação referida em 59. e à qual nunca se opôs.»

NOTA: Mostram-se já inseridas na Factualidade dada como Provada as quatro alterações introduzidas na Factualidade dada como Provada por este Tribunal da Relação de Lisboa na sequência do julgamento pelo mesmo efetuado, por referência à vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que consta do recurso de Apelação do trabalhador, respeitando tais modificações aos Pontos 5.º, 9.º, 10.º e 12.º, encontrando-se a anterior redação de tais Pontos entre parênteses, a itálico e em letra de tamanho menor, por debaixo dos referidos Pontos por nós alterados, tendo ainda sido aditado o Ponto 68.º (artigo 104.º da contestação).

III– OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*

A– REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 02/06/2014 (muito embora tenha tido uma primeira fase, de índole administrativa, que foi iniciada e tramitada na e pela ACT, sendo o Auto de participação da infração de 17/4/2014, com entrada nos serviços do Ministério Público em 14/5/2014) ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10[[2]] e depois pela Lei n.º 63/2013, que se tornaram juridicamente efetivas no dia 1 de Setembro de 2013 (cfr. artigo 6.º de tal diploma legal).

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade em julgamento.

B– IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
(…)

F– OBJETO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

A única questão que se suscita no quadro do presente recurso de Apelação é a seguinte: deveria o Tribunal do Trabalho de Loures ter reconhecido, como fez, o vínculo jurídico-profissional que liga a Ré L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA a AA, como sendo fundado num contrato de trabalho, por força da presunção de laboralidade que se acha prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009?       

G– CONTRATO DE TRABALHO.

Tendo em linha de conta que a relação jurídica dos autos teve início em 16 de novembro de 2009, impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1152.º do Código Civil e 11.º do Código do Trabalho de 2009, por serem as disposições juridicamente definidoras do contrato de trabalho, que é a figura negocial que o MP reclama para AA e que não tendo sido reconhecido pelo tribunal da 1.ª instância, é contestada pelo recorrente.

Tais dispositivos legais (aliás não coincidentes, em termos de redação) rezam o seguinte:  

Artigo 1152.º
Noção:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

Artigo 11.º
Noção de contrato de trabalho:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de contrato de trabalho, pode definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora Maria do Rosário da Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, Almedina, dezembro de 2012, páginas 19 e seguintes e Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes. 
         
Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma outra pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, pedra de toque essa que, no entanto, não ressalta, as mais das vezes, com nitidez e assertividade, das relações jurídicas que se estabelecem no terreno da nossa vida social entre trabalhadores e empregadores, obrigando o aplicador do direito a, nessa medida, deduzir a sua existência a partir de diversos sinais ou elementos (indícios) que, de acordo com a nossa doutrina e jurisprudência, fazem pressupor a mesma.
      
No âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços:
- Dr. Luís Brito Correia, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes:
“(...) 2. O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que acontece no arrendamento ou no aluguer.
E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo...
Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado.
Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...)
3. A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo.
Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...)
A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho...
Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”.
-Dr. Galvão Teles, «Contratos Civis», em BMJ n.º 83, página 166:
A subordinação consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em si mesma, quando mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação”.
-Dr. Cruz de Carvalho, «Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», Legislação anotada, Petrony, 1983, págs. 10 e seguintes:
A qualificação do trabalho como subordinado ou autónomo, torna-se por vezes difícil, e o único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção, ordens e fiscalização da pessoa a quem ela aproveita – o critério da subordinação jurídica.
Porém, em casos duvidosos e complexos, será útil ao intérprete, atender a uma série de elementos objetivos que, devidamente ponderados e articulados (e nunca inferindo de qualquer deles isoladamente), poderão, com alguma segurança, indicar a autonomia ou subordinação, como sejam:
1.º) Natureza do objeto do contrato: promessa de um resultado (trabalho autónomo) ou promessa de uma simples atividade (trabalho subordinado);
2.º) Índole da prestação do trabalho: intelectual e criadora (trabalho autónomo) ou manual (trabalho subordinado);
3.º) Propriedade dos instrumentos de trabalho: se dela é titular o trabalhador (trabalho autónomo), ou a outra parte (trabalho subordinado);
4.º) Existência (trabalho autónomo) ou inexistência (trabalho subordinado) de colaboradores dependentes do trabalhador;
5.º) Incidência do risco da execução do trabalho: sobre o trabalhador (trabalho autónomo) ou sobre a outra parte (trabalho subordinado);
6.º) Prestação do trabalho a várias pessoas (trabalho autónomo), ou exclusivamente a uma (trabalho subordinado);
7.º) Fixação da remuneração: em função do resultado (trabalho autónomo) ou em função do tempo de trabalho (trabalho subordinado).

Já no quadro do Código do Trabalho de 2003, o Dr. António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148, sustentava o seguinte:
«I – (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.
Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…)
Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…)
A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…)           
Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente. Que resta então?
Resta o elemento chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…)
Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…)
A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…)
Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro.
Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto pra que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico. 
É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.
II– No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem”.
Por seu turno, a Professora Palma Ramalho[[3]], sustenta o seguinte:
«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)

Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:
i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)
ii) A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)              
iii) A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)
iv) A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)
v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)
Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes:
i) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…)
ii) O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…)
iii) O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…)
iv) O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…)
v) A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…)
vi) O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço (…)
vii) A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…)
viii) O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…) 
ix) A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…)
(…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…)
(…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…)
(…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho (…)» (cf., também, Professor João Leal Amado,  “Contrato de Trabalho” , 2.ª Edição, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 55 e seguintes, já no quadro do atual Código do Trabalho de 2009; ver também Professor Júlio Gomes, obra e local citados, com especial incidência para páginas 101 e seguintes, onde critica a noção tradicional de subordinação jurídica e defende a construção de um novo paradigma desse conceito, que corresponda, não só à evolução das realidades económica, empresarial, social, cultural e ideológica, como da nova perspetiva doutrinária e jurisprudencial que vai emergindo noutros sistemas jurídicos).[[4]]

Chegados aqui, não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade, dada a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.) tem vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, o que diz o Dr. Garcia Pereira no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª Maria do Rosário Palma Ramalho na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”[[5]/[6]]).

H– CONTRATO DE TRABALHO E PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE.

O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria, consagrar, no seu artigo 12.º[[7]], uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, que somente com o atual Código do Trabalho parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora Palma Ramalho, obra citada, páginas 46 e seguintes, Professor Júlio Gomes, obra citada, páginas 140 e seguintes e Professor Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 150 a 152).

Tal presunção de laboralidade conhece hoje a seguinte previsão legal:
 
Artigo 12.º
Presunção de contrato de trabalho:

1-Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a)A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b)Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c)O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d)Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e)O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

2-Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3-Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4-Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º

A nossa doutrina e jurisprudência estão essencialmente de acordo quanto ao facto de se tratar de uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência [[8]] de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados nas diversas alíneas do número 1 do artigo 12.º do C.T./2009[9] para fazer funcionar a mesma.

João Leal Amado, obra citada, páginas 80 e 81, acerca de tal «presunção de laboralidade», afirma o seguinte:

«O novo art.º 12.º do CT não é, naturalmente, uma norma perfeita e isenta de críticas. Mas penso que, à terceira tentativa, o legislador finalmente acabou por estabelecer uma «presunção de laboralidade» com algum sentido útil. A lei seleciona um determinado conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles (dois?)[10]bastará para a inferência da subordinação jurídica. Assim sendo, a tarefa probatória do prestador de atividade resulta consideravelmente facilitada. Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova em contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a atividade é realizada em local pertencente ao respetivo beneficiário e nos termos de um horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da atividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção juris tantum (art.º 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. Mas, claro, o onus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu lado), pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.
Pelo exposto, também para o julgador esta presunção reduz a complexidade da valoração a empreender, dado que, pelo menos num primeiro momento, ele poderá concentrar-se nos dados que integram a presunção, circunscrevendo a base factual da sua apreciação. De certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação» [[11]/[12]]                 
Acerca das presunções legais, Rui Manuel de Freitas Rangel[[13]], afirma o seguinte (páginas 219 a 221): “Dentro da categoria geral das presunções é possível distinguir entre as presunções legais ou de direito e as presunções naturais, judiciais ou de facto que também se designam simples ou hominis. (…)
As presunções legais ou de direito são as que decorrem da própria lei, ou seja, é na norma legal que, verificado determinado facto, dá como provado um outro facto[14].
Nas presunções legais, como já dissemos, o princípio da livre apreciação da prova, isto é, a liberdade de apreciação do julgador, fica, de certa forma, comprometida, como iremos demonstrara mais à frente.
O art.º 350.º, n.ºs 1 e 2 do C. Civil que trata das presunções legais, estabelece que, quem tem a seu favor tal presunção escusa de provar o facto a que ele conduz (n.º 1), e que estas podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir (n.º 2) – cfr. com os art.ºs 2517.º e 2518.º, do Código de Seabra; art.ºs 1350.º e 1352.º, do Código Civil Francês; e art.º 2728.º do Código Civil Italiano).
Estas, como se sabe, se admitem prova do contrário, isto é, se podem ser ilididas, denominam-se relativas ou iuris tantum. As que não admitem prova do contrário são inilidíveis, isto é, não podem ser afastadas e, por isso, são absolutas ou iuris et de iure.
Resulta assim, do art.º 350, n.º 1 do Código Civil que, havendo uma presunção legal, provar o facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido. Daí que sempre que exista uma presunção legal a favor da pretensão de alguma das partes em litígio, incumbe a essa parte apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção. À contraparte incumbe, se pretender destruir a prova feita através de prova da presunção, fazer a prova do contrário ou do facto que serve de base à presunção legal ou do próprio facto presumido. Se a parte contrária conseguir demonstrar uma das duas situações enumeradas, compete à parte favorecida com a presunção legal o ónus da prova de rebater essa prova do contrário.
Consequentemente quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz, embora tenha sempre de provar o facto que conduz, na expressão de Antunes Varela e outros a fonte da presunção, podendo no preenchimento desse “ónus recuado” a parte socorrer-se de qualquer dos procedimentos probatórios previstos na lei processual.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, a eventual dificuldade de prova não justifica, em si mesmo, fundamento para se operar a inversão do ónus probandi; o direito positivo está atento a esta dificuldade e foi por isso que tentou preveni-la por uma de duas soluções legislativas, ou através do estabelecimento de presunções legais com dispensa da prova dos factos presumidos (art.º 350.º, n.º 1 do Código Civil) o que, normalmente, se traduz num benefício para a parte onerada com a prova do facto presumido, ou, ainda, na permissão do julgamento segundo a equidade, designadamente, em situações em que a prova é difícil ou impossível.
Todavia, se o ónus da prova se inverte, esse ónus não acompanha os ónus de alegação uma vez que a prova não compete à parte favorecida com a demonstração do facto e onerada com a sua alegação, mas sim à parte que pode beneficiar do facto contrário»        

E- ANÁLISE DO LITÍGIO DOS AUTOS

Tendo como pano de fundo o quadro legal indicado e a interpretação que dele faz a nossa melhor doutrina, resta-nos apurar se, no caso dos autos, foram preenchidos, pelo menos, dois desses elementos de facto indiciários de uma relação de índole laboral e se a Ré, não obstante tal preenchimento aparente ou formal desses dois ou mais índices de laboralidade, logrou demonstrar que o tipo de vínculo jurídico-profissional não se reconduz, afinal, a um contrato de trabalho ou que é também compatível com um distinto quadro negocial, que não é reconduzível ou configurável como laboral.

Importa chamar à boca de cena do presente Acórdão a factualidade dada como assente pelo tribunal da 1.ª instância e modificada, parcialmente, por este tribunal da 2.ª instância [[15]]:

«Da petição inicial:

1.A Ré “LCS – LINHA DOS CUIDADOS DE SAÚDE, SA” presta cuidados aos respetivos utentes, em situações de doença, mediante triagem, aconselhamento e encaminhamento para assistência e tratamento nas Unidades do Serviço Nacional de Saúde.
2.AA foi admitida ao serviço da LCS em 16/11/2009, tendo assinado o documento junto a fls. 10 e 11 denominado “Contrato de Prestação de serviços”.
3.Desde essa data e até 15/01/2014, AA exerceu funções de enfermeira comunicadora na Ré, na sede da Ré, na Av. das Forças Armadas, n.º 125, 1.º B, em Lisboa.
4.Como enfermeira comunicadora AA efetuava a triagem atendimento e encaminhamento dos utentes, conforme formação que lhe foi ministrada pela Ré e seguindo os algoritmos do sistema informático da Ré.
5.A Ré afetava semestralmente a AA um supervisor, com vista a realizar a avaliação da qualidade do serviço prestado pela mesma.
6.A atividade de AA era realizada nas instalações da Ré, tendo em consideração que os equipamentos e software específicos se encontram aí instalados, assim como o apoio clínico ou uma segunda opinião de um colega ou supervisor, que se mostrassem necessários em situações pontuais.
7.Todos os equipamentos de trabalho como Computador, software, rato, headseats, secretária e cadeira eram pertença da “LCS - LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA”.
8.Nos termos da cláusula 3.ª do contrato a Enfermeira AA obrigou-se a “(…) de seis em seis meses informar o responsável da linha de saúde 24 da sua possibilidade de prestar serviços por referência aos concretos modelos temporais de funcionamento da linha de saúde 24 e compromete-se à prestação do serviço nos tempos do modelo da sua opção que aquele responsável, em cada semestre lhe adjudicar”, pelo que após a comunicação da disponibilidade, a Ré, duas ou três semanas antes do início de cada mês emitia uma escala de serviço mensal, com as horas a que a Enfermeira AA deveria iniciar o turno e terminar o mesmo, que comunicava à AA através da Intranet, não havendo autorização para impressão.
9.Mesmo no caso de existirem trocas de horários, eram as mesmas reduzidas a escrito e comunicadas ao administrativo responsável pela emissão dos horários, em folha própria, sendo que tais trocas não poderiam ser efetuados pelo mesmo enfermeiro comunicador dois turnos consecutivos e, já após a enfermeira AA ter deixado de prestar serviço para Ré, só eram permitidas entre as próprias equipas (equipa A ou B) que vieram a ser posteriormente organizadas.
10.A hora de pausa para a refeição era determinada pelo supervisor que estava de serviço ao mesmo tempo que a AA, existindo ainda um controle de tempo de trabalho realizado através do sistema informático no qual eram igualmente registados os intervalos para refeição e outras pausas.
11.Em cada turno existia uma pausa de cerca de dez minutos para além do intervalo para refeição a qual era escolhida pela trabalhadora, mas sujeita a autorização do seu supervisor.
12.Quando existiam muitas chamadas em espera, a Enfermeira AA podia receber indicações do supervisor que estava de serviço, no sentido de fazer retornos, ainda que normalmente os fizesse por sua iniciativa e segundo as indicações que lhe haviam sido genericamente dadas pela Ré, consistindo os mesmos, em atender a chamada, fazer uma triagem inicial e, caso considerasse que não eram uma situação de urgência, informava o utente de que iria contactá-lo, mais tarde (no espaço de 90 minutos), caso o mesmo concordasse.
13.AA estava sujeita a avaliações mensais e trimestrais de desempenho, efetuadas pelo supervisor que lhe estava associado, com o objetivo de acompanhamento e apreciação da sua prestação.
14.Aquele supervisor dava-lhe orientações como as formas de procedimento a adotar, tendo como base as chamadas atendidas pela AA, algumas das quais, para o efeito eram ouvidas e analisadas pelo mesmo, sendo-lhe atribuída uma avaliação de 0% a 100%, consoante dissesse ou não as frases ensinadas no curso referido na cláusula segunda do contrato, respondesse a todas as questões do sistema informático que lhe era disponibilizado pela ré, seguisse a solução proposta e o tempo despendido com cada chamada.
15.As referidas avaliações influenciavam a progressão no escalão de retribuição e o resultado das mesmas era-lhe comunicado através da entrega de um documento assinado pela administração da ré.
16.A Ré comunicava à autora através dos enfermeiros supervisores quaisquer alterações aos procedimentos instituídos, as quais eram lidas pelos mesmos e assinada uma folha pelos enfermeiros comunicadores, em que declaravam terem tomado conhecimento dessas instruções.
17.A referida trabalhadora auferia o montante de € 8,75 (oito euros e setenta e cinco cêntimos), por cada hora de trabalho prestado, com os respetivos acréscimos, de acordo com o número de horas realizadas e o horário em que são prestadas.

18.Sendo os referidos acréscimos os seguintes:
- Nos dias úteis das 20h00/24h00, de 25%;
- Das 24h00 às 08.00 de 50%
- Aos fins-de-semana e feriados, entre as 08/20horas de 25%;
- Entre as 20h00/24horas, de 50% e entre as 24h00/08h00, de 100%.
19.O pagamento era efetuado à AA, pela Ré, mensalmente, no mês seguinte àquele a que respeita o “recibo verde”, o qual devia ser emitido até ao dia 13 desse mês, caso contrário o pagamento só era processado no mês seguinte.
20.No curso ministrado nos termos da cláusula segunda do contrato, a Enfermeira AA foi informada de que as ausências deviam ser comunicadas ao supervisor escalado, quando não eram conseguidas trocas com enfermeiros da Ré, ou caso se verificasse algum imprevisto, devendo, sempre que possível ser justificadas antecipadamente.
21.As ausências comunicadas e consideradas justificadas eram objeto de registo no mapa de horário laranja, as não justificadas ou não informadas, eram registadas a vermelho, refletindo-se as ausências no redimensionamento dos turnos retirados, em que a prioridade é dada aos elementos com maior assiduidade.
22.Aos 17/04/2014, pelas 16 horas, a inspetora do trabalho Marta Augusto levantou o auto junto a fls. 5 e 6 dos presentes autos em virtude de ter constatado que no dia 10/01/2014 AA encontrava-se a prestar a sua atividade de enfermeira comunicadora na sede da Ré.

23.Em 15/01/2014, AA recebeu da Ré uma carta registada com aviso de receção com os seguintes dizeres:
“Vimos pela presente, nos termos e para os efeitos previstos na cláusula 7.ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre V. Exa. e a LCS – Linha de Cuidados de Saúde, SA, em 16/11/2009, comunicar a rescisão do mesmo, com o aviso prévio de 30 dias contratualmente previsto, a qual produzirá efeitos a partir do trigésimo dia a contar da presente data”.
24.A partir de 15/01/2014 a Enfermeira AA foi impedida de entrar nas instalações da Ré tendo-lhe sido retirados os turnos, designadamente, os que se encontravam definidos no horário divulgado no mês anterior através da intranet.

Da contestação:
25.A Ré tem por objeto a “conceção, projeto, instalação, financiamento, exploração e transferência para o Estado Português do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, nos termos previstos no Contrato de Prestação de Serviços aprovado por Despacho de vinte e sete de Fevereiro de dois mil e seis, do Ministro da Saúde”
26.Em 25 de Maio de 2006, a Ré celebrou com o Estado Português, através do Ministério da Saúde, um contrato designado de “de prestação de serviços, em regime de parceria público-privada”.
27.Com vista à conceção, projeto, instalação, financiamento e exploração do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (Linha Saúde 24) [adiante “Centro de Atendimento do SNS”].
28.Ao abrigo do qual, a Ré passou a explorar o Centro de Atendimento do SNS.
29.No qual são prestados serviços de triagem, aconselhamento e encaminhamento, de assistência em saúde pública e de informação geral de saúde.
30.O Centro de Atendimento do SNS funciona 24 horas por dia, destinando-se a todos os utentes do serviço nacional de saúde.
31.Para assegurar a exploração do referido Centro de Atendimento, a Ré contrata serviços a profissionais habilitados para o efeito.
32.Nos termos do contrato datado de 16/11/2009 (fls. 10), a AA, “compromete-se a prestar a sua atividade profissional de enfermagem, na Linha de Saúde 24, praticando atos de triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes” (idem, Cláusula 1.ª/1).
33.Prevê-se expressamente no contrato referido que “a Linha de Saúde 24 presta cuidados aos respetivos utentes em situações de doença, mediante triagem, aconselhamento e encaminhamento para assistência e tratamento nas unidades do Serviço Nacional de Saúde, estando, portanto, sujeita aos normativos que regem a prestação de cuidados de saúde e tecnicamente organizada em função das exigências técnico-científicas e deontológicas do exercício das profissões de saúde” [idem, Considerando 2)].
34.Bem como que AA “pretende prestar serviço na Linha de Saúde 24 sem sujeição à autoridade e à específica organização da Primeira Contraente, enquanto pessoa coletiva, mas tendo exclusivamente, em conta o fim essencial da proteção dos valores da saúde e da vida dos utentes da Linha de Saúde 24, o Direito da Saúde e as regras técnicas, científicas e deontológicas da enfermagem” [idem, Considerando 3)].
35.AA e a Ré acordaram que os aludidos serviços seriam prestados nas instalações desta, sitas em Lisboa (idem, Cláusula 1.ª/2).
36.Os serviços em causa são prestados por via telefónica.
37.Atenta a sua natureza e forma de execução, tais serviços têm de ser executados num espaço físico dotado da logística necessária para o efeito, nomeadamente de plataforma de atendimento multicanal e de computador central.
38.Esse computador central guarda informação confidencial e sensível, nomeadamente dados pessoais e de saúde dos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
39.Por razões relacionadas com a complexidade do sistema informático utilizado e necessidade de garantia de segurança e confidencialidade dos dados, não é possível a utilização pelos prestadores de serviços de equipamentos próprios, designadamente informáticos, para a prestação do serviço à Ré.
40.Para execução dos referidos serviços, a Ré não atribui a AA equipamentos próprios e de uso exclusivo desta, apenas o auricular é atribuído especificamente a cada enfermeiro, o que sucede por razões de higiene e saúde
41.As secretárias existentes nas instalações da Ré são utilizadas por quem, a cada momento, se encontre a executar os serviços em causa.
42.AA não estava sujeita a período de trabalho diário ou semanal, mínimo e máximo.
43.Os dias e períodos de tempo em que os serviços são prestados dependem das necessidades da Ré e da disponibilidade de AA.
44.Por forma a assegurar o funcionamento adequado do Centro de Atendimento do SNS, a Ré estima mensalmente as suas necessidades.
45.Definindo o nível de serviço que deve ser assegurado em cada período (diário, semanal e mensal).
46.Tendo em conta as indisponibilidades previamente manifestadas pelas enfermeiras, normalmente 35 dias por ano, a Ré elabora escalas mensais de organização interna para a execução dos serviços.
47.Estas escalas são geradas automaticamente pelo sistema informático.
48.O qual conjuga as indisponibilidades manifestadas pelas enfermeiras para determinado período com as necessidades de serviço da Ré definidas para o mesmo período.
49.A Ré introduz no sistema informático informação sobre as indisponibilidade previamente manifestadas pelas enfermeiras e, bem assim, sobre o nível de serviço a assegurar em cada momento.
50.As enfermeiras contratadas pela Ré podem trocar entre si o horário em concreto definido pela Ré, assim como fazer-se substituir, por enfermeiras contratadas pela Ré.
51.A referida troca ou substituição não carece de autorização da Ré ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, mas a ré pode não aceitar a troca ou substituição.
52.AA efetuava trocas com outros enfermeiros da ré e, bem assim, substituiu ou fez-se substituir por estes nos turnos que lhe foram marcados.
53.Sendo que, noutros casos, não compareceu para prestar o serviço, nem se fez substituir.
54.No mês de Outubro de 2013, a Ré atribuiu a AA a realização de dez turnos, tendo esta efetivamente realizado onze turnos, embora dos quais apenas dois correspondiam aos inicialmente atribuídos pelo sistema informático
55.No mês de Novembro de 2013, a Ré atribuiu à AA a realização de sete turnos, tendo esta efetivamente realizado, naquele período, cinco turnos, dos quais apenas dois correspondiam aos atribuídos (idem).
56.No mês de Dezembro de 2013, a Ré atribuiu a AA a realização de nove turnos, tendo esta realizado, naquele período, sete turnos, dos quais apenas um correspondia aos atribuídos (idem).
57.AA informou a Ré de que não teria disponibilidade para prestar serviço entre os dias 2 a 10 de Novembro de 2013 (idem).
58. Não lhe tendo sido atribuído serviços naquele período (idem).
59.Por vezes, o enfermeiro que comparece nas instalações da Ré para assegurar determinado turno é distinto daquele a quem o mesmo estava atribuído, sem que a Ré tenha sido sequer previamente informada dessa alteração.
60.A Ré processa o pagamento dos honorários aos enfermeiros em duas datas distintas, consoante o momento em que estes emitam o correspondente recibo eletrónico.
61.A Ré não paga quaisquer quantias a título de subsídios de férias ou de Natal.
62.Entre a Ré e AA não foi acordado qualquer regime de exclusividade.
63.Desde Abril de 2012 que AA trabalha no Hospital (…).
64.A Ré avalia os níveis e qualidade do serviço prestado ao utente e o resultado das funções dos enfermeiros contratados em termos similares à avaliação feita pelo Estado Português relativamente aos resultados do serviço adjudicado à Ré,
65.Esta avaliação do serviço é trimestral e assenta na análise de três chamadas por mês (i.e., de nove chamadas por trimestre), escolhidas de forma aleatória de entre todas as chamadas realizadas pelo prestador de serviços.
66.A Ré aplica sistema de incentivos ou prémios em função do resultado da avaliação da qualidade do serviço prestado aos utentes pelos prestadores do Centro de Atendimento do SNS.
67.Esses incentivos traduzem-se num incremento do valor hora pago aos prestadores, aplicável no trimestre seguinte ao da avaliação em causa.
68.A enfermeira AA nunca se arrogou trabalhadora da Ré, nem reclamou a existência de vínculo de trabalho subordinado.»
Ora, cruzando tal acervo fáctico pelo crivo da presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, diremos que a referida enfermeira AA prestou os seus serviços de cariz profissional nas instalações e com equipamento e demais bens pertencentes à Ré L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, dentro de escalas de serviço/turnos previamente definidos pela Ré e em função da disponibilidade da referida enfermeira, por força da situação de duplo emprego que se verificava, auferindo a mesma uma contrapartida pecuniária variável por cada hora de prestação dos aludidos serviços, que é, em regra, liquidada mensalmente, tendo desempenhado funções de coordenadora ou responsável de turno, no âmbito das quais assumia algumas das competências do supervisor (assim se mostrando preenchidas ou integradas as alíneas a), b) c) e, pelo menos, tendencialmente, as alíneas d) e e) do n.º 1 do citado artigo 12.º).
Logrou a Ré, como lhe competia, ilidir tal presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009?
Pensamos poder chamar em nosso auxílio o que foi sustentado no Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 26/2/2014, Processo n.º 2792/09.2TTLSB.L1, que foi também relatado pelo mesmo relator deste Aresto (muito embora os juízes-desembargadores adjuntos que formaram o respetivo coletivo não fossem os mesmos do presente coletivo) e que não se mostra publicado (mas cujo teor é certamente do conhecimento da aqui recorrente):
«Ora, face a este (longo) enquadramento jurídico da primeira e crucial questão suscitada nesta Apelação pelo Autor e atendendo aos factos dados como provados, que indícios inequívocos do estabelecimento de uma relação laboral típica entre o Apelante e a Ré ressaltam dos mesmos ou, ao invés, de uma relação diversa de prestação de serviços?
Importa recordar que nos achamos face a um acordo escrito, denominado pelas partes de «contrato de prestação de serviços» e sujeito a um prazo de 1 ano renovável, o que veio a acontecer por uma única vez (Pontos 10 a 15, 21 e 64 e respetivo documento junto a fls. 120 a 123). 
 
No sentido de que estaríamos face a uma relação juridicamente subordinada estão os seguintes factos:
n-Integração da Autora na estrutura administrativa e organizativa da Ré, com a criação de um “posto de trabalho” para a mesma, a que correspondia um concreto quadro funcional (Pontos 10, 13, 17, 23 a 25, 26, 28, 34, 35 a 41, 43 a 50);
n-Fornecimento pela Ré do equipamento e restante material necessário ao desempenho das funções por parte da Autora (Pontos 48 a 50);
n- Tais equipamento e materiais pertenciam à Ré (Pontos 48 a 50 - presunção judicial - artigos 349.º e 351.º do Código Civil);
n- O desempenho das funções era efetuado nas instalações da Ré (Pontos 13, 17 e 47);
n-Enquadramento, orientação e determinação, quer em moldes genéricos, como em termos concretos, por parte da Ré das tarefas executadas pela Autora (Pontos 12, 19, 25, 27, 28, 43, 44, 46 e 53);
n-Supervisão, controle e avaliação das funções desempenhadas pela Autora (Pontos 12, 27 e 28, 45 e 46);
n Formação obrigatória para a Autora e prestada pela Ré (Pontos 12 e 19); 
n-Estabelecimento de uma contrapartida pecuniária horária por tais funções, que variava conforme era executado em dias úteis ou não ou em horário diurno ou noturno, bem como em virtude da avaliação que a Ré fazia regularmente ao serviço desenvolvido pela Autora, sendo paga periódica e mensalmente (final do mês) (Pontos 12, 26 a 34, 42, 51 e 63);
n-Prestação de tais serviços em quaisquer dias da semana e por turnos, dentro de períodos temporais cujos limites eram previamente estabelecidos pela Ré, em função da disponibilidade profissional comunicada pela Autora e sem prejuízo das trocas que a mesma fazia com os colegas - enfermeiros comunicadores (Pontos 12, 23 a 26 e 34 e Documento junto a fls. 160 a 162);
n-A Autora justificava as suas faltas e ausências ao serviço (Pontos 35 a 41);   
n-Realização de tais funções com carácter regular e duradouro, ao longo de perto de 2 anos (Pontos 12, 15, 16, 23 a 25, 42, 51 e documento de fls. 160 a 162);
n-A Autora tinha direito ao gozo de férias, muito embora tudo indique que não eram remuneradas pela Ré (Ponto 52);
n-Os riscos e benefícios do S24 corriam por conta da Ré;
n-Desenvolvimento de uma atividade (a Autora não realizou ao longo dos perto de 2 anos de duração do vínculo jurídico profissional uma soma ininterrupta e incontável de tarefas ou serviços autónomos e dependentes unicamente da sua vontade e disponibilidade, com vista à obtenção de igual número de resultados pretendidos pela Ré, mas antes desenvolveu uma atuação heteronomamente unificada e organizada por esta última).

No sentido de uma relação jurídica de carácter autónomo, teremos os seguintes factos:
-Nome do contrato (“prestação de serviços”) - (Pontos 10 a 15, 21 e 64 e respetivo documento junto a fls. 120 a 123);  
-Negociações prévias e teor do contrato celebrado, com especial incidência para o que se acha referido no último Ponto da Matéria de Facto[16] (Pontos 10 a 15, 21 e 64 e respetivo documento junto a fls. 120 a 123);
-A Ré não emitia recibos relativamente às quantias entregues à Autora, sendo esta que emitia mensalmente recibos verdes com referência aos montantes auferidos (Ponto 54 e recibos juntos aos autos a fls. 285 e seguintes);
-O Réu não entregou à Autora quantias pecuniárias destinadas a pagar subsídio de férias e subsídio de Natal (Ponto 54);
-A Autora cumpria turnos estabelecidos em função da sua disponibilidade, atentas as funções (Ponto 37, sem prejuízo dos Pontos 4, 16, 17, 18 e 19);
-Não havia exclusividade de funções (Pontos 12 e 18 e Documento de fls. 160 a 162);
-Inexistência de uma situação de dependência económica, pois a Autora desempenhava também funções de enfermeira a tempo completo para um estabelecimento hospitalar do Estado e auferia proventos muito variados, pelo menos, na primeira metade da relação jurídico profissional estabelecida com a LCS (Pontos 18, 42 e 63).
-Existência de um conjunto de outros «enfermeiros comunicadores» nas mesmas condições contratuais da Autora e que eram encarados como prestadores de serviços;
-Existência de uma parceria Público/Privada entre a Ré e o Estado (Ministério da Saúde), com vista ao prosseguimento de um “manifesto interesse público” traduzido na referida “prestação de serviços de triagem, aconselhamento e encaminhamento, em situação de doença, aconselhamento terapêutico, assistência em saúde pública e informação geral de saúde” (pontos 1 a 8).  
 
Não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade.

Bastará olhar para a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.,), bem como profissões do setor terciário que habitualmente eram exercidas em regime liberal (advogados, médicos, arquitetos, etc.) têm vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, o que diz o Dr. Garcia Pereira no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª Maria do Rosário Palma Ramalho na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”).

No caso dos autos, todavia, tal caracterização não é difícil, por se nos afigurar manifesta – ressalta com nitidez dos factos assentes - a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes de enquadramento, orientação, direção, formação, supervisão e fiscalização (concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré sobre os serviços realizados pela Autora, relativamente a uma atividade de natureza intelectual, em local e com os instrumentos de trabalho da entidade beneficiária de tal atividade, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal - ainda que definida em função das horas efetivamente prestadas - durante 12 meses, que visa pagar aquela atividade (e não o resultado, melhor dizendo, os múltiplos resultados da mesma) bem como a possibilidade do gozo anual de férias, dentro de um determinado quadro temporal que, muito embora não reconduzível aos legalmente denominados período normal e horário normal de trabalho[17], era, no entanto, previamente determinado pela demandada, em função da situação de duplo emprego existente e da disponibilidade profissional previamente comunicada pela Apelada.

Os indícios que se deixaram enumerados e que poderiam apontar em sentido inverso – contrato de prestação de serviços – só por si ou em conjunto não possuem a virtualidade de abalar/ilidir, suficientemente, a convicção que acima deixámos exposta, pelas razões seguintes:
1) O nome do contrato atribuído pelas partes pouco significa em si e só por si, importando buscar a sua confirmação, quer no seu conteúdo, quer primordialmente, no seu cumprimento efetivo e essencial, até porque nos encontramos face a um negócio de execução (relativamente, por força da aludida situação de duplo emprego) permanente e continuada (sendo certo que, como acima já se deixou exposto, a relação jurídica dos autos se traduziu indiscutivelmente, num vínculo de natureza laboral);       
2) As prévias negociações, bem como o teor do negócio de fls. 120 a 123, ainda que subordinados à indicada denominação de “contrato de prestação de serviços” e à concordância aparente das partes quanto à escolha desse tipo contratual, para além de alguns dos aspetos formais que iremos apreciar de seguida, também não são, só por si e em si, conclusivos ou definitivos nesta matéria, sobrepondo-se-lhes a sua concretização prática e quotidiana, nos moldes referidos no ponto anterior;   
3) É muito comum os trabalhadores, a pedido ou por exigência da entidade patronal, emitirem documentos comprovativos do recebimento das quantias liquidadas pelo beneficiário dos serviços prestados (recibos verdes ou outros equivalentes, como as notas de honorários) e outros documentos complementares (faturas), respeitantes aos trabalhos efetuados, sem que tal descaracterize, só por si e sem a verificação de outros elementos concomitantes, a relação laboral existente, sendo essa atuação, nomeadamente, um dos expedientes normalmente utilizados para “mascarar” os vínculos laborais com as roupagens dos contratos de prestação de serviços, por constituir uma real redução de custos;
4) Dentro da mesma lógica se deve analisar o não pagamento do subsídio de férias e subsídio de Natal, muito embora, no que concerne às férias, a Ré concedesse o seu gozo anual, muito embora sem liquidar a sua retribuição (redução de custos e aparência, ainda que meramente formal, de uma relação liberal);
5) Finalmente, a inexistência de um acordo/relação de exclusividade também não nos diz nada, não só porque não é incompatível com uma relação laboral (basta pensar, precisamente, no setor da saúde e nos serviços ou turnos duplos, em entidades diferentes e, por outro lado, na definição de contrato de trabalho constante do artigo 10.º do Código do Trabalho de 2003), o mesmo se podendo argumentar relativamente à ausência, em termos absolutos, de uma situação de dependência económica (mesmo sem considerar o duplo emprego aqui existente);
6) A circunstância de haver outros enfermeiros comunicadores em regime contratual idêntico ao da Autora pouca relevância tem (até porque, a haver uma similitude de estatuto sócio jurídico profissional entre uns e outros, podemos nos encontrar, afinal, perante mais «assalariados» camuflados de «liberais»);
7) No que concerne à parceria Público/Privada existente e ao “manifesto interesse público” prosseguido, que poderia obrigar a uma configuração diversa dos vínculos jurídicos profissionais firmados ao seu abrigo, bastará recordar que a figura do contrato de trabalho foi sendo paulatinamente introduzido nas diversas vertentes da atividade do Estado - empresas e institutos públicos e administração local e central -, não se descortinando, por outro lado, nos autos quaisquer elementos que impedissem a celebração de tal tipo de contratação ou lhe impusesse um figurino diferente do habitual;             
8) Não constitui óbice à qualificação do vínculo dos autos como uma relação de índole laboral a circunstância de não ter sido demonstrada a titularidade por parte da Ré de poder disciplinar sobre a Autora mas, como é sabido, tal vertente da subordinação jurídica está latente, adormecida, escondida, podendo nunca emergir e vir a ser exercida ao longo da vigência do contrato de trabalho, mesmo com muitos anos de duração, sem que tal implique a sua inexistência e, por consequência, a descaracterização jurídica em termos laborais (cf. segundo Aresto abaixo referido).
        
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/11/2005, processo n.º 05S2138, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Fernandes Cadilha, afirma o seguinte, acerca de alguns dos aspetos analisados (Sumário):
«II – Neste contexto, assume um diminuto relevo o nomen juris dado pelas partes ao contrato e o não exercício de atividade em exclusividade, bem como certos desvios detetados quanto ao regime retributivo, como sejam o modo de quitação, a não inclusão do trabalhador nas folhas de remunerações enviadas para a segurança social e o não pagamento de subsídios de férias ou de Natal».   

Também o Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 9/11/2011, processo n.º 308/09.0TTPDL.L1-4, em que foi relatora a Juíza-Desembargadora Maria José Costa Pinto, publicado em www.dgsi.pt, sustenta o seguinte (Sumário):
«I– Constitui contrato de trabalho subordinado aquele em que uma licenciada em Direito realizava a sua prestação de dar pareceres jurídicos, assegurar atendimento ao público na ausência da administrativa, preparar ações judiciais, requerimentos avulsos, ofícios a entidades públicas e dar consultas jurídicas sob as orientações da Ré, nas suas instalações, com os seus meios e durante um horário previamente definido, sendo retribuída em função do tempo despendido na execução da atividade, tudo indiciando que se encontrava numa situação de dependência económica e sendo a prestação de trabalho executada por um período, ininterrupto, de quase 4 anos.
II– Do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade.
III– O exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho, sendo, por outro lado de lhe negar firmemente, na hipótese contrária, valor negativo excludente dessa qualificação.» (cf., também os Arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003, Recurso n.º 2007/03-4.ª, publicado em Sumários, 10/2003 e de 15/02/2005, publicado em CJ/Supremo Tribunal de Justiça, 2005, Tomo 1.º, páginas 244 e seguintes). 

Logo, tendo em atenção a matéria de facto dada como assente e a noção de contrato de trabalho contida nos artigos 1152.º do Código Civil e 10.º do Código do Trabalho de 2003, não restam quaisquer dúvidas de que o desempenho de funções por banda da Autora, como “enfermeira comunicadora”, para a Ré, configura, inequivocamente, a existência de um acordo “pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas”, isto é, de um verdadeiro e genuíno contrato de trabalho subordinado celebrado com a Apelante.»

Lançando mão da análise que se mostra feita nessa parte da fundamentação do referido Aresto e «transportando-a» para o seio do nosso litígio, dentro dos limites impostos pela sua causa de pedir e pelos factos dados como assentes e não assentes, diremos que muita da argumentação jurídica ali desenvolvida é aplicável a este pleito e demonstrativa que a Apelante mantinha com a enfermeira AA uma genuína relação de trabalho subordinado.

A tal não obsta, naturalmente, a circunstância da enfermeira nunca ter reclamado junto da Ré o reconhecimento da natureza laboral do vínculo jurídico-profissional que a ligou à Ré durante cerca de 4 anos, pois tal atitude passiva ou omissiva não pode, só por si, ser configurada como uma situação de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), de amaneira a obstar à qualificação de tal relação nos moldes aqui reconhecidos e declarados (recorde-se, aliás, que a ação foi proposta pelo Ministério Público e não pela referida enfermeira, não estando em causa, no quadro destes autos, puros interesses particulares e egoístas, digamos assim, de parte daquela, mas também e fundamentalmente outros de cariz público).

Importa dizer que não nos confrontamos, naturalmente, com um vínculo laboral típico mas antes com um de cariz meramente parcial e de conteúdo variável no tempo, mas também é um facto que o nosso sistema jurídico, numa tentativa de resposta às múltiplas e distintas necessidades sociais e económicas que vão emergindo e se transformando nestas últimas décadas, tem diversificado os tipos contratuais que podem ser reconduzidos e congregados ainda debaixo do chapéu-de-chuva jurídico do instituto do contrato de trabalho como é o caso do trabalho a termo certo ou incerto, do trabalho temporário, do contrato de muito curta duração, do trabalho intermitente, do teletrabalho, do trabalho a tempo parcial, da comissão de serviço, da cedência ocasional, etc.     
             
Logo, entendemos que a presunção de laboralidade do artigo 12.º do C.T./2009 que se mostra suficientemente preenchida, para efeitos do seu funcionamento e operacionalidade jurídica, não foi ilidida de uma forma consistente e clara pela aqui recorrida (antes pelo contrário), podendo-se, nessa medida, considerar que o Ministério Público, na sua qualidade de Autor desta ação de reconhecimento do contrato de trabalho, logrou fazer a prova que lhe competia, nos termos conjugados dos artigos 343.º, 344.º, 349.º e 351.º do Código Civil e 12.º do C.T./2009, do cariz laboral da relação jurídico-profissional que liga a Ré e a mencionada enfermeira aa [[18]].                                       

Sendo assim, este recurso de Apelação, pelos motivos expostos, tem de ser julgado improcedente nesta sua vertente jurídica, com a confirmação da sentença recorrida.               

IV – DECISÃO:

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Apelação interposto por L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA no que concerne à impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, determinando-se, nessa sequência, a alteração dos Pontos de Facto números 5., 8., 10. e 12., assim como o aditamento de um novo Ponto de Facto com o número 68;  
b) Apesar de tal modificação da Factualidade dada como Provada, julgar improcedente o recurso de Apelação interposto por L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, na sua vertente jurídica, mantendo-se, nessa medida, a sentença recorrida.                        
*
Custas a cargo da Apelante – artigo 527.º, número 1 do NCPC.
Registe e notifique.


Lisboa, 13 de Janeiro de 2016

     
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Eduardo Azevedo


[1]A sentença prolatada decidiu previamente e no sentido da sua improcedência a exceção inominada do arquivamento dos autos pela ACT e a nulidade principal do erro na forma do processo.
[2]Que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
[3]Em “Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, 4.ª Edição revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, 2012, Almedina, páginas 19 e seguintes e, mais especificamente, páginas 33, 35, 36 e 40 a 42.
[4]Ver, ainda, a opinião bastante crítica relativamente ao “método indiciário” largamente utilizado pela nossa jurisprudência e doutrina expressa pelo Dr. Albino Mendes Baptista em “Jurisprudência do Trabalho Anotada - Relação Individual de Trabalho”, 3.ª Edição, 1999, Quid Juris, págs. 17 a 63, defendendo tal autor, em contraponto aquele método, o “método tipológico”, isto é, uma operação metodológica que não é de mera subsunção ao tipo contratual legalmente definido dos indícios encontrados mas pressupõe antes um juízo de valoração dos referidos sinais, extraídos da execução efetiva do acordo, de forma a procurar qualificar corretamente o contrato concreto em presença, sem perder de vista também a indagação da vontade das partes na concretização do mesmo - cf. obra citada, págs. 54 a 56.
[5]Cf., também, com manifesto interesse para a problemática abordada, Joana Nunes Vicente, “A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei”, junho de 2008, Coimbra Editora. 
[6]Teremos que contrabalançar, de alguma forma, o que se deixou afirmado no corpo deste Aresto e que respeita ao progressivo desvirtuamento das características típicas da relação tradicionalmente qualificada e encarada como autónoma, com o movimento oposto, que parece verificar-se no quadro das clássicas relações de trabalho subordinado, em que alguns dos seus traços mais marcantes e individualizadores perderam fulgor e evidência, apostando-se antes e em alternativa na cada vez maior liberdade e independência funcional e decisória do «colaborador» e na atenuação, espacial e/ou temporal, dos poderes de direção e fiscalização do empregador, aferindo-se a atividade a objetivos globais que devem ser atingidos, sem que tal implique obrigatoriamente um cenário de picagem de ponto, controlo constante, presença permanente, ordens expressas ou muito definidas, posto de trabalho fixo, etc.
Esta progressiva viragem do avesso destes dois tipos contratuais, com a inerente mudança de paradigma dificulta, naturalmente, a tarefa do intérprete e aplicador do direito.                   
[7]O referido artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 conheceu duas redações muito diversas ao longo da vigência desse diploma, importando ainda relacionar as mesmas com a definição de contrato de trabalho que consta do artigo 10.º, que igualmente se irá transcrever:    
Artigo 10.º
Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.
[8]Melhor dizendo, da inexistência de tal contrato de trabalho, pois recai a elisão ou afastamento de aludida presunção sobre a entidade demandada como sendo a empregadora do demandante. 
[9]Cf., por todos, Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, páginas 46 a 50 e João Leal Amado, obra citada, páginas 74 a 82.
[10]«No sentido de que bastará a verificação de dois dos índices para fazer operar a presunção, vd. MARIA DA GLÓRIA LEITÃO e DIOGO LEOTE NOBRE (coord.), Código de Trabalho Revisto, p. 32. Também considerando que a base da presunção legal é constituída pela verificação de pelo menos duas das características indicadas, MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 14.ª ed., cit., p. 153» - NOTA DE RODAPÉ do autor transcrito 
[11]Afigurou-se-nos inútil reproduzir aqui as Notas de Rodapé do Autor transcrito, com os n.ºs 99 a 100, muito embora nesta última, o Professor João Leal Amado suscite uma questão que está cada vez mais na ordem do dia e que se prende com a aplicação da presunção de laboralidade do artigo 12.º do CT de 2009 a vínculos jurídicos-profissionais iniciados antes de 17/2/2009, que, como sabemos, é a entrada em vigor do atual C.T.      
[12]Cfr., também, a Professora Maria Rosário da Palma Ramalho, obra citada, páginas 46 a 50, que sustenta uma posição próxima da do Dr. João Leal Amado, entendendo que bastará, pelo menos teoricamente, que apenas se verifiquem dois dos indícios/elementos de facto do artigo 12.º do C.T./2009, para funcionar a referida presunção de laboralidade    
[13]Em “O ónus da prova no processo civil”, Almedina, Janeiro de 2000, páginas 215 e seguintes.
[14]Não se nos afigurou necessário reproduzir, no quadro do excerto transcrito, as Notas de Rodapé que aí são igualmente referidas (342 a 347). 
[15]«2.2. Factos não provados:
1. Que a Ré para além da intervenção referida em 49. não tenha qualquer outra intervenção na definição da escala.
2. Que a Ré seja alheia à situação referida em 59. e à qual nunca se opôs.»
[16]«64 - No escrito mencionado no ponto 15 supra, consta o seguinte:
D) O SEGUNDO CONTRAENTE é um enfermeiro com qualificação e experiência adequadas, o qual, atendendo às relações profissionais que mantém com outras entidades, apenas aceita colaborar com a PRIMEIRA CONTRAENTE em regime de prestação de serviços, por oposição ao regime de contrato de trabalho, tendo sido a solicitação e no seu exclusivo interesse a determinação do tipo do presente contrato.”»
[17]Cfr., a este respeito, os artigos 155.º a 159.º do Código do Trabalho de 2003.
[18]Cfr., com interesse, os dois seguintes Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora:
- De 11/6/2015, Processo n.º 559/13.2TTPTM.E1, relatora: Paula do Paço, publicado em www.dgsi.pt;
- De 11/6/2015, Processo n.º 776/12.5TTFAR.E1, relatora: Paula do Paço (inédito).       

Decisão Texto Integral: