Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3719/16.0T8OER.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I–Não tendo o autuante identificado o autor da infracção de circulação de veículo automóvel em excesso de velocidade no momento do cometimento e não procedendo a pessoa em nome de quem o dito veículo está registado, no prazo legalmente estabelecido, à identificação do condutor, estabelece a lei - na alínea b), do nº 3, do artigo 135º, do Código da Estrada, conjugada com o disposto no nº 2, do artigo 171º, do mesmo - uma presunção de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo pela prática da infracção.

II–A jurisprudência nacional apresenta-se dividida quanto ao prazo e condições em que pode ser ilidida a referida presunção, sendo que, de acordo com uma das correntes, ao titular do documento de identificação do veículo que, notificado expressamente para os termos do artigo 171º, do Código da Estrada, não identifique o condutor no prazo concedido, está-lhe vedado fazê-lo na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima e sanção acessória pois, embora sendo uma presunção juris tantum, só pode ser ilidida se for provada a utilização abusiva do veículo ou identificado um terceiro, dentro do prazo legal concedido para a defesa. Esgotado esse prazo, já não pode ser admissível o afastamento da presunção, pois tal não tem sustentação legal, seria mesmo contra legem e consubstanciaria um esvaziamento das normas consagradas no artigo 135º, do Código da Estrada.

III–Em sentido divergente, outra linha sustenta que a presunção pode ainda ser ilidida na fase de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.

IV–Independentemente do entendimento perfilhado, não tendo o titular do documento demonstrado que o autor da contra-ordenação é uma pessoa concreta, identificada como exigido no nº 1, do artigo 171º, do Código da Estrada, ainda que se prove que não era ele o condutor do veículo, não pode considerar-se afastada a dita presunção.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.Nos autos de recurso de contra-ordenação que, com o nº 3719/16.0T8OER, correm seus termos na Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras – Instância Local – Secção Criminal – J2, foi proferida sentença, aos 19/12/2016, que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido P. da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que lhe aplicou coima no montante de 180,00 euros e sanção de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 30 dias, pela prática da uma contra-ordenação prevista no artigo 27º, nº 1, do Código da Estrada.

2.–O arguido não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1.ª -« Em 6 de Novembro de 2013, pelas 07h:46m, na A5 sentido Lisboa/Cascais, 11.7, Porto Salvo o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula CM praticou a infracção de conduzir em excesso de velocidade, atendendo que circulava a 154 Km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120Km/h.
2.ª-O Recorrente foi condenado pela prática de um ilícito contra-ordenacional p. e p. pelo art. 27.º, n.º 1 do CE, no pagamento da coima de 180,00 dias e a sanção de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 30 dias.
3.ª-O Recorrente discorda do teor da Sentença proferida pelo Tribunal o quo atendendo que ficou provado não ser ele o condutor do veículo automóvel.
4.ª-Notificado da decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, o Arguido em sede de impugnação judicial comunicou aos autos que não era o condutor do veículo no momento da prática da infracção, procedendo à identificação do condutor e juntando uma declaração do próprio.
5.ª-Resulta do ponto.2. da matéria de facto provada que: "Na data da infracção descrita em 1. O Arguido encontrava-se em Angola.".
6.ª-Consta da matéria de facto não provada que: "a) no dia 6 de Novembro de 2013, pelas 7h:46m, o Arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CM, na A5, sentido Lisboa/Cascais ao Km 11, 7, em Porto Salvo".
7.ª-Em sede de audiência de julgamento, aquando da sua inquirição, o Arguido confirmou que havia sido o filho quem conduzia o veículo no momento da prática dos factos, conforme consta da Sentença na qual se pode ler: "No que respeita a quem é que conduzia a viatura, pese embora tenha sido junta aos autos uma declaração pretensamente assinada por JV, filho do arguido, de que era o condutor do veículo na data em questão (fls. 30) e que o arguido o tenha confirmado (...)"
8.ª-Pelo que ainda que o proprietário do veículo não tenha identificado o infractor no prazo do pagamento da coima, ainda assim, ficou reconhecido judicialmente que não era ele o condutor do veículo no momento da infracção.
9.ª-Sendo que até à fase de impugnação judicial, o Arguido deve ter ao seu dispor todos os meios de defesa de que goza no âmbito do processo contra-ordenacional.
10.ª-Porquanto, a entender-se o contrário, estaria a restringir-se o direito ao recurso, direito que se encontra constitucionalmente consagrado no art. 18.º n.º 3 e artigo 32.º da CRP.
11.ª-Aliás, tendo sido identificado o condutor, inclusivamente mediante a indicação de carta de condução, poderia ter sido, desde logo, extraída certidão para instauração de processo de contra-ordenação contra o autor da infracção.
12.ª-Por outro lado, tendo o Tribunal a quo decidido manter a decisão Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, mesmo após ter considerado como provado que não foi o Arguido a praticar os factos que lhe eram imputáveis, fê-lo, interpretando o art. 171.º, n.º 2 do CE em termos que não são compatíveis com o sistema sancionatório vigente e os diversos princípios constitucionais.
13.ª-Neste sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães pode ler-se "I- O n.º 2 do art.º 171.º do Código da Estrada, quando estabelece que o processo correrá contra o titular do documento de identificação do veículo se o agente da autoridade não puder identificar o autor da infracção, ressalvada a situação de esse titular vir, no prazo que a lei assinala para tal fim, indicar outra pessoa como a que, realmente, tenha cometido a infracção, não pretende mais do que consagrar um pressuposto processual de legitimidade passiva, baseada na presunção natural de que se o mesmo titular não indica quem conduzia o veículo aquando da prática da contra-ordenação, é porque era ele mesmo a conduzi-lo, que é a situação mais comum." (Ac. datado de 27.04.2009, Proc. N.º 897/08-1, disponível em disponível em www.dgsi.pt).
14.ª-Acrescentando ainda o mesmo Acórdão que: "II. Partir-se daí para se derrogar o princípio da pessoalidade das penas é que já parece ilegítimo. III. Ao dar-se como provado que quem conduzia o automóvel não era o arguido mas outra pessoa, que a sentença não identifica, esta inviabiliza a possibilidade de ao arguido ser aplicada uma sanção acessória de inibição de conduzir, uma vez que isso corresponderia a responsabilizar objectivamente o arguido pela conduta de outrem, nexo de imputação esse que a lei não contempla nem permite.".
15.ª-Pelo que, salvo melhor opinião, à semelhança dos presentes autos, ao entender-se que o Arguido não praticou o ilícito, não poderá ser condenado, porquanto não poderemos afastar o princípio da pessoalidade das penas vigente no regime jurídico português.
16.ª-Também para o Tribunal Constitucional é pacificamente assumido que no âmbito do direito contra-ordenacional a prática de um facto ilícito terá que depender de critérios de responsabilização pessoal.
17.ª-Assim, no Acórdão n.º 336/2008, pode ler-se: "(...) à semelhança do que sucede em direito penal, o direito de mera ordenação social português também repudia a responsabilidade objectiva, pois, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), na redacção do Decreto-lei n.º 244/95, "constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima" (sublinhado acrescentado)." (Neste sentido, vide o Ac. do Tribunal Constitucional, Processo n.º 84/2008, disponível em www.dgsi.pt).
18.ª-A única excepção a este princípio verifica-se nas situações de responsabilização das pessoas colectivas, sendo que mesmo neste caso, as pessoas colectivas só poderão ser responsabilizadas por acções de terceiros quando integrem os seus órgãos ou agentes e ajam no exercício das respectivas funções. (Neste sentido vide o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27.04.2009, Proc. N.º 897/08-1, disponível em disponível em www.dgsi.pt).
19.º-A doutrina entende ainda que: "2 - A legislação penal portuguesa consagra o princípio da individualidade da responsabilidade criminal (art. 11º do Código Penal), o qual, aliado ao princípio da intransmissibilidade (art. 30.º, n.º 3 da Constituição e 127º do Código Penal), conforma o princípio da pessoalidade das penas. Constitui tal princípio uma pura opção normativa, uma vez que se ressalva a hipótese de "salvo disposição em contrario". Assim, apenas o homem singularmente considerado pode, em regra, ser sujeito activo de uma infracção criminal, sendo excepcional a responsabilidade criminal das pessoas colectivas." (Neste sentido vide Manuel Simas Santos/Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª Edição, Vislis Editores, [Lisboa] 2003, p.107., em nota ao art. 7.º do DL 433/82).
20.ª-Com efeito, ao dar como provado que quem conduzia o automóvel não era o Arguido mas outra pessoa, que inclusivamente o Arguido identifica e que subscreve uma declaração que deve ser tida em conta para efeitos de prova nos termos do art. 164.º do CPP, fica inviabilizada a possibilidade de ao Arguido ser aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir.
21.ª -cresce ainda que, o Tribunal a quo tendo tido conhecimento de que um terceiro seria o responsável pela condução do veículo na data, hora e local descritos no auto de contra-ordenação, deveria ter diligenciado no sentido de apurar a realidade dos factos, atendendo ao princípio da busca pela verdade material, tendo violado o princípio da investigação consagrado no art. 340.º, n.º 1 do CPP.
22.ª-Nestes termos e por tudo o quanto se expôs, deve o recurso interposto ser considerado totalmente procedente, sendo a Sentença recorrida substituída por outra que absolva o Arguido da sanção acessória de que vem condenado.
23.ª-Sob pena de violação dos arts. 11.º e 127.º do CP, arts. 18.º, n.º 3, 32.º e 30.º, n.º 3 da CRP, art. 135.º, n.º 3, 171.º, n.º 2 do CE e arts. 164.º, 340.º do CPP, arts. 32.º e 41.º do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro.
Neste Termos, e nos mais de direito, cujo douto suprimento se requer, deve o recurso interposto ser considerado totalmente procedente, sendo a Sentença recorrida substituída por outra que absolva o Arguido da sanção acessória de que vem condenado.

3.O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu à motivação de recurso, pugnando pela sua improcedência.

4.–Nesta Relação, a Exmº Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão revidenda.

5.–Cumprido o estabelecido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

6.Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.–Âmbito do Recurso.

Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Ed. Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Ed. Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No que tange aos recursos de decisões relativas a processos por contra-ordenações e conforme resulta do estabelecido nos artigos 66º e 75º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, a 2ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o poder de cognição deste tribunal limitado à matéria de direito, intervindo o Tribunal da Relação como tribunal de revista ampliada, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410º, do CPP, por força do consignado nos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4, do RGCO, posto que as normas reguladoras do processo criminal constituem direito subsidiário do contra-ordenacional.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Violação do princípio da investigação.

Admissibilidade da aplicação ao recorrente da sanção de inibição de conduzir.

2.–A Decisão Recorrida

2.1-É o seguinte o teor da decisão revidenda, na parte relevante (transcrição):

II.Fundamentação de Facto. Factos provados.
1.- No dia 6 de Novembro de 2013, pelas 7h46m, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CM circulava na A5, no sentido Lisboa/Cascais, ao km 11,7, em Porto Salvo, a uma velocidade registada de 154 km/h à qual corresponde deduzida a margem de erro máximo admissível pelo menos a velocidade de 163 km/h num local onde a velocidade máxima permitida no local era de 120 km/h.
2.- Na data da infração descrita em 1. o arguido encontrava-se em Angola.
3.- O arguido pagou a coima que lhe foi aplicada.
4.- O arguido foi notificado do auto levantado e no prazo que lhe foi concedido pelo artigo 171.º do Código da Estrada não veio identificar outrem como o condutor do veículo identificado em 1. nas circunstâncias de tempo e lugar aí descritas.
5.- O arguido tem não averbada no seu registo individual de condutor a prática de qualquer outra infração estradal.

Factos não provados.
Nada mais se provou e designadamente que,
a)- No dia 6 de Novembro de 2013, pelas 7h46m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CM, na A5, sentido Lisboa/Cascais, ao km 11,7, em Porto Salvo.
b)- Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. o veículo era conduzido por JV.
Convicção do Tribunal
O tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto com base na análise critica e global de toda a prova produzida.
Assim, quanto aos factos constantes do ponto 1., considerando que os mesmos não foram impugnados e encontram-se descritos no auto de notícia levantado pela P.S.P., cujo valor probatório está fixado no artigo 170.º n.º 3 do Código da Estrada, não restou senão dá-los como provados.
No que respeita ao ponto 2. resultou o mesmo provado da conjugação das declarações do arguido, que referiu que se encontrava em Angola em trabalho, com o depoimento da testemunha AV, em casa de quem o arguido ficou o qual corroborou as suas declarações referindo não ter quaisquer dúvidas que estava em sua casa pois celebraram o seu aniversário no dia anterior.
Baseou ainda o tribunal a sua convicção no teor dos documentos juntos a fls. 40 e 41 dos quais decorre igualmente a estadia do arguido em Angola.
O ponto 3. resultou provado no documento de fls. 46 e os factos descritos em 5. resultaram da análise do Registo Individual do Condutor a fls. 48.
No que respeita ao ponto 5. resultou o mesmo provado da análise dos autos da qual decorre não ter sido remetido ao mesmo a identificação do condutor na sequência da notificação do auto levantado, o que aliás foi confirmado pelo arguido em audiência.
A factualidade dada como não provada decorreu de quanto à mesma não te sido produzida qualquer prova ou ter sido produzida prova em contrário.
Assim, tendo decorrido quer da prova documental junta aos autos (cfr. fls. 40 e 41) quer da conjugação das declarações do arguido com o depoimento da testemunha AV que o arguido, na data dos factos, encontrava-se em Angola, não restou senão dar como não provado que fosse ele a conduzir a viatura em causa nos autos.
No que respeita a quem é que conduzia a viatura, pese embora tenha sido junta aos autos uma declaração pretensamente assinada por JV, filho do arguido, de como era o condutor do veículo na data em questão (fls. 30) e que o arguido o tenha confirmado, não tendo o mesmo sido inquirido em audiência e inexistindo qualquer garantia que a declaração em causa tenha sido pelo mesmo preenchida e assinada, não se afigura como possível, sem outros elementos, concluir com algum grau de certeza, que fosse o mesmo o condutor da viatura em causa.

III.Da fundamentação de direito.
Ao arguido é imputada a prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 27.º n.º 1 e 145.º al. b) do Código da Estrada, por circular a uma velocidade de 154 km/h num local que apenas permitia a circulação até 120 km/h, incorreu na prática de uma infração contraordenacional grave.
Tal infração é punível com coima de 120 a 600€ (artigo 27.º n.º 2 al. a) 2.º § do Código da Estrada) e com sanção acessória de inibição de conduzir, por um período a fixar entre 1 e 12 meses (artigo 147.º n.º 2 do Código da Estrada).
Tendo em consideração que não tem averbada a prática de qualquer contraordenação praticada nos últimos 5 anos e punida com sanção acessória, foi-lhe aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias.
Na sua impugnação judicial o arguido veio defender que, pese embora não tenha identificado o condutor do veículo em causa no prazo que lhe foi concedido nos termos preceituados no artigo 171.º n.ºs 2 e 3 do Código da Estrada não lhe pode ser vedada a possibilidade de vir neste momento provar que não conduzia o veículo quando a contraordenação foi praticada.

Vejamos então.
Prescreve o artigo 171.º do Código da Estrada,
«2.-Quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infracção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo.
3.-Se, no prazo concedido para a defesa, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contra-ordenação, o processo é suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora.»
Sendo que, nos termos preceituados no artigo 135.º n.º 3 do mesmo diploma legal,
«3.-A responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no:
a)-Condutor do veículo, relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução;
b)-Titular do documento de identificação do veículo relativamente às infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infracções referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor; (...)»
Nos presentes autos, o condutor não foi identificado no momento da prática da infração, pelo que, o auto foi levantado contra o impugnante uma vez que o veículo em causa encontrava-se registado em seu nome, o qual foi então notificado do auto levantado com a expressa menção de que «Se o presente auto lhe foi levantado por ser o titular do documento de identificação do veículo e não era o condutor ou o responsável pela infracção, pode, no prazo e na forma para apresentação da defesa, identificar o condutor indicando, o nome completo (...).» E notificado nestes termos, o impugnante não veio identificar o condutor pelo que foi proferida decisão administrativa na qual constava como condutor, tendo-lhe sido aplicada a competente coima e sanção acessória.
Ora, a questão de saber se o impugnante, não tendo no prazo estabelecido pelo artigo 171.º do Código da Estrada identificado o condutor do veículo em causa, pode vir ilidir a presunção que sobre si impende de que seria o seu condutor em sede de impugnação judicial, questão esta que tem dividido a jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Temos assim, essencialmente duas teses defendidas pela jurisprudência, a saber, a que defende que o titular do documento de identificação do veículo que, notificado expressamente para os termos do artigo 171.º do Código da Estrada, não tenha identificado o condutor no prazo que lhe foi fixado, já não o poderá fazer na fase de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima e sanção acessória e a posição contrário no sentido de que se admite que a presunção seja ilidida na fase de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa por se considerar que o condutor do veículo não deve ficar inibido de, naquela sede de impugnação judicial invocar e provar que não era ele o condutor do veículo no momento da infração logrando afastar a presunção legal mas sem prescindir da prova de que o autor da infração é um determinado cidadão.
A defender a l.a tese temos, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Fevereiro de 2016 (Processo n.º 3017/15.7T8BRR.L1-5, in www.dgsi.pt) no qual se lê «Seguimos o entendimento de que o titular do documento de identificação do veículo que, notificado expressamente para os termos do Artigo 171º do Código da Estrada, não tenha identificado o condutor no prazo que lhe foi fixado, já não o poderá fazer na fase de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima e sanção acessória.
A posição seguida pelo Acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002, C.J., Ano XXVIII, tomo II, p. 37; pela mesma Relação, em Acórdão de 12 de Dezembro de 2007, processo 213/06.1TBMMV.C1; pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de 3 de Outubro de 2005, processo 1388/05-2 (os dois últimos disponíveis em www.dgsi.pt). Também com interesse, o Acórdão da Relação de Évora, de 20 de Dezembro de 2005, processo 1803/05-1 (em www.dgsi.pt).
Aderindo às razões nos mesmos explanadas, entende-se que a presunção em causa é júris tantum, mas que só pode ser ilidida se for provada a utilização abusiva do veículo ou identificado um terceiro, dentro do prazo legal concedido para a defesa.
Ultrapassado esse prazo, já não é possível afastar a presunção, sob pena de não ter qualquer utilidade o disposto no artigo 171.º do Código da Estrada. Seria contrário ao espírito e letra da lei que tal presunção pudesse ser ilidida depois de aplicada a sanção pela autoridade competente, pelo que, mesmo sendo júris tantum, a lei fixa as hipóteses em que pode ser ilidida e fixa o prazo para tanto.
Esvaziando até a mesma de conteúdo, pois que permitiria que o recorrente se mantivesse inerte durante um longo período de tempo, reservando a identificação do condutor do veículo para a impugnação judicial, numa altura em que já não seria possível apurar a responsabilidade pela prática da contra-ordenação, não sendo igualmente possível instaurar processo contra-ordenacional contra o alegado condutor do veículo pois, entretanto, o procedimento estaria prescrito.»
No que respeita à tese contrária sustentada pela jurisprudência dos Tribunais superiores, como se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 28 de Outubro de 2010 (Processo n.º 1106/09.6TAPDL.L1-5, in www.dgsi.pt) «Existe outro entendimento, que admite que a presunção em causa seja ilidida na fase de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa. É a posição seguida pelo Acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Julho de 2006, processo 1511/06; pela mesma Relação, no Acórdão de 20 de Setembro de 2006, processo 1302/06; pelo Acórdão da Relação de Guimarães (com voto de vencido), de 25 de Fevereiro de 2008, processo 1983/07-1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Sustenta-se, em abono desse entendimento, que o proprietário do veículo, apesar de não ter oportunamente identificado o condutor, não fica inibido de, em sede de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, invocar e provar que não era ele o condutor do veículo no momento da infracção, logrando, desse modo, afastar a presunção legal.
Porém, importa não esquecer que a presunção júris tantum é ilidível mediante prova do contrário, pelo que a jurisprudência que segue esta interpretação da lei, julgando-a a mais conforme aos ditames da Constituição, não prescinde da prova de que o autor da contra-ordenação é um determinado cidadão, devidamente identificado, e não o «titular do documento de identificação do veículo».
Por isso, diz-se no referido Acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Julho de 2006 (cuja posição o da mesma Relação, de 20 de Setembro de 2006, citado pelo recorrente, claramente segue): «(...) não bastará ao proprietário do veículo que foi utilizado na prática de determinada contra-ordenação, alegar e mesmo provar que não era ele o condutor do veículo na ocasião. Necessário será que identifique quem era o condutor do veículo nessa mesma ocasião, e se essa indicação só for feita em sede de impugnação judicial, necessário será que faça prova de tal facto». Sem que esteja não só provado que era outro o condutor do veículo, mas também a sua correcta identificação, a responsabilidade do proprietário subsiste por força do estatuído no artigo 171º, n.º 2, do Código da Estrada.
Ora, ponderados os argumentos esgrimidos por ambas as teses preconizadas pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, e ainda que se reconheça mérito a alguns dos argumentos por aduzidos pela tese contrária, não se pode deixar de aderir à primeira tese explanada, ou seja, a que defende que apenas em sede de defesa a apresentar junto da autoridade administrativa pode o proprietário do veículo vir identificar o seu condutor, altura em que a lei lhe concede expressamente um prazo para o efeito, não o pudendo vir fazê-lo em fase posterior sob pena de estarmos defraudar a intenção do legislador de que seja no prazo concedido imediatamente após a prática da contraordenação que o proprietário identifique o condutor, quando não seja o próprio, altura em que a entidade administrativa ainda pode ir averiguar se de facto era o terceiro identificado o condutor da viatura aquando da prática da infração.
A admitir-se que a pessoa em nome da qual o veículo está registado (e se presume ser o seu proprietário) venha em momento posterior indicar e provar que não estava a conduzir e que era um terceiro o seu condutor, criam-se as condições para que nem o proprietário nem o terceiro sejam punidos pela infração em causa pois atento o tempo que terá entretanto decorrido o mais natural é que o procedimento contraordenacional tenha prescrito.
Temos, pois, que admitir a arguição em sede judicial que o condutor não era o proprietário e sim um terceiro cria uma incoerência no regime jurídico que rege as infrações estradais pois permitiria ao proprietário vir indicar o condutor para além do prazo estabelecido na lei para o efeito, defraudando a intenção do legislador ao estabelecer na lei um prazo que ainda lhe permite agir contra o condutor.
Por tudo quanto fica dito, aderindo-se à tese que defende a inadmissibilidade da elisão em sede de impugnação judicial da presunção de que era o proprietário registado a conduzir o veículo em causa e ainda que tenha provado que não era o arguido a conduzi-lo por se encontrar em Angola em trabalho, não resta senão negar provimento à presente impugnação judicial.
E ainda que assim não fosse, considerando que pelos fundamentos supra explanados não se deu como provado que o condutor da viatura fosse JV, mesmo que se aderisse à tese que defende a possibilidade de, em sede de impugnação judicial, ser alegado e provado que o proprietário não era o condutor sendo alegado e provado quem efetivamente conduzia o veículo, a verdade é que o arguido não provou que fosse aquele o condutor e, como tal, nem que se defendesse tal tese seria possível ilidir a presunção que sobre o mesmo impende.

Apreciemos.

Violação do princípio da investigação

Sustenta o recorrente que violou o tribunal recorrido o princípio da investigação, consagrado no artigo 340º, nº 1, do CPP, porquanto, tendo tido conhecimento de que um terceiro seria o responsável pela condução do veículo na data, hora e local descritos no auto de contra-ordenação, deveria ter diligenciado no sentido de apurar a realidade dos factos, atendendo ao princípio da busca pela verdade material, o que não fez.

Como é manifesto, o que pretende é, ainda que de forma enviesada, censurar a matéria de facto dada como não assente na alínea b) dos factos não provados da decisão recorrida, o que, como vimos, lhe está legalmente vedado.

Mas, ainda assim, na medida em que seria eventualmente susceptível de se configurar uma nulidade, analisemos nesta perspectiva.

De acordo com o estabelecido na aludida disposição legal (aplicável ao processo de contra-ordenação por força do artigo 41º, nº 1, do RGCO) o tribunal deve ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

Constitui nulidade dependente de arguição “a omissão (…) de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” - artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP.

Como se aponta no Ac. do STJ de 04/11/2009, Proc. nº 680/07.6GCBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, a invalidade resultante da omissão de diligência de prova essencial para a descoberta da verdade, ao constituir uma nulidade da audiência e não da sentença – uma vez que as nulidades da sentença estão taxativamente elencadas nas alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 379º, do CPP, onde se não inclui a ora em causa – cumpre que seja arguida até ao encerramento da audiência, conforme estabelece o artigo 120º, nº 2, alínea d), e nº 3, alínea a), do mesmo diploma legal, o que o recorrente não fez.

Face ao que, mesmo concebendo academicamente a existência dessa nulidade, não tendo sido oportuna e tempestivamente invocada, sempre se deverá considerar sanada, pelo que improcede o recurso neste segmento.

Admissibilidade da aplicação ao ora recorrente da sanção de inibição de conduzir

Inconformado está o recorrente por lhe ter sido aplicada sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor – nos termos do estabelecido nos artigos 27º, nº 1, 138º, nº 1, 145º, nº 1, alínea b) e 147º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada, na versão do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23/02 -porquanto provado se mostra que no momento da infracção não era o condutor do veículo.

Assente está, na verdade, que na data da infração que gerou a aplicação da sanção de inibição de conduzir o arguido encontrava-se em Angola.

A propósito considerou o tribunal recorrido, depois de enunciar os entendimentos seguidos pelas correntes jurisprudenciais quanto ao prazo e condições em que pode ser ilidida a presunção do artigo 135º, nº 3, alínea b), do Código da Estrada (aqui na versão do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23/02, sendo certo que alterações não ocorreram, quanto a esta matéria, com a introduzida pela Lei nº 72/2013, de 03/09) de forma a afastar a responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo.

(…) ponderados os argumentos esgrimidos por ambas as teses preconizadas pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, e ainda que se reconheça mérito a alguns dos argumentos por aduzidos pela tese contrária, não se pode deixar de aderir à primeira tese explanada, ou seja, a que defende que apenas em sede de defesa a apresentar junto da autoridade administrativa pode o proprietário do veículo vir identificar o seu condutor, altura em que a lei lhe concede expressamente um prazo para o efeito, não o pudendo vir fazê-lo em fase posterior sob pena de estarmos defraudar a intenção do legislador de que seja no prazo concedido imediatamente após a prática da contraordenação que o proprietário identifique o condutor, quando não seja o próprio, altura em que a entidade administrativa ainda pode ir averiguar se de facto era o terceiro identificado o condutor da viatura aquando da prática da infração.

A admitir-se que a pessoa em nome da qual o veículo está registado (e se presume ser o seu proprietário) venha em momento posterior indicar e provar que não estava a conduzir e que era um terceiro o seu condutor, criam-se as condições para que nem o proprietário nem o terceiro sejam punidos pela infração em causa pois atento o tempo que terá entretanto decorrido o mais natural é que o procedimento contraordenacional tenha prescrito.

Temos, pois, que admitir a arguição em sede judicial que o condutor não era o proprietário e sim um terceiro cria uma incoerência no regime jurídico que rege as infrações estradais pois permitiria ao proprietário vir indicar o condutor para além do prazo estabelecido na lei para o efeito, defraudando a intenção do legislador ao estabelecer na lei um prazo que ainda lhe permite agir contra o condutor.

Por tudo quanto fica dito, aderindo-se à tese que defende a inadmissibilidade da elisão em sede de impugnação judicial da presunção de que era o proprietário registado a conduzir o veículo em causa e ainda que tenha provado que não era o arguido a conduzi-lo por se encontrar em Angola em trabalho, não resta senão negar provimento à presente impugnação judicial.
E ainda que assim não fosse, considerando que pelos fundamentos supra explanados não se deu como provado que o condutor da viatura fosse JV, mesmo que se aderisse à tese que defende a possibilidade de, em sede de impugnação judicial, ser alegado e provado que o proprietário não era o condutor sendo alegado e provado quem efetivamente conduzia o veículo, a verdade é que o arguido não provou que fosse aquele o condutor e, como tal, nem que se defendesse tal tese seria possível ilidir a presunção que sobre o mesmo impende.

Para a resolução da questão em apreço importa atender às seguintes disposições legais, inseridas no Código da Estrada:

Artigo 135º

“(…) 3-A responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no:
a)-Condutor do veículo, relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução;
b)-Titular do documento de identificação do veículo relativamente às infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infracções referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor; (…)”.

Artigo 171º

“1-A identificação do arguido deve ser efectuada através da indicação de:
a)-Nome completo ou, quando se trate de pessoa colectiva, denominação social;
b)-Residência ou, quando se trate de pessoa colectiva, sede;
c)-Número do documento legal de identificação pessoal, data e respectivo serviço emissor ou, quando se trate de pessoa colectiva, do número de pessoa colectiva;
d)-Número do título de condução e respectivo serviço emissor;
e)-Identificação do representante legal, quando se trate de pessoa colectiva;
f)-Número e identificação do documento que titula o exercício da actividade, no âmbito da qual a infracção foi praticada.

2-Quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infracção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo.

3-Se, no prazo concedido para a defesa, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contra-ordenação, o processo é suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora.

4-O processo referido no n.º 2 é arquivado quando se comprove que outra pessoa praticou a contra-ordenação ou houve utilização abusiva do veículo.

5-Quando o agente da autoridade não puder identificar o autor da contra-ordenação e verificar que o titular do documento de identificação é pessoa colectiva, deve esta ser notificada para proceder à identificação do condutor, no prazo de 15 dias úteis, sob pena de o processo correr contra ela, nos termos do n.º 2.

6-O titular do documento de identificação do veículo, sempre que tal lhe seja solicitado, deve, no prazo de 15 dias úteis, proceder à identificação do condutor, no momento da prática da infracção.

7-Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado nos termos do n.º 2 do artigo 4.º”.

Pois bem, conforme resulta da factualidade que se mostra assente, o arguido/ora recorrente foi notificado, enquanto titular do documento de identificação do veículo de matrícula CM e porque o autuante não logrou no momento identificar o autor da infracção, do auto levantado e para, no prazo concedido, proceder à identificação do condutor do veículo.

A alínea b), do nº 3, do artigo 135º, do Código da Estrada (a conjugar com o disposto no nº 2, do artigo 171º, do mesmo) estabelece uma presunção, mas ilidível pela demonstração da utilização abusiva do veículo ou identificação do condutor quando inexiste coincidência entre este e o titular do documento, nos termos legalmente estabelecidos, pelo que, não tendo o arguido procedido a essa identificação no aludido prazo, não estaria exonerada a presunção.

Mas, como bem se enuncia na decisão revidenda, a jurisprudência apresenta-se dividida quanto ao prazo e condições em que pode ser ilidida a referida presunção.

De acordo com uma das correntes, ao titular do documento de identificação do veículo que, notificado expressamente para os termos do artigo 171º, do Código da Estrada, não identifique o condutor no prazo concedido, está-lhe vedado fazê-lo na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima e sanção acessória pois, embora sendo uma presunção juris tantum, só pode ser ilidida se for provada a utilização abusiva do veículo ou identificado um terceiro, dentro do prazo legal concedido para a defesa.

Esgotado esse prazo, já não pode ser admissível o afastamento da presunção, pois tal não tem sustentação legal, seria mesmo contra legem e consubstanciaria um esvaziamento das normas consagradas no artigo 135º, do Código da Estrada – neste sentido, entre outros, Ac. da Relação de Lisboa de 02/02/2016, Proc. nº 3017/15.7T8BRR.L1-5; Ac. da Relação de Coimbra de 06/03/2002, Colectânea de Jurisprudência., 2002, tomo II, pág. 37; Ac. da Relação de Coimbra de 12/12/2007, Proc. nº 213/06.1TBMMV.C1; Ac. da Relação de Guimarães, de 03/10/2005, Proc. nº 1388/05-2, todos consultáveis em www.dgsi.pt, à excepção do na C.J. referenciado.

De acordo com a outra posição, admite-se que a presunção seja ilidida na fase de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa- assim, Acs. da Relação de Coimbra de 05/07/2006, Proc. nº 1511/06 e de 20/09/2006, Proc. nº 1302/06 e Ac. da Relação de Guimarães de 25/02/2008, Proc. nº 1983/07-1, disponíveis no mesmo sítio.

No caso sub judice, se vero é que provado está que na data da infracção “o arguido encontrava-se em Angola”, menos certo não é que também se mostra como não provado que “nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. o veículo era conduzido por JV”. Ou seja, provado também não está na decisão recorrida que o condutor do veículo no momento da infracção fosse a pessoa que o arguido indicou como tal apenas na peça de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.

E, como se pode ler no Ac. da Relação de Lisboa de 28/09/2010, Proc. nº 1106/09.6TAPDL.L1-5, relatado pelo aqui juiz-adjunto, consultável no sítio retro referenciado, “(…) da factualidade provada, constante da decisão recorrida, não consta a identificação do condutor que, na ocasião, conduzia o veículo em questão.

Não se vislumbrando qualquer vício de conhecimento oficioso - e porque este tribunal apenas conhece de matéria de direito, não lhe cabendo questionar a apreciação da prova e os factos provados e definitivamente assentes - teremos de inferir que o arguido, mesmo que se adira à posição jurisprudencial que admite que a mencionada presunção seja ilidida na fase da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, não logrou, efectivamente, afastar tal presunção, de forma a eximir-se à responsabilidade que sobre ele recai por força do disposto no artigo 171.º, n.º 2, do Código da Estrada, sem que se vislumbre que, deste modo, se adopte qualquer interpretação desconforme aos ditames constitucionais.

Conclui-se, assim, que independentemente do entendimento que se adopte quanto ao prazo e condições em que a aludida presunção pode ser afastada, sempre subsistirá, no caso, a responsabilidade do arguido-recorrente pela contra-ordenação por que foi condenado (…)”.

Esta é a posição que se continua a perfilhar.

E, não decorre desta interpretação, ao contrário do que argumenta o recorrente, uma violação do “princípio da pessoalidade das penas vigente no regime jurídico português”, também aplicável ao regime de mera-ordenação social, traduzida no estabelecer de uma responsabilidade objectiva, pois a sua responsabilização resulta da circunstância de ser o proprietário do veículo com que foi cometida a infracção, não ter logrado a identificação do condutor e também não se ter provado a sua utilização abusiva, inexistindo, consequentemente, obliteração das normas dos artigos 18º, nº 3, 32º e 30º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa ou de qualquer outra das que invocou.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso.

III–DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da ...ª Secção desta Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido P. e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.



Lisboa, 18 de Abril de 2017



(Artur Vargues)                      
(Jorge Gonçalves)