Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
232/10.3PCLRS.L1-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: HOMICÍDIO
HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
ESTADO DE DESESPERO
COMPREENSÍVEL EMOÇÃO VIOLENTA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: Iº Alegando o recorrente que agiu “…em circunstâncias de profundo distúrbio emocional …, em situação de desespero”, não podia o tribunal ter-se pronunciado sobre essa alegação, ao nível da apreciação da matéria de facto. Tal definição pressuporia uma descrição dos componentes emocionais susceptíveis de traduzir tais conceitos, circunstâncias que o tribunal analisou no âmbito da definição e do eventual preenchimento do conceito-tipo “desespero” e não como factos em si, que o não são;
IIº Não tendo sido alegados esses factos nas peças processuais que definem o objecto do processo e não resultando da leitura da matéria de facto, globalmente considerada, que o juiz devesse ter ido mais longe na apreciação do exacto estado emocional em que o arguido agiu, por os factos apurados não denotarem uma insuficiente pesquisa decorrente dos que se deram como provados e que fariam sentir a insuficiência como algo que se impusesse ao julgador, em audiência, na sua veste de cuidadoso investigador, não ocorre nulidade por omissão de pronúncia, nem o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
IIIº A emoção violenta, susceptível de integrar a previsão do art.133, do Código Penal, corresponde a uma alteração psicológica, uma perturbação em relação ao seu estado normal, sendo violenta quando faz desencadear uma reacção agressiva do agente, sendo necessário que essa emoção violenta domine o agente, ou seja, que o determine a agir e que seja apenas por força da sua influência que o agente actue;
IVº O desespero, reconduz-se a situações arrastadas no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, geradores de um estado de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta;
Vº Não se tendo provado que ao agente não restasse outra alternativa ante a presença da vítima, de tal modo que suprimir-lhe a vida fosse a solução única no momento, o desespero em que o mesmo agiu pode tornar menos censurável a sua opção, diminuição da culpa que haverá de reflectir-se dentro dos limites do homicídio simples, mas não permite concluir pela diminuição sensível da culpa exigida para o preenchimento dos elementos típicos do crime de homicídio privilegiado;
VIº Circunstâncias como o decurso do tempo em que o arguido formulou a intenção de tirar a vida à vítima e os actos através dos quais preparou a execução de tal objectivo, como seja o de comprar a arma, guardando-a durante alguns dias até que a usou com aquela intenção, não permitem dizer que um acto se esgotou no outro, não tendo um acontecido de forma fortuita ou inerente intrinsecamente ao outro, existindo concurso efectivo entre os crimes de homicídio e de detenção de arma proibida, uma vez que os tipos legais de crimes em causa são autónomos e tutelam diversos bens jurídicos;
VIIº Sendo a pena do crime de homicídio agravada em 1/3, pelo art.86, nº3, do Regime Jurídico das Armas e Munições (na redacção da Lei nº17/09) e especialmente atenuada pelo regime penal dos jovens, deve o seu limite máximo ser agravado em 1/3, incidindo a redução de 1/3 pela atenuação especial (art.73, nº1, al.a, do Código Penal) sobre a medida alcançada pelo agravamento, à semelhança do raciocínio feito a propósito do limite mínimo, não sendo de aceitar o procedimento de considerar anulada aquela agravação por esta atenuação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.
1.1.
No processo n.º 232/10.3PCLRS da 2ª Vara Mista de Loures foram julgados os arguidos
A...
e
B....
Realizado o julgamento, pelo tribunal colectivo, foi proferido acórdão que decidiu julgar procedente, por provada, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decidiu:
1 – Condenar o arguido A..., em concurso efectivo:
a) - pela prática, em co-autoria material, do crime de homicídio, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 131º do Código Penal e 86º, nºs. 3 e 4 do NRJAM, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, com a atenuação especial resultante da aplicação do DL n.º 401/82, de 23-09, na pena de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão.
b) - pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86º, n.º 1, al. c) do NRJAM, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, com a atenuação especial resultante da aplicação do DL n.º 401/82, de 23-09, na pena de 7 (sete) meses de prisão.
2 – Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenou o arguido A..., na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
3 – Condenou o arguido B... pela prática, em autoria material, do crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo art. 87º, n.º 1 do NRJAM, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, com a atenuação especial resultante da aplicação do DL n.º 401/82, de 23-09, na pena de 1 (um) ano de prisão.
4 – Ao abrigo do disposto nos arts. 50º, nºs. 1 e 5 e 53º, n.º 3 do Código Penal, decretar a suspensão da execução da pena de 1 (um) ano de prisão aplicada ao arguido B... pelo período de 1 (um) ano, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social.
5 - Condenar o arguido A... em 6 Ucs de taxa de justiça e o arguido B... em 4 Ucs de taxa de justiça, e nas custas, com procuradoria de ¼.
6 – Ao abrigo do disposto no art. 109º, n.º 1 do Código Penal, declarar perdidos a favor do Estado a espingarda caçadeira, cartuchos, telemóveis, par de luvas e saco de desporto apreendidos a fls. 18 a 20.
*
1.2.
Interpôs recurso o arguido A..., motivando-o em síntese com as conclusões:

1ª O acórdão recorrido enferma de nulidade emergente de omissão de pronúncia [artigos 379º, n.º 2 do CPP] ao não ter considerado como provado ou não provado o facto alegado na contestação sob esta forma: «o acto que o arguido praticou ocorreu em circunstâncias de profundo distúrbio emocional do seu psiquismo, em situação de desespero», facto que é essencial para a caracterização da situação em causa como homicídio privilegiado [artigo 133º do Código Penal].
2ª. Quando assim se não entenda, haverá insuficiência da matéria de facto para a decisão tomada [artigo 410º, n.º 2, alínea a) do CPP], por se tratar de elemento típico de crime privilegiado que o tribunal congeminou na fundamentação do aresto como abstractamente aplicável, mas cuja aplicação ao caso afastou, por entender que não se verificavam os pressupostos respectivos.
3ª. O acórdão recorrido enferma de contradição insanável na fundamentação [artigo 410º, n.º 2, alínea b) do CPP], ao ter dado como provado o facto 24 e não provado o facto 13, pois que é inconciliável a ideia de alguém ter «interiorizando um sentimento de angústia e tristeza relativamente ao sentimento que lhe era transmitido por C...» e não ter visto alterar «o estado de espírito e a alegria de viver»;
4ª. O acórdão enferma de erro de Direito, no que se refere à interpretação e aplicação do artigo 133º do Código Penal, que prevê o homicídio privilegiado, pois que ante a matéria de facto dada como provada, verifica-se tal situação típica, por se tratar de crime cometido sob uma situação compósita de «emoção violenta», «compaixão» e «desespero», tudo requisitos típicos daquele crime que o aresto desconsiderou.
5ª. Tal conclusão sai reforçada dando-se como provado o facto que o aresto recorrido, elencando-o sob o n.º 13, considerou como não provado.
6ª. O aresto recorrido enferma de erro de Direito, ao considerar existir uma relação de concurso real ante os crimes previstos no artigo 131º do Código Penal [homicídio simples cometido com arma] e no artigo 86º, nsºs 3 e 4 do NRJAM [Lei n.º 17/2009, de 06.05], porquanto, ante o artigo 30º do Código Penal, não ocorre acumulação material antes concurso aparente de normas, pelo que não há lugar ao cúmulo jurídico das duas penas.
7ª. Os artigos 131º do Código Penal e 86º, nsº 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06.05, quando aplicados, como o foram no caso, numa relação de concurso real dos crimes nelas previstos e não de concurso aparente das normas respectivas, enfermam de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 29º, n.º 5 da Constituição, ao infringirem a proibição do non bis in idem.
8ª. Em matéria de pena aplicável, a dar-se como provada uma situação de homicídio privilegiado [artigo 133º do Código Penal] os limites dosimétricos abstractos devem situar-se entre um ano e os cinco anos de prisão, pelo que a pena concreta deve situar-se [artigo 71º, n.º 1, 1ª parte do Código Penal] numa medida substancialmente inferior àquela que foi decretada no aresto recorrido, que assim enferma de erro de Direito  no que se refere à aplicação daquele normativo do Código Penal.
9ª. Mesmo que assim se não conclua [no sentido da existência de privilégio], em matéria de pena concreta, o aresto recorrido enferma de erro de Direito no que se refere à interpretação e aplicação dos artigos 86º, ns.º 3 e 4 da Lei n.º 17/2009 [NRJAM], de 06.5 e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09 [Regime Jurídico dos Jovens Delinquentes, este em conjunção com os artigos 73º e 74º do Código Penal], pois que (i) em vez de fazer incidir a atenuação especial da pena por efeito do Regime Penal dos Jovens Delinquentes sobre o produto da aplicação da agravação da pena abstracta cominada na lei pro efeito do NRJAM (Novo Regime Jurídico das Armas e Munições], como é de lei (ii) anula a agravação de um terço decorrente do NRJAM por efeito do terço de redução do Regime Jurídico Penal dos Jovens Deliquentes, o que não é permitido por lei (iii) pelo que alcança o resultado de 16 anos de limite máximo em vez de 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão.
10ª. Ante uma pena concreta aplicável a uma situação de crime privilegiado, ou por efeito de um cálculo de pena que dê execução ao que acabamos de expender na conclusão antecedente, sempre se alcançará uma pena cuja medida a situará dentro dos limites que possibilitam a suspensão da sua execução, nos termos do artigo 50º do Código Penal, e, ao atender-se aos demais pressupostos enunciados neste preceito, que estão presentes no caso, sempre aquela suspensão será de aplicar ao arguido, porquanto «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
11ª. Mesmo que não se verifique qualquer das circunstâncias que se acabam de convocar nas conclusões 9ª e 10ª, ou a admissão da natureza privilegiada do tipo de ilícito, relevando as circunstâncias do facto, a idade, a inserção social do arguido, o seu aproveitamento escolar, a confissão quase total e o arrependimento, por aplicação do artigo 71º do Código Penal pode haver lugar a uma pena com limite mais benigno do que a decretada.
12ª. Considera-se incorrectamente julgado o facto consignado pelo arguido na contestação sob a seguinte forma «o acto que o arguido praticou ocorreu em circunstâncias de profundo distúrbio do seu psiquismo, em situação de desespero».
12ª A. São provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida
(1) As declarações do arguido: [20100920095051_641654_64720_Acta AJ de 20.09.2010]
[40:20 A partir de Dezembro, o desespero da C... começou a ser recorrente
42:10: a C... tinha grandes diferenças de humor: tristeza e choro
43:00 O pai ameaçou-a de morte se ela apresentasse queixa às autoridades
51:00 A C... em Fevereiro diz-me que ele tem que morrer (…) Na altura fiquei bastante espantado…pensei que seria um desabafo…contou-me que ele tinha voltado a bater no irmão, que não ia suportar mais isto.
52:00 Voltei-lhe a falar nas outras opções mas ele disse que não seria opção. Dizia que essa era a única opção. Eu disse-lhe que não era a opção certa nunca […) Dizia-me temos que acabar com ele, eu já não aguento, já não o suporto
56:00 Transmitiu para mim porque eu era a pessoa que ela mais confiava e que podia contar
01:05: Quando ela começa a insistir comigo a dizer-me que ela e a mãe pode morrer eu acabo por dizer que sim..” (…) A situação de angústia em que ela estava, que eu também comecei a passar..”]
(2) O depoimento de C...: [20101102143218_641654_64720_Acta de AJ de 02.11.2010]
[36:54: no dia em que lhe enviei o sms o meu pai bateu ao meu irmão nas costas com uma colher de pau (…) assisti (…) Eu é que tinha sempre a iniciativa de falar nisso, por que alguma coisa corria mal em casa (…) Dizia-lhe que não merecíamos aquilo que estávamos a passar (…) Houve uma vez que lhe disse mesmo que queria que o pai morresse (...) Eu já estava farta e as coisas estavam a piorar cada vez mais em minha casa. Eu não sabia até que ponto é que aquilo ia (...) Eu acho que é preferível acontecer agora do que estar a viver estes anos todos assim.]
13ª. Considera-se incorrectamente julgado o facto tido como não provado no n.º 13 do elenco respectivo [«que o referido em 24 dos factos provados tenha alterado o estado de espírito e a alegria de viver do arguido A…»], pois que o tribunal considerou [página 43 do aresto] não haver apenas «prova concludente» que permitisse concluir pela sua verificação.
13ªA. São provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida:
(1) Critérios de experiência comum, os quais justificam a conclusão que, ante o a situação provada sob o n.º 24 do elenco respectivo [o arguido foi «interiorizando um sentimento de angústia e tristeza ao sentimento que lhe era transmitido por C...» o arguido tivesse visto alterar «o estado de espírito e a alegria de viver»;
(2) O depoimento de I...: [20101130172311_641654_64720_ Acta de AJ de 30.11.2010]:
[Comecei a notar a falta do A… lá em casa e o meu filho deixou de ir a casa do A… com frequência.
04:20 Disse-me que ele tinha arranjado uma namorada; sempre que pode está ao telemóvel com ela.
05:10 O A… não foi à festa de finalistas (…) Era quase uma coisa obsessiva; a questão era o facto deste namoro alterar a vida do A…, deixou de conviver com os amigos (…) Notei o A… abatido e à medida que o tempo passa ele foi tomando mais consciência dos factos e das consequências desse.]
(3) As declarações do arguido: [20100920095051_641654_64720_Acta AJ de 20.09.2010]: [45:00 O que mudou em mim é que senti-me a pensar se seria mesmo verdade…depois constatei que era verdade…depois comecei a sentir angústia e desespero e medo
46:00 Comecei a andar mais triste…houve pessoas que se aperceberam…os meus amigos…a minha avó (…) Eu era uma pessoa que falava bastante, comecei a ter menos conversas, havia intervalos que passava sozinho a pensar (…) Em casa fechava-me muito no meu espaço.
48:00 Eu passava muito tempo com a avó materna, ia lá dormir…o que mudou…nós tínhamos discussões amigáveis que começaram a desaparecer…eu ficava muito no meu quarto.
49:00 Não tinha acompanhamento psicológico antes desta situação].
(4) O teor dos sms’s trocados entre o arguido a a menor C... que constam do exame pericial ao telemóvel.
(5) O princípio in dubio pro reo;
14ª. Considera-se incorrectamente julgado o facto considerado como não provado [sem que o aresto no exame crítico da prova diga porquê] sob o n.º 19 no elenco respectivo [«que o filho do ofendido tenha começado a vomitar, e que o ofendido tenha repreendido o filho de modo verbalmente agressivo, gritando com ele, o que fez também com que o arguido A... reforçasse a decisão referida em 90 dos factos provados»].
14ªA. São provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida:
(1) As declarações do arguido [20100920095051_641654_64720_Acta AJ de 20.09.2010] 23:20: “…o filho vomitou e o pai começou aos gritos com o filho dizendo que ele era um estúpido e só fazia asneiras…”], sendo que o tribunal não colocou em crise as suas declarações, antes considerou que ele confessou quase integralmente aquilo de que vinha acusado.
(2) O depoimento de E…: [20101019151151_641654_64720_Acta de AJ de 19.10.2010] 09:50 Não tinha vomitado nesse dia].

Nestes termos (i) deve ser conhecida a nulidade arguida de omissão de pronúncia e anulado o acórdão proferido para que seja conhecido o facto respectivo (ii) quando assim se não entenda, deve ordenar-se o reenvio para conhecimento dos vícios que são os do artigo 410º do CPP (iii) caso se entenda que a matéria de facto adquirida não oferece crítica, deve considerar-se ser o caso subsumível ao tipo de crime de homicídio privilegiado (iv) mesmo em sede de homicídio simples deve afastar-se a existência de uma relação de concurso real deste como o crime de detenção de arma pelo qual o arguido foi condenado em cúmulo jurídico (v) a atenuação especial da pena em função da aplicação do regime penal dos jovens delinquentes [redução de 1/3, 1/5 nos limites máximo e mínimo ou redução ao mínimo legal e 1/3] deve incidir sobre a totalidade da pena calculada após agravação emergente do NRJAM e não antes dessa operação (vi) a pena aplicável, quer pela subsunção ao tipo de ilícito do homicídio privilegiado, quer pela exclusão da relação de concurso real, quer pela incidência da atenuação sobre a pena agravada, deve situar-se em medida que permita a sua suspensão, pois que no caso concorrem os pressupostos respectivos (vii) mas a matéria fáctica dada como não provada não pode ser aceite, pois que não podem ter-se por não provados os factos 13 e 19 do elenco respectivo e deve ter-se como provado o facto mencionado supra da contestação, pelo que haverá lugar a reenvio para que se opere o seu novo julgamento, tudo como é de Justiça.

            1.3.
Em resposta o MºPº concluiu:
a) O arguido A… foi condenado, em concurso efectivo, pela prática, em co-autoria material, do crime de homicídio, na forma consumada, e do crime de detenção de arma proibida, com a atenuação especial resultante da aplicação do DL n.º 401/82, de 23-09, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
b) O arguido invoca que o acórdão enferma de nulidade porquanto não deu como provado ou não provado que “o acto que o arguido praticou ocorreu em circunstâncias de profundo distúrbio emocional do seu psiquismo, em situação de desespero”;
c) Salvo o devido respeito por opinião contrária esta frase é meramente conclusiva;
d) Consequentemente também não ocorre insuficiência da matéria de facto para a decisão tomada de afastar o homicídio privilegiado porquanto, sendo aquela frase meramente conclusiva, não possuía a natureza jurídica de “facto” necessário para fundamentar a condenação por homicídio privilegiado;
e)Ao contrário do que alega o recorrente não há qualquer contradição insanável ente o facto 24 dado como provado e o facto 13 dado como não provado;
f)Embora “alegria” e “tristeza” sejam antónimos não significa que sejam incompatíveis na mesma pessoa;
g)É possível vivenciar momentos de alegria com momentos de tristeza;
h)O acórdão não enferma de qualquer erro de direito porquanto não existe qualquer “situação compósita de «emoção violenta», «compaixão» e «desespero»”;
i)São elas meras conclusões que os factos não provam;
j)O sentimento de “compaixão” é demasiado intenso para ser provocado por meras histórias contadas pela C... ao arguido e nunca vivenciadas por este;
l)Não há factos que provem que o arguido se encontrava numa situação “insuportável”;
m)Quanto à evocada “emoção violenta” impõe-se não esquecer que o arguido se deslocou três vezes, em 3 diferentes dias, a diferentes locais para perpetrar o homicídio, não o tendo cometido apenas porque os locais estavam demasiado cheios de pessoas e era difícil fugir. Alguém que tem a frieza de raciocínio para analisar o local onde pretende cometer o crime e, concretamente, analisar o eventual êxito de fuga, para depois adiar o acto para mais tarde, não se encontra sob a pressão de qualquer “emoção violenta”;
n)Invoca-se também um erro de direito e uma inconstitucionalidade por o douto acórdão ter condenado em concurso real pelo crime de homicídio e pelo crime de detenção de arma proibida, porém tais vícios inexistem porquanto os crimes protegem bens jurídicos distintos;
o)Acresce que o Tribunal não violou a aplicação do RPJD porquanto partiu da moldura abstracta que cabia ao crime de homicídio, aplicou-lhe a agravação resultante da aplicação do disposto no art. 86º, nºs. 3 e 4 do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições e, de seguida, aplicou a atenuação especial por força do RPJD.
p)Ao contrário do que afirma o recorrente não há pena “mais benigna” que se vislumbre justa;
q)Os factos que foram dados como provados – e que não foram impugnados – que comprovam um cuidadoso plano para matar a vítima e para fugir aos órgãos policiais e à justiça e que são incompatíveis com qualquer distúrbio psíquico ou actuações desesperadas;
r)Se o arguido está racional para programar o crime de homicídio e a própria compra da arma não se pode evocar que durante os mesmos actos está com “distúrbios”;
s)Por último não foi incorrectamente dado como não provado o facto n.º19 pela simples razão de o próprio menor ter afirmado não ter vomitado e não ter sido repreendido pelo pai;
t) Pelo que não foram violados quaisquer normativos constitucionais ou legais;
u)Assim, deverá ser negado provimento ao recurso, com o que V. Exas. farão a costumada justiça.

1.4.
Neste Tribunal, o Exm.º PGA pronunciou-se, em síntese, no sentido de que:
- não se verifica a alegada nulidade
- por outro lado, os factos que o recorrente pretende constituam causa para a qualificação do homicídio como privilegiado – apesar de ter confessado tudo (sendo agora um contra-senso pretender que o fez por motivo de desespero/angústia) – foram atendidos pelo tribunal a quo que, precisamente por esse motivo, atenuou especialmente a pena;
- o arguido recorrente cometeu efectivamente o crime de detenção de arma proibida na medida em que, para além do crime de homicídio praticado não ter sido qualificado pela arma, não se tratou de um acto instantâneo, antes ponderado, pois o arguido foi comprar a arma, o que por si só autonomiza o crime de detenção de arma proibida e, nesse medida, crime autónomo do homicídio praticado com essa mesma arma.
- no que à pena aplicada diz respeito, nada se nos oferece dizer, posto que, tendo sido especialmente atenuada (e note-se que o homicídio se tratou de um crime manifestamente premeditado), se mostra totalmente adequada e proporcional (quiçá, benevolentemente) e, portanto, irrepreensível.

1.5.
Em resposta o arguido alega em síntese que:
- Parece irrelevante o período temporal durante o qual o arguido tem a arma em seu poder, quando o único e exclusivo propósito /motivação dessa “detenção” é o acto de tirar a vida que consubstancia o crime de homicídio.
- Relevante é que o único motivo que levou o arguido a adquirir a arma, a tê-la em seu poder e a usá-la foi deter um instrumento para a prática do crime de homicídio, pelo que a sua relação com a arma esgota-se no homicídio.
- O que releva é que, estando em causa um comportamento global subsumível a dois tipos legais de crime, o de homicídio e o do uso de arma proibida, não há concurso efectivo mas aparente.
- Mantém-se o que se disse na motivação do recurso, incluindo que as várias deslocações que o arguido efectuou ao local se materializaram naquela situação de hesitação permanente do seu psiquismo e estado emotivo sujeito na sua formação de vontade à influência directa da sua namorada que são tudo menos «histórias» como derrogatoriamente se pretende naquela resposta.
- Em tudo o mais manteve-se o que fora já afirmado na motivação de recurso


2.
O objecto do recurso reporta-se à apreciação :
- da omissão de pronúncia do tribunal quanto à matéria constante do artigo da contestação em que se diz «o acto que o arguido praticou ocorreu em circunstâncias de profundo distúrbio emocional do seu psiquismo, em situação de desespero».
- da insuficiência da matéria de facto para a decisão perante a ausência desse facto na decisão pretendendo ainda que a mesma se dê como provada ;
- da contradição insanável entre o facto 24º dos factos provados e o 13º dos factos não provados;
- do preenchimento do tipo legal de homicídio privilegiado p.p. pelo art.º 133º CP;
- da ilegal e inconstitucional interpretação do art.º 30º CP ao considerar-se esxistir concurso real entre o homicídio e a detenção de arma proibida devendo concluir-se pela existência de concurso aparente de normas;
- da errada definição da moldura penal aplicável, relativamente respectivo limite máximo;
- da medida da pena, excessiva para  arguido e que merecia ser suspensa na sua execução.


2.1.

II – FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da mesma:

Da acusação:


1 – Em 29 de Março de 2010 o ofendido D... era casado com F... havia cerca de 20 anos. Desse casamento nasceram em 26 de Setembro de 1994 C... e em 19 de Fevereiro de 2001 E....
2 – O ofendido quando novo de idade praticou a modalidade desportiva de futebol.
3 – O ofendido nunca manteve um bom relacionamento com a família da mulher.
4 – Há cerca de três anos o ofendido proibiu F... e os filhos do casal de visitarem e falarem com os pais e irmã daquela.
5 – Pelo menos desde 2005, o ofendido assumiu uma postura de agressividade verbal e psicológica para com os filhos e com a mulher, por vezes com manifestações físicas.
            6 – Nesse contexto, o ofendido, por várias vezes, quando entendia que os filhos C... e E... não tinham atingido os objectivos que ele traçara em termos escolares e desportivos, nas modalidades que cada um deles praticava – natação e atletismo a primeira, e futebol o segundo – depreciava-os, dizendo por vezes à filha C... que «preferia matá-los do que tê-los como filhos como eles eram».
            7 – Em algumas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, o ofendido desferiu bofetadas nos filhos, atingindo-os na cara.
            8 – A partir de data não concretamente apurada, C... passou a praticar atletismo no Centro Desportivo Universitário de Lisboa (CDUL).
            9 – Em data não apurada mas que decorreu poucos anos depois da filha do casal, C..., ter nascido, o ofendido e a mulher compraram para esta uma bicicleta. Na sequência disso, o casal e a filha deslocaram-se para o Estádio Nacional, em Lisboa, para que a C... aprendesse a andar nessa bicicleta, tendo o ofendido entendido que a filha haveria logo nesse dia aprender a andar de bicicleta, pelo que durante várias horas ali permaneceram, estando aquele consecutivamente a ensinar a filha a andar de bicicleta.
            10 – E..., por seu turno, pratica a modalidade desportiva de futebol. Quase diariamente, o ofendido deslocava-se a um campo de jogos perto de sua casa, ao final da tarde, para treinar com o filho.
            11 – Por várias vezes, sempre que entendia que o E... não havia atingido um nível desportivo que o agradasse, quando regressados a casa, o ofendido gritava com aquele e, em algumas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, desferiu-lhe bofetadas na cara.
            12 – Ao longo deste período de tempo, com referência à data mencionada em 5, F... chamou a atenção do ofendido para os seus actos e pediu que este deixasse de tratar assim os filhos de ambos, muito embora assumindo uma postura de submissão, com receio da atitude do ofendido, deixando que este tomasse todas as decisões no que respeitava à educação dos filhos.
            13 – Sucedia porém que por vezes, nessas ocasiões, o ofendido gritava com a mulher e desferia bofetadas na cara de F....
            14 – Ao longo deste período de tempo o ofendido por várias vezes disse a F... que, caso esta saísse de casa e/ou pretendesse divorciar-se dele, nunca mais veria os filhos do casal, no que esta acreditou, dado o comportamento do ofendido e o tom sério com que dizia tais afirmações.
            15 – Pelos motivos referidos em 12 a 14, F... nunca comunicou às autoridades policiais ou judiciais o comportamento do ofendido.
            16 – Em data não concretamente apurada, mas que decorreu no ano de 2005, o arguido A... começou a praticar atletismo no CDUL, em Lisboa.
            17 – Em Setembro de 2008, no CDUL, o arguido A… conheceu C..., a qual igualmente ali praticava atletismo, desde logo se tornando amigos.
            18 – Na sequência da amizade que construíram, no decorrer de Junho de 2009, o arguido A… e C... iniciaram uma relação de namoro.
            19 – Por diversas vezes, à saída dos treinos, às quintas-feiras, quando ia para casa dos avós, o arguido A… aproveitava boleia no veículo automóvel da mãe da C..., sendo que quando o telemóvel de alguma delas tocava e era o ofendido quem realizava essas chamadas, logo ambas mudavam de um comportamento conversador e alegre, para uma postura mais reservada e apreensiva.
            20 – Nessas viagens, por diversas vezes, a mãe da C... telefonava no intuito de saber do estado de espírito do ofendido, se estava zangado ou bem disposto, e também para saber como tinha corrido o treino do filho E....
            21 – O referido em 19 e 20 sucedeu por várias ocasiões na presença do arguido A…, sendo porém que este nunca comentou nada relativamente ao que via e ouvia com a C....
            22 – A partir do final do mês de Dezembro de 2009 C... começou a contar ao arguido A… episódios de alegada violência psicológica e física por parte do pai, relativamente a si e ao irmão, bem como à mãe quando a mesma intervinha em defesa dos filhos.
            23 – A partir da data referida em 22, quer pessoalmente nos encontros que mantinham, quer por SMS, C... relatava ao arguido A… que muitas vezes o pai batia na mãe e gritava com esta; que era frequente o pai culpabilizar a mulher e os filhos por qualquer coisa de desagradável que acontecia na sua vida; o comportamento do ofendido para com ela, para com o irmão E... e para com a mãe, descrevendo as razões e circunstâncias em que tal ocorria; explicando que nem ela nem a mãe haviam alguma vez apresentado queixa perante as autoridades pois tinham receio do ofendido porquanto este dizia por várias vezes que as matava, no caso da mãe, especificamente, se esta saísse de casa ou pretendesse o divórcio, passando tais conversas a ser diárias, a partir do início do mês de Janeiro de 2010, nos encontros que os dois mantinham.
            24 – Na sequência dessas conversas, não obstante nunca ter visto marcas de agressões no corpo de C..., o arguido A... foi interiorizando e formando um sentimento de angústia e tristeza relativamente ao sofrimento que lhe era transmitido por C....
            25 – Nessas conversas mantidas com a C..., o arguido A... por diversas vezes foi-lhe propondo várias hipóteses de solução para a situação relatada por aquela, entre as quais a mãe desta fugir com os filhos, o divórcio ou alertarem as autoridades, sendo que a C... as foi sempre repudiando, respondendo que temia que tal provocasse uma reacção muito violenta do ofendido,  nomeadamente que as matasse ou que a mãe ficasse sem a guarda dos filhos.
26 – Em dia não apurado no início de Fevereiro de 2010 a C... enviou ao arguido A... um SMS dizendo que o ofendido «devia morrer».
27 – A partir desse dia, nas conversas diárias que mantinham nos encontros de namoro, a C... passou a dizer ao arguido A... que a morte do pai era a melhor solução para o problema familiar que enfrentava, dizendo que o ofendido «teria de ser morto».
28 – Noutras ocasiões, através dos sms's que trocavam diariamente nos momentos de namoro em que não estavam juntos, com uma frequência quase diária, a C... igualmente escrevia ao arguido A... que o ofendido «teria de morrer».
29 – A dado passo a C... sugeriu ao arguido A... que o ofendido deveria morrer com um tiro, dizendo que seria o método mais eficaz para lhe provocar a morte e que desse modo a mãe não desconfiaria de ambos.
30 – Na sequência dessas conversas diárias com a C... – ocorridas desde o início de Janeiro de 2010 e por período de tempo que se estendeu por cerca de dois meses – em finais de Fevereiro ou início de Março de 2010, o arguido A... formulou o desejo de pôr termo à vida do ofendido, passando mentalmente a desenhar um modo de atingir tal desiderato.
31 – Num dos últimos dias de Fevereiro ou num dos primeiros dez dias do mês de Março de 2010, o arguido A... desenhou mentalmente então o plano de adquirir uma arma de fogo e, com esta, balear o ofendido, provocando-lhe a morte.
32 – Para a aquisição da arma de fogo, o arguido A... lembrou-se de um indivíduo que conhecera em tempos no CDUL, de nome G..., o qual, admitiu aquele, por residir algures na zona de Chelas ou Olivais, poderia eventualmente facultar-lhe uma arma de fogo.
33 – Na sequência disso, em finais de Fevereiro, início de Março de 2010, o arguido A... telefonou a G..., dizendo-lhe que estava à procura de alguém que «tivesse uma arma para vender», pois um amigo seu precisava de uma para se defender de uns indivíduos que lhe queriam fazer mal.
34 – Em meados de Março de 2010, G... telefonou ao arguido A... dizendo-lhe que um «primo» seu tinha uma arma para vender e que posteriormente lhe diria por quanto este a venderia.
35 – Decorridos alguns dias G... telefonou de novo ao arguido A..., dizendo que conseguia então «arranjar-lhe» uma arma caçadeira, que lhe custaria a quantia de € 310,00.
36 – Mais combinaram, o arguido A... e G..., nessa conversa, que aquele se deslocaria aos Olivais em data que agendaram para 26 de Março de 2010, em hora a combinar posteriormente.
37 – Em 26 de Março de 2010, pelas 10 horas, G..., através do cartão telefónico com o n.º 91…, enviou ao arguido A..., para o cartão telefónico com o n.º 91…, um SMS no qual escreveu «Quanto o mais rápido possível despachar o ferro melhor hoje estou super ocupado as 2.40 da».
38 – Em seguida, no período de tempo que decorreu desde o envio desse SMS e as 11 horas e 42 minutos, utilizando os mencionados cartões telefónicos, G... e o arguido A... trocaram um conjunto de sms’s, entre os quais os seguintes:
- de A..., pelas 10h01m: «Tem que ser até essa hora?»;
- de A..., 10h19m: «Por mim pode, diz só a hora?, Desculpa a insistência»;
- de A..., pelas 10h22m: «Obrigado mano..tipo a partir das 2 é só dizeres quando posso?»;
- de G..., pelas 10h24m: «2.20 2.30 como quizeres»;
- de A..., pelas 10h25m: «Nos olivais né?»;
- de G..., pelas 10h26m: «Sim no metro como te der mais geito»;
- de A..., pelas 10h27m: «Ok então no metro?»;
- de G..., pelas 10h30m: «Ya no metro»;
- de G..., pelas 10h37m: «Na boa, achas que futarente vais crer balas»;
- de A..., pelas 10h42m: «Futuramente talvez, mas agora da para comprar 10?»;
- de G..., pelas 10h44m: «Ya, so temos 10»;
- de A..., pelas 10h47m: «Fica tudo a quanto?»;
- de G..., pelas 10h49m: «3.20 euros acho eu»;
- de A..., pelas 10h50m: «Ok eu levo a paka então»;
- de G..., pelas 10h53m: «Men o meu primo pergunta se dava para ficar 330 porque ele diz que 3.20 não tem lucro e ele qter lucro de 10 euros»;
- de A..., pelas 10h55m: «Claro, vou só buscar ao meu sócio ele o dinheiro. 330 ele tem»;
- de G..., pelas 10h59m: «Tass bem mano se quizeres esprimentar desparar fora do bairro, e longe de mim não quero problemas com a bofia»;
- de G..., pelas 11h05m: «Então mas se vais crer balas para depois avisa»;
- de A..., pelas 11h10m: «Ainda não sei depende dele..não sei se gasta já todas»;
- de A..., pelas 11h16m: «Tenho, não te preocuper. Olha ele perguntou se dois tiros mata. Mata não mata?»;
- de G..., pelas 11h19m: «Depende se for na perna não,. Se for no peito depende so com muita sorte tens o caso do 50 cent»;
- de A..., pelas 11h20m: «Pá mas se ele der um no peito ele cai depois carrega e da na cara. Assim da?»;
- de A..., pelas 11h26m: «Epah o gajo diz que um cena isolada por enquanto…olha ele pergunta se se carrega rápido?»;
- de G..., pelas 11h29m: «Eu não sei vi a arma uma vez, mais logo vez mano e uma shot»;
- de A..., pelas 11h30m: «Eu sei por isso depois posso perguntas ao teu primo? É que eu nunca usei uma shot e ele também acho que não»;
- de A..., pelas 11h34m: «Eu só usei mesmo pistola, já vi usar espingarda, ele não sei bem».
39 – Nesse dia 26 de Março de 2010, o arguido A... almoçou com a C..., a quem disse que naquele dia, no período da tarde, iria comprar a arma com a qual ambos pretendiam se pusesse termo à vida do ofendido.
40 – A C... disse então ao arguido A... que nesse mesmo dia, cerca das 18h30m/19 horas, o pai estaria num campo de jogos sito na ..., onde estaria a jogar futebol com o irmão E....
41 – Nesse dia, após a hora do almoço, o arguido A... deslocou-se à sua casa, onde recolheu € 330,00 (trezentos e trinta euros) que tinha guardados, fruto de ofertas de aniversários que familiares lhe haviam feito no passado.
42 – Em hora próxima das 14h30m de 26 de Março de 2010, o arguido A..., acompanhado de um amigo, H..., a quem disse o que ia comprar, deslocou-se à zona dos Olivais, em Lisboa, onde se encontrou com G..., o qual de seguida o conduziu à porta da rua do edifício no qual reside o arguido B....
43 – G... tocou à campainha da porta, tendo esta sido aberta por intermédio do trinco eléctrico; o arguido A… e G... entraram para o átrio de entrada do dito edifício, onde aguardaram pelo arguido B..., o qual apareceu momentos depois, tendo H... permanecido na rua, nas escadas de acesso ao prédio.
44 – G... e os arguidos conversaram então entre si durante alguns momentos, tendo o arguido B... descrito a arma que tinha para vender, bem como que juntamente com esta cederia dez cartuchos, tudo pelo preço total de € 330,00 (trezentos e trinta euros), tendo o arguido A... aceitado o negócio.
45 – O arguido B... voltou então a subir a escada, descendo novamente para o átrio de entrada decorridos alguns instantes, agora com uma mochila na mão.
46 – O arguido B... retirou então do interior da mochila que trazia um saco de plástico que continha a espingarda caçadeira, à qual previamente haviam sido serrados os respectivos dois canos justapostos, de marca «Baikal», modelo «IJ 58MA», com o número de série B…, a qual se encontrava desmontada, que entregou ao arguido A..., que de imediato colocou a arma no interior de uma outra mochila que levava consigo; em seguida o arguido B... entregou ao arguido A... dez cartuchos de caça, de calibre de 12, de marca «Saga», cada um destes carregado com uma bala, que este colocou igualmente no interior da mesma mochila; após, o arguido A..., como pagamento do que acabara de receber das mãos do arguido B..., entregou a este € 330,00 (trezentos e trinta euros) em notas do Banco Central Europeu, as quais o arguido B... fez suas.
47 - Na conversa que os arguidos B... e A... mantiveram, este perguntou àquele como poderia aprender a montar a arma.
48 - Em seguida, o arguido B... regressou para sua casa e o arguido A..., acompanhado de G... e H... procuraram nas imediações, já na rua, indivíduo que pudesse ensinar a montar a caçadeira.
49 - Após terem percorrido alguns metros, o arguido A..., G... e H... encontraram na rua um indivíduo que os conduziu a umas escadas de um prédio, onde se encontravam mais três ou quatro indivíduos, indivíduos estes, cujas identidades não foi possível apurar - que conduziram aqueles dois para o interior da escada de um edifício e demonstraram ao primeiro como se montava a caçadeira.
50 - Em seguida, o arguido A... separou-se de G... e H... e seguiu para a zona da ..., onde sabia que iria encontrar o ofendido, no campo de jogos aí existente.
51 - No percurso que então fez, o arguido A... e C... iniciaram uma troca de SMS’s, através do sobredito cartão telefónico usado por aquele e outro com o nº 91…, utilizado por esta, entre eles os que de seguida se transcrevem, indicando a hora que na ocasião marcava o relógio do aparelho telefónico daquele arguido:
- de A..., pelas 15h20m: «Diz rápido amor..preciso de saber.. se houver outro sítio antes diz..».;
- de C..., pelas 17h11m: «Das 6 às 7 o treino. Decide tu a hora».
- de C..., pelas 17h11m: «Um bocado antes das 6»;
- de A..., pelas 17h19m: «Se for apanhado paciência. Vou ver se trato hoje.»;
- de C..., pelas 17h22m: «Nao, a sério estou a pedir-te nao sejas apanhado»;
- de C..., pelas 17h25m06s: «Nao sei se esta alguém ou nao. Mas amor peco-te. Ha uma esquadra da policia perto. O casteleira vai contigo hoje»;
- de A..., pelas 17h25m10s: «Não vai. O que tem a esquadra? Onde o posso fazer mais?»;
- de C..., pelas 17h31m: «Amor não sejas apanhado senão a minha mãe sabe que sou eu»;
- de C..., pelas 17h44m19s: «Saíram agora…Vão para ai».
52 - Entretanto, o arguido A... chegou ao destino, ao Campo de Jogos da ....
53 - Ali chegado, o arguido A... colocou-se nas imediações do campo de jogos e, nos momentos que se seguiram, trocou com C... mais um conjunto de SMS’s, dos quais se transcrevem os seguintes, indicando a hora que na ocasião marcava o relógio do aparelho telefónico daquele arguido:
- de A..., pelas 17h44m: «Já estou cá. Está cá gente. Arrisco?»;
- de A..., pelas 17h46m: «Tipo tem um café perto cheio de gente, vão ouvir o tiro, estão pais a deixar os miúdos»;
- de C..., pelas 17h50m: «A… não sei. Acho é que não há mais sitio nenhum sem ser ai. Eles já chegaram?;
- de C..., pelas 17h53m: «Pois mas como estamos quase no verão as 8.30 também é de dia :s»;
- de A..., pelas 17h54m: «Não grites comigo. Chegaram. Está aqui bue gente o que faço?;
- de A..., pelas 17h56m: «O teu irmão já foi..onde está o teu pai há bue gente a ver»;
- de A..., pelas 17h57m: «Estou à espera. Vou carregá-la»;
- de C..., pelas 17h59m: «Ja não. Vem calma. Pode ser que quando eles saírem do treino pode ser que esteja menos gente».
54 - Pelas 18 horas, o arguido A... deslocou-se para um local recatado, na rua, retirou a caçadeira da mochila em que a transportava e procedeu à montagem da arma.
55 - Após ter chegado ao Campo de Jogos da ..., no decorrer do período de tempo em que trocou com a C... os supra mencionados SMS’s e enquanto procedia à montagem da espingarda caçadeira, o arguido A... viu-se invadido por um forte sentimento de medo, nomeadamente de ser descoberto, e de nervosismo, atenta a perspectiva do que se preparava para fazer, o que o fez decidir a adiar o disparo sobre o ofendido para outra ocasião e a voltar a desmontar a arma, a colocá-la no interior da mencionada mochila e a abandonar o local, levando consigo a arma.
56 - Entretanto, como não tivera mais notícias de A..., desde o último SMS por este enviado, C... enviou ao arguido um outro no qual escreveu, pelas 19 horas e 25 minutos – hora indicada pelo relógio do telefone daquele -: «Ok amor. Depois quando foi se sim ou não manda mensagem».
57 - Logo de seguida, porque não queria desiludir a C..., A... telefonou à namorada  dizendo-lhe que não tinha disparado sobre o ofendido porquanto se encontravam demasiadas pessoas no local.
58 - Logo de seguida, pelas 19 horas e 58 minutos, C... enviou a A... um SMS no qual escreveu: «Olha segunda feira não há treino. Mas amanhã o jogo do meu irmão é aí. As 11 horas mas eles vão para lá sempre mais cedo».
59 - A..., pelas 20 horas e 46 minutos – hora que marcava o relógio do seu telefone - desse mesmo dia, enviou a C... um SMS, no qual escreveu: «Posso ter essa sorte amanhã, eu só quero que sejas feliz.Tenho de o matar de alguma maneira»: e, logo de seguida, decorridos cerca de quatro minutos, um outro, em que escreveu: «Tem de haver alguma forma de o matar C.... Mas eu vento que não seja assim».
60 - Ainda nesse dia, pelas 21 horas e 33 minutos – hora que marcava o relógio do seu telefone móvel -, A... enviou outro SMS a C..., no qual escreveu: «Sem carro, mas eu fico na casa de banho. Quando o teu pai for a subir ele da sinal e pumba depois é fugir»; e, decorrido cerca de um minuto, um outro em que escreveu: «Sim..vai-se a correr por um caminho que não entrem carros e tira-se o casaco».
61 - Na noite desse dia 26/03/2010, depois de A... ter abandonado o Campo de Jogos da ..., entre os SMS’s trocados com C..., ambos mantiveram conversas telefónicas que efectuaram entre si; nessas conversas, a C... disse por várias vezes ao arguido A... que teriam de matar o pai, informando-o de que este estaria de novo no dia seguinte, no mesmo campo de jogos, pelas 10 horas e 30 minutos.
62 - No dia seguinte, 27/03/2010, pelas 8 horas e 30 minutos, A... enviou um SMS a C..., no qual escreveu: «Ele tem de morrer. Apanhado em estado de falar não sou não te preocupes».
63 - Logo de seguida, pelas 8 horas e 36 minutos, C... respondeu por SMS a A..., escrevendo: «A… não! Estas a tentar ajudar-me mas se morreres também nao resolve nada. A minha mãe também vai desconfiar, não achas?»; logo de seguida, decorridos cerca de 8 minutos, C... enviou a A... outro SMS, em que escreveu: «Quer mas ela não pode perceber que somos nós. Não volto a ficas meu amor».
64 - Pelas 8 horas e 44 minutos – hora que marcava o relógio do seu telefone móvel -, A... enviou um SMS a C..., em que escreveu: «Tenho de ir buscar a arma lá acima. Prefiro ir já. Preparo-me mentalmente».
65 - Pelas 8 horas e 54 minutos – hora que marcava o relógio do seu telefone móvel -, A... remeteu outro SMS a C..., no qual escreveu: «Já tenho a arma. Quero fazer hoje».
66 - Assim, motivado também pelas insistências da C..., designadamente as da noite anterior, em 27 de Março de 2010, à hora indicada por esta, o arguido A... voltou a deslocar-se ao campo de jogos sobredito, onde esperou pela chegada do ofendido com o filho E....
67 - Enquanto esperava, o arguido A... efectuou diversas chamadas telefónicas para C..., mas esta não atendeu.
68 - Pelas 9 horas e 45 minutos – hora que marcava o relógio do seu telefone móvel -, o arguido A... enviou a C... um SMS no qual escreveu: «Se te estou a telefonar podias dizer algo. Está merda está a ter jogo. Cheio de gente na rua. O que queres que faça?».
69 - Pelas 9 horas e 48 minutos, C... enviou ao arguido A... um SMS em que escreveu: «Estão a ir», pretendendo com isto informar o arguido que o pai e o irmão haviam acabado de sair de casa, em direcção ao campo de jogos.
70 - Em resposta ao SMS enviado pelo arguido A... às 9 horas e 45 minutos, C... remeteu a este quatro outros, entre as 9 horas e 55 minutos e 10 horas e 01 minutos, com os seguintes teores:
- «Desculpa, a minha mae estava a desconfiar. So se quiseres no trabalho dele»; e
- «…, segunda às 7 e tal 8 horas»;
- «Nao, trabalha até as 5»; e
- «É a hora a que ele entra».
71 - Pelas 10 horas e 01 minuto, o arguido A... enviou a C... um SMS, escrevendo: «Está aqui muita gente, ele já cá esta, o que faço?
72 - Uma vez o ofendido chegado ao local, o arguido A... viu-se invadido por um estado de nervosismo e medo, nomeadamente de ser descoberto, que o impediram de efectuar os procedimentos de montagem da espingarda caçadeira – a qual havia de novo transportado no interior da mesma mochila -, pelo que abandonou o local, levando consigo a arma, adiando mais uma vez o disparo sobre aquele para outra ocasião.
73 - Mais uma vez, mais tarde, o arguido A... disse à C... que não tinha tido oportunidade de disparar sobre o ofendido, o que fez para não desiludir a namorada.
74 - Durante o fim-de-semana que se seguiu – de 27/03/2010 e 28/03/2010, sábado e Domingo, respectivamente -, o arguido A... encontrou-se pessoalmente com a C..., tendo esta nas conversas que mantiveram, dito por várias vezes que “tentassem” de novo, afirmando que não aguentava mais o pai e que teriam de matá-lo.
75 - Nessas conversas, a C... referiu que o disparo sobre o ofendido teria de ocorrer impreterivelmente na segunda-feira, pois esta seria a última oportunidade antes das férias da Páscoa.
76 - Nessas mesmas conversas, a C... disse ao arguido A... que na segunda-feira seguinte – 29/03/2010 -, o seu pai e o seu irmão se deslocariam cerca das 18 horas e 30 minutos a um campo de jogos na …, onde iriam treinar futebol.
77 - Nesse contexto, C... igualmente remeteu ao arguido A... vários SMS’s, entre os quais os seguintes:
-  em 27/03/2010, pelas 19h10m: «Vao treinar segunda feira. Acho que à tarde»;
- em 27/03/2010, pelas 19h12m: «6 horas»;
- em 27/03/2010, pelas 19h21m: «Entao segunda esta feito?;
- em 28/03/2010, pelas 12h53m: «Vais faze-lo? Estou farta dele, quero que morra o mais rapido possivel»;
- em 28/03/2010, pelas 14h02m: «Acho que eles vao mais tarde. Mais para a noite»;
- em 28/03/2010, pelas 16h04m: «Entao é segunda?»;
- em 28/03/2010, pelas 23h26m: «Desculpa estar a fazer esta pressao mas tem de ser mesmo amanha».
78 - No decorrer das conversas mantidas durante o fim-de-semana, a C... disse ao arguido A... que deveria falar com uma amiga comum, de nome X, em virtude de esta morar junto deste mencionado local e por isso talvez ela o pudesse ajudar no caminho de fuga.
79 - Na sequência disto, o arguido A... contactou telefonicamente e por SMS’s X, perguntando-lhe qual a distância do campo de jogos e o “Hipermercado …” e a localização da Esquadra da Polícia de Segurança Pública, referindo que pretendia matar ali uma pessoa, sem contudo lhe dizer quem e de seguida fugir sem ser apanhado.
80 - Na segunda-feira, 29 de Março de 2010, pelas 9 horas e 56 minutos, C... enviou um SMS ao arguido A..., no qual escreveu: «Olha, não sei se eles vão treinar. Por causa do tempo».
81 - Nesse dia, no período da tarde, o arguido A... disse aos pais que pretendia ir treinar para o Estado Universitário de Lisboa, como forma de justificar a sua saída de casa.
82 - Assim, o arguido A... foi ao terraço do edifício em que reside recolher a mochila com a arma caçadeira e os cartuchos, de onde os retirou e colocou no interior de um saco desportivo juntamente com um par de calças, uma “t-shirt” e uma toalha, de forma a fazer crer que ia treinar.
83 - Nesse dia, o arguido A... vestia um par de calças de ganga de cor azul, uma “t-shirt” preta e, por cima, desta, um blusão com o padrão de xadrez de cor preto e branco.
84 - No decorrer da tarde desse dia 29/03/2010, o arguido A... saiu da sua residência, sita na …, “apanhou” um autocarro da .. no .., e encaminhou-se para o recinto desportivo na …, onde chegou cerca das 18 horas, colocando-se junto ao respectivo relvado, esperando pelo ofendido; na viagem que fez entre casa e este local, o arguido A... demorou mais de 30 minutos.
85 - Decorrido pouco tempo de ali ter chegado o arguido A... apercebeu-se da presença nesse mesmo local do ofendido e do filho deste.
86 - O arguido A... escondeu-se então nuns arbustos ali existentes, ficando a observar o ofendido a treinar futebol com o filho.
87 - O arguido A... retirou a arma caçadeira do interior do saco em que a transportava e colocou no local apropriado para tal um cartucho por deflagrar.
88 - Nesses instantes de espera, o arguido A... sentiu-se indeciso, adiando por diversas vezes o momento de agir.
89 - Pelas 19 horas e 01 minuto, C... enviou ao arguido A... um SMS, no qual escreveu: «Faz isso depressa por favor estou a ficar mesmo mal».
90 - Em face da decisão tomada anteriormente e também do pedido de C..., o arguido A... reforçou então a decisão que havia tomado de pôr termo à vida do ofendido.
91 - O arguido A..., empunhando a espingarda caçadeira e apontando a extremidade do cano desta na direcção do corpo do ofendido, caminhou em direcção deste.
92 - Chegado a uma distância de cerca de 50 centímetros do ofendido, o arguido A..., sempre apontando a extremidade do cano da espingarda caçadeira que empunhava em direcção à zona torácica e abdominal do ofendido, premiu o gatilho da arma, provocando assim o disparo desta.
93 - O projéctil assim expelido da espingarda caçadeira atingiu o ofendido, o qual por isso caiu de imediato ao chão.
94 - Em acto contínuo e imediato, o arguido A... aproximou-se do ofendido e apontou a extremidade da espingarda caçadeira que empunhava à cabeça de D....
95 - Logo de seguida, o arguido A... abandonou o local, em passo de corrida, sendo que nas imediações do local abandonou no chão o blusão que levava vestido e a espingarda caçadeira.
96 - Nos arbustos onde estivera escondido, ficou o saco em que o arguido A... levara a espingarda caçadeira, oito dos cartuchos que comprara, as peças de vestuário sobreditas e alguns objectos pessoais.
97 - Mais tarde, no mesmo dia, após o arguido A... se ter encontrado com C..., esta telefonou à mãe, que se deslocou ao local onde a filha e o arguido A... se encontravam, acompanhada dos inspectores da Polícia Judiciária que entretanto tinham encetado diligências para procurar o arguido.
98 - Durante o período de tempo que teve consigo a arma caçadeira e cartuchos nos termos sobreditos, quando não os estava levando para e trazendo dos campos de jogos atrás mencionados, o arguido A... escondeu-os no interior da mochila, a qual colocou em local resguardado do terraço do edifício onde reside.
99 - Com o disparo que efectuou sobre D..., o arguido A... provocou naquele feridas perfuro-contundentes, orificiais, de contorno circular, na face superior do ombro direito, com 2 centímetros de diâmetro, rodeadas de orla de escoriação concêntrica de 0,50 centímetros de largura (de entrada de projéctil), no escavado axilar direito com 1,50 centímetros de diâmetro (de saída de projéctil), no bordo inferior da axila direita, na linha axilar, com 2 centímetros de diâmetro (de entrada de projéctil); ferida perfuro-contundente transfixiva do ombro direito e da região axilar direita, com fractura multi esquirolosa da articulação acrómio-clavicular, da epífise proximal do úmero e terço proximal da diáfise umeral; ferida perfuro contundente dos músculos intercostais laterais do 7º espaço direito e fractura esquirolosa do arco médio da 7ª costela direita, infiltração hemorrágica dos músculos intercostais laterais direitos do 3º ao 9º espaços; transfixiva do fígado com esfacelo do lobo direito, infiltração hemorrágica peri renal direita; hematoma dos músculos retropritoneais – com bucha de plástico alojada nesta região -; fractura multi esquirolosa das apófises transversas direitas da 1ª e 2ª vértebras lombares e do corpo da 2ª vértebra lombar – com projéctil de arma de fogo impactado nesta zona - com laceração da espinal medula a este nível, lesões estas, traumáticas torácicas e abdominais, que foram causa directa da morte imediata do ofendido.
100 - Ao agir como agiu o arguido A... sabia que atingiria no corpo do ofendido zonas vitais para a vida humana.
101 - Sabia o arguido A... que, ao disparar aquela arma, àquela mencionada distância, em direcção às zonas corporais descritas, como desejou e fez, com certeza tiraria a vida a D..., o que também quis e conseguiu.
102 - O arguido A... não é titular de licença de uso e porte de arma.
103 - Quis, o arguido A..., não obstante, trazer consigo e usar, nas condições atrás descritas, a aludida arma caçadeira, para o que sabia não estar legalmente habilitado.
104 - O arguido B... não está habilitado a proceder à cedência a terceiros, onerosa ou gratuitamente, de espingardas, designadamente da supra mencionada. Quis, no entanto, fazê-lo nos termos sobreditos, o que conseguiu e sabia ser consequência certa dos seus actos.
105 - Agiu cada um dos arguidos de forma livre e voluntária, ciente de serem as suas descritas e respectivas condutas proibidas e punidas por lei.
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            Mais se provou:
106 - O arguido A… confessou quase integralmente os factos que lhe são imputados, manifestando arrependimento.
107 – À data dos factos o arguido A... integrava o agregado familiar de origem, constituído pelos pais e uma irmã mais nova, mantendo um convívio regular com os avós maternos.
108 – O processo de desenvolvimento do arguido A... foi marcado por um modelo educativo partilhado e pela vivência entre dois agregados, o dos pais e o dos avós maternos, este último de suporte, num ambiente equilibrado, com características rígidas e funcionais, em termos de princípios e valores.
109 – O arguido A... iniciou o seu percurso escolar no Colégio1 …, que frequentou até ao 9º ano de escolaridade, ingressando posteriormente no Colégio2 …, onde frequentou o 10º, 11º e 12º ano de escolaridade, obtendo resultados positivos nos exames de ingresso ao ensino superior, tendo uma integração e percurso escolar regular e com bom aproveitamento escolar.
110 – De acordo com a avaliação psicológica constante do relatório de perícia sobre a personalidade elaborado em 06-05-2010, na prova de personalidade, o arguido A... «apresenta-se imaturo, emocionalmente instável, com baixa auto-estima e alguma dificuldade nas relações interpessoais, manifestando uma certa ansiedade e pouca tolerância ao stress, pelo que nessas situações pode eventualmente revelar alguma impulsividade, podendo eventualmente adoptar um comportamento socialmente desviante, ignorando as consequências dos seus actos. (…) Salienta-se ainda uma certa fragilidade da imagem de si e na relação com o real, revelando alguma dependência face ao meio (…) Destacam-se igualmente dificuldades ao nível da identificação e estabilidade da imagem de si. (…) … verifica-se uma pontuação … que remete para a ausência de psicopatia. (…).
111 – De acordo com as conclusões constantes do referido relatório de perícia sobre a personalidade do arguido A...: «Ao nível cognitivo o examinado apresenta um funcionamento intelectual global de nível médio, com processamento cognitivo íntegro, sem indicadores de deterioração mental ou de deterioração mnésica, boa tolerância às tarefas e bom esforço de concentração, sem dificuldades na focalização da atenção.
Da avaliação psicológica realizada, sobressai uma organização de personalidade frágil, com características como sejam imaturidade, egocentrismo, sugestionabilidade às exigências e críticas, tensão, retraimento e baixa capacidade de insight. Verificou-se ainda carência de ordem afectiva, associada a sentimentos de falta, vazio e perda, que nos remetem para a existência de uma falha narcísica e problemas ao nível dos limites e da imagem de si, …, constatando-se também tratar-se de uma personalidade cujo comportamento manifesta afectividade desinibida, com um razoável contacto humano, dificuldades em lidar com estímulos emocionais, baixo limiar de tolerância a situações frustrantes, instabilidade emocional a par de um certo componente ansiogénico, …, sem contudo entrar na dinâmica claramente psicopatológica.
 Relativamente ao processo de socialização, manifesta-se vulnerável em particular a situações de stress ou de conflito, sendo a ansiedade e a angústia facilmente despertáveis, características que prejudicam uma identificação com os outros, tornando-o reactivo e imediatista. Verifica-se uma reacção às situações vividas de uma forma afectiva e mais emocional, agindo com algum egocentrismo e impulsividade a situações potenciais de tensão e stress.
Em relação à perigosidade, e tendo em conta a personalidade frágil descrita, com instabilidade emocional e dificuldade no controlo dos impulsos, em virtude dos quais pode ocorrer uma desorganização, nomeadamente em circunstâncias potenciadoras de tensão e stress, … há de facto algumas dificuldades em controlar o próprio comportamento, e assim a repetição de factos típicos violentos. Todavia o recurso a mecanismos de defesa rígidos (mais protectores e adaptativos e que visam evitar a expressão dos afectos), e os projectos de vida aparentemente definidos, parecem-nos contrariar os comportamentos mais desadaptativos e de passagem ao acto, permitindo desta forma uma possível inserção/adaptação social. Esta inserção e adaptação seria beneficiada por um acompanhamento psicoterapêutico (…)».
            112 – De acordo com o relatório social o arguido A... «apresenta-se como um jovem imaturo para a idade, sobreprotegido familiarmente, denotando pouca preparação para enfrentar contrariedades e fazer escolhas. (…) A par destas fragilidades, … revela pouca consciência crítica de si próprio autopercepcionando-se como um jovem “forte”. (…)apresenta-se como um jovem imaturo para a idade, vulnerável, que procura evitar o confronto sobressaindo a necessidade de corresponder às expectativas que sobre si são depositadas, denotando ainda pouca consciência crítica da sua pessoa. Apesar do arguido revelar características individuais de alguma permeabilidade ao risco criminal, revela hoje maior consciência das suas fragilidades pessoais, …».
113 – O arguido A... beneficia de apoio familiar, inclusive de um apoio afectivo sólido, e de visitas regulares de amigos.
114 – Desde Abril de 2010 o arguido A... beneficia de acompanhamento psicológico com uma frequência semanal, demonstrando uma evolução em determinados aspectos relacionados com as suas características de personalidade, nomeadamente ao nível da gestão da impulsividade, revelando igualmente uma maior consciência crítica.
115 – Do certificado de registo criminal do arguido A... nada consta.
116 - O arguido B... confessou integralmente a autoria dos factos nos termos que resultaram provados, revelando-se sinceramente arrependido.
117 - O arguido B... vivenciou durante a infância um quadro de acentuada precariedade socioeconómica, tendo o pai saído de casa quando o arguido tinha 3 anos de idade, e a mãe do arguido falecido quando este tinha 10 anos de idade.
118 - Após o óbito da mãe, o arguido e os quatro irmãos procuraram permanecer juntos, tendo os irmãos mais velhos assumido a guarda dos irmãos mais novos, passando todos a residir na morada actual, habitação que pertence à avó materna do arguido, a qual reside em ... há vários anos.
119 - O arguido B... concluiu o 9º ano de escolaridade, tendo ainda efectuado um curso tecnológico de electricista.
120 - Há cerca de dois anos o arguido integrou os quadros da Polícia do Exército, prestando funções no …, tendo inicialmente trabalhado no bar de Oficiais, desempenhando actualmente funções de carácter geral, mantendo um comportamento adequado às normas e valores vigentes.
121 - O agregado familiar do arguido B... é caracterizado por um clima relacional positivo, com laços afectivos sólidos e coesos, que se construíram a partir da necessidade de sobreviver após o falecimento da progenitora do arguido, sendo o apoio recíproco entre irmãos fundamental para ultrapassarem as dificuldades com que se depararam durante a infância e adolescência.
122 - Do certificado de registo criminal do arguido B... nada consta.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a presente decisão não se provou:
1 – Que o ofendido D... tenha aspirado em ser atleta de alta competição, e que não o tenha conseguido em virtude de problemas de saúde.
2 – Que aquando do regresso, após visitas efectuadas a casa dos pais ou da irmã de F... existissem sempre discussões entre esta e o ofendido.
3 – Que o mau relacionamento familiar entre o ofendido e a família da mulher tenha atingido o seu ponto máximo na sequência do referido em 4 dos factos provados.
4 – Que aquando do referido em 6 dos factos provados o ofendido tenha dito ao filho que «lhes cortava o pescoço» e que «os matava»; e que tenha dito concretamente à filha C... que «lhes cortava o pescoço».
5 – Que com excepção do referido em 7 dos factos provados, o ofendido tenha desferido murros e pontapés nos filhos C... e E..., em diversas ocasiões; e que tenha desferido nos mesmos golpes com um cinto de que se munia, atingindo-os com as mãos, pés e cinto em várias partes do corpo, sobretudo em zonas que estivessem tapadas pelo vestuário que cada um destes usava.
6 – Que durante os anos em que C... praticou natação, sempre que esta fazia um treino a que o ofendido assistisse e entendesse não ter sido bem sucedido, D... tenha conduzido a filha para uma outra piscina, onde lhe dava ordens – em tom de voz sério e agressivo – para efectuar um segundo treino, de mais duas horas, dizendo-lhe que isso serviria para melhorar as suas prestações; e que tal tenha sucedido por várias vezes.
7 – Que a dado passo da prática desportiva de natação por parte de C..., o ofendido tenha mantido uma conversa com os treinadores daquela no sentido da filha passar para o escalão de competição federada; que nessa conversa os treinadores tenham dito ao ofendido que naquela ocasião a C... não poderia passar para esse escalão por falta de vaga; e que o ofendido tenha ficado desagradado com essa resposta, tendo retirado a C... na natação.
8 – Que aquando do referido em 9 dos factos provados C... tenha atingido um estado de grande cansaço físico e psicológico; que tal tenha sucedido até ao momento em que a C... efectivamente conseguiu andar de bicicleta pelos seus próprios meios; que durante esse período de tempo, por várias vezes, o ofendido tenha desferido no corpo de C... várias pancadas e tenha falado com ela em tom de voz alto, gritando e ralhando, como reprimenda da mesma não estar a alcançar tão rapidamente como ele pretendia o objectivo que o próprio havia traçado, que na sequência disso, por várias vezes, F... tenha pedido ao ofendido que permitisse à filha descansar um pouco, sugerindo até que voltassem a retomar as «lições» noutro dia; e que D... tenha reagido em tom de voz alto e agressivo, gritando com a mulher, ordenando-lhe que se fosse embora, para casa.
9 – Que quando C... tinha 11 anos de idade tenha concorrido a uma prova desportiva de natação, na qual alcançou o segundo lugar na classificação; e que quando C... chegou a casa, regressada da prova, o ofendido lhe tenha dito em tom de voz agressivo que o segundo lugar por ela alcançado era insuficiente, transmitindo-lhe verbalmente o seu desagrado por tal resultado.
10 - Que com excepção do referido em 5 e 11 dos factos provados, o ofendido tenha desferido murros e pontapés no filho E..., em diversas ocasiões; e que tenha desferido no mesmo golpes com um cinto de que se munia, atingindo-o com as mãos, pés e cinto em várias partes do corpo, sobretudo em zonas que estivessem tapadas pelo vestuário que este usava.
11 – Que com excepção do referido em 13 dos factos provados, o ofendido por diversas vezes tenha desferido na mulher murros e pontapés, atingindo-a com as mãos e com os pés em várias partes do corpo, sobretudo em zonas que estivessem tapadas pelo vestuário que esta usava; e que lhe tenha dito concretamente nessas ocasiões que lhe bateria ainda mais se a mesma continuasse a intervir na educação que ele estava a dar à C... e ao E....
12 – Que com excepção do referido em 5 e 11 dos factos provados, em dia não apurado de Dezembro de 2009 o ofendido tenha desferido várias pancadas no corpo do filho E...; que tal tenha ocorrido à chegada a casa, após mais um treino ocorrido entre ambos em que o ofendido entendera que o filho não atingira os objectivos por ele traçados; que nessa ocasião C... se encontrasse em casa; e que a mesma tenha assistido às agressões do ofendido sobre o filho E....
13 – Que o referido em 24 dos factos provados tenha alterado o estado de espírito e a alegria de viver do arguido A....
14 – Que G... fosse amigo do arguido A....
15 – Que aquando do referido em 42 dos factos provados o arguido A... não tenha dito ao seu amigo H... o que ia comprar.
16 – Que aquando do referido em 43 dos factos provados H... tenha entrado também para o átrio de entrada do edifício.
17 – Que aquando do referido em 47 dos factos provados o arguido B... tenha indicado a G... um indivíduo que poderia dar informações sobre a montagem da arma, e o local onde encontrar tal indivíduo.
18 – Que aquando do referido em 87 dos factos provados o arguido A... tenha colocado na arma caçadeira um segundo cartucho por deflagrar.
19 – Que o filho do ofendido tenha começado a vomitar, e que o ofendido tenha repreendido o filho de modo verbalmente agressivo, gritando com ele, o que fez também com que o arguido A... reforçasse a decisão referida em 90 dos factos provados.
20 – Que aquando do referido em 91 dos factos provados o ofendido tenha visto o arguido A...; e que se tenha dirigido verbalmente ao mesmo, dizendo «Então caralho?! O que é que tu queres?».
21 – Que aquando do referido em 94 dos factos provados o arguido A... tenha premido novamente o gatilho da espingarda caçadeira; e que não tenha efectuado um novo disparo porque o mecanismo da arma encravou.
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MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal quanto ao apuramento dos factos provados, fundamentou-se na análise conjugada e crítica:
            1 – das declarações do arguido A....
            Em termos globais o arguido assumiu a sua participação na quase totalidade dos factos que constituem o objecto do processo, descrevendo a sua cronologia, dinâmica e circunstâncias envolventes.
            Assim, em síntese, o arguido começou por descrever as circunstâncias em que conheceu C..., referindo que conheceram-se no ano de 2008 no CDUL, em Lisboa, onde o arguido praticava atletismo desde 2005, tendo iniciado uma relação de namoro em Junho de 2009.
            Mencionou que deslocou-se a casa de C... poucas vezes, quando esta estava sozinha, e que nunca estabeleceu qualquer contacto com a vítima, que apenas viu uma vez durante os treinos.
            A respeito da relação de namoro que mantinha com C... referiu que no seu entender tratava-se de uma relação séria; que a namorada era muito exigente e pressionava-o muito, porque não gostava que saísse sozinho nem com as amigas que tinha, e que o mesmo cedia às exigências que C... lhe fazia, tendo passado a afastar-se do seu grupo habitual de amigos do Colégio2 …, escola que frequentava.
            Referiu que à saída dos treinos, nos dias em que a mãe de C... lhe dava boleia, quando a vítima telefonava para a primeira tinha de ser feito silêncio no interior do veículo, apercebendo-se que a mãe da C... não reagia, dizendo apenas a esta que «se chegassem tarde a casa haveriam problemas»; e que o objectivo da conversa era saber como tinha corrido o treino de futebol do irmão da C... e o estado de humor da vítima, nunca tendo feito qualquer comentário sobre a situação, a pedido da namorada.
            Mencionou que no final do mês de Dezembro de 2009 C... começou a relatar-lhe situações de violência física ou verbal por parte do ofendido para com os filhos, referindo a namorada que tal ocorria quando os mesmos tinham uma fraca prestação desportiva, e também para com a mãe, pelo facto desta intervir em defesa dos filhos.
            Não obstante mencionar que tais episódios eram relatados por C... como se ocorressem diariamente, admitiu que nunca presenciou qualquer situação relacionada com situações de agressões físicas ou verbais; que o único conhecimento da situação advinha da situação que lhe era contada por C..., e que, não obstante manter um relacionamento íntimo com a mesma, nunca viu marcas de agressões no corpo da namorada, mencionando que continuou sem contar a ninguém os episódios que C... lhe relatava, a pedido da mesma.
Referiu que a partir de dado momento começou a propor à namorada diversas soluções para a resolução da situação, entre as quais a mãe fugir com os filhos, pedir o divórcio ou alertarem as autoridades, o que C... sempre rejeitou com receio da reacção do ofendido.
Mencionou que em Fevereiro de 2009 a namorada enviou-lhe um SMS dizendo-lhe que o pai «tinha de morrer», tendo sido da mesma a ideia de que a morte da vítima seria com um tiro, confirmando integralmente os SMS que trocavam e os números de telefone respectivos.
Quanto ao episódio relacionado com a compra da arma, o arguido admitiu a autoria dos factos nos termos que lhe são imputados e que resultaram provados, assumindo toda a iniciativa na compra da mesma, referindo que contactou G... que tinha conhecido no CDUL no ano anterior, dado saber que o mesmo vivia em Chelas ou nos Olivais, pensando que o mesmo lhe poderia indicar um indivíduo que vendesse uma arma de fogo, e que foi comprar a espingarda caçadeira acompanhado do amigo H..., a quem contou o que ia fazer.
Relativamente aos factos ocorridos em 26-03-2010 e 27-03-2010, no Campo de Jogos da ..., o arguido admitiu igualmente a autoria dos factos nos termos que resultaram provados, referindo que naquelas duas ocasiões não conseguiu premir o gatilho, uma vez que sentia que tal não correspondia à sua vontade mas que por outro lado tinha de matar o pai da namorada porque «sentia necessidade de a proteger», mencionando igualmente que tinha medo de ser reconhecido e apanhado.
No que respeita aos factos ocorridos em 29-03-2010, admitiu na quase totalidade a cronologia dos acontecimentos, nos termos que resultaram provados.
Assim, o arguido admitiu que contactou com X no sentido de saber qual seria o melhor percurso para fugir sem ser apanhado, confirmando o trajecto que efectuou desde a sua residência até ao recinto desportivo na ..., ..., mencionando que quando aí chegou teve a percepção que a vítima e o irmão de C... ainda não estavam no local, tendo ficado escondido nuns arbustos a uma distância de cerca de 20 a 30 metros destes.
Mencionou que colocou um único cartucho na espingarda caçadeira, tendo efectuado o disparo depois de ter visto o irmão da C... a vomitar e de ter ouvido a vítima a dizer-lhe «és um estúpido».
Quanto a este episódio relacionado com o irmão de C..., as declarações do arguido forma contraditadas pelo depoimento objectivo e consistente de E..., nos termos infra mencionados.
Relativamente ao que ocorreu após ter efectuado o disparo, mencionou que pensou em colocar outro cartucho na caçadeira mas que não o fez; que não tem grandes certezas sobre aquele momento, no que respeita ao facto de ter ou não apontado a espingarda à cabeça da vítima; que fugiu para casa, para a mãe da C... não desconfiar; e que mais tarde a namorada telefonou-lhe a dizer que a polícia estava em sua casa, tendo ido ao encontro da mesma ao local onde se encontrava a polícia.
Quanto à consciência crítica relativamente à sua actuação mencionou inicialmente que foi um grande erro que cometeu, mas que sentia que arranjou um problema para si mas tinha tornado feliz a namorada, não conseguindo explicar o motivo pelo qual considerou que estava na sua disponibilidade a opção pela solução extrema de matar o ofendido como forma de solucionar um problema familiar, não tendo efectuado qualquer referência expressa ao arrependimento pelo facto de ter tirado uma vida humana, referindo ainda que não queria «cortar com a C... com receio da estratégia que ela possa adoptar».
Na última sessão de julgamento, o arguido referiu que está arrependido dos factos que praticou e do trauma que causou no irmão da C..., tendo sentimentos confusos relativamente à mesma, e que sentiu sempre muita pressão por parte de C..., apercebendo-se que esta ficou desiludida nas duas ocasiões em que o mesmo não concretizou a intenção que tomara.
Prestou ainda declarações complementares relativas às suas condições pessoais e sociais.
2 – das declarações do arguido B....
Não obstante o arguido ter optado apenas por prestar declarações na última sessão da audiência de julgamento, assumiu integralmente a autoria dos factos que lhe são imputados nos termos que resultaram provados, mostrando-se sinceramente arrependido.
A este respeito, e no que respeita à cronologia dos acontecimentos, o arguido confirmou o facto de ter sido contactado por G...; o encontro posterior com G... e com o arguido A...; o preço pelo qual vendeu a espingarda caçadeira e os dez cartuchos, negando todavia que tenha indicado um indivíduo que poderia ensinar o arguido a montar a espingarda caçadeira.
Mencionou que tinha comprado a espingarda cerca de oito meses antes na Feira do Relógio, com os dez cartuchos, por cerca de € 100,00 a € 150,00, e que no momento em que vendeu a arma ao arguido A... não sabia a que a mesma se destinava, tendo tido apenas a intenção de «desfazer-se» da caçadeira que tinha comprado para não ter problemas, referindo que só soube do que aconteceu quando G... lhe telefonou a contar-lhe o que tinha acontecido.
Prestou ainda declarações complementares relativas às suas condições sociais, económicas e profissionais, mencionando que vive sozinho com quatro irmãos desde que a mãe faleceu, sendo o sustento da casa, juntamente com os três irmãos mais velhos.
3 – do depoimento da testemunha G….
No essencial referiu que após ter sido contactado pelo arguido A... que lhe disse que pretendia uma arma com munições, perguntou a vários indivíduos se tinham ou se «arranjavam» uma arma, tendo contactado o arguido B... que lhe disse que tinha uma espingarda caçadeira.
Após o contacto com o arguido B... combinou com o arguido A... encontrarem-se na estação do metro dos Olivais, tendo-se deslocado com este e com H... que o acompanhava ao prédio onde reside B..., referindo que H... ficou na rua enquanto decorreu o negócio da venda da arma, tendo o arguido A... entregue o dinheiro directamente ao arguido B..., de quem recebeu mais tarde, nesse mesmo dia, a quantia de € 40,00, mencionando ainda que não houve qualquer conversa com o arguido B... em relação à montagem da arma.
4 – do depoimento da testemunha H…, amigo do arguido A....
No essencial referiu que no dia em que se deslocaram aos Olivais acompanhou o arguido A... que lhe disse «que um amigo precisava de uma coisa e se podia ir com ele», referindo expressamente que não sabia que este ia comprar uma arma, no que foi contraditado quer pelas declarações do arguido A... quer pelo depoimento de G..., mencionando que ficou na rua, à porta do prédio à espera do arguido A..., apercebendo-se apenas que este entregou dinheiro a um indivíduo que colocou um saco dentro da mochila que o arguido A... levava consigo.
Mencionou que não se recordava do que se passou relativamente à montagem da arma e que perguntou ao arguido A... o que é que o mesmo levava na mochila, tendo-lhe este dito que era uma arma para um amigo, não tendo feito mais perguntas a esse respeito.
No que respeita ao relacionamento entre o arguido A... e C... referiu que nunca presenciou quaisquer conversas entre aqueles e que o arguido nunca lhe revelou qualquer situação relacionada com problemas familiares da namorada.
Por último mencionou que apenas sentiu o arguido A... mais nervoso no dia em que se deslocaram aos Olivais, não se tendo apercebido que o mesmo andasse mais nervoso noutras ocasiões.
5 – do depoimento da testemunha C…, filha da vítima.
No essencial referiu que conheceu o arguido A... há cerca de dois anos no CDUL, em Lisboa, tendo começado a namorar há um ano e quatro meses; e que quando conheceu o arguido o pai já não a acompanhava aos treinos.
A respeito da relação de namoro que mantinham mencionou que encontravam-se diariamente; que no início dessa relação costumavam estar sozinhos e que depois o arguido A... passou a conviver com o seu grupo de amigos; e que, sentia que «nalgumas situações tinha mais peso na decisão».
Mencionou que no final dos treinos a mãe costumava dar boleia ao arguido A... quando este ia para casa dos avós nas …, e que a preocupação da mãe era não demorar muito tempo, por causa da justificação que tinha de dar ao pai.
A respeito do relacionamento com o ofendido mencionou que «nunca gostou do pai e que tinha uma relação má com ele», descrevendo como memórias negativas mais marcantes, um episódio ocorrido quando tinha 5 anos em que o pai lhe bateu por não querer ir para o infantário; uma situação ocorrida quando frequentava o 4º ano, em que o ofendido a obrigou a corrigir um teste a noite toda, por não ter tirado uma boa nota, mencionando que o pai começou a bater-lhe com mais frequência a partir dos 10 anos de idade, exigindo que fosse a melhor nos treinos.
Referiu que três meses depois de começarem a namorar começou a contar ao arguido A... algumas situações relacionadas com a agressividade do pai, pedindo-lhe sempre para não partilhar com outras pessoas o que lhe contava, reconhecendo que o arguido nunca presenciou qualquer discussão nem agressão, e que o mesmo nunca viu quaisquer marcas de agressão no seu corpo.
Mencionou que quando relatava ao arguido tais episódios o mesmo perguntava-lhe porque é que a mãe não se separava e que tinham a possibilidade de fugirem ou queixarem-se à polícia, rejeitando sempre tais hipóteses com receio da reacção do pai.
Referiu que no dia em que disse pela primeira vez ao arguido A... que o ofendido «devia morrer», o pai tinha «partido uma colher de pau nas costas do irmão», situação que não foi corroborada de forma consistente por qualquer outro elemento probatório, tendo ao invés sido contraditada pelo depoimento da testemunha E...; e que era sempre a mesma quem iniciava as conversas relacionadas com a morte do ofendido, tendo-lhe o arguido dito inicialmente que tinha de lidar com a situação, e que um dia tal ia acabar.
A partir de determinada altura começaram a conversar sobre o modo como o ofendido iria morrer, referindo que, como não confiavam em ninguém a quem pedir para o fazer, o arguido A... disse-lhe que o fazia, e que o mesmo nunca lhe disse que não matava o ofendido nem que ia desistir, apenas lhe perguntando se tinha a certeza se era isso que queria.
Referiu que o arguido A... não lhe contou os contactos que efectuou com vista à compra da arma; que começaram a pensar nas situações em que o ofendido estava sozinho, lembrando-se então dos dias em que o mesmo ia para os treinos de futebol com o irmão; que ia dizendo ao arguido os locais onde o ofendido costumava estar; que foi sua a iniciativa do contacto telefónico do arguido com X; e que a partir de determinada altura a mãe começou a estranhar tantas perguntas que lhe fazia sobre os horários do pai.
A respeito do dia em que os factos ocorreram, mencionou que telefonou ao arguido A... depois do treino da natação, e que este contou-lhe o que tinha acontecido, referindo que não tinha a certeza se o ofendido tinha morrido.
Mencionou que cerca das 21 horas a polícia foi a sua casa; que telefonou ao arguido A... contando-lhe tal facto, após o que combinaram encontrar-se na estação do metro do …; e que quando se encontraram telefonou à mãe, contando-lhe o que aconteceu, tendo a mãe dito que ia ao encontro de ambos com a Polícia Judiciária.
 Confrontada com o facto de terem ou não pensado no trauma que causaria ao irmão assistir à morte do pai, respondeu que «mais valia ter sido agora que mais tarde».
Por último mencionou que antes dos factos terem ocorrido nunca verbalizou ao arguido A... que actuar da forma como agiu seria uma prova de amor, nem lhe disse que terminaria o namoro se o não fizesse; e que a testemunha H... sabia para que se destinava a arma. 
6 – do depoimento da testemunha F..., viúva da vítima.
No essencial referiu que conheceu o arguido A... no Estádio Universitário em Lisboa quando acompanhava a filha C... aos treinos de atletismo, o que acontecia três vezes por semana, sendo apenas nessas ocasiões que contactava com o arguido.
Costumava dar boleia ao arguido às quintas-feiras quando este ia para casa dos avós, e que nessas alturas o mesmo apercebia-se da sua «aflição» em saber como tinha decorrido o treino de futebol do filho, mencionando todavia que nunca partilhou com o arguido quaisquer conversas da sua vida familiar; que o arguido nunca lhe fez qualquer pergunta a esse respeito; e que o mesmo nunca viu quaisquer marcas de agressões físicas em si ou na sua filha.
A respeito do relacionamento familiar com o ofendido mencionou que de início o mesmo era carinhoso, sendo uma pessoa «quero, posso e mando», referindo que foi-se «moldando» a essa característica de personalidade, tendo-se casado convencida que tal ia mudar.
Referiu que quando a filha nasceu o ofendido começou a distanciar-se da sua família, situação que se tornou definitiva com o nascimento do filho; e que há cerca de três anos o ofendido proibiu-a de contactar com os pais e com a irmã.
Mencionou que o ofendido tinha comportamentos rudes para consigo, com os filhos e com a sua família; que era exigente com os filhos, batendo nos mesmos quando tinham maus resultados desportivos ou escolares; que lhe batia sempre que a mesma intervinha em defesa dos filhos nessas situações; e que numa ocasião o pai bateu nas mãos e nas nádegas do filho com uma colher de pau, episódio a que não assistiu.
Nunca partilhou a situação relatada com a família, nem com terceiras pessoas por vergonha; que nunca se queixou às autoridades com receio da reacção do ofendido; e que este dizia-lhe que se fugisse com os filhos «nunca mais os via».
Soube da morte do ofendido quando a polícia lhe contou, tendo telefonado à filha que estava na rua e lhe disse «tu não estás a perceber, foi o A… que fez isto», deslocando-se com a Polícia Judiciária ao local onde a filha e o arguido A... se encontravam.
Por último referiu que quando a polícia lhe disse que o marido tinha morrido, sem saber inicialmente as circunstâncias em que a morte ocorrera, de início teve uma reacção «de alívio», mas que agora «custa-lhe muito», tendo por vezes saudades do marido, com quem tinha momentos bons.
7 – do depoimento da testemunha E..., filho do ofendido.
No essencial referiu que conheceu o arguido A... no atletismo em Lisboa; e que sabia que o mesmo era amigo da irmã C....
A respeito do relacionamento familiar com o ofendido, referiu que o pai ralhava muitas vezes consigo e com a irmã quando não tinham bons resultados nos treinos; que quando o treino não corria bem o pai batia-lhe, com chapadas; que uma vez o pai bateu na cara da mãe, mencionando que não viu, só ouviu porque estava a ver televisão; e que o pai também batia na irmã C..., dizendo que «foram pouquinhas vezes», tendo assistido a algumas situações, mencionando que o ofendido também costumava brincar consigo e com a irmã.
Referiu que quando os factos ocorreram o pai estava a arrumar as bolas no final do treino de futebol e que apareceu uma pessoa que trazia vestido um casaco azul, preto e cinzento e um gorro, cuja cara pareceu-lhe estranha, e que essa pessoa disparou para o seu pai «e ainda queria disparar mais mas já não tinha balas», tendo apontado a arma à cabeça do pai, «às vezes aproximava-se e depois afastava-se»; que antes do tiro o ofendido não disse nada e que depois a pessoa fugiu.
Mencionou de forma consistente que nesse dia no final do treino de futebol não tinha vomitado nem o ofendido tinha ralhado consigo.
No local estavam mais pessoas que ouviram o barulho e fugiram, tendo ficado sozinho com o pai, que estava caído no chão, e com outra criança; que quando a polícia chegou ainda estava no local; e que disse à polícia «que tinha sido um menino do CDUL que pensava que era o A…».
8 – do depoimento da testemunha T1.., amigo do pai do arguido A... há cerca de 25 anos, e que prestou depoimento sobre as condições familiares e a personalidade do arguido, referindo no essencial que sempre considerou o arguido «pacato demais», com dificuldade na verbalização dos sentimentos e dos afectos, e muito infantil nos juízos que emitia.
Mencionou ainda que quatro dias depois do ocorrido esteve com o arguido A..., tendo o mesmo verbalizado pesar em relação ao ocorrido.
9 – do depoimento da testemunha T2…, psicólogo clínico que acompanha o arguido A... desde Abril de 2010 com uma frequência semanal.
No essencial referiu que concorda na generalidade com a perícia sobre a personalidade do arguido constante dos autos.
No primeiro contacto clínico que estabeleceu com o arguido apercebeu-se que o mesmo teve um desenvolvimento familiar saudável, num meio social protegido, tendo o primeiro contacto com uma realidade diferente ocorrido quando o arguido passou a praticar atletismo no CDUL.
A respeito das características de personalidade do arguido descreveu o mesmo como uma pessoa ingénua, com uma identificação adesiva às opiniões de terceiros, com uma estrutura neurótica normal, denotando fragilidade e imaturidade no plano da personalidade, deixando-se enredar numa relação de dependência em relação à namorada, tendo dificuldade na expressão dos afectos.
Mencionou que sente uma evolução por parte do arguido relativamente à gestão da agressividade; que o arguido encontra-se numa fase de desenvolvimento moral, e que a respeito do arrependimento por parte do arguido, o mesmo não está numa fase de culpabilização, expressando já todavia sentimentos de culpabilidade.
10 – do depoimento da testemunha T3…, professor do arguido A... quando este frequentou o 12º ano de escolaridade, tendo prestado depoimento apenas sobre a personalidade e integração social e comportamento escolar do mesmo.
A este respeito referiu no essencial que considera o arguido uma pessoa sociável e muito educado; que era um bom aluno, participativo e interessado, sendo estimado por todos os colegas e funcionários do estabelecimento de ensino que frequentava; com uma personalidade forte, manifestando determinação nos seus objectivos, nunca se tendo apercebido de qualquer alteração no comportamento do arguido, nomeadamente em termos de nervosismo.
11 – do depoimento da testemunha T4…, treinadora de atletismo no CDUL.
No essencial referiu que foi treinadora do arguido A... até ao ano de 2007, e de C... entre 2006 e 2007, não falando de questões familiares com ambos.
Mencionou que apercebia-se que C... fazia desporto por obrigação, e que a mesma arranjava desculpas para não competir, transmitindo-lhe a mãe que tal sucedia porque a filha tinha medo dos resultados.
Contactou apenas por duas vezes com o ofendido, numa ocasião numa competição e da segunda vez num convívio social.
Por último mencionou que não notou alterações relevantes no comportamento do arguido A..., notando apenas um pouco de nervosismo quando o mesmo incentivava C... a querer treinar.
12 – do depoimento da testemunha T5…, amigo de infância do arguido A... desde os 4 anos de idade.
No essencial mencionou que nunca falou com a namorada do arguido A..., nem com a mãe desta; que nos intervalos das aulas o arguido afastava-se para falar ao telemóvel, tendo centrado a sua atenção na namorada e não nos amigos; que não simpatizava com a namorada do arguido, apesar de não a conhecer, por considerar que a mesma era controladora dado estar sempre a telefonar para o arguido.
13 – do depoimento da testemunha T6…, amiga da mãe do arguido A..., com quem tem um contacto frequente há cerca de 3 anos, e que prestou depoimento apenas sobre a personalidade e situação familiar do arguido, considerando-o uma pessoa muito educada, com laços familiares sólidos, referindo que quando contactou com o mesmo após os factos terem ocorrido notou-o abatido.
14 – do depoimento da testemunha T7…, amigo do arguido A... há cerca de 2 anos e 6 meses, que conheceu no Colégio2 … onde ambos estudaram.
No essencial referiu que nunca assistiu às conversas entre o arguido e a namorada; que o arguido passava muitos dos intervalos entre as aulas a falar ao telemóvel com a mesma; que sentiu que o arguido se afastava muitas vezes para estar com a namorada, tendo deixado de comparecer aos almoços semanais que habitualmente faziam; que o arguido nunca partilhou com os amigos qualquer assunto relacionado com a família de C..., mencionando ainda que no colégio todos têm um sentimento de carinho pelo arguido, e que o considera uma pessoa calma, educada, tímida mas bastante conversadora.
15 – do depoimento da testemunha T8… mãe da testemunha T5…, que conhece o arguido desde os 4 anos de idade, tendo prestado depoimento sobre a personalidade e a situação familiar do arguido, mencionando no essencial que considera o arguido uma pessoa extrovertida, comunicativa, alegre, afectivo; e que, foi a casa do arguido depois de tomar conhecimento do sucedido, tendo notado o mesmo triste e amargurado.
16 – do depoimento da testemunha T9…, directora do Colégio2 …, que conhece o arguido A... desde Julho de 2007, aquando da 1ª inscrição do mesmo, não tendo qualquer relação pessoal com a família do arguido, e que prestou depoimento apenas sobre a personalidade e comportamento escolar do arguido, referindo no essencial que considera o arguido uma pessoa correcta, com um comportamento tímido e fechado, tendo revelado uma boa adaptação à escola, sendo estimado por todos; e que o visitou após ter conhecimento do ocorrido, tendo-o encontrado abatido e arrependido.
17 – dos fotogramas do local onde os factos ocorreram e das roupas e demais objectos encontrados nesse local e nas imediações, constantes de fls. 9 a 17.
18 – do auto de apreensão de fls. 18 a 20 e fotogramas de fls. 21 a 36.
19 – do auto de exame pericial ao telemóvel com o IMEI n.º 354…, pertencente ao arguido A..., e ao telemóvel com o IMEI n.º 356…, pertencente a C..., constante na íntegra do CD em apenso aos presentes autos, encontrando-se o auto de transcrição parcial do respectivo conteúdo a fls. 296 a 320.
20 – da listagem das chamadas efectuadas e recebidas através dos cartões telefónicos com os nºs 91… e 91…, entre os dias 26-03-2010 e 29-03-2010, constante de fls. 498 a 571.
21 – do relatório do exame pericial (observações e recolha de vestígios) efectuado no parque desportivo sito na Rua ..., ..., local onde os factos ocorreram, constante de fls. 267 a 286, e do relatório do exame pericial de pesquisa de vestígios hemáticos e biológicos, constante de fls. 789 a 797..
22 – do relatório pericial sobre a personalidade do arguido A..., constante de fls. 344 a 383.
23 – do relatório de autópsia médico-legal de D..., constante de fls. 482 a 487, com os esclarecimentos complementares de fls. 592 e 890 (fax) e 901 (original).
24 – do relatório pericial  aos objectos apreendidos – uma espingarda caçadeira; sete cartuchos de caça carregados; um cartucho de caça deflagrado; uma bucha; uma bala e três peças de vestuário – constante de fls. 598 a 613 (fax) e 701 a 716 (original).
25 – do relatório social do arguido A..., constante de fls. 810 a 815 e do relatório social do arguido B..., constante de fls. 804 a 808.
25 – dos certificados de registo criminal dos arguidos, juntos aos autos a fls. 137, 740 e 741.  
*
Quanto aos factos não provados referidos em 14, 15, 16, 18 e 21, a convicção do Tribunal fundamentou-se no facto da prova produzida em audiência ter sido no sentido inverso, nos termos que resultaram provados respectivamente em 32, 42, 43, 87 e 94 da factualidade provada.
Relativamente à demais factualidade não provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na ausência de prova concludente produzida em relação à mesma em sede de audiência de julgamento.
Nomeadamente, no que respeita à matéria relacionada com a situação familiar e o relacionamento familiar do ofendido em relação à mulher e filhos, não foi produzida prova em audiência que, com excepção dos factos provados a esse respeito, permitisse concluir por uma situação de maus tratos e de violência doméstica com a intensidade, frequência e reiteração descrita na acusação.
De igual modo, em relação ao facto não provado referido em 13, não foi produzida prova concludente em audiência de julgamento que permitisse concluir pela verificação de tal factualidade, resultando inclusive dos depoimentos das testemunhas que conviviam diariamente com o arguido A... que, com excepção do facto de o mesmo se afastar, centrando toda a sua atenção na namorada, não notaram qualquer alteração relevante no seu comportamento.

3.
3.1.
A primeira questão suscitada reporta-se à alegada omissão de pronúncia do tribunal quanto à matéria constante do artigo da contestação em que se diz «o acto que o arguido praticou ocorreu em circunstâncias de profundo distúrbio emocional do seu psiquismo, em situação de desespero».
O recorrente optou por abordar esta questão em sede de nulidade por omissão de uma apreciação do tribunal no sentido de definir tais factos, alegados na contestação, como provados ou não provados e simultaneamente veio a retomá-la por forma a defini-la como matéria de facto que, em sede de recurso, requer seja dada como provada depois de igualmente a ter tido como susceptível de produzir uma insuficiência da matéria de facto para a decisão.

A questão a resolver é definir se a expressão em causa, sobre a qual o tribunal se não pronunciou em sede de fixação da matéria de facto, é, ou não é, matéria de facto mesmo que enquadrável numa definição mais alargada de conceito de facto.

Os tipos legais de homicídios dolosos do actual Código Penal são tipos de ilicitude e de culpa. Não contêm só, nem determinantemente, aspectos da figura de delito que respeitem à danosidade do comportamento. Contêm essencialmente aspectos que retratam a atitude interna do autor, mais ou menos censurável.

Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado (Reflexões sobre a compreensibilidade da emoção violenta, à luz da jurisprudência posterior à entrada em vigor do Código Penal de 1982), Almedina, 1991, pág. 79, defende que face ao artigo 131º «o art. 133º constitui uma variante dependente privilegiada. Em relação ao tipo fundamental, o crime do art. 133º acrescenta vários elementos privilegiantes, base de uma nova moldura penal. Estrutura-se, porém, como um verdadeiro tipo, como um “crime autónomo e não mera regra de medida da pena”. Assim, verificados os seus elementos típicos, é excluída a aplicação dos restantes artigos que prevêem crimes de homicídio».[1]
No texto incluído em Os Homicídios (2008), de Margarida Silva Pereira, a págs. 113, pondera o mesmo Autor:[2] “O art. 133º é construído com base em três conceitos-tipo de natureza emocional, embora de forma mais acentuada nuns casos que noutros – a emoção violenta; a compaixão e o desespero; e com base num conceito-tipo de natureza ético-social – um motivo de relevante valor social ou moral. Qualquer destes conceitos-tipo deve sempre ser entendido objectivamente, isto é, é matéria de facto que, ou não exige o recurso a valorações, ou então exige o recurso a valorações em boa medida extra-jurídicas”.

 Para Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, pág. 52, o estado de afecto desespero corresponde, não tanto a situação objectiva de falta de esperança na obtenção de um resultado ou de uma finalidade, mas sobretudo a estados de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta, não se tornando necessário que deva ter-se como compreensível.
Teresa Serra, Homicídios em Série, págs. 159/160, define desespero como estado emocional que tal como a compaixão afecta o discernimento normal do agente, em que em contraposição à emoção violenta, há uma acumulação de tensão que impele o autor a um beco sem saída ou a considerar-se num beco sem saída, actuando em conformidade com esse impulso.
A situação de desespero implica estados emotivos de natureza passiva, interiorizada, reflexiva, com uma componente intelectual, não sujeita à cláusula da compreensibilidade, podendo reconduzir-se ao desespero os casos de homicídio de humilhação prolongada.
João Curado Neves, in RPCC 2001 citada, pág. 186, afirma que o desespero tanto pode consistir num estado de espírito ocasional como resultar da avaliação ponderada da situação em que o agente se encontra; está em causa, não a perturbação do agente, mas a motivação do facto.

Para Frederico Lacerda Costa Pinto, in RPCC 1998 citada, pág. 288, desespero corresponde a situação de facto em que o agente se encontra numa situação de pressão psicológica que lhe apresenta o crime como a única saída possível para a situação em que se encontra.
Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado, págs. 68 a 71 refere: Embora muito próximo da emoção violenta, distingue-se dela porque coincide em geral, com situações que se arrastam no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de acreditar, de ter esperança, exigindo a lei não apenas que o agente esteja desesperado, mas que tal desespero diminua consideravelmente a sua culpa, o que só poderá entender-se se levarmos em conta os motivos do autor.
Se é certo que “o que identifica socialmente um homem desesperado não é o valor social ou ético dos seus motivos, mas a estrutura comportamental, independentemente das suas causas”, devemos realçar que não basta identificar o homem desesperado. É necessário que tal desespero diminua sensivelmente a culpa do agente.”
Para Teresa Quintela de Brito, loc. cit, pág. 923, o desespero só pode tornar menos exigível um comportamento conforme ao direito, em função (a) da não reprovabilidade ou, mesmo, da relevância humana, ética ou social dos motivos que orientam o agente e (b) da correspondência de tais motivos a um quadro de vida tão grave que ponha em causa a própria dignidade humana do autor.
Fernando Silva, loc. cit., pág. 113, refere que o desespero está associado a situações extremas, em que o agente foi suportando uma situação que sobre ele exerce grande pressão psicológica, vendo limitar-se as suas capacidades de resistir mais à situação, e mata como forma de libertação desse estado. Neste tipo de situações o decurso do tempo foi funcionando como agravante da situação do agente, que provavelmente em silêncio e sozinho foi interiorizando o seu sentimento, acabando por o exteriorizar. Todo o circunstancialismo foi desgastando o agente, que acaba por matar por força dessa mesma situação, não encontrando outra saída para o problema que o afecta.


Como referem os autores citados, trata-se o desespero de um conceito-tipo de natureza emocional.
Não se vê que a expressão usada pelo recorrente na contestação possa, além de traduzir uma inegável definição conclusiva de um estado emocional resultante de circunstâncias que haveria de traduzir em realidades factuais, descrever um facto em si mesmo.  
No caso, deveriam os conceitos, quer de “distúrbio emocional profundo” quer de “desespero” ter sido enquadrados pelos factos susceptíveis de os caracterizar. Tal caracterização poderá não se bastar com a descrição de um estado de interiorização de situações capazes de os deflagrar internamente, como aconteceu com a definição do quadro de actuação em que o arguido agiu.
Será necessário definir, de que forma e em que medida, tais situações externas, mesmo que com virtualidade abstracta para produzirem os esperados sentimentos de desalento, aflição, pressão psicológica ou perturbação emocional, terão determinado tal quadro de perturbação no indivíduo em concreto, posto que não existe uma medida-padrão ou referência genérica de afectação interna do sujeito perante uma objectiva situação.
  Importaria pois, repete-se, saber de que forma e em que medida foi o arguido pressionado, perturbado pela situação emocionalmente envolvente; qual o grau concreto de sensibilidade ao factor externo que produz afectação e que se sabe não ser igual de sujeito para sujeito.
Porém, tal definição pressuporia uma descrição dos componentes emocionais susceptíveis de traduzir algo que o recorrente alegou ser de profundo distúrbio emocional e de desespero, circunstâncias que o tribunal analisou no âmbito da definição e do eventual preenchimento do conceito-tipo “desespero” e não como factos em si, que o não são.
Como tal, entende-se que não poderia o tribunal ter-se pronunciado sobre os mesmos, ao nível da apreciação da matéria de facto, posto que não são factos sobre os quais possa recair um juízo de “provado” ou “ não provado” sem que os mesmos tivessem sido integrados pelos correspondentes factos susceptíveis de os definirem.
Será até natural concluir-se que ao agir, tirando a vida ao ofendido, com todas as implicações emocionais desse acto, o arguido estivesse debaixo de uma situação de distúrbio emocional que não se alega se reportada a tal acto se ao quadro de vida da namorada e que envolvia esta, o irmão e a mãe e indirectamente o arguido devido ao facto de viver tão confinado à pessoa e relação com a namorada e debaixo de uma atitude afectiva e emocionalmente controladora desta.
Já o desespero não tem qualquer tradução em factos que o definam e de que se conclua esse estado.
De todo o modo, tais circunstâncias do foro emocional, subjacentes à actuação do arguido bem como a sua caracterização psicológica estão amplamente descritas na matéria de facto (factos 23 a 32, 39, 61, 72, 74, 75, 88 a 90, 110, 112).

De acordo com o n.º 2 do art.º 410º C.P.P. qualquer dos vícios aí invocados tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos a ele estranhos.
De todo o modo, não se esqueça que é de conhecimento oficioso a apreciação da existência dos mesmos.
Verifica-se o vício da insuficiência da matéria provada para a decisão sempre que os factos dado como provados não são suficientes para o preenchimento dos elementos típicos constitutivos do crime em referência.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida e não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto nem com a circunstância de se terem considerado como não provados determinados factos da acusação ou da pronuncia.
Para se verificar esse fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, p. 325). 
E tal insuficiência tem de existir internamente, no âmbito da decisão. Não sendo permitido, senão em sede da apreciação de recurso da matéria de facto, confrontar a prova produzida com a decisão por ser elemento a esta estanho, a menos que resulte do próprio texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência.
 Existe insuficiência para a decisão quando o tribunal não investigou na totalidade, podendo tê-lo feito, quando a partir dos factos apurados não é legalmente admissível extrair as ilações que o tribunal “a quo” extraiu, mas não está definitivamente excluída a possibilidade de as tirar, havendo necessidade de melhor averiguação dos factos com esse objectivo.
Também, pela mesma razão, não se vê que a sua falta na matéria de facto provada configure uma insuficiente base factual que prejudique a apreciação do tipo legal privilegiado ou a possível atenuação especial da pena, no caso concreto.
Dispõe o art. 133º CP «Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.».
É fácil verificar que o conceito desespero faz parte do tipo legal pelo que deveria igualmente ter sido integrado por factos que o traduzissem e revelassem.

Os factos correspondentes não foram alegados nas peças processuais que definem o objecto do processo e não resulta da leitura da matéria de facto, globalmente considerada, que o juiz devesse ter ido mais longe na apreciação do exacto estado emocional em que o arguido agiu, por os factos apurados não denotarem uma insuficiente pesquisa decorrente dos que se deram como provados e que fariam sentir tal insuficiência como algo que se impusesse ao julgador, em audiência, na sua veste de cuidadoso investigador, suprindo as eventuais insuficiências/deficiências de uma mais concretizada descrição factual.    
Repete-se, concluindo, a alegação de o acto que o arguido praticou ter ocorrido em circunstâncias de profundo distúrbio emocional do seu psiquismo, em situação de desespero não permite a averiguação de quaisquer factos, em que se possam traduzir tais juízos conclusivos e conceptuais, e que tenham sido alegados pelo arguido.
Como tal, improcede a alegação de nulidade por omissão de pronúncia bem como do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.


3.2.
Contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão é a que se apresenta como insanável e irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com o recurso às regras da experiência comum.
Para que se verifique terão de constar do texto da decisão, sobre a mesma questão posições antagónicas e inconciliáveis como seja a de dar como provado e como não provado o mesmo facto, em situação inultrapassável pelo tribunal de recurso. Tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto e pode existir ainda contradição entre a fundamentação e a decisão.  
Sustenta o recorrente existir tal contradição entre o facto 24 provado e o 13 não provado.
Recordando-os:

24 – Na sequência dessas conversas, não obstante nunca ter visto marcas de agressões no corpo de C..., o arguido A... foi interiorizando e formando um sentimento de angústia e tristeza relativamente ao sofrimento que lhe era transmitido por C....
13 – Que o referido em 24 dos factos provados tenha alterado o estado de espírito e a alegria de viver do arguido A....

Embora a decisão tenha dado prioridade à fundamentação da sua convicção através da remissão para a súmula dos depoimentos e demais meios de prova, relativamente à necessidade de um exame crítico dos mesmos mais completo, o que não é susceptível de afectar a validade de tal fundamentação já que não foi posta em causa por qualquer dos sujeitos processuais, sendo compreensível que o tivesse feito, dada a confissão quase integral do arguido, certo é que, relativamente aos factos não provados, teve o cuidado de definir mais detalhadamente as razões para os ter dado como não provados.
Quanto ao artigo 13º refere:
De igual modo, em relação ao facto não provado referido em 13, não foi produzida prova concludente em audiência de julgamento que permitisse concluir pela verificação de tal factualidade, resultando inclusive dos depoimentos das testemunhas que conviviam diariamente com o arguido A... que, com excepção do facto de o mesmo se afastar, centrando toda a sua atenção na namorada, não notaram qualquer alteração relevante no seu comportamento.
Não obstante o afirmado pelo MºPº, sendo manifesta a possibilidade de conciliação e coexistência, no mesmo indivíduo, de sentimentos de alegria e de tristeza, certo é que é do conhecimento comum que os mesmos só poderão coexistir de forma alternada – sem prejuízo de estados de alma em que se confunde a alegria e a tristeza – tanto mais que tal como estão definidos se tratam de sentimentos de angústia e tristeza pelo sofrimento alheio de alguém de quem se está muito próximo e afectivamente ligado, sentimentos que se foram interiorizando no espírito do arguido pelo que não é possível conciliar tal realidade com uma inteira inconsequência sobre o sentimento geral de alegria do arguido. 
Certamente que não ficou demonstrado que essa alteração fosse permanente. Porém, será legítimo concluir das declarações do próprio arguido que por vezes a situação em causa lhe produzia momentos de tristeza. 
Perante a análise concertada de toda a prova, nomeadamente da testemunhal, resulta que o arguido e namorada mantinham uma relação sem grandes contactos com outras pessoas, mantendo tal relação centrada sobre si própria.
Resultou dos depoimentos testemunhais que se mantinham afastados de amigos e que era grande a dependência do arguido em relação à C....
Veja o depoimento de T2…, psicólogo que afirma relativamente ao arguido:
“…deixando-se enredar numa relação de dependência em relação à namorada, tendo dificuldade na expressão dos afectos…”.
A relação entre ambos mantinha-se assim, de certa forma discreta, retirada de contactos sociais e a própria mãe da namorada disse que :
Costumava dar boleia ao arguido às quintas-feiras quando este ia para casa dos avós, e que nessas alturas o mesmo apercebia-se da sua «aflição» em saber como tinha decorrido o treino de futebol do filho, mencionando todavia que nunca partilhou com o arguido quaisquer conversas da sua vida familiar; que o arguido nunca lhe fez qualquer pergunta a esse respeito; e que o mesmo nunca viu quaisquer marcas de agressões físicas em si ou na sua filha.
(…)Nunca partilhou a situação relatada com a família, nem com terceiras pessoas por vergonha; que nunca se queixou às autoridades com receio da reacção do ofendido; e que este dizia-lhe que se fugisse com os filhos «nunca mais os via».
O mesmo se passava relativamente à namorada do arguido que lhe contava privadamente o que se passava na intimidade familiar mas pedindo-lhe que não contasse a ninguém.
Tudo gera a ideia de que o arguido se mantinha muito confinado ao namoro, com uma forte dependência afectiva à namorada e vivenciando os problemas desta de forma intensa.
Como tal é natural que as testemunhas não tivessem presenciado qualquer alteração de comportamento o que é consentâneo com o facto de o arguido se ter afastado deles pelo que também dificilmente teriam podido aperceber-se dessa alteração. 
Como tal, resulta da prova feita nomeadamente pelas pessoas que mais privavam com o arguido, num ambiente de algum sigilo em relação ao que se passava com a família da namorada, ou seja, a namorada, mãe e irmão daquela, que o arguido revela sentimentos confusos relativamente a todo o circunstancialismo tendo relatado “ter sentido sempre muita pressão por parte de C...” e preocupação em protegê-la, apercebendo-se que esta ficou desiludida nas duas ocasiões em que o mesmo não concretizou a intenção que tomara de matar o pai.
Também as declarações do arguido neste particular são coerentes e consentâneas bem como credíveis ao afirmar que os avós lhe notaram uma maior tristeza.

Como tal, verifica-se uma contradição na fundamentação, mas não insanável posto que pode ser ultrapassada da referida forma por recurso à análise da prova produzida, o que se faz tanto mais que o recorrente impugna também tal facto, devendo dar-se tal facto como provado sob o nº24º- A ou seja que:
“O referido em 24 dos factos provados produziu por vezes alterações do estado de espírito e da alegria de viver do arguido, provocando-lhe momentos de tristeza.”

3.3.
Também é impugnada pelo recorrente a matéria de facto constante do ponto 19. da matéria de facto não provada.
Porém, neste aspecto não se confirma a versão que o recorrente entende estar demonstrada.
A sentença teve, no caso, a preocupação de esclarecer quais as razões que determinaram o “percurso” lógico, racional e objectivo que fez o julgador concluir pela valoração que fez dos diversos meios de prova para concluir pela falta de prova relativamente a este facto.
Relativamente à demais factualidade não provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na ausência de prova concludente produzida em relação à mesma em sede de audiência de julgamento.
E referindo o depoimento de E…, filho da vítima:
Mencionou de forma consistente que nesse dia no final do treino de futebol não tinha vomitado nem o ofendido tinha ralhado consigo.

O julgador definiu a razão para concluir pela ausência de prova quanto a este facto e fê-lo de forma razoável, racional, consistente e de acordo com o respeito pelas regras da experiência da vida que lhe permitiram dar mais credibilidade a uns depoimentos do que a outros, o que enunciou e esclareceu justificadamente e não deixou de estabelecer o percurso racional que usou para concatenar os referidos elementos probatórios de forma lógica e objectiva.  
Ouvida a gravação da audiência, nomeadamente as declarações do arguido e da referida testemunha não pode, pois, dizer-se – em face das provas assim analisadas (veja-se a fundamentação acima transcrita) – que o tribunal tenha violado as regras da experiência na análise que fez das provas, sendo certo que, estando vedado a este tribunal o contacto directo e imediato com as provas que a audiência de julgamento em 1.ª instância permite, a censura da convicção assim formada só é viável desde que se demonstre que ela é inadmissível em face das regras da experiência comum.
... se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. Isto é assim mesmo quando, como no caso dos autos, houver documentação da prova. De outra maneira seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova...” – escreve-se no acórdão do STJ de 13.02.03, proc. 03P141, www.dgsi.pt,
Não obstante a circunstância de a apreciação permitida pela imediação em 1ª instância ser sempre de privilegiar a menos que se imponha outra apreciação da prova, dir-se-á que, no caso, ela é até plenamente corroborada pela reapreciação que dela se faz neste tribunal de recurso.

Perante os meios de prova produzidos considera-se definitivamente fixada a matéria de facto, ora impugnada, tal como foi definida pelo tribunal  “a quo”, não fazendo sentido invocar o princípio “in dubio pro reo” pois da análise intrínseca da decisão e da prova aqui reavaliada, não resulta que o julgador se tenha encontrado, perante uma dúvida irresolúvel que deveria ter beneficiado o arguido, e que tenha optado por fixar a factualidade contrária a tal ilação.
Improcede pois esta alegação, mantendo-se o referido facto 19 como não provado.

3.4.
Fixada a matéria de facto, haverá que verificar se, perante ela, deveria o tribunal ter concluído, ao contrário do que fez, pelo preenchimento do tipo legal de homicídio privilegiado previsto no art.º 133º CP.
Pretende o recorrente que o arguido se encontrava em estado compósito de desespero, compreensível emoção violenta e de compaixão e que por causa dele estaria sensivelmente diminuída a culpa do agente.

Parece-nos, porém, que não é assim.
A emoção violenta compreensível, a compaixão, o desespero ou o motivo de relevante valor social ou moral só privilegiam o homicídio quando diminuam de forma acentuada a exigibilidade de outro comportamento.
Tudo se reporta a aspectos relacionados com a culpa e com a susceptibilidade de exigência de um outro comportamento.
Culpa é a censurabilidade do facto dirigida ao agente por ter não se ter determinado de acordo com os valores ético jurídicos contidos na previsão típica, podendo e devendo tê-lo feito.
Refere Fernanda Palma, ob. citada 82 e ss. “ o que identifica socialmente um homem desesperado não é o valor social ou ético dos seus motivos, mas a estrutura comportamental, independentemente das suas causas”.
Estas são circunstâncias que actuam ao nível da culpa, traduzindo-se numa menor exigibilidade, ou numa diminuição sensível da exigibilidade de outro comportamento. Para tanto o agente tem de ter actuado sob o império de um desses designados estados de afecto, de forma a poder afirmar-se uma culpa sensivelmente diminuída, como decorrência de uma menor exigibilidade de outro comportamento em face daquelas circunstâncias. Essa menor exigibilidade tem de ser vista à luz do comportamento de um homem normal, respeitador das normas jurídicas, e não do particular ponto de vista do agente. Nessa perspectiva, vistas as circunstâncias do caso, tem de poder afirmar-se que um homem desse tipo teria também sofrido a sua influência, se colocado numa situação semelhante, e teria, por via disso, sido afectado no seu comportamento ou no processo normal de reagir (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, pág. 48).

Segundo este mesmo autor, Comentário Conimbricense …, § 1, pág. 47, o artigo 133.º consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último termo, de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada, advertindo o Autor que a diminuição sensível da culpa não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente, tratando-se da verificação no agente de um estado de afecto, que podendo ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consciência do ilícito, independentemente de uma tal ligação, opera sobre a culpa ao nível da exigibilidade.
E no § 3, pág. 48, expende que
“o efeito diminuidor da culpa ficar-se-á a dever ao reconhecimento de que, naquela situação (endógena e exógena), também o agente normalmente “fiel ao direito” (“conformado com a ordem jurídico penal”) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções”.
Será que as circunstâncias apuradas permitem considerar que se verificou um estado de desespero, não tanto pela situação de falta de esperança na obtenção de um resultado ou de uma finalidade, mas pelas razões que o determinaram, estados de afecto ligados a angústia, ansiedade ou revolta, motivados pela pressão intolerável que uma dada situação exerce sobre o agente?
Ou que se situou num quadro de compaixão ou de emoção violenta compreensível?
Emoção violenta é a que corresponde a uma alteração psicológica, uma perturbação em relação ao seu estado normal. Sendo violenta quando faz desencadear uma reacção agressiva no agente, sendo necessário que essa emoção violenta domine o agente, ou seja, que determine a agir, e que seja apenas por força da sua influência que o agente actue.
Como assinala Figueiredo Dias, in Parecer na Colectânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55, o facto que origina a emoção não tem agora que radicar em qualquer provocação. Na visão do art. 133º - assente, não em juízos de ponderação ético-jurídicos dos valores conflituantes, mas sim na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime – o que interessa é «compreender» esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente «compreender» a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des) valor que afinal constitui o juízo de culpa.
«A compreensibilidade da emoção é mais, assim, o estabelecer de uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção. Se essa relação for estabelecida, a emoção é compreensível e provoca, portanto, uma diminuição da culpa do agente».
Não ficou demonstrada a existência desta, perante o circunstancialismo apurado. Nem mesmo no momento em que o arguido já definira a intenção de matar o fendido e que se pretendia ter sido reforçada pelos factos 89 e 90 mas em que não se provou ter ocorrido o facto constante de 19 ( factos não provados), alegadamente produtor de emoção violenta dirigida à alegada, mas não provada, atitude do ofendido. 

O desespero, enquanto causa privilegiante do homicídio, reconduz-se a situações arrastadas no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, geradoras de um estado de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta.
E assim o desespero - que não se confunde com o medo - é o estado de alma em que se acha aquele que perdeu a esperança de alcançar um bem desejado, de quem enfrenta um estado de grande contrariedade ou uma situação insuportável, própria de quem está próximo de grande aflição, desânimo ou desalento, no dizer de Leal Henriques e Simas Santos (Código Penal Anotado, II, pág. 132).
 Segundo o acórdão de 04-02-2004, processo n.º 3772/03-3ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 189, o desespero (o agir dominado por desespero), enquanto cláusula redutora da culpa com guarida no tipo legal de privilegiamento do homicídio descrito no art. 133.º do Código Penal, “comporta origem ao nível psicológico na constatação de situações em que o psiquismo do agente se acha sujeito a um esforço constante e exagerado, no sentido de contenção das frustrações contínuas, e, por isso mesmo, em alturas imprevisíveis, entra em descompensação, conducente à prática compulsiva e repetitiva de actos de violência contra o autor da tensão criada”.
Nas palavras deste aresto, o STJ acolhe o entendimento de que “age em desespero quem se mostra possuído de um estado de alma que já perdeu a esperança de obtenção de um bem desejado, enfrentado uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, própria de quem age sob influência de grande aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia”, estando-se face a situações em que “o estádio a que chegou o sofrimento físico, seja pela agressão corporal, seja pela violência psíquica, seja pela humilhação, atingiram um escalão de tal modo elevado, que só resta ao agente, para se libertar, cometer a ofensa ou o homicídio”.

Trata-se de um quadro de vivência insuportável, de incontornável tensão, em que o agente se mostra incapaz de a dominar, de resistir à pulsão interior que aquela provoca e age vinculadamente, por incapacidade de a fazer reverter a níveis axiologicamente neutrais.

Não pode dar-se por assente o desespero, se não se provou que o arguido agisse nesse estado, que não lhe restasse outra alternativa ante a presença da vítima, de tal modo que suprimir-lhe a vida fosse a solução única no momento, ante uma indemonstrada quebra de resistência anímica, ética, de incapacidade para se determinar na conformidade à lei.

Na opinião de Frederico de Lacerda da Costa Pinto, em comentário ao acórdão da Relação de Évora de 04-02-1997, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Fasc. 2º, Abril - Junho 1998, pág. 288, o artigo 133º contém um tipo autónomo, estruturado sobre cláusulas autónomas de menor culpabilidade do agente e uma cláusula de natureza mista, igualmente autónoma, que assenta numa menor ilicitude do facto e uma menor culpabilidade do agente. As cláusulas da «emoção violenta compreensível», de «compaixão» e de «desespero» ganham o seu fundamento numa menor culpa do agente, correspondendo a situações de facto em que o agente se encontra numa situação de descontrolo emocional (emoção violenta), actua dominado por um sentimento de piedade para com a vítima (compaixão), que lhe inibe o normal controlo dos seus actos, ou numa situação de pressão psicológica (desespero) que lhe apresenta o crime como a única saída possível para a situação em que se encontra, assentando a última cláusula «motivo de relevante valor social ou moral», simultaneamente, numa menor ilicitude do facto e numa menor culpabilidade.
E a págs. 291, defende que o artigo 133º prevalece face ao artigo 131º, não tanto por força da regra da especialidade das relações entre normas, mas sim porque o seu «tipo de culpa» impede a aplicação dos artigos 131º e 132º: as cláusulas de culpa diminuída são materialmente incompatíveis com a culpabilidade exigida implicitamente pelo art. 131.º e, positivamente, pelo art. 132.º, nº 1».
A compaixão é como que uma comparticipação no estado de sofrimento de outra pessoa.
Dos factos dados como provados resulta que o arguido agiu num contexto de pressão e nervosismo, de conflito espiritual e de interiorização de sentimentos de angústia e tristeza.
Falta saber, porém, se agiu motivado por eles. E se eles eram susceptíveis de afectarem o cidadão medido colocado no seu lugar, de forma a concluir-se pela sensível diminuição da culpa e do grau de exigibilidade de outra conduta. Ou se o que imperou foi, não uma situação deste tipo mas antes uma diminuída consciencialização do valor ético em causa.  
Não resulta da factualidade apurada que o acto tenha nascido de qualquer situação que obrigasse o arguido a pensar que não havia outra saída para a vida da namorada, mas sim do facto de esta lhe ter transmitido esse convencimento e de o ter pressionado a tirar a vida ao pai.
Admite-se que o arguido tenha comungado das angústias desta por sentimentos de compaixão e de partilha do sentimento desta, até mesmo de vontade de a defender. Porém, não foi o desespero, nem a emoção violenta nem a compaixão que o moveram. Nem eram eles idóneos a produzir uma diminuição tão grave das contra-motivações éticas de alguém relativamente a um crime como o perpetrado.
Foi a sugestão, pressão e controlo exercido pela namorada que lhe criou uma situação de diminuição de censura dirigida a si próprio no sentido de vencer as contra motivações éticas.
Não são elas, porém, de molde a justificar ou diminuir sensivelmente a culpa do agente.
Como se diz na decisão recorrida : “…conclui-se que a matéria de facto provada não é susceptível de subsunção na previsão do tipo privilegiado consagrado no art. 133º do Código Penal.
Com efeito, considerando o lapso de tempo decorrido desde a formação da intenção de matar o ofendido e da formulação do plano para concretizar tal objectivo; a racionalidade demonstrada pelo arguido no que concerne aos factos relacionados com a aquisição da espingarda caçadeira, relativamente aos quais assumiu total iniciativa; a racionalidade demonstrada igualmente no modo de execução do crime, que correspondeu ao plano traçado; tendo ainda em conta que em dois momentos anteriores ao dia 29 de Março de 2010, o arguido hesitou, desistindo nessas datas de executar o seu plano, não permitem configurar uma situação de compreensível emoção violenta ou de desespero penalmente relevante.
Na verdade, não poderá confundir-se o facto do arguido encontrar-se perturbado em face do sofrimento transmitido por C..., sentir-se pressionado pelas insistências da namorada, e em consequência dessa situação agir com a intenção de não a desapontar e subjacente a esta, de libertar a mesma do jugo de um pai agressivo, com um desespero penalmente relevante, susceptível de diminuir sensivelmente a culpa do arguido.
Acresce ao exposto que os factos provados não permitem concluir que o arguido tenha sentido com especial peso a vivência familiar transmitida por C... no momento em que agiu, nem uma pressão intolerável que o obrigasse a pensar que não havia outra solução para a situação relatada, não tendo inclusive resultado provado a este respeito que antes de ter efectuado o disparo com a espingarda caçadeira o arguido tenha visto o filho do ofendido vomitar e tenha assistido a uma reacção agressiva do ofendido para com o filho.
A motivação subjacente à actuação do arguido A..., valorada na sua globalidade, não justifica de forma alguma a sua opção, não consentânea com as regras de respeito pela vida humana, sendo-lhe exigível a adopção de outro comportamento, não sendo o contexto de actuação do arguido de molde a justificar ou diminuir sensivelmente a sua culpa”.
 
Foi já este o sentido por nós acolhido no acórdão proferido no recurso 1229/03, de 1.7.2003, citado pelo recorrente na resposta ao parecer m que ponderámos :
“Temos mesmo alguma relutância em definir o sentimento e estado de espírito do arguido como de desespero, numa perspectiva jurídico penalmente relevante. E não se confunda, para este efeito, falta de esperança com desespero.
Aquele é um sentir vazio de conteúdo, passivo. Este é pleno de substância, reactivo.
Não se esqueça que desespero relevante é o susceptível de diminuir sensivelmente a culpa do agente e, não cabendo na situação de compreensível emoção violenta, há que enquadrá-lo numa situação de desespero ligado aos motivos do agente.”
Não resulta da factualidade apurada que o arguido não tinha outra opção. Nem sequer resulta que a C... e a família não tivessem outra opção. De todo o modo a namorada incutiu-lhe a ideia de que assim seria.
Porém, o quadro que se apresenta ao arguido, mesmo com a carga subjectiva descrita, de pressão e de participação no sofrimento alheio mas de alguém muito próximo, numa idade e vivência afectiva que tornam essa pressão e partilha de sentimentos especialmente forte, não justifica que tenha feito diminuir, como fez, a contra-motivação ética para a prática de crime tão censurável, para uma solução tão radical e atentatória de um valor humano natural e intrinsecamente formado mesmo em pessoas jovens como o arguido.  
Assim, fazendo a apreciação na perspectiva do cidadão médio, envolvido na situação subjectiva em que o arguido estava envolvido, não se compreende que a mesma deva ser considerada sensivelmente diminuidora da censura por forma a privilegiar o crime já que o que prevalece, no domínio da culpa e das razões de exigibilidade de outra conduta e na respectiva apreciação concreta, serão juízos que indicam uma menor capacidade de correcta aferição dos valores em confronto e uma diminuída capacidade de conformar a sua atitude interna e externa a padrões ético-jurídicos.
O desespero do arguido não justifica a sua opção e, se a pode tornar menos censurável, essa diminuição haverá que reflectir-se dentro dos limites do homicídio simples mas não permitem concluir pela diminuição sensível da culpa.    
Os factos provados, em momento nenhum contêm qualquer indício da existência de desespero penalmente relevante.
O acto não nasceu de qualquer situação que obrigasse o arguido a pensar que não havia outra saída para a sua vida.
Foi relatado, e ficou provado, que a vida com a vítima não era fácil. É certo que o problema afectava a namorada do arguido que ele queria proteger e por quem era emocional e afectivamente controlado mas poder-se-á considerar que, para o arguido não haveria outra saída ou que agiu convencido de que para a namorada não haveria outra saída, o que configuraria por compaixão com o sofrimento desta ?
Ele poderia ter-se afastado da solução do problema perante a enormidade do que lhe era pedido seria normal esperar que se não podia escapar ao controlo da namorada poderia sempre escapar à namorada.
O arguido nunca presenciou sinais de maus tratos à namorada, ou á mãe desta ou mesmo ao irmão. Tinha apenas o relato feita por aquela.
Mesmo envolvido por tais narrativas e pedidos da namorada e partilhando do seu sentimento de angústia, poder-se-á dizer que falharam razões de solidariedade humana que no processo de formação da sua vontade pudessem interiormente aconselhar o arguido, lhe indicassem que não era responsável pela namorada e que a opção que ela fizera não só não era adequada à solução do mal como não representava para ele, e também não poderia representar para ela, um destino incontornável e com uma única solução à vista como aquela que encontraram.
Não se é insensível ao quadro psicológico envolvente e a todo o ambiente que esteve na base da actuação do arguido e que resultou da prova produzida, ambiente que o isolamento do arguido, nomeadamente no seio da sua relação com a namorada, tendeu a hiperbolizar, mas como se disse há que projectar esse quadro de sentimentos e as capacidades e características do arguido na pessoa de um cidadão qualquer para concluir se ao cidadão médio seria válida a configuração de um motivo atendível e fortemente diminuidor da culpa. 
Tal como decidimos no processo n.º 1229/03, não se vê que a matéria de facto provada, numa ponderação contextual e, avaliando-se o acto e motivações do agente, na sua globalidade, deva ser, quer qualificada por circunstâncias agravantes qualificativas, nomeadamente como a premeditação, quer privilegiada perante o quadro de circunstâncias atenuantes que, tendo embora um peso considerável não é, porém, de molde a interferir no enquadramento típico do crime.
Na ponderação do contexto em que decorreu toda a factualidade, que veio a culminar na morte da vítima, nenhuma das colorações da culpa, seja agravativa seja atenuativa, sobressai de forma especialmente determinante.
O contexto global de apreciação que explica e diminui a censura e que retira significativa importância a aspectos que noutro contexto poderiam indiciar agravação da culpa, não é tão forte que a possa colocar no domínio da especial diminuição desta ao nível do tipo geral do crime.
Se é certo que se configura uma situação de ansiedade e de instabilidade emocional, vividas pelo arguido perante a interiorização do sofrimento da namorada, com os sentimentos de revolta que com ela comungava, também não é de desprezar a conclusão que esses sentimentos não foram sendo resolvidos positivamente pelo arguido, faltando aspectos de elementar solidariedade humana, que deveriam ter um significativo peso atendendo ao valor vida, tendo o arguido optado pela solução prática e definitiva do problema, o afastamento do pai da C..., de forma incompatível com as exigências sociais e humanas específicas.
É certo que o arguido interiorizou que o ofendido era o causador do sofrimento da pessoa que ele queria defender, o que lhe causava angústia partilhando com a namorada a sensação de não haver outra solução para os problemas dela e inerentemente para os dele também, dada a proximidade afectiva com esta e por outro lado também é certo que a namorada lhe causava forte pressão psicológica ao insistir pela necessidade de ele matar o pai e assim fazer cessar a fonte de todas as angústias e tristeza.
Porém, a assunção de papéis naquele meio familiar levou o arguido a assumir uma responsabilidade que lhe não cabia no seio dessa família e de que se incumbiu de forma não consentânea com as referidas regras de solidariedade e de respeito pela vida humana, em geral, e em particular pela vida de alguém, vencendo contra motivações éticas que são as mais fortes que alguém deverá sentir.
E não se pode dizer que, embora partilhasse o sentimento da namorada, de que não havia esperança numa alteração da vivência familiar, tal falta de esperança fosse de molde a fazê-lo pensar que estava numa situação sem outra solução por forma a que esse sentimento o impelisse inevitavelmente, como impeliria qualquer outra pessoa na mesma situação, a matar.
Seria absurdo que não houvesse um tal quadro de circunstâncias que perturbasse o arguido e lhe fizesse nascer a vontade de solucionar o problema de forma tão drástica. 
 Porém, nada de especialmente determinante o levou a sentir essa realidade com especial peso, no momento em que agiu ou a ter acumulado um estado de angústia tal que justificasse a sua acção.
A factualidade apurada é, pois, susceptível de preencher o tipo de homicídio simples previsto no art.º 131º CP, à semelhança do que foi entendido pela decisão recorrida sem que o facto ora dado como provado (referente a alteração da alegria de viver e estado de espírito) altera de forma acentuada o juízo de censura a formular.

3.5.
Apesar de o comportamento global do arguido ser subsumível a dois tipos legais – homicídio agravado pelo uso de arma nos termos do art.º 131º CP e 86º, n.ºs 86º,n.ºs 3 e 4 do NRJAM aprovado pela Lei 17/2009 de 6.5 e detenção de arma proibida do art.º 86º n.º1 al. c) da citada Lei [3]– deverá concluir-se por um concurso efectivo de crimes, como entendeu a decisão ou por um concurso aparente, como sugere o recorrente?

Vejam-se os ensinamentos de Figueiredo Dias, que, depois de ter como assente que «é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica» existente no comportamento global do agente «que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de (…) de crimes», considera:
«A ideia central que preside à categoria do concurso aparente deve pois ser, repete-se, a de que situações da vida existem em que, preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objectiva e/ou objectiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, e hoc sensu autónomo, enquanto o restante ou os restantes surgem, também a uma consideração jurídico-social segundo o sentido, como dominados, subsidiários ou dependentes; a um ponto tal que a submissão do caso à incidência das regras de punição do concurso de crimes (…) seria desproporcionada, político-criminalmente desajustada e, ao menos em grande parte das hipóteses, inconstitucional. A referida dominância de um dos sentidos dos ilícitos singulares pode ocorrer em função de diversos pontos de vista: seja, em primeiro lugar e decisivamente, em função da unidade de sentido social do acontecimento ilícito global; seja em função da unidade de desígnio criminoso; seja em função da estreita conexão situacional, nomeadamente espácio-temporal, intercedente entre diversas realizações típicas singulares homogéneas; seja porque certos ilícitos singulares se apresentam como meros estádios de evolução ou de intensidade da realização típica global» (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, páginas 989 e 1015).

No Ac.STJ – 5ª secção, de 31.3.2011 no processo n.º 61/10.3 GBLLE da 5ª Secção decidiu-se que :
A conexão existente entre a conduta do arguido em relação à arma e o homicídio, esgotando-se aquela na prática deste, faz aparecer, no comportamento global, o sentido de ilícito do homicídio absolutamente dominante e subsidiário o sentido de ilícito da utilização da arma proibida, havendo desde logo «unidade de sentido social do acontecimento ilícito global», pois o que o recorrente pretendeu foi matar o ofendido, não sendo o uso de arma proibida mais que o processo de que se serviu para atingir o resultado almejado.
O autor citado aponta mesmo como exemplo de concurso aparente um caso como este: «Circunstâncias como, p. ex., a de se utilizar arma proibida (…) constituem condutas que concorrem com a de homicídio, em princípio, sob a forma de concurso aparente» (ob. cit., página 1017).
Não é, pois, correcta a decisão recorrida no ponto em que autonomizou como crime do artº 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, o uso da arma, devendo o arguido ser absolvido da acusação nessa parte.
A utilização de arma proibida relevará apenas na determinação da pena concreta do homicídio.”[4]

Pretende o recorrente que existe concurso aparente por a detenção ilegal de arma ter sido crime meio relativamente ao crime-fim, o homicídio e nele se ter esgotado.

Refere o MºPº que como se depreende do doutamente decidido no último acórdão citado, o arguido recorrente cometeu efectivamente o crime de detenção de arma proibida na medida em que, para além do crime de homicídio praticado não ter sido qualificado pela arma, não se tratou de um acto instantâneo como o do citado acórdão, antes ponderado, pois o arguido foi comprar a arma, o que por si só autonomiza o crime de detenção de arma proibida e, nessa medida, crime autónomo do homicídio praticado com essa mesma arma.

Também o Ac. STJ de 31.3.2011 no processo n.º 361/10.3 GBLLE [5]refere que :
I - No presente recurso questiona-se a agravação prevista no n.º 3 do art. 86.º da Lei 5/2006, de 23-02, em relação à pena do crime de homicídio, sendo certo que a agravação ali estabelecida só não terá lugar quando «o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma».
II - O uso ou porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo legal fundamental é o previsto no art. 131.º do CP; pode ser um factor de agravação, mas só o será se, para além de preencher um dos exemplos-padrão «meio particularmente perigoso» ou «prática de um crime de perigo comum» da al. h) do n.º 2 do art. 132.º, revelar «especial censurabilidade ou perversidade». Enquanto que a agravação do n.º 3 do art. 86.º, encontrando fundamento num maior grau de ilicitude, tem sempre lugar se o crime for cometido com arma, a do art. 132.º só operará se o uso de arma ocorrer em circunstâncias reveladoras de uma especial maior culpa. Além, para haver agravação, basta o uso de arma no cometimento do crime, aqui não.
III - O n.º 3 do art. 86.º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada. A agravação do art. 86.º, n.º 3, não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de accionar efectivamente essa outra agravação. Ora, o uso de arma não é elemento do crime de homicídio, e, no caso, não levou ao preenchimento do tipo qualificado do art.132.º, pelo que não há fundamento para afastar a agravação do art. 86.º, n.º 3.
IV - Outra questão é a de saber se o arguido cometeu efectivamente o crime de detenção de arma proibida: por morte do pai do arguido e da vítima não se procedeu à partilha dos bens existentes, sendo um desses bens uma casa de habitação, com anexos, num dos quais residia o recorrente. A espingarda caçadeira em causa pertencera ao pai do arguido, estava registada em nome da mãe e na altura encontrava-se nesse anexo. Não se sabe a que título ali se encontrava, quem a colocara ali e desde quando ali se encontrava. Sabe-se apenas que a foi buscar para disparar sobre o irmão. Não se pode assim ter como assente que a arma era detida pelo arguido. Este acto, único conhecido do recorrente em relação à arma, configura simples uso: o arguido limitou-se a utilizar a arma para realizar o homicídio.
V - Essa conduta do recorrente, não possuindo ele a necessária licença de uso e porte, preenche o tipo objectivo do crime do art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006: a espingarda em causa é uma «arma de fogo longa» (als. p), q) e s) do n.º 1 do art. 2.º); é uma arma de «tiro a tiro» [al. aj)]; é uma arma de cano de «alma lisa», sendo pois, uma arma da classe D: «São armas da classe D: As armas de fogo longas de tiro a tiro de cano de alma lisa» [art. 3.º, n.º 6, al. c)].
VI - E, não obstante o homicídio ser agravado em função da utilização da espingarda, ao abrigo do art. 86.º, n.º 3, não é valorada nessa agravação a situação de proibição em que o recorrente se encontrava em relação à arma, por falta da licença de uso e porte. Isso porque à agravação é indiferente que o agente esteja numa situação de legalidade ou de ilegalidade em relação à arma: a agravação teria lugar mesmo que o recorrente tivesse licença de uso e porte.

O circunstancialismo em que decorreram os factos, entre os quais se salienta o decurso de tempo em que o arguido formulou a intenção de tirar a vida ao ofendido e os actos através dos quais preparou a execução de tal objectivo, como seja o de comprar a arma, não permitem dizer que um acto se esgotou no outro, não tendo um acontecido de forma fortuita ou inerente intrinsecamente ao outro, diversamente do ocorrido no acórdão do STJ referido, em que o acto de detenção de arma é fortuito perante o de matar, tendo-se esgotado nele mesmo. No citado acórdão o arguido utilizara arma que se encontrava na casa onde morava para tirar a vida ao irmão.

Os tipos legais de crimes em causa são autónomos e tutelam diversos bens jurídicos.
 As circunstâncias referidas no art. 132º são elementos da culpa, e não do tipo, face ao seu funcionamento não automático e à sua não taxatividade.
O bem jurídico protegido pelo tipo legal do crime de homicídio é a vida humana.

Por sua vez, em matéria de armas, e atento o alarme social que as mesmas causam, o legislador optou por uma tutela antecipada dos bens jurídicos que estes objectos, com o seu enorme poder destrutivo, conseguem pôr em risco.

Desta forma, construiu os tipos legais – referimo-nos ao crime de detenção de arma proibida e à detenção ilegal de arma – como crimes de perigo abstracto, não fazendo depender o preenchimento do tipo da verificação concreta do perigo, pois entende-se que a mera detenção da arma ( fora de determinadas condições legais) põe já em risco a segurança da comunidade ( v. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 891, em anotação ao art. 275º do CP ).[6]
Assim, entendemos que não se verifica a dupla incriminação ou violação do princípio “ ne bis in idem “, pois que o crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma, sendo que o seu uso, em momento posterior, como aqui sucedeu, constitui, instrumentalmente, um elemento do tipo de culpa do crime de homicídio.

3.6.
Fazendo o cálculo da moldura penal através das regras indicadas pelo recorrente quanto ao concurso de agravantes e atenuantes a moldura é de :

O recorrente tem razão ao pretender que a moldura penal aplicável seja fixada nos termos que propõe.
A agravação resultante do NRJAM é de 1/3 nos limites mínimos e máximos.
Nos termos do art.º 73º CP aplicável por força do DL 401/82 de 23.9 – art.º 4º - n.º1 a) e b), a atenuação consiste na redução de 1/3 no limite máximo e redução a 1/5 no mínimo.
O Tribunal recorrido, ao definir o limite mínimo aplicável, efectuou o cálculo aplicando a agravação de 1/3 e posterior atenuação a 1/5 ( 8 anos x 1/3) +1/3=  8 anos + 2 anos e 8 meses = 10 anos 8 meses ; 10 a 8m x 1/5 = 2 a 1 m e 18 dias).
Mas não fez o mesmo tipo de cálculo quanto ao limite máximo uma vez que o situou em 16 anos de prisão.
Ora deverá fazer o mesmo raciocínio quanto ao limite máximo, embora a redução pela atenuação seja de 1/3.

Ou seja a moldura penal aplicável resultante da agravação e atenuação é de :
Prisão de 2 anos 1 mês e 18 dias a 14 anos 2 meses e 20 dias.

3.7.
O tribunal recorrido ponderou :
“Considerando que à data da prática dos factos os arguidos não tinham completado 21 anos de idade, importa desde logo analisar se se justifica a aplicação do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, aprovado pelo Dec. Lei n.º 401/82, de 23-09, concretamente a atenuação especial prevista no art. 4º do mencionado diploma, caso se considere que da atenuação resultam vantagens para o seu processo de reinserção social.
O factor idade não comporta uma aplicação automática e imediata do regime especial para jovens consagrado no mencionado diploma, exigindo-se ainda que dos factos concretamente provados resulte um determinado circunstancialismo que legitime a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido da atenuação facilitar a reinserção social.
Conforme salienta a doutrina e a jurisprudência quanto a esta matéria, impõe-se que a atenuação especial facilite a reinserção social, não devendo tal juízo de prognose radicar em mero subjectivismo mas ao invés em elementos factuais concretamente provados que conduzam à conclusão que a moldura penal abstracta comum não cumpre, por excessiva, os fins da socialização.
Relativamente ao arguido A..., não obstante a gravidade objectiva dos factos valorada na sua globalidade, verifica-se que à data em que os mesmos ocorreram o arguido tinha 17 anos de idade, estando por conseguinte em processo de formação da sua personalidade, beneficiando actualmente de acompanhamento psicológico, fruto do qual tem já manifestado progressos ao nível das características de personalidade mais problemáticas, nomeadamente em termos da gestão dos impulsos.
Por outro lado, o arguido encontra-se socialmente inserido, beneficiando de apoio afectivo e de um enquadramento familiar estável, tendo tido igualmente um percurso escolar estruturalmente favorável.
Tais circunstâncias aliadas ao circunstancialismo em que os factos ocorreram, permitem a formulação de um juízo de prognose favorável na aplicabilidade do regime penal de jovens adultos ao arguido, resultando dai vantagens em termos de adequação aos fins da reinserção social, considerando-se excessiva e desadequada a tais fins, no caso em apreço, a aplicação das molduras penais comuns.
(…)
A determinação da moldura penal abstracta resultante da subsunção dos factos praticados pelos arguidos aos tipos de ilícito em causa é a seguinte:
- crime de homicídio, na forma consumada, previsto e punido  pelas disposições conjugadas dos arts. 131º do Código Penal e 86º, nºs. 3 e 4 do NRJAM, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, com a atenuação especial resultante da aplicação do DL n.º 401/82, de 23-09: prisão de 2 (dois) anos 1 (um) mês e 18 (dezoito) dias a 16 (dezasseis) anos.
- crime de detenção de arma proibida, previsto e punido  pelo art. 86º, n.º 1, al. c) do NRJAM, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, com a atenuação especial resultante da aplicação do DL n.º 401/82, de 23-09: prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos e 4 (quatro) meses ou multa de 10 a 400 dias.
(…)
Não obstante a moldura abstracta aplicável ao crime de detenção de arma proibida prever, em alternativa, pena de prisão ou pena de multa, as exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico e as acentuadas necessidades de prevenção, afastam a opção por pena não privativa da liberdade.
Quanto à determinação da medida concreta da pena, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 71º do Código Penal, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, quer geral positiva ou de reintegração, relacionadas com a necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e com a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida, quer de prevenção especial de sociabilização.
Com relevância quer para a culpa quer para a prevenção, surgem as circunstâncias enunciadas no n.º 2 do art. 71º do Código Penal que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo; as condições pessoais do agente e a sua situação económica e, a conduta anterior ao facto e a posterior a este.
Aplicando as considerações anteriormente formuladas ao caso em apreço, considerando nomeadamente:
- as elevadas necessidades de prevenção geral, sendo em particular a prática de crimes de homicídio, e a prática de crimes relacionados com a detenção ilegal de armas geradores de grande instabilidade e alarme social, designadamente face ao aumento do número de crimes cometidos com utilização de armas de fogo.
- o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido A..., que se considera elevado, atendendo designadamente ao modo de execução do crime, cometido de acordo com o plano traçado, que persistiu por mais de vinte e quatro horas, na presença do filho da vítima, à data menor de 9 anos de idade, demonstrando o arguido insensibilidade perante as consequências psicológicas para o menor em resultado da sua actuação; o facto do arguido considerar encontrar-se na sua disponibilidade a tomada de uma opção extrema, atentando contra o bem supremo para solucionar um problema familiar, de que se convenceu apenas pelos relatos transmitidos pela sua namorada, sem nunca ter visto marcas de agressões no corpo desta, ou assistido a qualquer reacção violenta por parte do ofendido; e, a audácia demonstrada no que respeita à aquisição da arma de fogo;
(…)
-  a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo.
- as condições sociais de ambos os arguidos.
- a ausência de antecedentes criminais em relação a ambos os arguidos.
- a confissão quase integral dos factos em relação ao arguido A... e a confissão integral nos termos que resultaram provados em relação ao arguido B..., e a manifestação de arrependimento demonstrada.
Afiguram-se assim adequadas a aplicação aos arguidos das seguintes penas:
1 – Ao arguido A…:
- pela prática do crime de homicídio, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 131º do Código Penal e 86º, nºs. 3 e 4 do NRJAM, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, a pena de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão.
- pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86º, n.º 1, al. c) do NRJAM, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, a pena de 7 (sete) meses de prisão.
Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, de acordo com os critérios consagrados no art. 77º do Código Penal, tendo como limite mínimo a pena mais elevada das penas concretamente aplicadas (6 anos e 9 meses de prisão) e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas (7 anos e 4 meses de prisão), tendo em conta a valoração global dos factos conjuntamente com a personalidade do arguido nos termos já mencionados, considera-se adequada a aplicação ao arguido A... da pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Foram devidamente sopesados pelo tribunal todos os critérios atendíveis em sede de medida da pena.
A saber,
- as elevadas necessidades de prevenção geral, sendo em particular a prática de crimes de homicídio, e a prática de crimes relacionados com a detenção ilegal de armas geradores de grande instabilidade e alarme social, designadamente face ao aumento do número de crimes cometidos com utilização de armas de fogo.
- o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido A..., que se considera elevado, atendendo designadamente ao modo de execução do crime, cometido de acordo com o plano traçado, que persistiu por mais de vinte e quatro horas, na presença do filho da vítima, à data menor de 9 anos de idade, demonstrando o arguido insensibilidade perante as consequências psicológicas para o menor em resultado da sua actuação; o facto do arguido considerar encontrar-se na sua disponibilidade a tomada de uma opção extrema, atentando contra o bem supremo para solucionar um problema familiar, de que se convenceu apenas pelos relatos transmitidos pela sua namorada, sem nunca ter visto marcas de agressões no corpo desta, ou assistido a qualquer reacção violenta por parte do ofendido; e, a audácia demonstrada no que respeita à aquisição da arma de fogo;
(…)
-  a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo.
- as condições sociais de ambos os arguidos.
- a ausência de antecedentes criminais em relação a ambos os arguidos.
- a confissão quase integral dos factos em relação ao arguido A... e a confissão integral nos termos que resultaram provados em relação ao arguido B..., e a manifestação de arrependimento demonstrada.

   
Pouco relevam critérios como o do termo médio da pena que no caso se situa perto dos 8 anos de prisão. De todo o modo, convém tê-lo como presente para podermos deslocar a atenuação ou agravação dentro dos limites legais de forma a tentar obter uma certa equanimidade.
Concorda-se com os critérios apontados pelo julgador e devidamente equacionados.
A alteração da moldura penal imporá uma redução da pena pela consideração de ser menor o termo máximo da pena.
Considera-se adequada antes a pena de 5 anos e 10 meses de prisão que dentro do referido quadro reflecte já tal diminuição e coloca a pena dentro dos seus limites mínimo e médio.
Mantém-se inalterada a pena aplicada quanto à detenção ilegal de arma sendo ajustados os critérios e razões, quer para a escolha da pena quer para determinação da sua medida.

Considerando globalmente o facto e a personalidade do agente reputa-se adequada a pena unitária de 6 anos de prisão.
 

4.
Pelo exposto, acordam os juízes em dar provimento parcial ao recurso, revogando em parte a decisão recorrida, com a alteração da matéria de facto resultante de 3.2 e condenando o arguido na pena unitária de seis anos de prisão.

Texto elaborado, revisto e assinado pela relatora Filomena Lima e assinado pela Desembargadora Adjunta Ana Sebastião, em conformidade com a conferência.

 Lisboa, 28 de Junho de 2011

Relatora: Filomena Clemente Lima
Adjunta: Ana Sebastião.
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[1] Citado no Ac STJ n.º 08P1309 de 29-10-2008 relatado por Raul Borges.
[2] Mesma fonte.
[3] Artigo 86.º
Detenção de arma proibida e crime cometido com arma
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) Produtos ou substâncias que se destinem ou possam destinar, total ou parcialmente, a serem utilizados para o desenvolvimento, produção, manuseamento, accionamento, manutenção, armazenamento ou proliferação de armas biológicas, armas químicas ou armas radioactivas ou susceptíveis de explosão nuclear, ou para o desenvolvimento, produção, manutenção ou armazenamento de engenhos susceptíveis de transportar essas armas, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos;
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.
3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma

[4] Consta do respectivo sumário:
VII - Mas, apesar de o comportamento global do arguido ser subsumível a dois tipos legais – homicídio e uso de arma proibida –, não deve concluir-se por um concurso efectivo de crimes, mas antes aparente.
VIII - Com efeito, o arguido foi ao interior do anexo, pegou na espingarda, não possuindo a necessária licença de uso e porte, trouxe-a para o exterior, apontou-a à vítima e disparou sobre ela, matando-a. A conexão existente entre a conduta do arguido em relação à arma e o homicídio, esgotando-se aquela na prática deste, faz aparecer, no comportamento global, o sentido de ilícito do homicídio absolutamente dominante e subsidiário o sentido de ilícito da utilização da arma proibida, havendo desde logo «unidade de sentido social do acontecimento ilícito global», pois o que o recorrente pretendeu foi matar o irmão, não sendo o uso de arma proibida mais que o processo de que se serviu para atingir o resultado almejado – cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, págs. 989, 1015 e 1017.
IX - Não é, pois, correcta a decisão recorrida no ponto em que autonomizou como crime do art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, o uso da arma, devendo o arguido ser absolvido da acusação nessa parte. A utilização de arma proibida relevará apenas na determinação da pena concreta do crime de homicídio.
[5] Citado pelo Ex.mº PGA no seu parecer.
[6] Ac. STJ de 28.6.2006, proc.º 06P2041