Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3581/12.2TBCSC.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: AUTO-ESTRADA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
BRISA
CONTRATO COM EFICÁCIA DE PROTECÇÃO DE TERCEIROS
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Com a lei 24/2007, de 18-7, surgida na sequência da controvérsia sobre a caracterização e enquadramento da responsabilidade das concessionárias por acidentes de viação sofridos pelos utentes das autoestradas, o legislador assumiu que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança das concessionárias estava a cargo destas.
II – No caso dos autos os AA. provaram a ocorrência do acidente devido ao atravessamento da faixa de rodagem da autoestrada por três cães nos quais o veículo da 1ª A., conduzido pelo 2º A. embateu, os danos sofridos e o nexo de causalidade entre os facto e os danos, nenhuma circunstância permitindo inferir que o modo de condução do 2º A. tivesse alguma conexão com o acidente.
III – A concessionária demonstrou a realização de um cumprimento genérico das suas obrigações de vigilância e segurança o que não é suficiente; a mesma só afastaria a presunção de incumprimento que sobre ela impendia se demonstrasse, em concreto, que a intromissão dos animais na via não lhe era de todo imputável o que não sucedeu visto ignorar-se como os três cães se introduziram na auto-estrada.
IV – A concessionária está obrigada a satisfazer os valores despendidos pela 1ª A. na reparação dos estragos sofridos pelo veículo e a compensar o 2º A. pelo dano não patrimonial (“choque psicológico”) por ele suportado.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - «A» e B intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra «C».
Alegaram os AA., em resumo:
No dia 24 de Dezembro de 2011, ao km 21,8 da A5 - cuja exploração e conservação está concessionada à R. - o 2º A. conduzia o veículo com a matrícula ..., propriedade da 1ª A., quando foi surpreendido pelo aparecimento de três animais de raça canina que se atravessaram à frente do veículo que neles embateu, provocando-lhes a morte. Do embate em referência resultaram estragos no veículo da 1ª A. que se viu forçada a custear a reparação que importou em 3.109,21 €, bem como prejuízos referentes à imobilização da viatura pelo período de 104 dias e, ainda, para o 2º A., um estado de choque psicológico de difícil recuperação.
Pediram os AA. que a R. seja condenada a pagar à 1ª A. a quantia de 3.143,63 € por conta da reparação do veículo e a de 2.983,76 € a título de indemnização pela imobilização da viatura durante 104 dias, bem como ao 2º R. a quantia de 6.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescendo juros de mora sobre essas quantias vencidos desde 11 de Janeiro de 2012.
A R. contestou, arguindo a sua ilegitimidade, e impugnando a factualidade alegada pelos AA..
Os AA. requereram a intervenção provocada de «D» na qualidade de R., a qual foi admitida, sendo a mesma citada.
Citada, esta requereu a intervenção acessória provocada de «E» com quem celebrara contrato de seguro. Na contestação, para além de haver impugnado a factualidade descrita pelos AA. na p.i. salientou não ter havido qualquer conduta omissiva da sua parte e que no patrulhamento não foi detectada qualquer deficiência nas condições de circulação nem nas vedações envolventes.
Concluiu pela improcedência da acção.
Admitida a intervenção acessória provocada requerida, foi a «E» citada, apresentando o respectivo articulado.
O processo prosseguiu sendo que, a final, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente e absolver a R. e a Interveniente do pedido.
Apelaram os AA., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
«E» e «C» contra alegaram, respectivamente nos termos de fls. 210 e seguintes e 226 e seguintes.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A 1ª A. é, desde 19 de Maio de 1998, proprietária do veículo automóvel de marca Honda, com a matrícula ... (art. 2º da petição inicial);
2. No dia 21 de Dezembro de 2011, o 2º A. conduzia o veículo referido em 1. Na Auto-Estrada da Costa do Estoril (A5), sentido Cascais-Lisboa (Alcabideche/Estoril) (art. 3º da petição inicial);
3. O veículo encontrava-se seguro na Companhia de Seguros … através da apólice número 90.22014368 (art. 4º da petição inicial);
4. A inspecção periódica do mesmo encontrava-se válida até 6 de Maio de 2012 (art. 5º da petição inicial);
5. O 2º A. tem licença de condução desde 28 de Fevereiro de 2000 (art. 6º da petição inicial);
6. Foi-lhe efectuado teste de alcoolemia, com resultado negativo, com T. A. S.  de 0,00 G/litro (art. 7º da petição inicial);
7. No dia e hora referidos em 2., o 2º A. foi surpreendido pelo aparecimento de três animais de raça canina que se encontravam na via em que circulava, atravessando-a, tendo embatido nos três animais, atropelando-os, o que provocou a morte destes (arts. 8º a 10º da petição inicial);
8. Chamadas as autoridades policiais ao local, foi levantado o competente Auto de Ocorrência de Trânsito pela Guarda Nacional Republicana, Destacamento de Trânsito de Carcavelos (art. 11º da petição inicial);
9. Deslocou-se também ao local um funcionário da ..., que recolheu os animais (art. 12º da petição inicial);
10. O veículo ficou imobilizado na berma da auto-estrada, danificado em toda a sua parte frontal, tendo sido removido do local por reboque, porque impossibilitado de circular (arts. 13º a 15º da petição inicial);
11. A R. foi instada para discutir da assunção de responsabilidade no acidente, via comunicações de email datado de 11 de Janeiro e cartas registadas de 11 de Janeiro e 9 de Fevereiro, tendo respondido a 18 de Abril de 2012, declinando responsabilidades no sucedido (art. 16º e 17º da petição inicial);
12. A necessidade de uso da viatura é diária (art. 18º da petição inicial);
13. A reparação do veículo orçou em € 3 109,21 (art. 20º da petição inicial);
14. Foi comunicado à R. um orçamento para a reparação do veículo de € 2.652,50 (art. 21º da petição inicial);
15. O embate dos autos provocou no 2º A. choque psicológico (art. 26º da petição inicial);
16. A ... – Auto Estradas de Portugal transferiu para a C a posição de concessionária da Auto-Estrada A5, tendo esta empresa passado a ocupar-se da exploração e manutenção da rede viária em causa a partir de 22 de Dezembro de 2010 (arts. 5º e 6º da contestação da R.);
17. A C, concessionaria do Estado para a construção, conservação e exploração das auto-estradas referidas na Base I anexa ao DL 294/97, de 24 de Outubro, entre as quais está a A5, transferiu para a E a sua responsabilidade civil até ao montante de € 748 200,00 pelas indemnizações que, de conformidade com a lei, possam ser-lhe exigidas como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionaria da exploração, conservação e manutenção da A5 (arts. 2º a 4º da contestação da Interveniente);
18. No dia 21 de Dezembro de 2011, cerca das 6 horas e 8 minutos, o Centro de Coordenação Operacional da ... Concessão Rodoviária recebeu uma comunicação através da linha azul, informando da existência do veículo GQ imobilizado na berma direita da A5 ao km 22,100 (zona do Nó de Alcabideche), no sentido Cascais/Lisboa (art. 9º da contestação da Interveniente);
19. A referida Central deu indicações ao mecânico de serviço para se deslocar para o local do sinistro, em socorro e protecção, a fim de sinalizar a aludida viatura e retirar obstáculos da área concessionada (art. 10º da contestação da Interveniente);
20. Aquele mecânico, ao chegar ao local pelas 6 horas e 30 minutos, constatou a existência de três cães mortos nas vias de circulação, um na via central, outro na via da direita e um terceiro na berma esquerda, tendo, de imediato, retirado os dois animais que se encontravam depositados na via para a berma direita (art. 11º da contestação da Interveniente);
21. No local, sensivelmente ao km 21,500, o referido mecânico encontrou a viatura GQ, imobilizada na berma direita, atento o seu sentido de marcha (art. 12º da contestação da Interveniente);
22. A Central de Comunicações reportou a situação, de imediato, à GNR-BT (art. 13º da contestação da Interveniente);
23. Às 8 horas e 52 minutos esteve também no local uma equipa da … – ... Conservação e Infra-estruturas, SA para proceder à remoção dos animais do perímetro da auto-estrada (art. 14º da contestação da Interveniente);
24. Na data e hora em que foi participada a ocorrência, o estado do tempo era bom e o piso estava seco (art. 18º da Interveniente);
25. O local do acidente caracteriza-se por ser uma secção corrente da Auto-estrada, com boa visibilidade e com o piso em bom estado (art. 34º da contestação da Interveniente);
26. A distância avistável não é inferior a 400 metros (art. 36º da contestação da Interveniente);
27. O 2º A. circulava na via central da A5 aquando do embate nos aludidos animais (art. 41º da contestação da Interveniente);
28. A GNR-BT procede ao patrulhamento constante das auto-estradas da concessão 24 horas por dia (art. 45º da contestação da Interveniente);
29. No patrulhamento feito naquela auto-estrada não detectou nenhuma deficiência nas condições de circulação no local dos autos ou qualquer situação que pusesse em risco a segurança dos utentes da A5 (art. 46º da contestação da Interveniente);
30. Não havia qualquer tipo de obstáculo nas vias, ao km 21 da A5 no sentido Oeste/Este em momento anterior ao da ocorrência dos autos, nomeadamente às 5 horas e 20 minutos, aquando da passagem do último patrulhamento efectuado no local (art. 47º da contestação da Interveniente);
31. Ao longo da A5, a ... efectua vigilância constante, através das suas patrulhas, na detecção de eventuais situações anómalas, pondo termo às mesmas (art. 50º da contestação da Interveniente);
32. A Interveniente dispõe de serviços que percorrem a carro e a pé a auto-estrada para verificação e manutenção das infra-estruturas daquela (art. 52º da contestação da Interveniente);
33. Na sequência da comunicação da ocorrência dos autos, a Interveniente ordenou a verificação do estado das vedações da zona envolvente da auto-estrada, nada tendo sido detectado e encontrando as mesmas em perfeito estado de conservação (art. 53º da contestação da Interveniente);
34. No dia dos autos nada foi detectado nos patrulhamentos efectuados quanto à existência de cães nas vias ao km 24 da A5 em qualquer dos sentidos de marcha (arts. 55º a 57º da contestação da Interveniente).
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  III – Sendo as conclusões da alegação de recurso que definem o objecto do mesmo, verificamos que as questões que se nos colocam são as seguintes: se não deveria ter sido julgado provado o facto constante do ponto 31) dos Factos Assentes; se, na sequência, deveria a acção ter sido julgada procedente tendo em conta que a interveniente não logrou satisfazer os ónus para si resultantes do nº 1 do art. 12 da lei 24/2007, de 18-7; se a sentença é nula nos termos do art. 615, nº1-c) do CPC.
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 IV – 1 – Começando pelo último ponto mencionado – o respeitante à nulidade da sentença.
As causas da nulidade da sentença estão actualmente previstas - taxativamente - no art. 615 do CPC cujo nº 1-c) inclui os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
«Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença» ([1]).
No caso que nos ocupa não se vislumbra qualquer contradição entre o percurso seguido na sentença e a decisão tomada a final. Não esqueçamos que a oposição em referência não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta.
Haverá ambiguidade da sentença quando o seu texto comporte dois ou mais sentidos diferentes; a mesma será obscura quando algum trecho da mesma seja incompreensível.
Ora, a sentença recorrida também não contém qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – nem os apelantes apontam concretamente esse vício.
            Pelo que não se verifica a invocada nulidade da sentença.
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IV – 2 - O Tribunal de 1ª instância deu como provado o facto que elencou sob o nº 31 dos Factos Provados: «Ao longo da A5, a ... efectua vigilância constante, através das suas patrulhas, na detecção de eventuais situações anómalas, pondo termos às mesmas».
Pugnam os apelantes pela não subsistência de tal facto, fundando-se nos depoimentos das testemunhas  Fernando ... e Agnelo …, bem como no documento que se encontra a fls. 123.
Foram ouvidos os depoimentos apontados dos quais destacamos o seguinte:
- A testemunha Fernando ..., Oficial de Mecânico e funcionário da ... no Centro Operacional de … há 15 anos, lembra-se (quanto ao acidente) de que se tratava de uma viatura que havia embatido em três cães de grande porte; chamaram-no na ocasião em que se encontrava na A9 CRELL/ nó de Queluz, em percurso de patrulhamento. Deslocou-se ao local (cerca de 20 Kms) e deparou com os três cães mortos. Um deles era um cão muito grande e não o conseguiu retirar, estava na berma esquerda, era um cão com o peso e envergadura de um Serra da Estrela. Já lá se encontrava, então, a BT. Os animais estavam ao Km 22,100, no sentido Cascais/Lisboa, numa curva à esquerda, a 200 metros do nó de acesso de Alcabideche. A testemunha estava a fazer o turno A e o intervalo entre a passagem das patrulhas naquele local não chegou a atingir as 3 horas. Não tivera informação prévia de animais na via. Depois fiscalizou a vedação numa extensão de cerca de 300 m, daquele lado da estrada. Nunca viu um cão saltar a vedação.
No seu depoimento foi a testemunha confrontada com o documento de fls. 123, da qual consta, designadamente, o patrulhamento diário com horas de passagem.
   - A testemunha Agnelo …, Responsável do Sector de Obras e Manutenção na .., referiu que recebeu uma chamada dando-lhe conhecimento do que se passara, acrescentando que foram removidos os animais e vistoriada a vedação 1 Km em cada sentido, não tendo sido detectada qualquer anomalia nesta. No mês de Outubro tinham feito a verificação de toda a rede da vedação no sentido … e no mês seguinte no sentido contrário. Fazem anualmente 4 vistorias desse tipo. Estava tudo em conformidade. O ponto de entrada dos cães na auto-estrada é nos sítios de entrada dos carros; ali têm três “entradas de cães”, … e A16, designadamente.
Vejamos.
O facto 31) tem, desde logo, uma falha – o termo “constante” que adjectiva a vigilância da “...”. Esse termo traduz uma conclusão que não esclarece efectivamente o que em termos de facto sucede, tendo em conta a sua relatividade. Em que é que se traduz, afinal, aquela “vigilância constante”?
Assim, tendo em conta os depoimentos referidos e o documento mencionado, afigura-se que a redacção daquela ponto de facto deverá ser o seguinte:
«A ... efectua vigilância para detecção de eventuais situações anómalas através das suas patrulhas que circulam pela A5 pondo termo às mesmas».
     Pela mesma razão e embora quanto a este ponto não haja sido deduzida impugnação, retira-se do ponto 28) dos Factos Provados a expressão “constante”.
            Altera-se, pois, nos termos referidos, a redacção dos pontos 28) de 31) da matéria de facto provada.
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            IV – 3 - Antes de ter surgido a lei 24/2007, de 18-7, sobre a questão da responsabilidade das concessionárias por acidentes de viação ocorridos em auto-estradas foram assumidas diversas posições, susceptíveis de conduzir a diferentes desfechos.
     O cerne do problema, em casos como o dos autos, na base do qual se encontra o aparecimento de animais na via, reconduzia-se, afinal a uma questão de ónus da prova – em que termos ele era desenhado e contra quem se resolvia.
   Extremando-se as posições, temos que aplicando-se o regime da responsabilidade civil delitual à situação do embate entre um veículo e um animal numa auto-estrada concessionada, tendo em conta o disposto nos arts. 342, 483 e 487 do CC, ao lesado, competindo-lhe alegar e provar todos os pressupostos da responsabilidade civil, também competiria provar a culpa da concessionária. Estando os deveres das concessionárias especificados na lei ([2]) nessa consagração legal encontraríamos disposições de protecção, elaboradas, nomeadamente, por razões que são do interesse dos utentes. Tida em conta a violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, referida no art. 483 do CC, a culpa da concessionária surgiria aqui como manifestação de uma omissão de deveres de conservação, manutenção e disciplina impostos legalmente através do contrato de concessão.
Não oferece dúvidas a dificuldade para o lesado em demonstrar factos dos quais se pudesse concluir que o evento ocorrera por culpa da concessionária – desde logo porque se verifica numa auto-estrada, local onde não é permitido aos condutores pararem para recolherem elementos sobre as circunstâncias que originaram o acidente ([3]). Não provada a culpa, a acção improcedia.
Ainda no domínio da responsabilidade aquiliana outra hipótese era a de recurso ao nº 1 do art. 493 do CC – teríamos, então, danos causados pela coisa (pela auto-estrada) que incumbiria à concessionária vigiar.
Se enquadrássemos a situação num prisma de responsabilidade contratual, caberia à concessionária, nos termos do nº 1 do art. 799 do CC, provar que não teve culpa na ocorrência do evento.
O contrato entre o utente e a concessionária comportaria, da parte desta, a permissão de utilização da auto-estrada, contra o pagamento da portagem, da parte do utente. À obrigação de pagamento da portagem corresponderia, do lado da concessionária, a obrigação de “bom serviço” que englobaria, além do mais «a obrigação de assegurar aos utentes boas condições de segurança através de permanente fiscalização sobre as vias e tudo o que as circunda, de molde a permitir àqueles uma condução rápida e segura» ([4]).
Uma outra perspectiva seria não a de uma relação contratual entre o utilizador da auto-estrada e a concessionária, mas sim a de um contrato a favor de terceiro celebrado entre a concessionária e o Estado, sendo o utente o beneficiário desse mesmo contrato de que, para ele, resultariam direitos. Para o utente resultaria, designadamente o direito de «utilizar a auto-estrada com segurança, comodidade, velocidade» com a obrigação da concessionária de «diligenciar pela efectivação dos direitos do utente, tal como indicados no contrato de concessão» ([5]).
Carneiro da Frada ([6]) refere-se à terceira via da responsabilidade civil e ao contrato com eficácia de protecção para terceiros, o contrato de concessão celebrado entre o estado e a concessionária. Diz-nos, então: «O contrato com eficácia de protecção para terceiros apresenta-se como manifestação do espaço dogmático-normativo a que chamámos já a terceira via da responsabilidade civil. Na verdade, a responsabilidade perante terceiros protegidos não é obrigacional, porque não está em causa sancionar o não cumprimento de deveres de prestar, apenas estabelecidos entre as partes no contrato. Mas não será também aquiliana, uma vez que se funda no contrato enquanto acto tendente a proteger (também) interesses de terceiros. O regime da responsabilidade apresenta portanto um carácter que se pode figurativamente caracterizar como “híbrido”, ou, melhor, “intercalar”». Salienta que uma coisa «é o conteúdo das adstrições a que o devedor está sujeito (para protecção de terceiros), outra, diferente, o regime a que a violação desses mesmos deveres está sujeita. No que toca ao importante tema da distribuição do ónus da prova da culpa — pressuposto em princípio necessário para efectivar uma responsabilidade contra uma concessionária — cremos que os resultados propiciados por esta figura não diferem sensivelmente daqueles que a responsabilidade aquiliana permite obter».
Para, a final, concluir ([7]): «Os resultados a que chegámos não diferem significativamente daqueles que a via delitual permite. O que é natural: o conteúdo da tutela pauta-se em ambos os casos essencialmente, como já dissemos, pelo conteúdo das disposições (de protecção de interesses alheios) constantes do diploma que regula a concessão. O contrato com eficácia de protecção para terceiros pode, portanto, ser útil noutros domínios da vida social disciplinada pelo Direito. No presente, depois de esconjurados os perigos de uma utilização sem critério, pouco traz de relevante».
Foi Sinde Monteiro ([8]) quem desenvolveu frutuosamente o tema da hipótese do contrato com eficácia de protecção para terceiros - o contrato de concessão celebrado entre o Estado e a concessionária – em que, diferentemente do que acontece no contrato a favor de terceiro, o terceiro não adquire qualquer direito à prestação, sendo «apenas incluído no âmbito de protecção do contrato, com o sentido de que o devedor nesse outro negócio, além dos deveres de prestação em relação à contraparte, assume ou é colocado na posição de ter de adoptar “deveres de cuidado” em relação a uma pessoa estranha ao negócio» e em que no caso de inobservância destes “deveres de protecção” … aquele terceiro, se sofrer prejuízos, poderá exigir a respectiva reparação». Sustentou, a propósito de casos em que estão em causa bens jurídicos (como a vida, integridade física, propriedade) que gozam de tutela delitual geral por integrarem verdadeiros subjectivos que «a razão de ser do instituto consiste justamente em permitir aos beneficiários usufruírem de certas vantagens do regime jurídico contratual, das quais no direito português, a mais importante concerne ao ónus da prova da culpa». Acrescentando que no caso que nos importa «embora o contrato de concessão tenha como partes únicas o Estado e a concessionária, os automobilistas, cujos interesses aquele quer defender (sem todavia lhes atribuir um direito à prestação) porque incluídos no âmbito de protecção daqueloutra relação obrigacional primária, hão-de beneficiar do regime probatório mais favorável do art. 799, nº 1 (em comparação com o art. 487, nº 1), do Código Civil com a concretização contida na já citada base XXXI, nº 2. Admitir que estamos perante uma situação enquadrável nos “contratos com eficácia de protecção para terceiros” e não aceitar esse resultado significaria ficar a meio caminho». Concretizando, depois: «A presença de um cão nas vias de circulação da auto-estrada põe obviamente em crise, de uma forma grave, a segurança. Saber até onde vai a esfera de responsabilidade da concessionária coloca um problema de interpretação. Desde que o contrato de concessão impõe não apenas o dever de proceder à vedação nas zonas em que exista particular perigo de atravessamento de animais, mas em toda a sua extensão, parece razoável admitir que quis banir esse perigo. A concessionária não apenas deve manter as vedações em boas condições como deve curar, pensamos, de que os animais não se introduzem em outros locais, nomeadamente nas zonas de portagem ... Aplicando-se a base XXXVI, nº 2, nas relações com os utentes, a prova de que a intromissão se deveu a facto de terceiro, do lesado ou a caso fortuito incumbirá à concessionária».
            Urbano Dias ([9]), na proximidade de Sinde Monteiro, referia que o fundamento da obrigação de indemnizar os utentes por danos causados pela falta de condições de circulação em segurança constituirá a violação por omissão de um dever contratualmente estabelecido que impõe a convocação do instituto da responsabilidade contratual.
Também a jurisprudência reflectia esta diversidade de perspectivas. Assim, a título exemplificativo, considerando a responsabilidade extracontratual os acórdãos do STJ de 20-5-2003 e de 12-11-1996 e considerando a responsabilidade contratual o acórdão do STJ de 22-06-2004 ([10]).
            Surge, entretanto, a lei 24/2007, de 18-7, cujo art. 12, sob a epígrafe «Responsabilidade» dispõe no seu nº 1:
«Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova ou encargo de fazer prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
 a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais».
O número 3) tem a cautela de excluir «os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
 a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra».
  Deste modo, por opção do legislador, foi expressamente previsto que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança das concessionárias estava a cargo destas.
As dúvidas de enquadramento, sem prejuízo do seu interesse teórico, deixaram de ter a relevância prática que ofereciam.
Como salientado no acórdão do STJ de 14-03-2013 ([11]) «uma vez provada a existência de acidente devido a obstáculo existente na faixa de rodagem, sem prova da culpa do condutor do veículo, recai sobre a concessionária da auto-estrada o ónus de provar o cumprimento das obrigações de segurança para se eximir da sua responsabilidade civil».
Antes de prosseguirmos salientemos que, como resultou provado, a «... – Auto Estradas de Portugal» transferiu para a «C» a posição de concessionária da Auto-Estrada A5, tendo esta empresa passado a ocupar-se da exploração e manutenção da rede viária em causa a partir de 22 de Dezembro de 2010.
Na data em que ocorreu o acidente dos autos era já a «C» a concessionária sobre quem recaíam as obrigações de segurança concernentes à via e os ónus a que supra aludimos.
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IV – 4 - No caso que nos ocupa provou-se que no dia 21 de Dezembro de 2011, o 2º A. conduzia o veículo ... (de que a 1ª A. era proprietária) na Auto-Estrada da Costa do Estoril (A5), sentido Cascais-Lisboa (Alcabideche/Estoril) quando, circulando então pela via central, foi surpreendido pelo aparecimento de três animais de raça canina que se encontravam na via em que circulava, atravessando-a, tendo embatido nos três animais, atropelando-os, o que provocou a morte destes. Quanto ao veículo ficou imobilizado na berma da auto-estrada, danificado em toda a sua parte frontal, tendo sido removido do local por reboque, porque impossibilitado de circular.
O local do acidente caracteriza-se por ser uma secção corrente da auto-estrada, com boa visibilidade e com o piso em bom estado e a distância avistável não é inferior a 400 metros. Os factos sucederam cerca das 6 h – foram participados pelas 6 horas e 8 minutos - e quando foi participada a ocorrência, o estado do tempo era bom e o piso estava seco.
Provou-se, pois, a ocorrência do acidente causado pelo aparecimento dos três cães e atravessamento pelos mesmos da faixa de rodagem, sem que dos factos provados resulte a culpa do 2º A., condutor do veículo.
É certo que o tempo estava bom e seco e que a distância avistável não era inferior a 400 m – todavia, era de noite (no dia 21 de Dezembro pelas 6 h é noite), com as dificuldades daí advenientes para serem avistados os obstáculos. Obstáculos esses que eram animais que se movem com considerável rapidez e que atravessaram a via.
Não esqueçamos que o A. circulava por uma auto-estrada onde não é suposto que apareçam, atravessando a via, três cães, sendo surpreendido por tal facto. E, manifestamente, não apenas um mas três cães a movimentarem-se na faixa de rodagem da auto-estrada, atravessando-a, é um facto que põe em sério risco a segurança da circulação e dos utentes.
Atenta a factualidade provada, nenhuma circunstância permite inferir que o modo de condução do 2º A. tivesse alguma conexão com o acidente.
Os AA. demonstraram que o facto que esteve na origem do acidente foi o atravessamento da via pelos três cães, bem como demonstraram os danos sofridos – a eles nos referiremos infra - e o nexo de causalidade entre o facto e os danos.
Sobre a interveniente - concessionária da auto-estrada – impendia, assim, o ónus de provar o cumprimento das obrigações de segurança para se eximir da sua responsabilidade.
Será que logrou fazê-lo?
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  IV – 5 – Não se porá em dúvida que a  interveniente demonstrou a realização de um cumprimento genérico das suas obrigações de vigilância e segurança.
Provou-se que a GNR-BT procede ao patrulhamento das auto-estradas da concessão 24 horas por dia e que a ... efectua vigilância para detecção de eventuais situações anómalas através das suas patrulhas que circulam pela A5 pondo termo às mesmas.
Provou-se, ainda, que dispõe de serviços que percorrem a carro e a pé a auto-estrada para verificação e manutenção das infra-estruturas daquela.
Mais proximamente sabemos, também, no dia em referência nada foi detectado nos patrulhamentos efectuados quanto à existência de cães nas vias ao km 24 da A5 em qualquer dos sentidos de marcha, que não havia qualquer tipo de obstáculo nas vias, ao km 21 da A5 no sentido Oeste/Este em momento anterior ao da ocorrência dos autos, nomeadamente às 5 horas e 20 minutos, aquando da passagem do último patrulhamento efectuado no local. Sabemos, também, que na sequência da comunicação da ocorrência dos autos, a interveniente ordenou a verificação do estado das vedações da zona envolvente da auto-estrada, nada tendo sido detectado e encontrando as mesmas em perfeito estado de conservação.
Tal, todavia, não será suficiente.
Sobre um caso similar decidiu o STJ no seu acórdão de 9-9-2008 ([12]): a concessionária «provou genericamente ter cumprido as suas obrigações de vigilância e de conservação das redes laterais da via. Mas o certo é que, mesmo assim, o cão se introduziu na auto-estrada, o que nos leva a concluir que, em princípio, existe um incumprimento concreto por parte da R., pois ela mediante o contrato que celebrou com o Estado, comprometera-se, para além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. E fora de qualquer dúvida, a introdução numa auto-estrada, via por essência de trânsito automóvel rápido, de um cão coloca sérios problemas de segurança rodoviária. (…) pese embora tenha provado que genericamente cumpriu as suas obrigações decorrentes do contrato de concessão, o certo é que não demonstrou, no caso concreto, a observância desses mesmos deveres. (…) Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria pois a R. provar, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na auto-estrada, negligente ou intencionalmente, por outrem. Isto é, sempre que há um acidente devido a um cão (ou outro animal) que se introduziu numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem. Ou, como se refere no acórdão de 22-6-2004, “terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento”».
Também no acórdão do STJ de 16-9-2008 ([13]) se entendeu que para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria «a R. provar, em concreto, que o animal surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na auto-estrada, negligente ou intencionalmente, por outrem. Isto é, sempre que há um acidente devido a um animal que se introduziu numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem».
Considerando-se no acórdão do STJ de 14-3-2013 ([14]):
«… a mera constatação da impossibilidade de se garantir a infalibilidade de um sistema apto a evitar a entrada, detectar a existência ou determinar a retirada de animais ou de outros objectos da faixa de rodagem que, pelas suas dimensões, possam constituir efectiva fonte de perigo, não pode redundar no abrandamento do grau de diligência a um ponto em que a liberação da responsabilidade da concessionária acabe por penalizar os condutores ou terceiros que, sem qualquer responsabilidade e fiados na existência de condições de segurança, sofram danos.
Atenta a natureza da via concessionada, o elevado grau de sofisticação da actividade e a experiência acumulada pela concessionária, a apreciação do cumprimento do dever de diligência, segundo o padrão do “bom pai de família”, a que alude o art. 487º, nº 2, do CC, deve guindar-nos a um plano de elevada exigência, tendo em conta, além do mais, que a mesma exerce uma actividade lucrativa, devendo, por isso, mobilizar meios humanos, materiais e financeiros ajustados a evitar incidentes semelhantes».
Havendo que averiguar se a interveniente ilidiu a presunção da falta de cumprimento daquelas obrigações de segurança, no que concerne ao acidente a que nos reportamos, não nos parece que tal tenha sucedido.
Como resulta do que expusemos, somente a interveniente poderia dispor dos meios adequados a detectar a introdução na via concessionada dos animais.
   Temos que os três cães se introduziram na auto-estrada, não se havendo provado como tal sucedeu.
 Ora, a presunção de incumprimento acima aludida permanecerá se no caso concreto, pesem embora as vedações em perfeito estado de conservação na zona envolvente e os aludidos patrulhamentos, os três cães se introduziram na via ignorando-se como essas introduções se deram, qual o processo por meio do qual ali se encontravam. A interveniente não provou a causa real de se encontrarem três cães ao km 21,500 da A5 e, logo, que essas intrusões não lhe eram imputáveis.
À interveniente cabia em termos absolutos afastar a presunção que sobre ela recaía, o que não logrou fazer.
   Não tendo, em concreto, a interveniente provado que a presença dos cães na via não lhe era de todo imputável, há que concluir pela sua responsabilidade.
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IV – 6 – Provou-se que o veículo de que a 1ª A. é proprietária e que era conduzido pelo 2º A. embateu nos animais e ficou imobilizado na berma da auto-estrada, danificado em toda a sua parte frontal, tendo sido removido do local por reboque, porque impossibilitado de circular. Provou-se, ainda, que a sua reparação orçou em 3.109,21 €.
Nos termos do art. 562 do CC a interveniente está obrigada a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o atropelamento dos cães; está, pois, (nº 1 do art. 564 do CC) obrigada a satisfazer os valores despendidos com a reparação dos estragos sofridos pelo veículo, prejuízo causado pelo embate, naquele valor de 3.109,21 €.
            Provou-se, também, que a «necessidade de uso da viatura é diária». Os AA. haviam alegado, em conjugação com este facto, que a viatura ficou imobilizada pelo período de 104 dias, pedindo a título de indemnização pela imobilização a quantia de 2.983,76 €, tendo em conta o montante diário de 28,69 €, valor de aluguer diário de viatura equivalente.
    Não lograram, porém, provar por qual período o veículo ficou imobilizado. A circunstância de se haver provado somente que a «necessidade de uso da viatura é diária», sem qualquer outro facto que o complemente, designadamente em termos de tempo de imobilização, leva a que nesta parte o pedido da 1ª A. naufrague.
À quantia acima referida de 3.109,21 € acrescem os juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação da interveniente e até efectivo pagamento, nos termos do nº 3 do art. 805 e dos arts. 804 e 806, todos do CC..
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IV – 7 - O 2º A. reclamou uma indemnização por danos não patrimoniais por ele sofridos.
O dano não patrimonial corresponde a todo aquele que afecta a personalidade moral nos seus valores específicos – como, por exemplo, dor física, angústia, dor moral relacionada com uma alteração estética, com um forçado e prolongado internamento hospitalar ([15]).
Dispõe o nº 1 do art. 496 do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Referem a propósito Pires de Lima e Antunes Varela ([16]) que o Código limita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Caberá ao tribunal dizer, em cada caso, se o dano é, ou não, merecedor de tutela jurídica, sendo que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
No caso que nos ocupa provou-se, apenas, que o embate dos autos provocou no 2º A. choque psicológico.
Vejamos.
O evento ocorrido é passível de gerar “stress”. O 2º A. atropelou três cães provocando-lhes a morte, animais cujos corpos ficaram no pavimento da auto-estrada de onde, mais tarde, os serviços da interveniente os removeram. Avulta o susto do condutor comum a quem surja pela frente o obstáculo a que nos reportamos, não sendo necessário que siga a velocidade próxima do máximo permitido. A opção entre o embate e uma manobra de desvio (se é que no caso essa opção de desvio existia, até porque eram três animais) não é fácil, sendo que a manobra de desvio levará, face à velocidade proporcionada a este tipo de vias, a resultados habitualmente bem mais nocivos para o veículo e seus ocupantes.
O choque psicológico efectivamente sofrido pelo A. será mais do que um simples incómodo ou contrariedade. É, todavia, por definição um transtorno transitório, sem o que evoluirá para outro tipo de perturbação.
      Sabemos pouco sobre o estado de “choque psicológico” do A. – suas características e duração. Mesmo assim, provou-se que ele teve lugar.
            O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá ser calculado segundo critérios de equidade e deverá ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida ([17]).
   Neste contexto, atentos os escassos elementos de que dispomos, afigura-se adequada uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo 2º A. no montante de 1.500,00 €.
O valor acima considerado corresponde a um valor actualizado (nº 2 do art. 566 do CC), pelo que os juros de mora não são devidos desde a data da citação da interveniente, mas a partir do presente acórdão ([18]).
                                                                       *
    V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença recorrida, e em condenar a interveniente «C» a pagar à A. «A» a quantia de 3.109,21 € (três mil cento e nove euros e 21 cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação daquela até efectivo pagamento, mais a condenando a pagar ao A. B a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do trânsito em julgado deste acórdão até efectivo pagamento.
            Custas por A. e interveniente na proporção de metade.
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Lisboa, 29 de Maio de 2014

Maria José Mouro

Teresa Albuquerque
                                                                      
Isabel Canadas

[1] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, II vol., pag. 670, a propósito do antigo CPC, mas cuja razão de ser se mantém.
[2]              Quanto à “Brisa” o anexo ao dl 294/97, de 24-10, regula a disciplina da concessão. O nº 2 da Base XXXVI determina que a «concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente em boas condições de segurança e comodidade a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem».
[3]              Ver, a propósito, Urbano Dias, «Da responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas em acidentes de viação», Revista do CEJ, 1º Semestre de 2007, nº 6, pag. 23.
[4]              Artigo citado, pag. 27.
[5]   Palavras de Pedro Pires Fernandes, citando Cardona Ferreira, em «Responsabilidade das Concessionárias por Acidentes de Viação em Auto-Estradas», inserido em «Estudos Sobre o Incumprimento do Contrato», coordenação de Maria Olinda Garcia, pag. 135.
[6] Em «Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por Acidentes Ocorridos em Auto-Estradas», ROA, ano 65, Setembro de 2005, pags. 407 e segs..
[7]              Sendo que no decurso do estudo e concretamente sobre a prova para efeitos de culpa, menciona: «Não é curial exigir que uma concessionária previna em absoluto a penetração desses animais [cães] ou garantir que ela jamais se dê. Ao mesmo tempo, a prova concreta de que tomou todas as medidas adequadas a evitar essa intrusão, não se sabendo como esta concretamente se deu, é reconhecidamente pouco menos do que impossível. Nestes termos, parece equilibrado isentar a concessionária de responsabilidade se ela logra produzir aquele grau de convicção que basta às pessoas razoáveis para formular um juízo de que adoptou a diligência conveniente para evitar esse tipo de situações: se, por exemplo, não havendo sinais de desleixo na manutenção das vedações da auto-estrada que pudessem estar na origem da intrusão, se mostra razoável admitir ter ela adoptado os cuidados exigidos pela vigilância adequada das condições dessas vedações. Será assim desmesurado pretender que uma concessionária só logra eximir-se de responsabilidade caso se demonstre positivamente o modo específico como o animal concreto se introduziu na auto-estrada».
[8]    Em anotação ao Acórdão do STJ de 12-11-1996 publica na RLJ pags. 48 e segs..
[9]              Local citado.
[10] Que se podem consultar, respectivamente, em www.dgsi.pt/jstj.nsf, proc. nº 03A1296 , no BMJ nº 461, pag. 411, e na Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 2, pag. 96.
[11] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº 201/06.8TBFAL.E1.S1
[12]   Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº 08P1856.
[13] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº 08A2094.
[14]    Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº 201/06.8TBFAL.E1.S1.
[15] Ver Dario Martins de Almeida, «Manual de Acidentes de Viação», Almedina, pag. 267.
[16]     Em «Código Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. I, pag. 473.
[17]     Ver Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, vol. I, pag. 474.
[18] Sem o que ocorreria uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo – ver o acórdão uniformizador com o nº 4/2002, de 9-5-2002, publicado no DR 1ª série-A, de 27-6-2002.
Decisão Texto Integral: