Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18090/18.8T8LSB.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: USUFRUTO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
BENFEITORIAS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O usufruto caduca por óbito do usufrutuário; o contrato de arrendamento que tenha sido celebrado pelo usufrutuário caduca quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado; consequentemente, o contrato de arrendamento em que era senhorio o usufrutuário caduca com o óbito deste.
II. A norma que estabelece que, não obstante a caducidade do arrendamento, se o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado apenas se aplica quando permanecem idênticas as pessoas do senhorio e do arrendatário, o que não sucede quando o senhorio era usufrutuário e faleceu.
III. Com o óbito do senhorio-usufrutuário, a sua eventual obrigação de indemnizar o arrendatário por benfeitorias realizadas transita para o proprietário pleno.
IV. O arrendatário que realizou obras licitamente tem direito no final do contrato, na falta de estipulação em contrário, a compensação por elas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.
V. O possuidor de boa fé que não possa levantar as benfeitorias úteis sem detrimento da coisa tem o direito de ser compensado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
VI. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende o que se tenha obtido à custa do empobrecido, não podendo exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para a restituição.
VII. Logo, as benfeitorias úteis apenas serão indemnizáveis se se provar que, aquando da citação judicial para a restituição, o imóvel tem mais valor do que aquele que teria se as obras não tivessem sido realizadas.
VIII. No caso dos autos, conhecendo-se o ano em que as obras foram realizadas (mais de um quarto de século aquando da citação) e o tipo de obras em causa, é de presumir que, quando os autores pretendem recuperar o imóvel e intentam esta ação, as obras não têm influência no atual valor do imóvel.
IX. Cabia à ré reconvinte a prova de que as obras realizadas conduzem a um enriquecimento dos proprietários, aquando da recuperação do imóvel; tal prova não resulta dos autos e os factos assentes (tipo de obras e tempo decorrido) fazem presumir o contrário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«AA» e outros, autores na ação de reivindicação identificada à margem, em que é ré «RR», S.A., notificados da sentença proferida no dia 5 de julho de 2019, que julgou a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, e com ela não se conformando, interpuseram o presente recurso.
Os autores intentaram a ação contra a ré, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre imóvel que reivindicam, bem como a condenação da ré a restituí-lo aos autores, livre e devoluto.
Na contestação, a ré deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos autores a pagar-lhe a quantia de € 50.748,70, cada um, acrescida de juros vincendos à taxa de juro civil, e a declaração do direito de a ré manter a posse do locado até ter recebido de cada um dos autores a pedida quantia.
O processo seguiu os regulares termos e, após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«julgo parcialmente procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção e, consequentemente, condeno a R. a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o espaço identificado no ponto 3 da matéria de facto provada; absolvo a R. do pedido de restituição aos AA. desse espaço; condeno os AA. a pagar à R. o valor das benfeitorias necessárias e das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento do prédio, realizadas pela «TT» em 1992, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, a liquidar em momento posterior; e reconheço à R. o direito de retenção sobre o espaço atrás mencionado até integral pagamento daquele valor
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso, concluindo, no essencial:
«(…) DOIS: O douto Tribunal a quo deveria ter considerado como não provados os factos nºs 13, 14 e 15 do elenco dos factos dados como provados.
TRÊS: A nível de prova documental, a Ré não apresentou qualquer documento que comprove o facto nº 13 do elenco dos factos dados como provados, ou seja, que esta tenha realizado qualquer obra.
QUATRO: No que se reporta à prova testemunhal, os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Ré são vagos, imprecisos e, em certos casos até contraditórios, não tendo sido corretamente especificado de que obras se trataram, porque é que estas eram necessárias, quais os seus custos ou sequer quem as realizou.
CINCO: Por outro lado, decorre da prova testemunhal, nomeadamente de …, testemunha dos Autores, e de …, …, …, e …, testemunhas da Ré, que não só não existe qualquer documento comprovativo do pagamento das alegadas obras, como estas, a existir, não foram sequer realizadas pela «TT», mas por subarrendatárias.
SEIS: Os factos nºs 14 e 15 do elenco dos factos dados como provados entram em contradição com os factos nºs 5 e 7 do elenco dos factos dados como provados, uma vez que a alegada motivação para a celebração do contrato-promessa e da escritura pública contradiz o que expressamente consta destes documentos.
SETE: Por outro lado, foi comprovado através do depoimento de …, testemunha dos Autores, que o usufrutuário não assumia encargos de elevado valor relacionados com obras e a própria testemunha dos Réus, …, assumiu ter dúvidas sobre a natureza jurídica do acordo, assumindo que este não corresponde ao que consta dos factos nºs 13 e 14 do elenco dos factos dados como provados.
OITO: O douto Tribunal a quo deveria ter considerado como não provado o facto nº 16 do elenco dos factos dados como provados.
NOVE: Antes de mais, tendo em conta que decorre da prova documental junta aos autos (nomeadamente do Documento nº 12 junto com a Contestação) que a Ré reconheceu expressamente a caducidade do contrato por morte do usufrutuário, estando apenas em discussão se esta tinha (ou não) direito a ser ressarcida por benfeitorias.
DEZ: Por outro lado, as provas testemunhais produzidas, nomeadamente através dos depoimentos das testemunhas dos Autores … e …, demonstraram claramente a existência de oposição por parte dos Autores.
(…) DOZE: Tendo falecido o usufrutuário, a 27 de Abril de 2004, o contrato caducou, por força do disposto no artigo 1051º, alínea c) do Código Civil.
TREZE: Não se pode considerar que o artigo 1056º do Código Civil seja aplicável às situações previstas na alínea c) do artigo 1051º do Código Civil, uma vez que este artigo se refere expressamente à “oposição do locador” e, uma vez caducado o contrato por morte do usufrutuário, não adquiriram os Autores a qualidade de locadores.
CATORZE: Não obstante, os Autores sempre se opuseram a que a Ré permanecesse no locado e pretendiam extinguir o contrato, sendo irrelevante que a Ré tenha (ou não) continuado a proceder ao pagamento da renda, uma vez que, não tendo a coisa locada sido restituída, a Ré encontra-se obrigada a continuar a proceder ao pagamento de uma indemnização equivalente ao valor da renda, até ao momento da restituição do imóvel (vide artigo 1045º, nº 1, do Código Civil).
(…) DEZASSETE: O ónus da prova relativamente ao alegado direito a benfeitorias cabia à Ré, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, não tendo esta, como devia, apresentado prova suficiente relativamente aos factos alegados.
DEZOITO: Por outro lado, a existir algum direito a benfeitorias, o que não se concede, conforme refere o artigo 1074º, nº 5, do Código Civil, o arrendatário apenas tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, caso não exista estipulação em contrário, sendo que o aditamento celebrado pelo usufrutuário e pela primitiva arrendatária exclui expressamente o direito a benfeitorias em caso de força maior.
(…) VINTE: Conforme decorre do artigo 1460º, nº 1, do Código Civil, não é lícito ao usufrutuário constituir encargos sobre o imóvel que ultrapassem a duração do usufruto, pelo que, a existir, o alegado direito a benfeitorias nunca poderia ser exigido perante os atuais proprietários.
VINTE E UM: Inexistindo qualquer crédito, inexiste também direito de retenção, devendo a Ré ser condenada a entregar o imóvel locado.»
A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) Alguns pontos da matéria de facto foram mal julgados e devem ser alterados?
b) Quando e como terminou o contrato de arrendamento?
c) A ré tem direito a ser compensada por benfeitorias realizadas?
d) Em que medida?
II. Fundamentação de facto
Estão provados os seguintes factos, que correspondem aos adquiridos em 1.ª instância, com pequena alteração no facto 16 (adiante justificada em III.A.):
1 - Encontra-se registada a favor dos AA. a aquisição, por legado deixado por «CC», do prédio sito no Largo …, nºs 2 A, 2 B, 2 C, 2, 2 D, 2 E, 2 F e 2 G, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e no livro 28 sob o nº ….
2 - No dia 20 de janeiro de 1951, «CC» declarou fazer legado de quatro imóveis, um deles o identificado no ponto 1, e de vários papéis de crédito em usufruto vitalício a favor de «BB».
3 - No dia 16 de maio de 1991, por escritura pública, «BB» declarou dar de arrendamento a «TT» - Sociedade Imobiliária, Lda., e esta declarou aceitar, as lojas 2 A, 2 B, 2 C, 2 E, 2 F e 2 G, com logradouro e anexo à retaguarda, do prédio identificado no ponto 1, para estabelecimento, armazém ou escritório, pelo prazo de 6 meses, com início a 1 de maio de 1991, prazo sucessiva e automaticamente renovável, mediante a renda mensal de Esc. 280.000$00.
4 - Da escritura referida no ponto 3 consta, entre outras, a seguinte cláusula:
“Os espaços arrendados são entregues à inquilina no estado em que se encontram o que é do seu conhecimento. A inquilina fica autorizada a fazer as obras necessárias aos fins do arrendamento, desde que não afetem a segurança do prédio ou alterem a estrutura das lojas e anexo arrendados. Nessas obras inclui-se, se a inquilina assim o pretender e se para tanto obtiver autorização administrativa, a cobertura do logradouro. A inquilina não terá direito, findo o arrendamento, a quaisquer indemnizações ou retenção pelas obras atrás mencionadas, sendo que o senhorio terá direito a fiscalizar a sua execução através de técnico ou pessoalmente”.
5 - Por documento escrito datado de 25 de fevereiro de 1997, «BB» e «TT» celebraram acordo do qual consta o seguinte:
“Pelo presente contrato ambas as partes prometem, mantendo o restante clausulado, aditar ao referido número um da cláusula primeira um período, por forma a que este número passe a ter a seguinte redação:
Primeira
Um: Os espaços arrendados são entregues à inquilina no estado em que se encontram o que é do seu conhecimento. A inquilina fica autorizada a fazer as obras necessárias aos fins do arrendamento, desde que não afetem a segurança do prédio ou alterem a estrutura das lojas e anexo arrendados. Nessas obras inclui-se, se a inquilina assim o pretender e se para tanto obtiver autorização administrativa, a cobertura do logradouro. A inquilina não terá direito, findo o arrendamento, a quaisquer indemnizações ou retenção pelas obras atrás mencionadas, se o arrendamento se extinguir por facto da inquilina ou a ela imputável ou por caso de força maior, sendo que o senhorio terá direito a fiscalizar a sua execução através de técnico ou pessoalmente.”
6 - Do documento referido no ponto 5 consta ainda o seguinte:
- “Os efeitos e alcance do presente documento, produzem-se de imediato, abrangendo todas as obras efetuadas desde o início do arrendamento e as que venham a ser realizadas.”
- “As obras efetuadas até esta data atingem o valor de 35.000 contos, o que já foi verificado pelo Primeiro Outorgante”.
7 - No dia 8 de julho de 1997, por escritura pública, …, na qualidade de procurador de «BB», e «TT» declararam que “alteram o  número um do artigo primeiro do mencionado contrato de arrendamento, passando o mesmo a ter a seguinte redação:
Primeiro
Um: Os espaços arrendados são entregues à inquilina no estado em que se encontram o que é do seu conhecimento. A inquilina fica autorizada a fazer as obras necessárias aos fins do arrendamento, desde que não afetem a segurança do prédio ou alterem a estrutura das lojas e anexo arrendados. Nessas obras inclui-se se a inquilina assim o pretender e se para tanto obtiver autorização administrativa, a cobertura do logradouro. A inquilina não terá direito, findo o arrendamento, a quaisquer indemnizações ou retenção pelas obras atrás mencionadas, se o arrendamento se extinguir por facto da inquilina ou a ela imputável ou por caso de força maior, sendo que o senhorio terá direito a fiscalizar a sua execução através de técnico ou pessoalmente.”
8 - Por documento escrito datado de 23 de abril de 2009, a «TT» e a R. celebraram acordo pelo qual aquela cedeu a esta a posição contratual no acordo referido no ponto 3.
9 - Do documento referido no ponto 8 consta seguinte:
“A cedência é feita pelo valor de € 255.232,78, atento a que a Inquilina tem direito, no fim do arrendamento, a reclamar do Senhorio a quantia correspondente às benfeitorias que a «TT»… introduziu nos locados, devidamente atualizada sendo que o valor das obras ascendem € 174.579,26 (35 mil contos) à data em que foram feitas (1991).”
10 - A 24 de abril de 2009, a «TT» comunicou a «BB» a cedência à R. da posição contratual de inquilina. 
11 - No dia 27 de abril de 2014, faleceu «BB». 
12 - Por carta datada de 20 de outubro de 2017, a Associação Lisbonense de Proprietários, na qualidade de procuradora dos AA., comunicou à R. o seguinte:
“É V/Exa detentor da qualidade de arrendatário no arrendamento comercial na fração acima mencionada.
O aludido contrato de arrendamento foi outorgado pelo então Senhorio e Usufrutuário Dr. «BB» e pela Sociedade Comercial «TT» - Sociedade Imobiliária, Lda. então na qualidade de primitiva Inquilina.
O usufrutuário Dr. «BB» faleceu em 27 de abril de 2014…
Nos termos do disposto no artº 1051 alínea c) do Código Civil o contrato de locação caduca quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado.
Considerando que no caso em apreço, no aludido contrato de arrendamento a posição de senhorio foi assumida pelo Usufrutuário Dr. «BB», com o seu falecimento, cessou o direito com base no qual o contrato foi celebrado.
Estabelece o artº 1053 do Código Civil que a restituição do andar, tratando-se de arrendamento, pode ser exigida pelos proprietários passados seis meses sob a verificação do facto que determina a caducidade, o que no caso em apreço já decorreu o referido prazo.
Prevê ainda o art. 1054º do mesmo diploma legal que na falta de oposição à renovação o contrato é renovável pelo prazo de um ano, ou seja, renova-se em 27 de Abril de cada ano, data do óbito do usufrutuário.
Desta forma e a considerar a presente data de oposição, vêm os proprietários ora senhorios, fazer a devida oposição nos termos do art. 1055º do CC, pelo que solicita que V/Exa entregue as chaves do locados, nas nossas instalações, deixando o locado livre e devoluto de pessoas e bens até ao próximo dia 27 de Abril de 2018.”
13 - Em 1992, a «TT» fez obras no espaço que, então, se encontrava degradado e com infiltrações, tais como reparar o teto, rebocar paredes, arranjar pavimentos e modernizar as instalações elétricas, colocando o espaço em condições de ser utilizado, obras essas no valor global de Esc. 35.000.000$00.
14 - A «TT», tendo ficado a saber que «BB» era usufrutuário e não proprietário e que o contrato podia cessar com o falecimento deste, ficou preocupada com uma possibilidade não antes representada de perder o investimento feito.
15 - A «TT» confrontou «BB» com a situação referida no ponto 13 e desse confronto surgiu a decisão de alterarem a cláusula referida no ponto 4. 
16 - Até 27 de abril de 2018, a ré utilizou o espaço identificado no ponto 3 sem oposição dos autores, pagando-lhes mensalmente valor idêntico ao da renda que vigorava no arrendamento aquando do óbito do senhorio.
*
Matéria de facto não provada:
1 - As obras valorizam o imóvel em montante superior ao despendido.
III. Apreciação do mérito do recurso
A. Da impugnação da matéria de facto
Os recorrentes impugnam os factos nºs 13, 14, 15 e 16, pedindo que os mesmos passem a não provados.
Como é sabido, o recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, conquanto observe as regras contidas no art. 640 do CPC. Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: a) os pontos da matéria de facto de que discorda;  b) os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida; e, c) a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640, n.º 1, do CPC).
Os recorrentes cumpriram os indicados ónus, pelo que reapreciaremos a prova, com vista a reavaliar os pontos da matéria de facto impugnados.
Os factos que os recorrentes impugnam, pedindo que se considerem não provados, apresentam o seguinte teor:
«13 - Em 1992, a «TT» fez obras no espaço que, então, se encontrava degradado e com infiltrações, tais como reparar o teto, rebocar paredes, arranjar pavimentos e modernizar as instalações elétricas, colocando o espaço em condições de ser utilizado, obras essas no valor global de Esc. 35.000.000$00.
14 - A «TT», tendo ficado a saber que «BB» era usufrutuário e não proprietário e que o contrato podia cessar com o falecimento deste, ficou preocupada com uma possibilidade não antes representada de perder o investimento feito.
15 - A «TT» confrontou «BB» com a situação referida no ponto 13 e desse confronto surgiu a decisão de alterarem a cláusula referida no ponto 4. 
16 - Até 27 de abril de 2018, a R. utilizou o espaço identificado no ponto 3 sem oposição dos AA., pagando mensalmente a renda.»
Relativamente ao facto 13, os recorrentes invocam a falta de documentos que comprovem a realização da obra, a vaguidade e imprecisão dos depoimentos testemunhais (que não concretizaram de que obras se trata, porque é que eram necessárias, quais os seus custos ou quem as realizou).
O tribunal a quo tinha fundamentado o facto no documento de fls. 100 verso e 101, no qual «BB» reconheceu que as obras atingiram o valor de Esc. 35.000.000$00, e nos depoimentos das testemunhas …, … e …, testemunhas que depuseram com conhecimento dos factos, atentas as suas qualidades de administrador da «TT» à data dos factos, de funcionário de sociedade que pertenceu ao grupo da qual fazia parte a «TT» e de funcionária da ré, respetivamente.
Quid juris?
Ouvidas as testemunhas e analisados os documentos, secundamos a convicção e a fundamentação do tribunal a quo. As três referidas testemunhas depuseram de forma aparentemente desinteressada, isenta, com riqueza de pormenores, discursos diferenciados e consentâneos com o muito tempo decorrido. Foram seguras e convincentes relativamente ao mau estado do imóvel aquando da celebração do contrato de arrendamento e às obras que efetuaram. É certo não haver delas documentos, que, segundo as mesmas testemunhas, especialmente …, teriam sido entregues à Contabilidade e que, vinte e cinco anos volvidos, largamente ultrapassado o prazo de guarda, não foi possível recuperar. O documento de fls. 100v.º e 101 – que incorpora acordo de 25/02/1997, assinado pelo usufrutuário, no qual, além do mais, ficou a constar que as obras efetuadas até à data importavam em 35.000.000$00 e que isso foi constatado pelo senhorio, usufrutuário do imóvel –, conjugado com os depoimentos mencionados, não nos deixam dúvidas sobre o facto 13, que, assim, se mantém.
Dos factos 14 e 15, dizem os recorrentes que os mesmos são contrariados pelos factos 5 e 7. Não concordamos com tal leitura.
O que se afirma nos factos em questão – que a arrendatária, tendo ficado a saber que o senhorio era usufrutuário e que o contrato cessaria com o falecimento deste, ficou preocupada com uma possibilidade não antes representada de não ser ressarcida pelas obras efetuadas, tendo sido por isso que as partes acordaram na alteração ao contrato de arrendamento formalizada em 1997 – é lógico.
Dessa alteração resultou que a inquilina não terá direito, findo o arrendamento, a quaisquer indemnizações ou retenção pelas obras realizadas, se o arrendamento se extinguir por facto da inquilina ou a ela imputável ou por caso de força maior. Ou seja, a inquilina passou a ter direito a ser indemnizada pela obras nos demais casos.
As partes discutem o significado de «caso de força maior». Os autores pretendem que na expressão se inclui o óbito do senhorio e usufrutuário, e é por via desta interpretação que defendem, neste recurso, que os factos 14 e 15 são contrariados pelos factos 5 e 7.
Entendemos que não lhes assiste razão. Em primeiro lugar, porque a testemunha … explicou bem e convincentemente a razão da alteração, nos termos seguintes. De início, aquando da celebração do contrato de arrendamento, desconheciam que o senhorio fosse apenas usufrutuário do imóvel; pensavam que era proprietário, como é mais habitual. Não duvidamos de que assim fosse, uma vez que o contrato de arrendamento não alude à qualidade do senhorio como usufrutuário; qualquer pessoa que lesse o contrato ficaria a pensar que o senhorio era dono do imóvel, como é habitual. Sendo o senhorio dono não haveria razão para recear a cláusula do contrato que afirmava: «A inquilina não terá direito, findo o arrendamento, a quaisquer indemnizações ou retenção pelas obras atrás mencionadas, sendo que o senhorio terá direito a fiscalizar a sua execução através de técnico ou pessoalmente». Com o regime do contrato de arrendamento então vigente, não vislumbrou a arrendatária que o contrato pudesse findar a curto prazo por causa imputável ao senhorio. Apenas mais tarde, a arrendatária soube que o senhorio era mero usufrutuário, dando-se, então, conta de que o contrato poderia terminar a qualquer momento, com o óbito do senhorio, não lhe permitindo, consequentemente, rentabilizar as obras que tinha feito no locado. É assim que vem a ser celebrado o aditamento, nos termos do qual «A inquilina não terá direito, findo o arrendamento, a quaisquer indemnizações ou retenção pelas obras atrás mencionadas, se o arrendamento se extinguir por facto da inquilina ou a ela imputável ou por caso de força maior, sendo que o senhorio terá direito a fiscalizar a sua execução através de técnico ou pessoalmente». A contrario, se o arrendamento se extinguisse por facto imputável ao senhorio, entre eles, o óbito, a arrendatária teria direito a ser indemnizada pelas obras, nos termos da lei, como adiante melhor explicaremos. Assim foi convicta e convincentemente explicado pela testemunha e, em segundo lugar, não encontramos nenhuma outra razão lógica para que a arrendatária tivesse a preocupação de celebrar o aditamento que não a de garantir que, findo o contrato por óbito do usufrutuário, a arrendatária seria ressarcida pelas obras nos termos gerais.
Mantemos, porquanto exposto, os factos 14 e 15.
A respeito do facto 16, os recorrentes invocam o documento n.º 12 junto com a contestação – do qual resulta que a ré reconheceu expressamente a caducidade do contrato por morte do usufrutuário, estando apenas em discussão se esta tinha (ou não) direito a ser ressarcida por benfeitorias –, bem como os depoimentos das testemunhas … e …, que demonstraram a existência de oposição por parte dos autores.
O facto 16, como consignado em 1.ª instância, apresenta a seguinte redação: «Até 27 de abril de 2018, a R. utilizou o espaço identificado no ponto 3 sem oposição dos AA., pagando mensalmente a renda».
É indiscutível, perante os documentos de fls. 105, 145, 146 e 174 a 190 que, até abril de 2018, a ré pagou mensalmente valor idêntico ao da renda que vigorava no arrendamento aquando do óbito do senhorio. Que a ré dispôs e usou o imóvel objeto do arrendamento até 27/04/2018 é pacífico entre as partes. A falta de oposição dos autores resulta da falta de prova de qualquer oposição.
Assim, altera-se o facto 16 para a seguinte redação:
16 - Até 27 de abril de 2018, a ré utilizou o espaço identificado no ponto 3 sem oposição dos autores, pagando-lhes mensalmente valor idêntico ao da renda que vigorava no arrendamento aquando do óbito do senhorio.
B. Da aplicação do Direito
O direito que «BB» tinha sobre o imóvel que arrendou à sociedade «TT», em 1991, era um usufruto, que havia sido constituído a seu favor por legado em testamento. Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (assim o define o art. 1439 do CC).
O gozo pleno, sem alteração de forma ou substância, inclui o arrendamento da coisa, como é pacificamente aceite. O concreto usufrutuário destes autos usou do seu direito de gozo, arrendando o imóvel a uma sociedade.
Por lei, o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário (art. 1443 do CC) e o do presente caso foi expressamente constituído como vitalício.
Na falta de regulação inserida no título constitutivo, os direitos e obrigações do usufrutuário são os constantes dos artigos 1446 e ss. do CC. No caso, dada a omissão de regulação no testamento, excetuado o prazo, é ao regime legal supletivo que temos de atender.
Vejamos as normas mais relevantes para a compreensão e apreciação do litígio:
O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico – art. 1446 do CC.
O usufrutuário tem a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer, contanto que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico (art. 1450, n.º 1, do CC), sendo aplicável, quanto a benfeitorias úteis e voluptuárias, o regime destinado ao possuidor de boa fé (n.º 2 do mesmo artigo).
Por outro lado, estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração (art. 1472, n.º 1, do CC).
As reparações extraordinárias correm por conta do proprietário (artigo 1473 do CC).
Tendo o usufrutuário o direito de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que entender, tem também a faculdade de permitir ao arrendatário que as faça, o que sucedeu.
O arrendatário, nos termos do 1074 do CC, pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio. Assim sucedeu, a ré foi autorizada pelo senhorio, no texto do contrato, a realizar as obras. No final do contrato, o arrendatário tem direito a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé (n.º 5 do art. 1074).
No caso sub judice, o usufruto caducou por óbito do usufrutuário e senhorio da ré, ocorrido em 27/04/2014 – uma das formas de extinção enumeradas no art. 1476 do CC.
Nos termos do art. 1051, al. c), do CC, o contrato de arrendamento caduca quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, pelo que o contrato de arrendamento cessou também com o óbito do usufrutuário.
Colocou-se a questão da aplicabilidade do art. 1056 à situação sub judice. Nos termos do referido artigo, «se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do artigo 1054.º».
Como resulta do texto da norma e da sua lógica interna, o contrato só pode renovar-se se as partes forem as mesmas, mesmo senhorio e mesmo arrendatário do contrato que vigorava imediatamente antes da sua caducidade. No caso dos autos, isso não se verifica, uma vez que o senhorio era usufrutuário e faleceu.
Maioritariamente, a doutrina tem-se pronunciado no sentido que expressámos. Leia-se, a propósito, exemplificativamente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3.ª ed., Coimbra Editora, p. 423, nota 2 ao art. 1056 – ainda que a situação narrada respeite ao arrendatário, que tem de ser o mesmo, igualmente assim é para o senhorio: só há renovação com o mesmo senhorio.
Menezes Leitão, Direito das Obrigações, III, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 354: «uma vez que a lei exige que a permanência do gozo seja do locatário e que não haja oposição do locador (art. 1056.º), naturalmente que também esta renovação não se aplicará em caso de morte do locatário ou da sua extinção sendo pessoa coletiva (art. 1051.º, n.º 1, d)), onde quem poderá gozar já não é o locatário, nem de cessação do direito ou dos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado (art. 1051.º, n.º 1, c)), onde a não oposição do locador não tem qualquer relevância, atento o facto de o direito ou os poderes que tinha terem cessado».
Elsa Sequeira Santos, no Código Civil Anotado, I, coord. Ana Prata, Almedina, 2017, p. 1285 - «não podendo considerar-se renovado um contrato com quem dele não seja parte».
Concluímos, portanto, que o contrato de arrendamento caducou com o óbito do senhorio e usufrutuário. A restituição do prédio só podia ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determinou a caducidade (art. 1053 do CC). Os autores deixaram correr esse prazo e bastante mais, até à carta de 20/10/2017, exigindo a restituição em 27/04/2018. Até esta data, a ré foi pagando a compensação devida pelo uso.

Apenas está em causa saber se a ré deve ser compensada pelas obras efetuadas pela sua antecessora, em que medida, e se tem direito a reter o imóvel até que isso suceda.
Conforme acima dissemos, com o aditamento ao contrato efetuado em 1997, as partes quiseram acautelar o direito da ré à compensação pelas obras desde que o arrendamento terminasse a causa imputável ao senhorio. A ré apenas não seria compensada pelas benfeitorias se o contrato terminasse por causa que lhe fosse imputável ou por caso de força maior (excluído o óbito do usufrutuário). O óbito do usufrutuário-senhorio constitui a causa mais previsível e normal de cessação do contrato de arrendamento por aquele celebrado, e o que as partes pretenderam com a alteração ao contrato foi precisamente não afastar a compensação por benfeitorias caso o contrato viesse a cessar com uma morte prematura do usufrutuário, que não lhes permitisse rentabilizar o investimento efetuado (pois, quando celebraram o contrato, a arrendatária desconhecia que o senhorio fosse mero usufrutuário, pelo que previa que o contrato durasse indefinidamente).
O contrato de arrendamento dos autos terminou ao mesmo tempo que o usufruto e pela mesma causa: o óbito do usufrutuário.
Neste cenário, coloca-se a questão: a quem é que o arrendatário pode pedir a compensação devida pelas benfeitorias realizadas? Aos sucessores do usufrutuário, seu senhorio? Ou ao dono da coisa, que não é senhorio, mas que com o óbito do usufrutuário passa a ter a propriedade plena do bem?
Com o óbito do senhorio-usufrutuário, a sua obrigação de indemnizar o arrendatário pelas obras realizadas transita para o proprietário pleno. Tal obrigação é inerente ao direito real de gozo do usufrutuário que, com o seu óbito, se consolida no proprietário pleno, qualificando-se como obrigação propter rem – sobre estas obrigações v. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 3.ª ed., Principia, 2013, pp. 22-6, e doutrina aí indicada. Sobre a possibilidade de obrigações propter rem de origem contratual e alusão a um interessante caso de transmissão ao proprietário de uma obrigação do arrendatário, contraída perante senhorio-usufrutuário, entretanto falecido, v., do mesmo Autor, «A denunciabilidade das obrigações contratuais duradouras propter rem», ROA, Ano 70 (2010), Vol. I/IV, pp. 273-297.
Tendo as concretas obras realizadas sido autorizadas pelo usufrutuário dentro dos poderes que lhe assistiam, tendo os usufrutuários em geral e por lei direito a serem compensados pelas obras segundo o regime do possuidor de boa fé, e tendo os arrendatários o direito de serem ressarcidos nos mesmos termos pelas obras lícitas, cessando o arrendamento por óbito do senhorio-usufrutuário, a obrigação de ressarcir o arrendatário pelas benfeitorias acompanha o direito de gozo, agora integrado na propriedade plena. Esta solução, ademais, é a que permite a correta distribuição de custos e proveitos, pois o proprietário vai compensar apenas na medida em que beneficia com as benfeitorias realizadas, permanecendo o arrendatário com o custo excedente, do qual foi o único que pôde beneficiar (isto torna-se evidente com o que a seguir se expõe).
Em 1992, a antecessora da ré fez obras no espaço que, então, se encontrava degradado e com infiltrações. Essas obras consistiram na reparação do teto, reboco das paredes, arranjo dos pavimentos e modernização das instalações elétricas, e, nelas, a antecessora da ré despendeu 35.000.000$00 (€ 174.579,26) – facto 13. Estas obras enquadram-se na definição de benfeitorias úteis, na medida em que, não sendo indispensáveis à conservação do imóvel arrendado, aumentam-lhe o valor (art. 216 do CC).
Os factos assentes não nos permitem concluir que, sem as descritas obras, o imóvel se teria perdido ou destruído. A deterioração a que se reporta o art. 216, apta a qualificar a benfeitoria como necessária, há de ser uma deterioração importante, dificilmente reversível e que afete a coisa na sua globalidade. Não se provou ter sido esse o caso das reparações efetuadas. Uma coisa é a obra ser necessária à prossecução dos fins comerciais da arrendatária, cujas instalações agradáveis e confortáveis lhe acrescentam valor por propiciarem, quer aumento de clientela, quer de produtividade dos que ali trabalham; coisa distinta é a obra ser necessária para impedir a deterioração da coisa. Não duvidamos de que as obras realizadas tenham aumentado o valor do imóvel em 1992. Mas será que, na presente data, ou em 2018, quando os proprietários pretenderam recuperar o imóvel, o valor deste é diferente daquele que seria se as obras não tivessem sido realizadas?
Como já referimos, sendo as obras lícitas, porque autorizadas dentro do perímetro dos poderes do usufrutuário-senhorio, a arrendatária tem direito, no final do contrato, a compensação por elas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé. No caso dos autos, a arrendatária que fez as obras cedeu a sua posição à ora ré, incluindo o seu direito à compensação por benfeitorias (factos 8 e 9). No contrato entre a primitiva arrendatária e a ora ré, as partes estipularam que o preço da cedência era de “x” porque, findo o arrendamento, a arrendatária teria direito a “y”, valor despendido em obras e atualizado (facto 9). Este acordo não é oponível aos ora autores, proprietários do imóvel (art. 406, n.º 2, do CC).
O direito que a ré tem sobre os autores é o que a lei lhe atribui. O possuidor de boa fé, de acordo com o disposto no art. 1273 do CC, tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias que haja feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela; e quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Considerando as obras realizadas (reparações em tetos, paredes, pavimentos e instalação elétrica), concluímos que as benfeitorias não são desintegráveis da coisa, pelo que a ré terá apenas direito a ser compensada de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.
A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, não podendo exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para a restituição (arts. 479 e 480, al. a), do CC).
Aqui chegados, os factos assentes não nos permitem concluir que, se as obras não tivessem sido feitas em 1992, em 2018, aquando da citação, 26 anos volvidos, o imóvel tivesse valor inferior ao que tem.
Conhecendo o ano em que as obras foram realizadas (mais de um quarto de século aquando da citação) e o tipo de obras em causa, é de presumir que, quando os autores pretendem recuperar o imóvel e intentam esta ação, as obras realizadas em 1992 não tenham influência no atual valor do imóvel. Essas obras, entretanto gastas e obsoletas, terão sido consumidas durante os 26 anos em que a ré e a sua antecessora gozaram o imóvel. Se em 1992 o imóvel sofria de infiltrações e foi reparado, é impossível que, 26 anos volvidos, não haja novas infiltrações. Os rebocos de tetos e paredes feitos 26 anos atrás não podem ter um estado de conservação que influa no valor do imóvel. O mesmo se diga dos pavimentos («arranjados» em 1992) e da instalação elétrica («modernizada» em 1992). Aliás, o regime das instalações elétricas e os requisitos de conformidade e de certificação das redes sofreram várias alterações (v. DL 96/2017, de 10 de agosto, em vigor, e regimes revogados).
Recordamos que o senhorio, em escrito de 25/02/1997, reconheceu que tinham sido efetuadas obras no montante de 35.000 contos, mas não houve qualquer comprometimento a pagá-las. Esse reconhecimento nem sequer ficou a constar da escritura de aditamento ao contrato, celebrada em 08/07/1997. De todo o modo, como referimos, nunca um tal acordo (ainda que tivesse existido e não existiu) seria oponível aos autores.
Vinte e seis anos volvidos sobre a realização das obras, é de presumir que as mesmas estão completamente depreciadas, além de contabilisticamente amortizadas de há muito.
Cabia à ré reconvinte a prova de que as obras realizadas conduzem a um enriquecimento dos proprietários, aquando da recuperação do imóvel. Tal prova não resulta dos autos e os factos assentes (tipo de obras e tempo decorrido) fazem presumir o contrário.
Em suma:
O usufruto caduca por óbito do usufrutuário; o contrato de arrendamento que tenha sido celebrado pelo usufrutuário caduca quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado; consequentemente, o contrato de arrendamento em que era senhorio o usufrutuário caduca com o óbito deste.
A norma que estabelece que, não obstante a caducidade do arrendamento, se o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado apenas se aplica quando permanecem idênticas as pessoas do senhorio e do arrendatário, o que não sucede quando o senhorio era usufrutuário e faleceu.
Com o óbito do senhorio-usufrutuário, a sua eventual obrigação de indemnizar o arrendatário por benfeitorias realizadas transita para o proprietário pleno.
O arrendatário que realizou obras licitamente tem direito no final do contrato, na falta de estipulação em contrário, a compensação por elas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.
O possuidor de boa fé que não possa levantar as benfeitorias úteis sem detrimento da coisa tem o direito de ser compensado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende o que se tenha obtido à custa do empobrecido, não podendo exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para a restituição.
De acordo com a norma legal supletiva, as benfeitorias úteis apenas serão indemnizáveis se se provar que, aquando da citação judicial para a restituição, o imóvel tem mais valor do que aquele que teria se as obras não tivessem sido realizadas.
No caso dos autos, conhecendo-se o ano em que as obras foram realizadas (mais de um quarto de século aquando da citação) e o tipo de obras em causa, é de presumir que, quando os autores pretendem recuperar o imóvel e intentam esta ação, as obras realizadas em 1992 não tenham influência no atual valor do imóvel.
Cabia à ré reconvinte a prova de que as obras realizadas conduzem a um enriquecimento dos proprietários, aquando da recuperação do imóvel; tal prova não resulta dos autos e os factos assentes (tipo de obras e tempo decorrido) fazem presumir o contrário.
IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação procedente, revogando a sentença na parte recorrida, em consequência do que julgam procedente a ação e improcedente a reconvenção, condenando a ré a restituir o espaço aos autores, e absolvendo estes do pedido relativo a benfeitorias.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 04/02/2020
Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira