Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
742/16.9T8CSC.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
JOGADOR DE ANDEBOL
CLÁUSULA DE OPÇÃO
NULIDADE
DIREITO À LIBERDADE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
JULGAMENTO "AEQUO ET BONO"
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I O contrato de trabalho é, antes de mais, um contrato, e todos os contratos são para ser cumpridos pontualmente.

II O réu, não só acordou ser praticante desportivo do clube autor durante duas épocas desportivas, como igualmente acordou a possibilidade de prorrogar o mesmo contrato por mais uma época desportiva.

III Assim, este acordo para prorrogação do contrato, dado logo no momento da assinatura do contrato e, portanto no momento de inicial vigência do mesmo, tem o valor equivalente a uma proposta contratual de prorrogação por parte do réu dirigida ao clube autor, proposta esta que, também por acordo de ambas as partes, se mantinha válida até 30/6/2015.

IV O réu podia ter escolhido não celebrar o contrato ou celebrar outro sem tal cláusula, mas não o fez, sendo que a “dependência” relativamente à sua subsistência e vida profissional, no que toca à prorrogação contratual por mais um ano, é exactamente igual à “dependência” que resultou das duas épocas iniciais previstas no contrato.

V Nos contratos desportivos, muito frequentemente no futebol, a integração de cláusulas de opção por mais temporadas ou de valores muito elevados a serem pagos em caso rescisão antecipada, normalmente implicam compensações acrescidas nos valores dos salários dos atletas e outras, a fim de os compensar por uma maior permanência temporal obrigatória ou por dificuldade acrescida na desvinculação.

VI Não é admissível que se assegure, por um lado, um contrato com melhores condições remuneratórias e, por outro, não se cumpra o reverso que era a razão de ser dessas mesmas condições melhoradas.

VII A cláusula de opção por mais uma época não visa qualquer tipo de despedimento ou põe em risco a segurança no emprego, antes visa a possível manutenção do contrato de trabalho, por prorrogação do mesmo, pelo que não há violação do art. 53º da CRP.

VIII Tendo-se chegado a um impasse probatório que não permitiu saber com precisão qual o valor indemnizatório pela privação que o clube autor teve de poder contar com o réu a jogar na sua equipa, recorre-se ao apuramento através de critérios de equidade pois que não se vê que do incidente de liquidação seja possível fazer outra ou melhor prova da que aqui já foi efectuada, e não se vislumbram outras diligências possíveis a determinar oficiosamente ou que seja adequada no caso a produção de prova pericial.

IX Os resultados desportivos são uma álea e a importância de um jogador não se pode medir pelos resultados obtidos por toda uma equipa de jogadores e de técnicos, incluindo treinadores.

X Para o montante indemnizatório a fixar ter-se-á em conta que, para além de que era um seu atleta da “casa” há já 7 épocas, o réu é jogador Internacional A, titular indiscutível da Selecção Nacional, o que, por si só, de acordo com critérios de normalidade, significa ser um atleta de qualidades muito acima da média.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I AAA, intentou no Secção de Trabalho de Cascais a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, CONTRA,
BBB

II PEDIU que a acção seja julgada procedente por provada e, em consequência:
- Declarar-se válido o pacto de opção constante do contrato de trabalho desportivo celebrado com o Réu em 17/6/2013;
- Considerar-se que o contrato aqui em causa foi prorrogado até 30-6-2016 nos termos do exercício do direito de opção;
- Condenar-se o Réu ser condenado a pagar-lhe a quantia de € 28.000,00 euros por incumprimento do contrato.

IIIALEGOU, em síntese, que:
- Celebrou com o Réu, em 17-6-2013, um contrato de trabalho desportivo, na modalidade de andebol, para o réu prestar a sua actividade de jogador de andebol, por duas épocas desportivas (2013/14 e 2014/15), mediante o pagamento do montante global ilíquido de € 18.000,00 para a 2013/2014 e € 23.000,00 para 2014/2015;
- Nos termos da cláusula 5ª, do mesmo contrato de trabalho desportivo, este poderia ser prorrogado por mais uma época (até 30 de Junho de 2016), caso o A. o manifestasse por escrito, até 30 de Junho de 2015 sendo então devido, para essa nova época o montante global ilíquido de € 28.000,00;
- O autor, em 8-6-2015, mediante carta, informou o Réu da sua intenção de prorrogar o contrato por mais uma época desportiva, ao que o Réu respondeu que considerava que o seu contrato terminava em 30-6-2015, incumprindo o contrato, bem sabendo que ao assinar o contrato com o A., aceitava a validade da cláusula de opção;
- Sendo o valor de € 28 mil euros, aquele que o Réu receberia durante a época desportiva de 2015/16, deve ser este o montante que o Réu deverá pagar ao autor, a título de indemnização pelos prejuízos causados com a não renovação do contrato.

IV O réu foi citado, e realizou-se Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação após o que CONTESTOU dizendo, no essencial que:
- A cláusula de opção constante do contrato não é válida, porque nula nos termos do art. 18º-1 da Lei nº 28/98;
- Se a cláusula de opção constante do contrato for considerada válida, esta interpretação viola o princípio constitucional de proibição de despedimentos sem justa acusa e segurança no emprego plasmado no art. 53º da CRP;
- Bem como o princípio constitucional do direito ao trabalho presente nos arts. 47º-1 e 58º-1 da CRP, e relacionado com a liberdade de escolha da profissão oou do género de trabalho;
- As partes só quiseram outorgar um contrato válido para duas épocas desportivas;
- Em nenhum momento a assinatura do contrato de 17/6/2013 houve manifestação de vontade de aceitação da cláusula de opção, sendo a inclusão da mesma da lavra do autor;
- O autor sabia da vontade do réu de sair para o …, antes do fim da época de 2014/2015;
- O autor não sofreu danos com a saída do réu.

V Foi dispensada a realização de audiência preliminar.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
O processo seguiu os seus termos, vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“V–Decisão:
Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo o Réu do pedido.”
Dessa sentença recorreu o autor AAA (fols. 269 a 296), apresentando as seguintes conclusões:
(…)

O réu contra-alegou (fols. 304 a 318) pugnando pela confirmação da sentença.

Correram os Vistos legais, tendo o Digno Procurador Geral-Adjunto do Ministério Público emitido Parecer (fols. 330) no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

VI A matéria de facto considerada provada em 1ª instância (não impugnada por total ausência de indicação, sumária sequer, nas conclusões da apelação, das alterações de facto pretendidas), é a seguinte:
1- O AAA é um clube desportivo ecléctico, tendo por primordial finalidade o fomento e a prática do futebol em diversas categorias e escalões e, complementarmente, a prática e desenvolvimento das diversas modalidades desportivas – Art. 3º dos seus Estatutos. (Provado por acordo).
2- O Réu é um praticante desportivo que se dedica à prática do andebol. (Provado por acordo).
3- O Autor e o Réu celebraram em 17/06/2013 um contrato desportivo, que denominaram contrato de prestação de serviços desportivos, mas que, na realidade, é um contrato de trabalho desportivo (conforme a Lei nº 28/98, de 26 de Junho), nos termos do qual o atleta se obrigava a representar o Benfica, na modalidade de andebol, nas épocas desportivas de 2013/2014 e 2014/2015, com início em 1 de Julho de 2013 e termo em 30 de Junho de 2015, conforme documento junto a fls. 24-29, cujo teor se dá por reproduzido. (Provado por acordo).
4- É o seguinte o teor da Cláusula 5ª – nº 2 do referido contrato: “O presente contrato poderá ser prorrogado por mais uma (1) época desportiva, isto é, até 30 de Junho de 2016, caso o Primeiro Outorgante tenha interesse na colaboração do Segundo Outorgante, o qual deverá ser manifestado por escrito até 30 de Junho de 2015”. (Provado por acordo).
5- O Autor pagava ao Réu, conforme previsto na Cláusula 7ª - nº 1 do referido contrato, durante a época de 2013/2014 o montante global ilíquido de € 18.000,00 (dezoito mil euros), repartido em 12 prestações ilíquidas de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), cada uma, vencendo-se a primeira em 1 de Julho de 2013. (Provado por acordo).
6- Ainda de acordo com o mesmo número o Autor pagava ao Réu, durante a época de 2014/2015, o montante global ilíquido de € 23.000,00 (vinte e três mil euros), repartido em 12 prestações ilíquidas de € 1.966,66 (mil novecentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), cada uma, vencendo-se a primeira em 1 de Julho de 2014. (Provado por acordo).
7- Na hipótese de prorrogação do contrato por mais uma época desportiva, ou seja, para a época de 2015/2016 o Autor pagaria ao Réu, nos termos do nº 2 da citada Cláusula 7ª, o montante global ilíquido de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), repartido em 12 prestações ilíquidas de € 2.333,33 (dois mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), vencendo-se a primeira em 1 de Julho de 2015. (Provado por acordo).
8- O AAA comunicou a sua intenção de prorrogar o contrato em causa por mais uma época, através de carta datada de 03/06/2015, conforme documento junto a fls. 30, cujo teor se dá por reproduzido. (Provado por acordo).
9- O jogador acusando a recepção da referida carta, respondeu conforme carta de fls. 31 cujo teor se dá por reproduzido, informando o A. que não considera o seu contrato renovado até ao dia 30 de Junho de 2016.
10- Em carta datada de 01/07/2015 e recebida em 03/07/2015, o AAA explicou ao atleta que a sua interpretação e entendimento não estavam correctos. Conforme documento junto a fls. 32, cujo teor se dá por reproduzido.
11- O AAA, entretanto, convocou o jogador para a indispensável assinatura do Boletim de Inscrição na FAP – doc. nº 5(Provado por acordo).
12- E, posteriormente, para os indispensáveis exames médicos e físicos e para o início dos treinos da época desportiva de 2015/2016. (Provado por acordo).
13- O jogador não assinou o Boletim de Inscrição, nem compareceu aos referidos exames médicos e físicos, nem no início dos treinos, nem posteriormente, não obstante ter tomado conhecimento das convocatórias. (Provado por acordo).
14- O Réu assinou com o … em 7 de Junho de 2015, um contrato de trabalho desportivo, no qual se obriga a prestar com regularidade a actividade de andebolista ao clube, mediante retribuição, na categoria de sénior – doc. nº 9 – Cláusula 1ª(Provado por acordo).
15- Durante as épocas de 2015/2016 e 2016/2017, tendo o seu início em 1 de Julho de 2015 e termo em 30 de Junho de 2017 – Cláusula 3ª. (Provado por acordo).  
16- O … compromete-se a pagar ao Réu, na vigência do referido contrato, a remuneração mensal ilíquida de: i) € 3.675,00 (três mil seiscentos e setenta e cinco euros), em 12 prestações mensais iguais e consecutivas no decorrer da época de 2015/2016 – Cláusula 2ª – 2.1. –alínea a); ii) € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) em 12 prestações mensais iguais e consecutivas no decorrer da época de 2016/2017 – Cláusula 2ª – 2.1. – alínea b). (Provado por acordo).
17- O Réu irá, deste modo, auferir, no decurso da época de 2015/2016, nos termos do contrato assinado com o …, o montante global de € 44.100,00 (quarenta e quatro mil euros), em vez dos € 28.000,00 (vinte e oito mil euros) que auferiria no AAA nesta mesma época, de acordo com o doc. nº 1.
18- O Réu assinou voluntariamente e livremente o contrato referido em 3. (Provado por acordo).
***

Nos termos do disposto nos arts. 574º-1-2-3 e 662º-1 do CPC considerada, a matéria alegada no art. 92º da p.i. tem de ser dada como provada uma vez que se tratam de factos pessoais do réu, sobre os quais, na sua contestação, não tomou posição expressa e definida quanto a tal factualidade, limitando-se a abrangê-los no “cabaz” do “Tudo o mais alegado na Petição Inicial consubstancia matéria de direito ou conclusões jurídicas e ou fácticas (que não são aceites pelo Réu).”

Como aquele art. 92º da p.i. não contém matéria de direito, ou conclusões jurídicas ou conclusões fácticas, mas sim factos, determina-se o aditamento de um novo facto com o nº 19 e a seguinte redacção: “O réu é jogador Internacional A, titular indiscutível da Selecção Nacional, formado no AAA, onde esteve durante sete épocas, desde os escalões de formação”.

VII Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 639º-1-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pag. 148).

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, as questões que fundamentalmente se colocam no presente recurso são as seguintes:
A 1ª, se a cláusula de opção constante do contrato é válida;
A 2ª, se, em caso de procedência da 1ª questão, o autor pode ser indemnizada pelo réu nos termos pretendidos.

VIIIDecidindo.
Quanto à 1ª questão.
Não é objecto de discussão nos autos que entre autor e réu foi celebrado, a 17/6/2013, um contrato de trabalho de praticante desportivo, regido pela Lei nº 28/98 de 26/6.
Nesse contrato, na sua Clª 5ª-2, estabeleceu-se que “O presente contrato poderá ser prorrogado por mais uma (1) época desportiva, isto é, até 30 de Junho de 2016, caso o Primeiro Outorgante tenha interesse na colaboração do Segundo Outorgante, o qual deverá ser manifestado por escrito até 30 de Junho de 2015

A sentença recorrida, aderindo à tese do réu, fundamentou nos seguintes termos:” Tal contrato, é em regra, celebrado por uma época desportiva, não podendo ter a duração superior a oito épocas (art.º 8.º, nº 1).

No caso em apreço, o contrato foi celebrado por duas épocas desportivas, e facultava apenas ao A., unilateralmente, a opção de o renovar por mais uma época. Será tal cláusula admissível? Teremos de concluir negativamente.

Desde logo, e atendendo à aplicação subsidiária do Código do Trabalho, por força do art. 3º da Lei 28/98 de 26-6, terá de se concluir que inexiste qualquer especificidade no regime do contrato de trabalho desportivo, que justifique tal desigualdade de direitos e que afaste a aplicação de tal norma. Pelo contrário, a possibilidade de renovação do contrato por mais uma época, é um assunto que diz respeito a ambos e não apenas ao clube, sendo que em relação ao trabalhador, está em causa a sua subsistência e progressão profissional, não dar ao trabalhador o seu direito de escolha, seria incompatível com um Estado de Direito Democrático.

Esta igualdade, paridade de direitos, está patente no art. 344º, nº 1 do Código do Trabalho, não se vislumbra qualquer fundamento lógico ou legal, para que se faça depender, apenas da vontade unilateral e discricionária do A., a renovação do contrato por mais uma época desportiva, ficando o trabalhador totalmente dependente e sem poder de escolha, numa questão tão importante, como a sua subsistência e vida profissional.

Pelo exposto, e porque viola o art. 13º da CRP e o art. 344º, nº 1 do CT, declaro nula a cláusula de opção constante do contrato de trabalho desportivo junto a fls. 24 a 29 dos autos, (nomeadamente o nº 2 da cláusula 5º), e julgo a presente acção totalmente improcedente.

Não se pode acompanhar este entendimento.

Importa não esquecer que o contrato de trabalho é, antes de mais, um contrato. E todos os contratos são para ser cumpridos pontualmente (art. 406º-1 do CC).

O réu ao subscrever, “voluntária e livremente” o contrato em causa (facto provado nº 18) desde logo, não só acordou ser praticante desportivo do autor SLB durante duas épocas desportivas, como igualmente acordou a possibilidade de prorrogar o mesmo contrato por mais uma época desportiva.

Ou seja, este acordo para prorrogação do contrato, dado logo no momento da assinatura do contrato e, portanto no momento de inicial vigência do mesmo, tem o valor equivalente a uma proposta contratual de prorrogação por parte do réu dirigida ao autor AAA proposta esta que, também por acordo de ambas as partes, se mantinha válida até 30/6/2015.

Podia, pois, o autor AAA aceitar, ou não, tal proposta até àquela data, nos termos dos arts. 217º, 224º, 228º-1-a), 230º e 236º, todos do Código Civil.

Refere a sentença recorrida que tal cláusula implica uma desigualdade de direitos entre as partes, estando em causa a sua subsistência e progressão profissional não se vislumbrando fundamento lógico ou legal para que se faça depender apenas da vontade unilateral e discricionária do autor AAA a renovação do contrato por mais um ano, ficando o trabalhador totalmente dependente e sem poder de escolha, numa questão tão importante, como a sua subsistência e vida profissional.

Vontade unilateral e discricionária do autor AAA?

Trabalhador totalmente dependente e sem poder de escolha, numa questão tão importante, como a sua subsistência e vida profissional?

Como assim?

Então não foi o réu que, voluntária e livremente, escolheu e acordou em tal cláusula?    
   
Não foi por acordo entre autor AAA e réu?
Naturalmente que o réu podia ter escolhido não celebrar o contrato ou celebrar outro sem tal cláusula.

Mas não o fez.

E a “dependência” relativamente à sua subsistência e vida profissional, no que toca à prorrogação contratual por mais um ano, é exactamente igual à “dependência” que resultou das duas épocas iniciais previstas no contrato, mas já, contraditoriamente, na sentença recorrida não se conclui que a Clª 5ª-1 também é nula.
É do conhecimento geral que nos contratos desportivos, muito frequentemente no futebol, a integração de cláusulas de opção por mais temporadas ou de valores muito elevados a serem pagos em caso rescisão antecipada, normalmente implicam compensações acrescidas nos valores dos salários dos atletas e outras, a fim de os compensar por uma maior permanência temporal obrigatória ou por dificuldade acrescida na desvinculação. 

Daí que a posição assumida pelo réu nos presentes autos pareça vir acompanhada do suave aroma do perfume usado pelos maus pagadores. Ou se quisermos antes utilizar um adágio popular, garantindo “uma no papo e outra no saco”. Por um lado assegura-se um contrato com melhores condições remuneratórias e, por outro, não se cumpre o reverso que era a razão de ser dessas mesmas condições melhoradas.

E está o réu profundamente equivocado quando na sua contestação diz que tudo depende do arbítrio do autor AAA. Não é arbítrio, não é acordo vinculativo de sentido único, é acordo entre o autor e o réu voluntária e livremente celebrado.

Chamou ainda o réu em seu amparo o disposto no art. 18º-1 da Lei 28/98.

Fraco amparo, diga-se.
Estabelece tal preceito que: 1 - São nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual.

Ora a Clª 5ª-2 do contrato em causa não estabelece qualquer restrição à liberdade de trabalho do réu após a cessação contratual. Tal cláusula, como é manifesto, só actua na pendência da relação contratual, podendo levar à prorrogação do contrato existente.

Se prorroga, não faz cessar. Não cessando, não tem a virtualidade de impor limitação da liberdade de trabalho após o termo do vínculo contratual.

A Clª 5ª-2 do contrato celebrado entre o autor AAA e o réu não padece, assim, de nulidade, e é perfeitamente válida.

Todavia, veio o réu ainda defender que uma interpretação no sentido da validade da cláusula em questão viola o disposto nos arts. 53º, 47º-1 e 58º-1 da Constituição da República Portuguesa.
Analisemos.

A CRP, no seu art. 53.º, sob a epígrafe, Segurança no emprego”, dispõe: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”

Ora a cláusula em análise não visa qualquer tipo de despedimento ou põe em risco a segurança no emprego, bem pelo contrário, visa a possível manutenção do contrato de trabalho, por prorrogação do mesmo. Não há, pois, possibilidade de violação do art. 53º da CRP.

Quanto aos arts. 47º-1 e 58º-1 da CRP, estabelecem os mesmos que:
Artigo 47º - Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública
“1.- Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade.”

Artigo 58.º -Direito ao trabalho
“1.- Todos têm direito ao trabalho.”
No que toca ao art. 47º- da CRP, foi o réu que livre e voluntariamente decidiu assinar o contrato (facto provado nº 18) onde a referida cláusula se insere, tendo, por isso escolhido livremente a profissão, o género de trabalho e as condições que muito bem queria.
Não existe, manifestamente, qualquer violação do disposto no art. 47º-1 da CRP.
Quanto ao art. 58º-1 da CRP, a cláusula em análise reflecte a vontade livre e esclarecida do réu em querer ser praticante desportivo do autor SLB durante duas épocas bem como de uma terceira época, caso o autor SLB também o viesse a querer, quanto à terceira época.
Não também há qualquer violação do art. 58º-1 da CRP, mais a mais porque o autor AAA até quis continuar a assegurar o trabalho ao réu por mais uma temporada desportiva. Não o quis impedir de continuar a trabalhar nos termos contratuais consigo acordados.
A cláusula em causa, ou a interpretação de que a mesma não sofre de nulidade ou invalidade, não padece de qualquer inconstitucionalidade. 

Quanto à 2ª questão.
Como o autor AAA exerceu validamente a opção de prorrogação, decidindo a aceitar a proposta de prorrogação apresentada pelo réu e ínsita na Clª 5ª-2 do contrato celebrado a 17/6/2013 (facto provado nº 8), e o réu não aceitou tal prorrogação assinando outro contrato com o … (factos provados nºs 9, 10, 11, 12, 13 e 14), o réu rescindiu o contrato sem justa causa.

Nos termos do art. 27º-1 da Lei nº 28/98, “ Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.”.

Assim, verificada que seja a existência de danos decorrentes da rescisão sem justa causa por parte do réu, sobre este incide a obrigação de indemnizar o autor AAA, indemnização que, contudo, não poderá exceder os € 28.000,00, já que esse era o valor das retribuições previstas para o período de prorrogação (facto provado nº 7).

A sentença recorrida, acompanhando o invocado pelo réu na contestação, aptou pela improcedência do pedido indemnizatório, limitando-se a dizer que não foram alegados factos concretizadores de tais danos eventualmente sofridos, pelo que não resultaram provados.

Mas não é inteiramente assim.

Se atentarmos nos arts. 86º, 87º, 92º, 93º, 94º, 95º, 96º, 97º e 98º da petição inicial, verificamos que dos mesmos consta alguma factualidade com interesse para o apuramento da existência de danos decorrentes da rescisão sem justa causa por parte do réu.

Agora no que toca ao que resultou provado, já a factualidade é bem mais escassa.

Com interesse para esta questão, apurado que o autor rescindiu o contrato sem justa causa, somente se provou que o réu saiu do autor AAA para ir jogar pelo … durante a temporada que deveria cumprir ao serviço do autor AAA, passando a auferir € 44.100,00 em vez dos € 28.000,00 acordados com o autor AAA para a mesma época, mediante contrato celebrado a 7/6/2015, ou seja, já depois de ter recebido a comunicação do autor AAA para a prorrogação contratual (factos provados nºs 9, 13, 14, 15, 16 e 17).

Mais se provou que o réu é jogador Internacional A, titular indiscutível da Selecção Nacional, formado no AAA, onde esteve durante sete épocas, desde os escalões de formação (facto provado nº 19).

Contrapôs o réu, na sua contestação, que a saída do réu de jogador do AAA para o FCP não trouxe nem evidentes melhores resultados para o … nem evidentes piores resultados para o AAA.
Mas o problema não pode ser visto por esta perspectiva.

Como réu bem sublinha no art. 124º da sua contestação, “os resultados desportivos são uma álea” e a importância de um jogador não se pode medir pelos resultados obtidos por toda uma equipa de jogadores e de técnicos, incluindo treinadores.

O que é seguro é que o autor AAA deixou de poder contar, precocemente, com o contributo de um seu jogador, formado nas suas escolas, onde estava desde há sete épocas.

Naturalmente que a ausência desse jogador na organização da sua equipa de andebol teve repercussões negativas pois que o réu é jogador Internacional A, titular indiscutível da Selecção Nacional, o que, por si só, de acordo com critérios de normalidade, significa ser um atleta de qualidades muito acima da média, um dos poucos da elite do país que são chamados a vestir as cores nacionais em competições internacionais.

Assim, entendemos que a violação contratual por parte do réu, causou danos ao autor AAA.

Mas teremos então todos os dados necessários para estabelecer um montante concreto indemnizatório?

Aparentemente não.

Mas, então, apurada a existência de danos mas impossibilitados de fixar o montante indemnizatório em termos líquidos face aos poucos factos apurados nos autos, será de efectuar uma condenação genérica e relegar para liquidação o apuramento do mesmo, nos termos do art. 609º-2 e 358º-2, ambos do CPC ? Entendemos que não.

Não se vê que do incidente de liquidação seja possível fazer outra ou melhor prova da que aqui já foi efectuada, e não se vislumbrando outras diligências possíveis a determinar oficiosamente ou que seja adequada no caso a produção de prova pericial, nos termos do art. 360º-4 do CPC.

Como esclarece José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª Ed. Coimbra Editora, pags. 701 e 702, “Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do art. 566-3 do CC”.

Deste modo, considerando que o autor AAA registou a perda antecipada e injustificada de um seu atleta que era da “casa” já há 7 épocas e que se tratava de um jogador de qualidade superior, o suficiente para ser jogador Internacional A, titular indiscutível da Selecção Nacional, pesando também que o salário acordado com o autor AAA para a época em questão ascendia a € 28.000,00, entendemos como equitativo estabelecer o valor da indemnização a suportar pelo réu, nos termos do art. 27º-1 da Lei nº 28/98, o montante de € 25.000,00.

A apelação merece assim parcial provimento.

VI Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogando a sentença recorrida, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de € 25.000 (Vinte e Cinco Mil Euros).

Custas em ambas as instâncias a cargo do autor, na proporção de 1/10 e a cargo do réu, na proporção de 9/10.      


                                 
Lisboa, 6 de Junho de 2018



DURO CARDOSO
LEOPOLDO SOARES
EDUARDO SAPATEIRO