Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
321/16.0JDLSB.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: CONFISSÃO
ARREPENDIMENTO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
DECLARAÇÕES DO ASSISTENTE
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: IComo tem sido entendimento da Jurisprudência, a confissão, enquanto atitude colaborante do arguido, pode traduzir-se ou não numa circunstância atenuante de carácter geral, cujo domínio de influência “se repercute directamente na determinação da medida concreta da pena, ou indirectamente, ao nível da valoração das exigências de prevenção especial”.
II Já não assim como uma fonte de desencadeamento automático da atenuação especial da pena prevista no art. 72.º do Cód. Penal.
IIINesse particular, a perspectiva que o Legislador sobretudo encarece, é a do arrependimento sincero, para além do que, para a sua concessão, o que é determinante, é saber-se “se a imagem global do facto revela que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, quer pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena”.
IVIndependentemente do número de armas que o arguido tenha na sua posse em situação ilegal no momento da intervenção policial, e de aquelas serem todas, ou não, do mesmo tipo, a respectiva detenção constitui apenas um único crime.
VNão existe obstáculo legal para que as declarações da assistente, em audiência de julgamento, possam ser valoradas para formar a convicção do tribunal em relação ao pedido cível, sobretudo quando corroboradas “por outros elementos probatórios, derivados de provas directas e indirectas, devidamente conjugadas entre si e as regras da experiência comum”.(Sumariado pelo relator)

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência na (5.ª) Secção Criminal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


I–1.) No Juízo Central Criminal de Sintra, Comarca de Lisboa Oeste, foi o arguido GM, com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, na forma consumada, de:

Três crimes de abuso sexual de crianças p. e p. no art. 171º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal;
Três crimes de abuso sexual de menores dependentes p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1, do mesmo Diploma;
Um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, als. c) e d), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro;
Um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) desta mesma a Lei n.º 5/2006.
 
RD e MV, assistentes nos autos, vieram em representação da sua filha menor FD, deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, solicitando a sua condenação no pagamento da quantia de € 70.000,00, a título de danos morais sofridos pela menor, acrescida de juros de mora, e ainda dos danos patrimoniais que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença.

I–2.) Efectuado o julgamento e proferido o respectivo acórdão, veio a ser decidido, entre o mais, o seguinte:

Absolver o arguido GM da prática de dois crimes de abuso sexual de crianças do art. 171.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal;
Absolvê-lo ainda da prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1, do Cód. Penal;
Condená-lo pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de crianças do artigo 171.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (praticado entre Junho a Agosto de 2015 e entre Setembro a Outubro de 2015);
Condená-lo pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de abuso sexual de menores dependentes p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1 do Cód. Penal, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, praticados, respectivamente, em Fevereiro e em Março de 2016.
Condená-lo pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de detenção de arma proibida, cometidos em 10 de Maio de 2016, dos art.ºs 86.º, n.º 1, als. c) e d) da Lei 5/2006, nas penas de 1 (um) ano de prisão e de 6 (seis) meses de prisão.
Condená-lo nas penas acessórias de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades públicas ou privadas do artigo 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal, e de assumir a confiança de menor, de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda de menor, do artigo 69.º-C, n.º 2 do mesmo Diploma, pelo período de 6 (seis) anos.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercício de funções e de assumir a confiança de menor pelo período de 6 (seis) anos.

Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e condenar o arguido/demandado a pagar à menor FD, representada na pessoa dos assistentes seus pais, RD e mulher MV, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos morais, acrescida de juros vencidos desde a data da notificação do pedido civil, até pagamento e a quantia de € 190,00 (cento e noventa euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros calculados desde o trânsito da presente decisão e da que se vier a vencer por conta das consultas de psicoterapia que a menor vier a carecer de frequentar em consequência do diagnóstico de stress pós-traumático de que padece, a liquidar em sede ulterior de execução.

I–3.) Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido GM para esta Relação, apresentando na síntese das razões que fundamentam a sua discordância, as seguintes conclusões:

1.ª–Nos presentes autos o Recorrente foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de crianças do artigo 171.º, n.ºs 1 e 2 do CP, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, praticado entre Junho a Agosto de 2015 e entre Setembro a Outubro de 2015, pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de abuso sexual de menores dependentes do artigo 172.º, n.º 1 do CP, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, praticados, respectivamente, em Fevereiro e em Março de 2016, pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de detenção de arma proibida, cometidos em 10 de Maio de 2016, dos artigos 86.º, n.º 1, als. c) e d) da Lei 5/2006, nas penas de 1 (um) ano de prisão e de 6 (seis) meses de prisão, e, a título de pedido de indemnização civil, a pagar à menor FD, representada na pessoa dos assistentes seus pais, RD e mulher MV, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos morais, acrescida de juros vencidos desde a data da notificação do pedido civil, até pagamento e a quantia de € 190,00 (cento e noventa euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros calculados desde o trânsito da presente decisão e da que se vier a vencer por conta das consultas de psicoterapia que a menor vier a carecer de frequentar em consequência do diagnóstico de stress pós-traumático de que padece, a liquidar em sede ulterior de execução;
2.ª–O Recorrente não pode conformar-se com o Acórdão proferido nos autos na medida em que padece de vários vícios cuja sanação determinaria decisão diferente da que foi tomada pelas Sr.ªs Juízes a quo;
3.ª–O Recorrente confessou integralmente, de forma livre e sem reservas, os factos constantes da acusação;
4.ª–Os factos constantes da acusação somente são conhecidos diretamente pelo Recorrente e pela Ofendida, na medida em que não existem testemunhas que tenham presenciado os factos ou quaisquer documentos aptos a corrobora-los;
5.ª–Sem a confissão do Recorrente, o único meio prova constante dos autos consistiria nas declarações da Ofendida, prestadas para memória futura sem a presença do Recorrente;
6.ª–A confissão do Recorrente constituiu meio essencial de prova para a descoberta da verdade material, tendo o Recorrente respondido a todas as questões que lhe foram colocadas, muito embora tivesse já confessado, um por um, os artigos constantes da acusação;
7.ª–Sem a confissão integral e sem reservas do Recorrente, dificilmente o tribunal recorrido poderia sustentar fundadamente uma condenação pela prática dos crimes que lhe eram imputados na acusação;
8.ª–Conforme resulta a fls. 26 do Acórdão ora em crise, foi a confissão do Recorrente que permitiu fundamentar a decisão proferida;
9.ª–Muito embora a confissão integral e sem reservas feita pelo Recorrente tenha sido elemento de prova essencial para a descoberta da verdade material, a verdade é que o Acórdão ora em crise não considerou a confissão para efeitos de atenuação especial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 72.º do Código Penal;
10.ª–A tendência jurisprudencial inclina-se para valorizar a confissão de acordo com o contributo que fornece para a descoberta da verdade;
11.ª–Ao não valorizar a confissão do Recorrente para efeitos de atenuação especial, o Acórdão ora em crise violou o disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal, na medida em que a atenuação especial tem clara relevância para a determinação da medida da pena, nomeadamente em termos de limites mínimos e máximos das molduras penais;
12.ª–O Acórdão ora em crise deve ser revogado e substituído por outro que considere que a confissão do Recorrente foi essencial para a descoberta da verdade material e, consequentemente, valorize a confissão para efeitos de atenuação especial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 73.º do Código Penal;
13.ª–O Acórdão em crise também errou ao não considerar uma única, as condutas do Recorrente após a Ofendida perfazer 14 anos;
14.ª–Não consegue o Recorrente entender a razão que levou o Acórdão ora em crise a não considerar uma única resolução delictiva as condutas perpetradas pelo Recorrente em finais de Fevereiro e Março;
15.ª–As situações fácticas que estiveram na base da decisão tomada quanto aos atos praticados até Outubro de 2015, no sentido de existir um único crime derivado de uma única resolução, são as mesmas, ou seja, os mesmos agentes e uma única resolução por parte do Recorrente de praticar atos sexuais de relevo com a Ofendida;
16.ª–Não podem restar dúvidas de que as condutas perpetradas pelo Recorrente em finais de Fevereiro e em Março encontram conexão temporal (nomeadamente por terem ocorrido em período inferior a 30 dias) demonstrativa de o Recorrente ter agido com uma única resolução;
17.ª–A fundamentação inserta no Acórdão ora em crise para considerar uma única resolução e um único crime as situações ocorridas até Outubro de 2015 aplica-se (até com mais propriedade) às condutas do Recorrente perpetradas em finais de Fevereiro e Março;
18.ª–Pelo que, mal andou o Acórdão em crise ao considerar que a conduta do Recorrente em Fevereiro e Março espelha a existência de duas motivações distintas e a prática de dois crimes, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que considere a homogeneidade da conduta do Recorrente, que se prolongou num período temporal inferior a 30 dias, e em que os tipos de ilícito, individualmente considerados, bem como a vítima, são os mesmos, condenando o Recorrente pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal;
19.ª–O Acórdão ora em crise violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal, no que se refere à determinação da medida da pena aplicável aos crimes de detenção de arma proibida;
20.ª–Considerou o Acórdão que a punição destes crimes com uma pena de multa não assegura de forma adequada as finalidades da punição, pelo que apenas a aplicação de uma pena de prisão acautela suficientemente tais finalidades;
21.ª–Porém, não é apontada no Acórdão uma única necessidade de prevenção concreta que permita ignorar a regra contemplada no artigo 70.º do Código Penal, ou seja, que o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade;
22.ª–Cabia ao Tribunal a quo concretizar, fundamentando, a preferência pela aplicação ao Recorrente de uma pena privativa da liberdade (que não é a regra), o que não sucede no Acórdão ora em crise que não contém uma única referência às razões tal escolha, para além do facto de o Recorrente estar também a ser julgado por crimes mais graves, em termos de bens protegidos, mas que em nada estão associados aos crimes de detenção de arma proibida ora em apreço;
23.ª–Ao decidir pela aplicação de uma pena privativa da liberdade sem qualquer justificação, o Acórdão ora em crise violou o disposto no artigo 70.º do Código Penal, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que aplique ao Recorrente penas não privativas da liberdade, pela prática dos dois crimes de detenção de arma proibida, em cumprimento do disposto no artigo 70.º do Código Penal, por estas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
24.ª–O Acórdão ora em crise errou também no que concerne ao pedido de indemnização civil em que o Recorrente foi condenado;
25.ª–A existência de danos sofridos, patrimoniais ou não patrimoniais, não se presume, independentemente do tipo de crime em questão;
26.ª–Cabia aos Assistentes, Demandantes, provar os danos que invocaram no pedido de indemnização apresentado, sendo que não o fizeram, não resultando dos autos qualquer elemento probatório que quantifique quaisquer danos sofridos pela Ofendida diretamente relacionados com a conduta do Recorrente;
27.ª–A decisão do Tribunal a quo sustentou-se nas declarações da Assistente, que, por se tratar de um pedido de indemnização civil, não poderiam ter sido valoradas pelo Tribunal a quo, atento o disposto no artigo 133.º, n.º 1, alínea b), do CPP;
28.ª–O assistente está impedido de depor como testemunha por ser interessado no desfecho concreto do processo.
29.ª–Não existe um único elemento nos autos, sustentado em razão de ciência ou exame pericial realizado nos autos ou fora deles, que permita concluir que a Ofendida sofreu danos resultantes da conduta do Recorrente;
30.ª–O único relatório médico existente nos autos confirma somente que a Ofendida sofrerá de depressão, sem no entanto relacionar nesse documento a patologia que identifica com um qualquer evento traumático;
31.ª–O Tribunal a quo não dispunha de elementos probatórios que permitissem concluir que a Ofendida havia sofrido danos não patrimoniais resultantes da conduta do Recorrente no valor de € 20.000,00;
32.ª–O Acórdão deverá ser revogado quanto a este ponto e substituído por outro que considere que a decisão ora em crise carece de sustentação fáctica, inexistindo quaisquer danos não patrimoniais comprovados nos autos.

I–4.1.) Respondendo ao recurso interposto, a Digna magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, concluiu pela forma abaixo indicada:

1.º–À luz da motivação da ora Recorrente, GM, não merece qualquer reparo o douto acórdão proferido pelo tribunal a quo;
2.º–O douto acórdão recorrido não padece de nenhum dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, os quais, tão pouco, chegam a ser explicitamente invocados pelo ora Recorrente, nem se verifica preterição de qualquer disposição legal;
3.º–As declarações confessórias do arguido, ainda que integrais e sem reservas, apenas podem funcionar, no caso em apreço, como circunstâncias atenuativas gerais, não se mostrando verificados nenhum dos pressupostos que pudessem levar à atenuação especial da pena tal como previstos se mostram no art.º 73.º, do CP;
4.º–No caso dos autos, as condutas do arguido perpetradas, respectivamente, em Fevereiro e em Março de 2016, integram dois crimes de abuso sexual de menores dependentes, que foram cometidos por duas vezes, em situações que estão devidamente delimitadas espácio e temporalmente e que em momento algum se confundem com a figura do crime prolongado ou de trato sucessivo, a que não são reconduzíveis, mostrando-se devidamente configurados os respectivos elementos objectivos e subjectivos constitutivos deste tipo de injusto;
5.º–Deve, consequentemente, ter-se por definitivamente fixada a decisão proferida em primeira instância relativamente à matéria de facto e à matéria de direito, no que respeita ao arguido e ora Recorrente;
6.º–A opção pela pena de prisão em vez da aplicação da pena de multa, no que respeita aos dois crimes de detenção de arma proibida pelos quais o arguido foi também condenado, encontra-se suficientemente justificada no douto acórdão recorrido;
7.º–Concluímos, ainda, que as penas parcelares encontradas e a pena única de 6 anos de prisão aplicada ao arguido não são desproporcionadas, nem ultrapassam a medida da culpa, satisfazendo, do mesmo passo, pelo mínimo, os interesses preventivos gerais e especiais.
Termos em que se conclui que o douto acórdão recorrido efectuou um correcto enquadramento jurídico-penal do caso concreto em apreço, pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos, com o que, decidindo pelo exposto,

I–4.2.) Usando de igual prerrogativa, os Assistentes/Demandantes RD e MV concluíram por seu turno:
1.º–O arguido alega vícios no douto Acórdão proferido nomeadamente a violação dos artigos 71.º e 72.º do Código Penal pela não valoração adequada da confissão e pela condenação por três crimes, um previsto e punido pelo artigo 171.º do Código Penal e dois punidos pelo artigo 172.º do mesmo diploma o que não nos parece correcto.
2.º–Refere a alínea c) do artigo 71.º do Código Penal (Determinação da Medida da Pena) refere os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.
3.º–O Recorrente tentou fazer crer ao tribunal que cessou a sua atitude por iniciativa própria o que não é verdade. Fê-lo depois e em consequência do conhecimento dos familiares da vítima.
4.º–Assumiu “secamente” a prática dos factos sem adiantar explicação nem afectividade pela vítima o que revela que não interiorizou a reprovação das suas condutas durante 9 meses.
5.º–A alínea c) do artigo 72.º do Código Penal (Atenuação Especial da Pena) exige que tenha havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente.
6.º–O Recorrente não interiorizou - como refere e bem o douto acórdão recorrido - a sua atitude. Admitiu a sua incompreensão pelos factos cometidos. Ora, se não compreende, não consegue interiorizar nem se pode arrepender daquilo que não compreende.
7.º–Ao retirar-se 5 anos à soma aritmética das penas aplicadas, a elaboração do cúmulo jurídico valorou - e bem - a confissão do Recorrente.
8.º–O Recorrente beneficiou da confissão que lhe atenuou a medida da pena aplicada depois de cumulada.
9.º–A confissão do arguido não se revestiu de um sentido e sincero arrependimento, mas da expectativa de minorar as consequências penais da sua actuação, revestindo-se, por essa razão, num valor atenuativo, quanto a nós, muito reduzido.
10.º–A confissão do Recorrente foi - como é seu direito - uma estratégia processual que serviu como meio de prova que foi ponderada e valorada a seu favor, a nosso ver, na operação do cúmulo jurídico.
11.º–Não houve qualquer violação aos artigos 71.º e 72.º do Código Penal.
12.º–Como consta do facto n.º 21 dado como provado, no período de tempo compreendido entre a primeira semana do mês de Junho de 2015 e a última semana do mês de Agosto de 2015, o arguido, sempre que se encontrava sozinho com FD , no interior das instalações do Agrupamento de Escuteiros do Murtal beijava-a na boca e acariciava-a na zona das mamas, das nádegas e na zona da vagina.
13.º–Os atos continuaram em Agosto de 2015 no Acampamento de Verão na Serra de Sintra apenas destinado aos exploradores e respectivos chefes. Continuou a enviar mensagens até Setembro de 2015 e depois em Outubro no reinício das actividades do agrupamento.
14.º–A menor tinha neste período temporal menos de 14 anos.
15.º–O Recorrente tinha, no âmbito da sua função, o dever especial de assistência e de educação no âmbito das actividades dos escuteiros.
16.º–Em Fevereiro e Março houve duas situações distintas em que o Recorrente manteve relações sexuais com a menor.
17.º–Em Fevereiro de 2016 os exploradores foram acampar para a Base Militar dos Comandos de Oeiras.
18.º–À hora de recolher o Recorrente, aproveitando-se da relação de confiança que tinha como ascendente sobre a menor, foram para o jipe onde o Recorrente iria pernoitar com o intuito de satisfazer os seus impulsos sexuais independentemente da idade da menor.
19.º–Em Março de 2016 no âmbito das actividades do agrupamento voluntariou-se para levar a menor a casa, fez uma paragem e conduziu o jipe para uma zona de relva nas traseiras do Centro de Saúde da Parede com o propósito de ter relações sexuais com a menor.
20.º–Não importa aqui o período temporal como refere o Recorrente - “inferior a 30 dias” - importa que houve duas resoluções diferentes no momento, na forma ponderadas isoladamente e criadas pelo Recorrente para atingir o seu fim.
21.º–A motivação do período temporal entre Junho e Outubro de 2015 é, sem dúvida, o cometimento de um crime prolongado no tempo.
22.º–Já em Fevereiro e Março de 2016 houve duas vontades, duas formas isoladas de agir: a homogeneidade existente no primeiro período em que houve o prolongamento do cometimento de um crime não pode e não deve ser igualmente considerada para o período entre Fevereiro e Março de 2016.
23.º–Cada um dos actos, cometidos entre Fevereiro e Março de 2016, foi perpetrado num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução, e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido.
24.º–No primeiro período temporal houve um propósito prolongado e concretizado por parte do Recorrente de satisfazer os seus impulsos sexuais com a menor.
25.º–No segundo período temporal houve resoluções diferentes e causadas propositadamente pelo Recorrente nomeadamente ao voluntariar-se para levar a menor a casa e no caminho faz uma paragem propositada.
26.º–O flirt - como refere o douto Acórdão proferido - que existiu desde Junho 2015 até Outubro do mesmo ano com uma menor de 13 anos no acampamento e em situação criada pelo arguido é um mesmo crime prolongado no tempo que, quanto a nós, não atenua como acontece no crime continuado, mas agrava a acção do Recorrente.
27.º–De Outubro a Fevereiro afastam-se fisicamente por motivos profissionais e manteve as mensagens.
28.º–No primeiro período temporal há uma única resolução de actos sexuais de relevo praticados num contexto temporal homogéneo que os unifica, ou seja, um único crime de abuso sexual de trato sucessivo.
29.º–Em Fevereiro e Março de 2016 já a menor tinha 14 anos, após uma separação física de 4 meses ainda assim o Recorrente teve actos sexuais de cópula com a menor: acto vaginal, acto anal em situações criadas por ele.
30.º–Houve preparação e ponderação por parte do Recorrente como se pode perceber pela ejaculação para o exterior e de imediato a introdução do pénis no ânus da menor sem que esta o esperasse pensando apenas no seu prazer desvalorizando a idade e pouca experiência da menor.
31.º–A menor, para si, por quem não nutria qualquer sentimento, era apenas “uma rapariga” que servia ao seu uso e intento: satisfazer os seus impulsos sexuais. Fez da menor um objecto para o satisfazer sem olhar às consequências daí inerentes.
32.º–Tem razão o Tribunal a quo ao considerar um crime prolongado e de trato sucessivo o período de Junho a Outubro e de considerar dois crimes com duas resoluções diferentes perpetrados entre Fevereiro e Março de 2016.
33.º–Ao contrário do crime continuado, nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta.
34.º–No segundo hiato de tempo houve a prática dos mesmos atos com menor de 14 anos confiada aos cuidados, educação e assistência da menor — esse é outro tipo de crime — com duas resoluções diferentes e diferenciadas: em Fevereiro no acampamento, em Março ao oferecer-se para levar a menor a casa e, por isso, andou bem, em nosso modesto entender, o Tribunal a quo punindo o Recorrente por dois crimes e não por um só crime.
35.º–Nos casos de reiteração criminosa há que distinguir entre a que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente.
36.º–No segundo hiato de tempo, são razões endógenas relacionadas com a personalidade do Recorrente que levam à reiteração criminosa não se reconduzindo no caso a um único desígnio, pois o Recorrente tomou a iniciativa de assegurar a presença da menor no jipe quer no acampamento quer na boleia para casa.
37.º–Foram duas as situações diferentes criadas pelo Recorrente em Fevereiro e Março com o mesmo propósito é certo, mas com duas resoluções distintas: a primeira levando-a ao jipe onde ia pernoitar e a segunda oferecendo-se para a levar a casa.
38.º–Em cada actuação neste último período temporal o Recorrente renovou o processo de motivação, estando-se perante resoluções distintas, reformuladas de forma autónoma em relação às anteriores.
39.º–Essa repetição tem a ver com circunstâncias próprias da personalidade do arguido e isso não se compadece com uma pena não privativa da liberdade por não ser suficiente para assegurar a não repetição de tais atos que tanto alarmam a nossa comunidade.
40.º–Se a personalidade do Recorrente não fosse de molde à repetição do cometimento deste crime, a distância física existente com a menor entre Outubro e Fevereiro teria sido suficiente para que o mesmo ponderasse as consequências da sua conduta com uma menor de quem só era amigo e nenhum outro sentimento o unia a ela.
41.º–Em nosso modesto entender o douto Acórdão proferido não padece de qualquer vício e quer a natureza quer a medida das penas aplicadas são adequadas e conformes ao cometimento dos crimes julgados neste processo.
42.º–No tocante ao pedido de indemnização civil, o douto Acórdão ora posto em crise, também nesta sede, não nos merece qualquer reparo, no entanto por mero dever de patrocínio, sempre se dirá:
43.º–Refere o Recorrente, que o Acórdão ora em crise errou também, no que se refere ao pedido de indemnização civil em que foi condenado, argumentando sendo a condenação claramente injusta e infundada, suportada em prova que não poderá ser atendível.
44.º–Ora no entender dos Recorridos, estes fizeram prova, bastante, dos danos sofridos, conforme resulta quer do pedido de indemnização civil, quer dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, quer da prova junta aos autos.
45.º–O Recorrente transcreve no seu Recurso, o art. 77.º do pedido de indemnização civil, no seu dia-a-dia, apresentava um comportamento normal para a idade (...)” — retirando-o muito habilmente do contexto, a fim de fazer crer que a Menor FD, não sofreu qualquer dano, bem sabendo que tal não corresponde à verdade, (e apenas para justificar poder recorrer do montante em que o Recorrente foi condenado), como decorre do supra referido pedido de indemnização civil, para o qual se remete, e de que se transcreve apenas alguns artigos para melhor conhecimento:
Sucede que por via dos acontecimentos supra descritos, a Menor FD, vivenciou verdadeiras experiências traumáticas. Cfr. art. 64°”;
Que culminaram, com o facto de a Menor FD se encontrar cada vez mais assustada com os acontecimentos, supra descritos, tendo consequido finalmente relatar os factos de que era vítima ...”;
Sendo certo, que desde essa data, a Assistente/Demandante, mudou o seu comportamento. Cfr. art. 74°”;
O Arguido que por via desse relacionamento, veio premeditadamente a criar um ascendente de superioridade e de confiança sobre a Menor FD, que lhe veio a permitir conseguir concretizar os actos já supra descritos. Cfr. art. 84°”;
E que efectivamente aconteceram. Cfr. art. 85°”;
“Pedindo segredo à Menor FD. Cfr. art. 86°”;
O que ela cumpriu, até não aguentar mais. Cfr. art. 86°”;
Sendo certo, que à medida que tais comportamentos se foram agravando, esta foi ficando cada vez mais assustada e atemorizada ... Cfr. art. 87°”.
46.º–Refere o Recorrente, que o Acórdão ora em crise, entendeu condenar o Recorrente nos montantes constantes do douto Acórdão, alicerçando a sua fundamentação, nas declarações da Assistente MV.
47.º–Mais refere que esta está impedida de depor como testemunha, nos termos do 133.°, n.º 1, alínea b), do CPP.
48.º–Sempre se dirá, que apesar de não poder depor como testemunha, a Assistente pode prestar declarações em qualquer fase do processo, consubstanciando as mesmas um meio de prova, cfr. art. 145.° do CPP.
49.º–Sendo este meio de prova é equiparável à prova testemunhal, nos termos do art. 145.° do CPP.
50.º–E como meio de prova deve ser livremente apreciado pelo tribunal, como o foi, pelo Tribunal a quo, cfr. art. 127.° do CPP.
51.º–Sendo que as declarações prestadas pela Assistente, fazem prova bastante do que a sua filha passou no dia a dia e até hoje, pois esta, como decorre do Acórdão “acompanhou a sua filha após a revelação dos factos, suas crises de ansiedade, insegurança, isolamento e demais sentimentos de angústia, de culpa, vergonha, de tristeza, reflectidos em crises de choro, de nervosismo e em insónias, que levaram a que a menor faltasse às aulas e deixasse de frequentar os escuteiros, onde ingressou aos 6 anos de idade.”
52.º–Bem como decorre dos depoimentos das testemunhas MD, de RP e de MB.
53.º–Dizer, como refere o Recorrente, que não existe um único elemento nos autos ou fora dele, que permita concluir que a Ofendida sofreu danos resultantes da conduta do Recorrente, é verdadeiramente atentatório da veracidade dos factos, amplamente provados nos autos.
54.º–Aliás sempre se dirá, atento o tipo de crime ora em apreço, e a idade da menor, seriam suficientes para o quantum indemnizatório ora atribuído, sem necessidade de mais considerandos.
55.º–Os danos encontram-se espelhados, e provados, em sede de audiência de julgamento, conjugando as declarações do arguido, as declarações da Menor FD, as declarações da Assistente e do depoimento das testemunhas supra referidas.
56.º–Bem como pelos documentos juntos aos autos.
57.º–Pelo que também neste tocante, não deve o douto Acórdão recorrido, merecer qualquer reparo, devendo manter-se na sua integralidade.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o recurso não ter provimento e ser mantido integralmente o douto Acórdão do Tribunal a quo.
 
II–Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer corroborando igual sentido decisório.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a conferência.
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Cumpre apreciar e decidir:

III–1.) Conforme entendimento que se tem por uniforme, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que em função da Lei ou da Jurisprudência caiba conhecimento oficioso.
Nesta conformidade, são as seguintes as questões suscitadas pelo arguido GM, naquele que aqui deixou interposto:

Se a confissão por si produzida em audiência é de molde a justificar a atenuação especial da pena prevista no art. 72.º do Cód. Penal.
Se o acórdão proferido errou ao não considerar como única as condutas do Recorrente após a Ofendida ter completado os 14 anos de idade;
Se os crimes de detenção de arma proibida deveriam ser sancionados com penas de multa, uma vez que inexistem quaisquer razões de prevenção concreta que justifiquem a aplicação da prisão;
Se não existe qualquer elemento nos autos que permita concluir que a Ofendida sofreu danos resultantes da conduta do Recorrente, sendo que as declarações da Assistente não podem ser valoradas para esse efeito.

III–2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a matéria de facto que se mostra definida:

Factos provados:

1.–FD nasceu no dia 05 de Novembro de 2001 e na presente data tem 15 anos de idade.
2.–FD reside na localidade da Parede, com os seus progenitores e irmãos.
3.–FD ingressou no Corpo Nacional de Escutas- Agrupamento n.º 1240 do Murtal, com sede na Igreja do Murtal, Centro Paroquial na Parede, na secção dos lobitos no ano de 2007, quando tinha 6 anos de idade.
4.–O Corpo Nacional de Escutas - Escutismo Católico Português (CNE) constituiu uma organização de juventude de Portugal.
5.–Compete ao Corpo Nacional de Escutas e aos seus membros envolver os jovens, ao longo dos seus anos de formação, num processo de educação não-formal, utilizando um método original, segundo o qual cada indivíduo é o principal agente do seu próprio desenvolvimento, para se tornar uma pessoa autónoma, solidária, responsável e comprometida, ajudando os jovens na definição de um sistema de valores baseado em princípios espirituais, sociais e pessoais expressos na Promessa e na Lei.
6.–O Corpo Nacional de Escutas está organizado pedagogicamente em 4 secções (correspondentes a unidades pedagógicas), associadas a faixas etárias, com nomenclaturas próprias, lobitos, exploradores, pioneiros e caminheiros.
7.–Dentro de cada secção, os jovens organizam-se em pequenos grupos, tendo cada elemento uma função específica.
8.–Aos 10 anos de idade FD deixou a secção dos lobitos e passou a integrar a Secção dos Exploradores.
9.–O arguido é chefe dos Escuteiros no Agrupamento do Murtal desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde 2007, tendo exercido funções de animador, competindo-lhe nomeadamente auxiliar os jovens na sua formação e educação, sendo escuteiro desde os 15 anos de idade.
10.–O arguido é um dos chefes mais populares entre as crianças e jovens, por ser extrovertido e brincalhão.
11.–Das actividades desenvolvidas no Corpo Nacional de Escutas - Agrupamento do Murtal fazem parte caminhadas, acampamentos e bem assim encontros semanais ao sábado entre as 16h00m e as 18h00m.
12.–Na secção de exploradores de que faz parte FD existem quatro patrulhas que são constituídas por 6 a 8 elementos, sendo FD a Guia da Patrulha Pantera.
13.–Na secção dos exploradores há quatro chefes, designadamente o arguido GM.
14.–Por via das funções de Guia da patrulha Pantera, FD mantinha contactos telefónicos e pessoais regulares com o arguido GM.
15.–Em data não concretamente apurada mas que se situará há cerca de um ano, no ano de 2015, o arguido GM começou a enviar mensagens para o equipamento telefónico de FD , dizendo nomeadamente que estava muito bonita, o que a partir de Julho de 2015 passou a acontecer diariamente.
16.–Em data não concretamente apurada mas que se situa entre os dias 01 e 05 de Junho de 2015, celebrou-se o aniversário do Agrupamento de Escuteiros do Murtal, havendo sempre um arraial que vai desde a tarde até à noite.
17.–Os festejos culminaram com o canto de parabéns e o soprar das velas ao Agrupamento, por volta das 24h00m.
18. No decurso da referida festa, FD dirigiu-se à sala destinada às patrulhas dos exploradores, para ir buscar o bolo de aniversário do Agrupamento, tendo sido acompanhada pelo arguido que tinha a chave da referida sala.
19.–Nas circunstâncias de tempo e de lugar supra-descritas, o arguido GM dirigiu-se a FD e introduziu a sua língua da boca da menor, beijando-a.
20.–A partir desse beijo o arguido passou a enviar mensagens à menor FD nas quais fazia referência ao beijo, dizendo que ansiava por mais.
21.–No período de tempo compreendido entre a primeira semana do mês de Junho de 2015 e a última semana do mês de Agosto de 2015, o arguido, sempre que se encontrava sozinho com FD, no interior das instalações do Agrupamento de Escuteiros do Murtal beijava-a na boca e acariciava-a na zona das mamas, das nádegas e, na zona da vagina.
22.–Tendo o arguido verbalizado a FD que queria dormir com ela.
23.–Em datas não concretamente apuradas mas que se situam na última semana de Agosto de 2015, realizou-se um acampamento de Verão na serra de Sintra, apenas destinado aos exploradores e respectivos chefes.
24.–Chegados à serra de Sintra cada patrulha decidiu qual a melhor local para montarem as suas tendas.
25.–Durante o dia o arguido enviou mensagens para o equipamento telefónico de FD  nas quais lhe perguntava se queria ir dormir com ele.
26.–As guias das respectivas patrulhas e a menor FD  permaneceram juntos até cerca das 24h00m.
27.–A hora não concretamente apurada mas após as 24h00m, o arguido encaminhou a menor FD  para a tenda onde aquele ia pernoitar.
28.–Ali chegados, o arguido beijou a boca de FD , tirou as suas calças e as da menor e introduziu o seu pénis erecto, sem preservativo, na vagina de FD  aí o friccionando até ejacular fora da vagina daquela.
29.–De seguida, o arguido com as mãos e dedos acariciou o clitóris e vagina de FD .
30.–O arguido pediu a FD  que esta lhe acariciasse o pénis e que o colocasse no interior da sua boca mas aquela negou.
31.–Após FD  regressou à tenda que partilhava com as amigas.
32.–No dia seguinte, o arguido foi-se embora e não participou mais no acampamento.
33.–Apesar de não estar presente o arguido continuou a enviar mensagens a FD , dizendo que tinha gostado da noite que tinham passado juntos.
34.–No início de Setembro de 2015 as mensagens intensificaram-se e o arguido passou a dizer a FD  que tinha vontade de repetir a noite em que tinham mantido relações de cópula completa e que gostava que a menor “lhe chupasse o pénis”.
35.–Após o reinício das actividades do Agrupamento de Escuteiros do Murtal, e até ao início de Outubro de 2015 o arguido e FD  recomeçaram a encontrar-se aos sábados na sede do Agrupamento de Escuteiros do Murtal.
36.–O arguido e a menor encontravam-se na sala de material do Agrupamento de Escuteiros do Murtal e nessas ocasiões o arguido colocava as suas mãos dentro da roupa interior de FD , acariciava-lhe a vagina e colocava os dedos das mãos no interior da vagina da menor, o que sucedeu um número indeterminado de vezes.
37.–Sempre que o arguido adoptava tais comportamentos a menor FD  sentia o pénis do arguido a ficar erecto.
38.–Nos dias 19, 20 e 21 de Fevereiro de 2016 os exploradores do Agrupamento de Escuteiros do Murtal foram acampar para a Base Militar dos Comandos de Oeiras.
39.–Após as actividades, o arguido e a menor ficaram a conviver com os demais elementos do Agrupamento e quando chegou a hora do recolher a menor FD  acompanhou o arguido ao jipe onde aquele iria pernoitar.
40.–Entraram no jipe e após se terem deitado no banco traseiro, e terem ficado nus o arguido introduziu o pénis na vagina da menor sem preservativo de FD  aí o friccionando até ejacular fora da vagina daquela.
41.–De seguida, o arguido introduziu o pénis erecto no ânus de FD , aí o friccionando.
42.–Em data não concretamente apurada mas que se situa no mês de Março de 2016 o arguido, após terem terminado as actividades no Agrupamento de Escuteiros do Murtal, voluntariou-se para levar a menor a casa, o que aquela aceitou.
43.–Durante o percurso o arguido disse-lhe que iam fazer uma paragem e conduziu o jipe para uma zona de relva que existe na zona traseira do Centro de Saúde da Parede.
44.–Nas circunstâncias de tempo e de lugar supra descritas, o arguido e a menor FD  foram para os bancos traseiros do jipe, reclinaram-nos e, após o arguido introduziu o pénis sem preservativo na vagina da menor de FD  aí o friccionando até ejacular fora da vagina daquela.
45.–Após o supra descrito o arguido continuou a enviar mensagens para o telemóvel da menor FD tendo o arguido começado a declarar que gostava que a menor fosse a sua casa.
46.–A menor acabou por relatar os factos supra descritos à sua irmã MD.
47.–No dia 10 de Maio de 2016, no decurso de revista efectuada ao arguido foi encontrado no interior da mochila que aquele utilizava diariamente e desde há cerca de um ano, transportando-o de casa para o trabalho uma lata de spray de gás de defesa cujo princípio activo tem a designação capsaicina.
48.–Tal substância tem propriedades lacrimogéneas.
49.–No dia 10 de Maio de 2016, pelas 15h21m, no interior da residência sita na Rua P.A. São Domingos de Rana, local onde reside o arguido, foi encontrado um revólver de marca LLAMA de calibre.32 Smith & Wesson, de modelo não referenciado com o número de série rasurado devidamente municiado com 6 munições de calibre.32 Smith & Wesson Long.
50.–O arguido detinha o referido revólver e munições, que lhe haviam sido oferecidos, e que guardava na gaveta da mesa de cabeceira do seu quarto, há pelo menos dois anos.
51.–O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente.
52.–O arguido, ao agir da forma descrita com a menor FD quis praticar sobre a mesma actos de natureza e conteúdo sexual, o que fez, designadamente beijando-a na boca, acariciando-a no corpo e mantendo relações de cópula completa.
53.–O arguido estava ciente da idade da menor FD  e bem assim que a mesma não sabia avaliar tais práticas e não poderia consentir ou anuir nas mesmas.
54.–Aproveitando-se da inocência da menor e da relação de proximidade que mantinha com a mesma assente na circunstância de ser Chefe no Agrupamento de Escuteiros do Murtal e seu educador.
55.–Bem sabendo que durante o período de tempo em que decorriam as actividades do Agrupamento de Escuteiros, incumbia ao arguido zelar pelo processo de educação da menor e pela sua segurança e bem-estar.
56.–E, não obstante, não se coibiu de praticar os actos supra descritos.
57.–Agiu pois o arguido com o propósito prolongando e concretizado de libertar e satisfazer os seus impulsos e desejos sexuais com a menor FD , o que fez bem sabendo que as suas condutas, acima descritas, atentavam contra o normal desenvolvimento psíquico-afectivo e sexual da mesma.
58.–Porquanto, bem sabia o arguido que ao agir como acima se descreve, praticando sobre a mesma os actos sexuais acima descritos, atentava, como atentou, contra o saudável crescimento da menor, fazendo-a vivenciar uma sexualidade precoce e prejudicial ao seu desenvolvimento.
59.–O arguido não é titular de uso e porte de arma de fogo, bem sabendo que não podia deter na sua posse o revólver de marca LLAMA de calibre.32 Smith & Wesson, e não obstante detinha a referida arma nas circunstâncias descritas nos autos.
60.–Mais sabia o arguido que não sendo titular de licença de uso e porte de arma, não podia também deter na sua posse as munições que lhe foram apreendidas.
61.–O arguido detinha aerossol de defesa sem para tal se encontrar autorizado.
62.–Quis o arguido deter o referido aerossol, com perfeito conhecimento das suas características.
63.–Mais sabia o arguido que as suas descritas condutas eram reprováveis e punidas por lei.
64.–À data dos factos o arguido mantinha uma relação de namoro que perdurava há pelo menos 4 anos e que considerava séria, com uma jovem de 23 anos que também integrava o mesmo corpo de escuteiros e que cessou em virtude da descoberta dos factos em apreço.
65.–O arguido não tem antecedentes criminais.
66.–O arguido confessou a prática dos factos descritos.

67.–Da condição social do arguido, provou-se que:
GM, mais velho de dois irmãos, realizou o seu processo de socialização e de desenvolvimento pessoal até aos 21 anos de idade no interior do seu agregado familiar de origem, descrito como estruturado, com dinâmica funcional, onde foi alvo de investimento educativo e transmissão de valores socialmente normativos por parte das figuras parentais, com condição socioeconómica sustentável, pai motorista de pesados, atualmente a exercer a atividade de segurança/guarda noturno e mãe responsável de um lar de idosos e posteriormente chefe de cozinha.
Veio a abandonar a escola quando frequentava o 12º ano de escolaridade por decisão do próprio em se autonomizar pessoal e socioeconomicamente. Durante os estudos académicos, o arguido já trabalhava como animador em colónia de férias de jovens.
Autonomizou-se do agregado familiar de origem com 21 anos, residindo sozinho num apartamento, altura em que já conseguia garantir a sua sustentabilidade económica. Manteve sempre um relacionamento de proximidade afetiva com os seus familiares diretos que viviam na mesma zona de residência, em São Domingos de Rana.
Com cerca de 17/18 anos começou a trabalhar na área da segurança privada por conta própria, trabalho que desenvolveu conjuntamente com o pai em espaços de várias empresas de comunicação social, de cultura e divertimento. Durante este período trabalhou também como monitor de férias e tempos livres numa escola pública, com contrato de 3 anos, atividade que conjugava com o de Segurança que realizava durante a noite.
Investiu na sua carreira profissional, concluindo vários cursos profissionais, nomeadamente o de motorista executivo, condução tática e defensiva, guarda-costas, reação rápida e primeiros socorros.
Após ter concluído o curso de Vigilante na empresa “Prossegur”, onde obteve a licença de Segurança/Vigilante, passou a trabalhar como Segurança na empresa “Arko Security”, em espaços comerciais, com contrato laboral sem termo.
Na sua juventude integrou e praticou várias atividades lúdicas, recreativas e desportivas, tendo integrado, com cerca de 15 anos, o Corpo Nacional de Escutas (CNE) do Murtal, onde permaneceu até à data da sua presente reclusão. Praticou mergulho desde os 16 anos e já em idade adulta, começou a praticar, como federado, um desporto com armas “Air Soft.
No período que antecedeu a sua prisão, o arguido residia sozinho em casa arrendada, exercendo a atividade de segurança na empresa “Arco Security”, estando em processo de evolução na sua carreira profissional.
Auferia o vencimento mensal base de € 650,00.
Nos tempos livres mantinha-se ligado ao CNE, onde era chefe adjunto de uma das seções e mantinha a prática do mergulho e “Air Soft”.
Actualmente mantém uma casa arrendada, em Sesimbra, cuja renda se encontra a ser liquidada pelos progenitores e que pretende vir a habitar.
Actualmente, o arguido depende do apoio investido dos seus familiares diretos, e tem como projetos de vida trabalhar como motorista privado, afirmando ter uma proposta de trabalho.
A presente situação jurídico-penal teve repercussões negativas aos níveis emocionais, face ao facto de estar a vivenciar pela primeira vez um contexto prisional e pela natureza dos factos e profissionais, uma vez que o arguido considera ter a sua carreira profissional, construída com esforço e que esperava evoluir, perdida.
Durante a sua reclusão o arguido tem revelado um comportamento institucional adequado.

Do pedido civil, provou-se que:
68.–A menor FD relatou os factos a uma amiga, de nome Inês C..., que por sua vez os relatou à prima da menor, RGP, que de seguida contou os mesmos factos à irmã mais velha da menor, MD., tendo ambas contado aos pais da menor.
69.–Após ter sido confrontada com os acontecimentos, a menor alterou o seu comportamento, carecendo de apoio psicológico, por perturbação de stress pós traumático, tendo vindo a ser assistida em consulta desde o dia 15 de Dezembro de 2016, frequentando, até à data, as consultas dos dias 12.01.2017, 19.01.2017 e 26.01.2017, a primeira sessão no valor de € 70,00 e as demais no valor de € 40,00 cada, num total de € 190,00 prevendo-se uma duração média de intervenção psicoterapêutica de 12 meses.
70.–A menor apresentava no seu dia-a-dia um comportamento normal para a idade, frequentava a escola, os escuteiros e actividades extra curriculares e convivia normalmente com familiares e amigos.
71.–E depositava uma grande confiança no arguido, que conhecia há vários anos e que também tinha sido chefe de escuteiros dos seus irmãos.
72.–O arguido era considerado o chefe de escuteiros mais amigo, simpático, animador e activo do agrupamento, por quase todos os escuteiros que o frequentavam.
73.–A menor FD foi sendo seduzida pelo arguido.
74.–Após os seus familiares terem tomado conhecimento dos factos e em consequência destes, a menor sofreu crises de angústia e ansiedade, tendo deixado de frequentar os escuteiros, passando a ter medo de estar sozinha.
75.–Por vezes passou a ter insónias e a tomar calmantes.
76.–Passando a ser agressiva com familiares e amigos, respondendo de forma ríspida e ofensiva.
77.–Tornou-se mais introvertida e insegura.
78.–Tendo inclusive faltado às aulas.
79.–Os factos foram divulgados quer no correio da manhã, na edição de 13.05.2016, quer na TV, na reportagem da TVI no programa Você na TV, sem que tenham sido referenciados os nomes da menor e do arguido.
80.–A menor sentiu angústia, vergonha, insegurança e tristeza.           
81.–Em consequência das condutas do arguido a menor sofreu angústia, depressão, ansiedade, nervosismo e insónias, insegurança e tristeza, das quais até à presente data ainda não recuperou.
82.–O que afectou e perturbou a vida da menor e da sua família.

Factos não provados:

Da acusação:
Inexistem factos não provados que relevem para a decisão.

Do pedido civil:
Não resultaram provados os demais factos constantes do pedido civil que aqui se dão como reproduzidos, dando o tribunal como não escritos os juízos conclusivos e de direito descritos naquela peça.

Assim, com interesse à discussão, não se provou, designadamente:
A menor encontrava-se cada vez mais assustada com os acontecimentos e finalmente conseguiu relatá-los inclusive à mãe, com quem desabafou.
O pai da menor ponderou ir de imediato a casa do arguido, travar-se de razões com este.
O que não logrou fazer pois bem sabia a profissão do arguido e que este era portador de arma de fogo situação já relatada pela sua filha e que de conhecimento de algumas crianças e jovens escuteiros.
A menor nunca teve consciência que se tratava mais do que uma amizade.
Apenas quando os factos se desenrolaram é que a menor veio progressivamente a tomar consciência da gravidade da situação e dado o ascendente que este possuía sobre ela, nunca conseguiu opor-se à vontade deste.
Arguido que por via desse relacionamento veio premeditadamente a criar um ascendente de superioridade e de confiança sobre a menor, que lhe veio a permitir conseguir concretizar os actos descritos, pedindo segredo à menor.
O que ela cumpriu, até não aguentar mais.
E à medida que tais comportamentos se foram agravando esta foi ficando cada vez mais assustada e atemorizada ao ponto de finalmente ter conseguido falar sobre o assunto com uma amiga.
Em consequência dos factos, a menor passou a ter dificuldades nas relações sociais, nomeadamente com jovens da sua idade.
E passou a arranjar inúmeros pretextos para faltar às aulas por não conseguir enfrentar amigos e colegas.
Vive com receio, de que tudo se saiba e que se pense que a culpa é dela.
O que realmente aconteceu porque o meio em que se insere é um meio pequeno em que se comenta.
E no meio escutista nomeadamente no agrupamento que é um meio ainda mais pequeno tudo se soube.
Na reportagem emitida pela TVI identificava-se facilmente o agrupamento, o arguido e a menor.
A menor sofreu por isso uma exposição pública e foi sujeita a uma enorme pressão.
Por via da situação vivida a menor teve problemas de comportamento na escola.
Tendo visto a sua presença e da sua família em perigo atenta a proximidade da residência.

III–3.1.) Pese embora a referência feita pelo Recorrente na sua conclusão 2.ª, de que o acórdão proferido padece de “vários vícios cuja sanação determinaria decisão diferente”, certo é que, pelo contexto em que tal expressão é utilizada, não estamos a falar aqui daqueles outros a que se reporta o art. 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, os quais, esses sim, assumiriam de modo próprio e tecnicamente exacta a referida designação.

Do que se trata, até porque depois não estão minimamente densificados, é da discordância por si manifestada em relação ao que se mostra decidido em relação a determinados pontos do acórdão.
*

Ainda que traduza uma vertente já associada às consequências jurídicas do crime (ou seja, a pressupor a pacificidade da sua base factual, e em igual medida,  a do respectivo enquadramento criminal), a primeira questão que se mostra colocada, diz respeito à não atenuação especial das penas que lhe foram aplicadas.

Trata-se, como é sabido, de uma circunstância modificativa geral, de natureza atenuativa.

Preceitua com o efeito o art. 72.º, n.º 1.º, Cód. Penal, que o tribunal a deverá fazer funcionar, “para além dos casos especialmente previstos na lei”, “quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, sendo que no respectivo n.º 2 se indicam um conjunto de situações ilustradoras de tal condicionalismo: a actuação sob influência de ameaça grave ou debaixo da ascendência de determinadas pessoas, a determinação por motivo honroso ou por forte solicitação da vítima, a existência de actos demonstrativos de arrependimento sincero, o decurso de muito tempo desde a prática do crime…

Como será forçoso constatar, a confissão não se mostra aí contemplada.
E pode-se perceber porquê.

Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 15/02/2012, no processo n.º 363/10.0PBCBR:C1, “não é toda e qualquer confissão que releva positivamente para a determinação da medida da pena. A confissão, enquanto atitude colaborante do arguido, pode traduzir-se ou não numa circunstância atenuante de carácter geral, influindo directamente na determinação da medida concreta da pena, ou relevando indirectamente, ao nível da valoração das exigências de prevenção especial, se no contexto em que for feita transmitir indicações positivas relativamente à atitude/personalidade do agente.
O seu valor processual, em termos práticos, acaba por variar na razão directa da sua relevância, podendo assumir um vasto leque de graduações que vão da confissão extremamente relevante (a que permite ultrapassar acentuadas dúvidas ou ter como assentes factos para os quais não existe outra prova) à confissão absolutamente irrelevante (a título de exemplo, a confissão feita após concluída a produção da prova, quando todos os factos confessados se oferecem já como manifestamente provados; a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito), podendo ainda ser subjectivamente valorada na determinação da atitude interna do agente relativamente aos factos praticados e à interiorização da gravidade da sua conduta”.

As respectivas consequências adjectivas constam do art. 344.º, n.ºs 2 a 4, do Código correspondente.
Do que se pode extrair das respectivas actas (mormente a fls. 525), a produzida pelo Arguido não foi considerada integral e sem reservas.

De forma mais decisiva, ao nível do acórdão, o que se deixou expendido a este propósito foi o seguinte:

O arguido confessou a essencialidade dos factos que a acusação narrava e que assim se deram como provados, não tendo o tribunal razões para duvidar da autenticidade de tal confissão livre, sendo que tal factualidade também se extraiu das declarações prestadas de forma espontânea pela menor FD, a título de memória futura e que se conjugaram ainda com as declarações da assistente MV, pese embora o seu conhecimento genérico dos factos e por interposta pessoa, já que tomou conta dos factos através do relato que a sua filha MD. e sobrinha RGP lhe fizeram, sendo que também esta soube dos factos através da amiga Inês, a quem a menor FD, havia confidenciado.

Mais à frente:

Pese embora a postura confessória e colaborante que o arguido assumiu em julgamento, o tribunal salienta o facto de o mesmo quando instado a esclarecer as razões que o motivaram à aproximação da menor e à prática dos actos e relações sexuais com a mesma, que partiram da sua iniciativa, o arguido não tenha sabido responder, limitando-se a dizer que até hoje não havia compreendido os seus actos.
Mais referiu que não nutria pela menor quaisquer sentimentos para além de uma amizade e que a via como uma “rapariga”.
O arguido mantinha à data uma relação estável de namoro, segundo o próprio, com uma jovem também escuteira e do mesmo agrupamento e aliciou uma adolescente para consigo manter relações e actos de natureza sexual, apenas para satisfazer as suas pretensões sexuais que sabia serem abusadoras atenta a idade da menor e sua inexperiência sexual e chegado a julgamento limitou-se a assumir secamente a prática dos factos sem adiantar qualquer explicação, nem qualquer tipo de afectividade pela vítima, o que revela que não terá ainda interiorizado que as suas condutas são reprováveis e desvaliosas, até porque falamos de factos que se perpetuaram sensivelmente durante 9 meses e que note-se apenas cessaram por a situação ter sido descoberta pelos familiares da menor e não por iniciativa do arguido, conforme o mesmo quis fazer crer ao tribunal (referindo que à data da sua detenção já não falava com a menor há cerca de 2 meses).

E finalmente quanto às “armas”:

Quanto a estes objectos o arguido também confirmou que os mesmos lhe pertenciam, que lhe foram dados há pelo menos 2 anos por um ex-militar da GNR e que guardava em casa, no seu quarto, no local onde foram apreendidos, também por questões de segurança pessoal, apesar de saber ser a respectiva detenção proibida por não ser titular de qualquer licença de uso e porte de armas.

Ora classificar a confissão produzida como integral e sem reservas é uma tarefa que compete sobretudo ao tribunal de julgamento, e não a esta Relação, já que é ele que no contacto directo com a totalidade da prova e do que entendeu ser necessário demonstrar, assim melhor poderá concluir.
Como não está consignada formalmente, trata-se de domínio em que não o poderemos substituir, sobretudo quando não existe, enquanto tal, impugnação da matéria de facto.

Do que se retira, haverá uma confissão geral que não pôde ser deixada de se considerar relevante (e que foi atendida, note-se, na determinação concreta das penas – cfr. pág.ª 64 do acórdão), mas a que não acudiu aquela interiorização e arrependimento a que alude a al. c) do n.º 2 do art. 72.º do Cód. Penal.

Ora, “a atenuação especial da pena só pode ser decretada quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, quer pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena – vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas”, assim acórdão do STJ de 09/06/2010, no processo 449/09.3JELSB.S1.

No fundo, a mesma ideia já preconizada pelo Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pág.ª 302), ao sustentar o funcionamento daquele instituto como “válvula de escape”, ou seja:quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido antes os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação da pena”.

Não é o caso.

III–3.2.1.) A segunda questão sucitada tem uma enunciação mais complexa, mas que se pode sintetizar da forma seguinte:

No que concerne ao crime de abuso sexual de crianças, ou seja, em relação aos diversos actos sexuais de relevo registados quando a Ofendida era menor de 14 anos, e que se situaram entre Junho a Agosto de 2015 e entre Setembro a Outubro de 2015, o Colectivo entendeu tratá-los como um único crime.
Já no que tange ao crime de abuso sexual de menor dependente (art. 172.º, n.º 1º, do Cód. Penal), autonomizou a situação ocorrida em Fevereiro de 2016 da que se verificou em Março de 2016.
Nesta conformidade, teria feito uso de um critério diverso, defendendo-se também para estes, a existência de um só crime, fundado numa unidade de resolução criminosa e homogeneidade de condutas.

Dúvidas não existem em como para aquele primeiro conjunto de situações o Tribunal considerou estar perante um crime de “trato sucessivo”.

Para melhor o compreendermos, seja-nos permitido citar os seguintes excertos da respectiva fundamentação jurídica:

“Do acervo factual dado como provado resulta que o arguido desde Junho de 2015 até Outubro de 2015, quando a menor tinha 13 anos de idade, beijou-a na boca por diversas vezes assim como lhe apalpou as mamas, nádegas e vagina, dizendo-lhe que queria dormir com ela, até que, já no mês de Agosto encaminhou a menor para a sua tenda e com esta manteve relações sexuais de cópula vaginal.
Posteriormente, em Setembro e até Outubro de 2015 voltou a manter contactos com a menor, encontrando-se com a mesma em número não determinado de vezes e nessas ocasiões tocava-lhe na vagina com os dedos colocando-os no interior desta.
Neste período descrito, a acusação qualificava os factos como se subsumindo à prática de 3 crimes de abuso sexual de crianças.

Os crimes sexuais são muitas vezes actos isolados, fruto de circunstâncias irrepetíveis.
Mas, outras vezes seguem um percurso que se prolonga no tempo, isto é, em vez de um acto ou de vários atos ilícitos, há uma actividade sexual ilícita.
Na “actividade sexual criminosa” o agente aproveita-se sexualmente de outra pessoa que é acessível ao seu contacto, por ser da família, ou do seu círculo de amizades, ou do seu local de trabalho, ou por outra circunstância similar, fazendo-o pela força, ou pela intimidação, ou pela incapacidade da vítima em se defender, por exemplo, por ser menor. Nesses casos, os crimes sexuais tendem a ter uma frequência por um período prolongado no tempo e a juntar os mesmos «parceiros», um deles vitimizado sucessivamente.

Ora, quando os crimes sexuais são actos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.

O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como o sexo, facilmente se transformam numa “actividade”, como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga.
A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido. 

Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por actos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os atos se repetem.

O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).

Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.

E a propósito de um caso de crime de abuso sexual de crianças, o Ac. do STJ de 23-01-2008, proc. n.º 4830/07-3ª, resume do seguinte modo o que aqui temos vindo a expor:

«I–O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da atuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado.
II–Estando em causa um crime de abuso sexual de crianças agravado, não pode aceitar-se que o «êxito» da primeira «operação» e das seguintes possa determinar a diminuição da culpa do arguido: este agiu determinado pela vontade de satisfazer os instintos libidinosos, como se diz no acórdão recorrido, e, para tanto, aproveitou as situações mais favoráveis para esse efeito, nomeadamente a ausência da sua mulher e mãe da ofendida. O aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado. É, de resto, notório, que o arguido agiu determinado por uma única resolução, por ela levado a aproveitar todas as situações que facilitassem a prática dos atos ilícitos, e não formando sucessivamente novas resoluções perante circunstâncias favoráveis entretanto surgidas.
III–Da mesma forma, a não resistência da ofendida, embora certamente tenha facilitado a repetição do comportamento do arguido, também não pode atenuar a culpa, pois a atitude da ofendida terá normalmente resultado do ascendente que, como pai, o arguido tinha sobre ela, e não de um «acordo» entre ela e o arguido, que não se provou.
IV–Nem sequer se podem considerar homogéneas todas as condutas imputadas ao arguido, uma vez que uma delas, a descrita inicialmente na matéria de facto, assume claramente uma gravidade maior do que as restantes. Quando muito, poderia admitir-se a unificação num crime continuado das três condutas que consistiram em o arguido acariciar e chupar os seios da ofendida, condutas inteiramente homogéneas. Contudo, a homogeneidade não é condição suficiente da continuação criminosa, sendo essencial, como já se disse, que haja uma efetiva diminuição da culpa do agente, o que não sucede, pois que a repetição criminosa ficou a dever-se à persistente vontade do arguido em satisfazer os seus desejos, vontade essa que superou as normais inibições que estão ligadas às relações entre pais e filhos.
V–Em todo o caso, essas três condutas, se não podem ser unificadas em termos de continuação criminosa, podem sê-lo como crime de trato sucessivo, que se caracteriza pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime. Contrariamente ao que acontece no crime continuado, não há aqui qualquer diminuição de culpa, antes a reiteração criminosa, revelando uma persistência da resolução criminosa, encerra uma culpa agravada, que será medida de acordo com o número de condutas e respetiva ilicitude.

No caso dos autos, considera o tribunal que todos os actos praticados pelo arguido até Agosto de 2015 que culminaram na consumação do acto sexual de cópula vaginal e prosseguidos com contactos de natureza sexual, em Setembro e inícios de Outubro de 2015, constituem um crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº 1 e nº 2 do CP, sendo a conduta do agente unificada por uma única resolução delictiva onde se englobam uma série de actos reiterados todos eles actos sexuais de relevo praticados num contexto temporal homogéneo que os unifica.

Esta resolução não é quebrada pela interrupção temporal mínima entre Agosto e Setembro, até porque o arguido continuava a enviar mensagens escritas para o telemóvel da menor, sujeitando-a a mensagens de teor pornográfico, incitando-a à prática de actos sexuais e depois, nos encontros escutistas aos sábados, em número também não determinado de vezes, até Outubro de 2015, tocava-lhe no seu órgão sexual e introduzia os seus dedos na vagina da menor.
Esta conduta está por isso englobada, formando um único crime de abuso sexual de crianças do artigo 171º, nº 1 e nº 2 do C.P, de trato sucessivo, desde Junho a Outubro de 2015.

III–3.2.2.) A autonomização de um segundo delito tem desde logo a justificá-la a realização de uma diferente previsão normativa: A Ofendida passa a ter 14 anos, da mesma maneira que surge agora um outro e distinto elemento típico.

Mas também, na perspectiva do Tribunal, existirá uma quebra de referência de quaisquer outras actividades de natureza sexual até aos dias 19, 20, e 21 de Fevereiro (“o arguido por razões profissionais não manteve contactos físicos com a menor”), altura em que se realizou o tal acampamento que teve lugar nas instalações dos Comandos em Oeiras, o que lhe permite afirmar que o mesmo “voltou a decidir ter actos sexuais de cópula com a menor, quer vaginal, quer anal, desta vez no seu jipe para onde a levou. Estes factos unificam a sua conduta e resolução assim renovada ante e apesar da quebra temporal mencionada”.

Não se pondo em causa que entre o Arguido e a vítima existia a tal relação específica pressuposta na incriminação (o dever especial de assistência e de educação no âmbito das actividades dos escuteiros, de que o primeiro era um dos chefes do agrupamento, e em que a patrulha dos exploradores da menor se integrava, o mesmo é dizer, estava-lhe “confiada”), então, na perspectiva do Tribunal:

“Esta relação de confiança permitiu que o arguido se aproximasse da menor nos termos em que o fez, para se aproveitar da sua inexperiência como adolescente e abusar sexualmente da mesma.
Fê-lo em duas situações distintas ocorridas em Fevereiro e depois no mês de Março de 2016, esta última situação aproveitando o facto de transportar a menor até à sua residência depois das actividades dos escuteiros, algo que poderia fazer parte das suas funções se se tratasse de um mero transporte. No entanto, o arguido, abusando da referida condição criou novamente a situação propensa a um novo abuso e voltou a ter relações sexuais de cópula com a menor no seu jipe.
Conforme também se mencionou após este último contacto o arguido continuava a contactar a menor aliciando-a a novos contactos de natureza sexual que, no entanto, não voltaram a ocorrer face à denúncia da situação de abuso.
Daqui decorre que o arguido, ciente das suas funções e da responsabilidade das mesmas, aproveitando-se das mesmas, decidiu em duas ocasiões distintas manter relações sexuais com a menor, cuja idade também conhecia.”

III–3.2.3.) Sem prejuízo das expressões utilizadas, ainda que exista alguma homogeneidade nestas duas situações (a ofendida é a mesma, existe a utilização instrumental da mesma viatura, sendo os actos sexuais praticados parcialmente coincidentes), já não se fala de unidade de resolução, mas antes “decidiu em duas ocasiões distintas”.

E em bom rigor, o condicionalismo que potencia a sua concretização é diferente, mesmo ao nível do dolo implicado.
Na primeira, há um “aproveitamento” da situação contingente decorrente de uma actividade conjunta e da “pernoita” que potenciou; na segunda, uma actuação já mais incisiva de convite para levar a Ofendida a casa e de a conduzir a um local onde as relações pudessem ser consumadas.

Teve pois que ser “criada”.

Ora “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente” – art. 30.º, n.º1, do Cód. Penal.

Não referindo a matéria de facto provada, nesse particular, que o arguido tenha decidido manter relações sexuais com a menor sempre que a ocasião o proporcionasse ou que em que a conseguisse predispor (o que fundaria a tal unicidade), então nada obsta a que o entendimento que consignou aquele cometimento plural (dois crimes) possa/deva ser defendido.

A crítica, a existir, é a que pode ser dirigida àquele outro que levou a considerar o crime de abuso sexual de crianças como único.

III–3.3.1.) Dúvidas não existem em como os crimes de detenção de arma proibida de que o Arguido foi condenado, com previsão nas al.ªs c) e d) (no caso do revólver e suas munições) e na al. d) (aerossol) do n.º 1, do art. 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23/02, são passíveis de ser sancionados, alternativamente, com prisão ou pena de multa: mais concretamente, com a pena de 1 a 5 anos de prisão ou pena de multa até 600 dias (revólver) e prisão até 4 anos e multa até 480 dias (munições e aerossol).

Resulta também do art. 70.º, n.º 1º, do Cód. Penal, que o Tribunal deve dar prevalência a esta última, sempre que realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Esta foi uma incidência a que o Colectivo não se alheou. Como deixou referido:

“Na situação dos autos e pese embora a alternatividade da pena prevista para os crimes do artigo 86º, nº 1, als. c) e d) da Lei 5/06, no circunstancialismo global e grave dos factos a que acresce a condenação por dois crimes de detenção de arma proibida, o tribunal considera que a punição destes crimes com uma pena de multa não assegura de forma adequada as finalidades da punição, pelo que apenas a aplicação de uma pena de prisão acautela suficientemente tais finalidades.”

Quanto à arma de fogo, consignam os pontos 49 e 50, que no dia 10 de Maio de 2016, no interior da residência do Arguido, foi encontrado um revólver de marca LLAMA de calibre.32 Smith & Wesson, de modelo não referenciado com o número de série rasurado, devidamente municiado com 6 munições de calibre.32 Smith & Wesson Long.
Haviam-lhe sido oferecidos, e guardava-os na gaveta da mesa de cabeceira do seu quarto, há pelo menos dois anos.

Já em relação ao “spray”, a redacção do ponto de facto sob o n.º 47 não será muito eloquente.
Retira-se porém do contexto da respectiva fundamentação, constante de fls. 575 (31 do acórdão), que era transportado diariamente, desde há cerca de um ano, na mochila que o Arguido utilizava nas suas deslocações de casa para o trabalho, ao que alegou, por ter sido ameaçado, “considerando a sua profissão e riscos associados”.
Trata-se de um gás cujo princípio activo (capsaicina) tem propriedades lacrimogéneas.

Tais factos foram confessados pelo próprio, o qual, recorde-se, é primário e trabalhava na área da segurança.

Note-se que a arma de fogo encontrava-se devidamente municiada (existe, nessa parte, um concurso aparente de infracções) e foi detida durante cerca de dois anos.
Já o aerossol, ainda que com a uma finalidade defensiva, acompanhava o Recorrente de forma diária.
O que inculca uma relativa intensidade de detenção.

Juntos, não deixam de representar já alguma concentração deste tipo de artefactos na sua posse.

III–3.3.2.) Ainda que tal incidência não tenha sido suscitada pelo Recorrente, traduz opinião prevalecente nesta Conferência, que “independentemente do número de armas que o arguido tenha na sua posse em situação ilegal, no momento da intervenção policial, e de serem todas, ou não, do mesmo tipo”, a respectiva detenção constitui apenas um único crime.

Naturalmente, será sancionado em função da infracção a que couber a pena mais elevada, sendo que na mesma se fará repercutir, então, o acréscimo de ilicitude que no caso se registar.

Ora num contexto de pluralidade de instrumentos detidos, em que são prementes as razões de prevenção geral na detenção de armas de fogo e suas munições, mas também intenso o acompanhamento na posse do mencionado “aerossol”, julgamos que, tudo somado, não se mostra deslocada a opção tomada a favor da sanção detentiva.

Nesta conformidade, balizando-se a pena a aplicar entre o mínimo de 1 ano e o máximo de 5 anos de prisão (cfr. art. 86.º, n.º1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, e suas alterações), e levando-se em conta os factores determinativos já constantes do acórdão recorrido [designadamente, o dolo, as condições pessoais do arguido (situação familiar e económica estáveis, beneficiando de apoio dos pais), a ausência de antecedentes criminais, a confissão quanto a todos os factos incluindo quanto à detenção da arma e do aerossol, valorando-se quanto a estas o respectivo tempo de detenção, locais e finalidades da mesma], tem-se por adequado aplicar ao Arguido GM, pela autoria do referido crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo art. 86.º, n.º1, al.ªs c) e d), da Lei n.º 5/2006), a pena de 14 meses de prisão.

Esta ligeira diferença, para menos, em termos de condenação, na nossa perspectiva, não importa alteração relevante na pena unitária fixada em 1.ª Instância.
Note-se que tinha com limite mínimo a pena de 5 anos de prisão cominada ao crime de abuso sexual de crianças, e como limite máximo, o valor somado de 12 anos e 6 meses de prisão.

Ora estando a pena referente ao cúmulo jurídico fixada um ano acima do respectivo limite mínimo (seis anos de prisão), não serão os referidos 4 meses que aqui terão o condão de a fazer reduzir.

III–3.4.1.) Analisemos, por fim, as questões conexas com o pedido cível.

Neste domínio, começaremos por apontar, que de harmonia com o nosso ponto de vista, não será correcto afirmar-se que dos autos não resultou qualquer elemento probatório que permita concluir que a Ofendida sofreu danos resultantes da conduta do Recorrente.
Tal só é verdade, por referência à inexistência, no processo, de exames periciais ou de natureza congénere em seu suporte.
 
Todavia, nesta Jurisdição, não existe, como regra, uma vinculação necessária entre o apuramento de quaisquer factos a específicos meios de prova, pelo menos ao nível dos danos morais, onde os de natureza rotulada como “pessoal” costumam ser os mais comuns.
O princípio aqui vigorante, é o de que “são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei” (cfr. art. 125.º do respectivo Código).

Concedemos que a fundamentação apresentada pelo Tribunal de Sintra não deixa de fazer apelo às declarações da Assistente MV.
Mas a ela não se confina:

“O arguido confessou a essencialidade dos factos que a acusação narrava e que assim se deram como provados, não tendo o tribunal razões para duvidar da autenticidade de tal confissão livre, sendo que tal factualidade também se extraiu das declarações prestadas de forma espontânea pela menor FD, a título de memória futura e que se conjugaram ainda com as declarações da assistente MV, pese embora o seu conhecimento genérico dos factos e por interposta pessoa, já que tomou conta dos factos através do relato que a sua filha M. e sobrinha RGP lhe fizeram, sendo que também esta soube dos factos através da amiga Inês, a quem a menor FD, havia confidenciado. Contribuiu sobretudo para o esclarecimento da matéria atinente ao pedido civil já que acompanhou a sua filha após a revelação dos factos, suas crises de ansiedade, insegurança, isolamento e demais sentimentos de angústia, de culpa, vergonha, de tristeza, reflectidos em crises de choro, de nervosismo e em insónias, que levaram a que a menor faltasse às aulas e deixasse de frequentar os escuteiros, onde ingressou aos 6 anos de idade. Da mesma sorte, os testemunhos da irmã da menor, MD, de RP e de MB, contribuíram para o esclarecimento da mesma matéria, sendo que relativamente a esta última, amiga da menor e que pertencia ao mesmo grupo de escuteiros e a quem a menor tudo contava quanto ao seu envolvimento com o arguido, também ficou claro que o arguido transmitiria à menor que a sua relação de namoro estava mal e que a menor estaria fascinada e encantada pelo arguido e pelas experiências que com este mantinha- nesta parte algo que também a irmã da menor nos transmitiu relatando a admiração e carinho que a irmã nutria pelo arguido e bem assim pela atenção que este lhe dispensava.”

Mais se refere ainda, que:

“Valorou-se o documento de fls. 499 (print da notícia do jornal correio da manhã) e a reportagem da TVI, cujo suporte foi junto a fls. 500, neste aspecto se salientando que o impacto de tais notícias não teve o alcance enunciado pelos assistentes, desde logo por tais peças, jornalística e televisiva não mencionarem o nome dos seus intervenientes, nem mesmo o agrupamento em questão, sendo que na peça televisiva trata-se de uma entrevista efectuada na sede nacional dos escuteiros, em Lisboa, apesar de as pessoas do meio dos escuteiros e concretamente do agrupamento em causa terem tomado conhecimento dos factos em momento anterior já que, segundo foi confirmado pela mãe da menor, foi esta quem, acompanhada do marido se deslocou ao agrupamento dos escuteiros e expôs o ocorrido.
 
De igual modo se valoraram os documentos juntos a fls. 530 a 534, quanto à intervenção psicoterapêutica de que a menor se encontra a beneficiar desde Dezembro de 2016, não sendo de estranhar que apenas nesta data tenha iniciado tal acompanhamento, que até então, segundo a mãe, terá recusado, tendo em conta o tipo de perturbação diagnosticado e bem assim os factos que o originaram.”

III–3.4.2.) Ora como se alude no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/01/2010, no processo n.º 583/07.4TATMR.C1, “não há obstáculo legal à valoração em audiência de julgamento das declarações da assistente e demandante cível e a que, no âmbito da imediação e na oralidade, o Tribunal a quo possa racionalmente fundamentar os factos dados como provados com base nas suas declarações, em especial quando confirmadas por outros elementos probatórios, derivados de provas directas e indirectas, devidamente conjugadas entre si e com as regras da experiência comum”.

Tanto mais quando, como no caso presente, aquela qualidade processual acaba por resultar de uma necessidade legal de representação (cfr. o respectivo despacho).

Como mais se menciona no referido aresto, “o art. 145.º do Código de Processo Penal consagra, expressamente, entre os meios de prova, as “declarações do assistente e das partes civis”, estabelecendo no seu n.º 1 que «ao assistente e às partes civis podem ser tomadas declarações a requerimento seu ou do arguido ou sempre que a autoridade judiciária o entender conveniente.».
Acrescenta o seu n.º 2, que «o assistente e as partes civis ficam sujeitos ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação.»
Pese embora não prestem juramento aquando das suas declarações (art. 145.º, n.º 4 do C.P.P.), quer o assistente, quer as partes civis, estão sujeitos ao dever de verdade e de responsabilidade penal pela sua violação.
O valor probatório das declarações do assistente e das partes civis é livremente apreciado pelo juiz, nos termos do já citado art. 127.º do Código de Processo Penal.”

No fundo, tudo vai depender da coerência, corroboração e correlação com as demais provas produzidas e do que a experiência comum permitir concluir como validação do que for afirmado.

Assim, não só não estamos perante prova proibida, como também a inexistência de impugnação, enquanto tal, não nos permite sindicar o ajuizamento concreto que o Tribunal retirou das respectivas declarações.

III–3.4.3.) A este ponto chegados, dúvidas não existem em como para além de enunciar os diversos actos sexuais praticados, o tempo e modo da sua realização, a matéria de facto provada não deixa de consignar danos engobáveis na modalidade supra discutida:

69.–Após ter sido confrontada com os acontecimentos, a menor alterou o seu comportamento, carecendo de apoio psicológico, por perturbação de stress pós traumático, tendo vindo a ser assistida em consulta desde o dia 15 de Dezembro de 2016, frequentando, até à data, as consultas dos dias 12.01.2017, 19.01.2017 e 26.01.2017, a primeira sessão no valor de € 70,00 e as demais no valor de € 40,00 cada, num total de € 190,00 prevendo-se uma duração média de intervenção psicoterapêutica de 12 meses.

74.–Após os seus familiares terem tomado conhecimento dos factos e em consequência destes, a menor sofreu crises de angústia e ansiedade, tendo deixado de frequentar os escuteiros, passando a ter medo de estar sozinha.
75.–Por vezes passou a ter insónias e a tomar calmantes.
76.–Passando a ser agressiva com familiares e amigos, respondendo de forma ríspida e ofensiva.
77.–Tornou-se mais introvertida e insegura.
78.–Tendo inclusive faltado às aulas.
79.–Os factos foram divulgados quer no correio da manhã, na edição de 13.05.2016, quer na TV, na reportagem da TVI no programa Você na TV, sem que tenham sido referenciados os nomes da menor e do arguido.
80.–A menor sentiu angústia, vergonha, insegurança e tristeza.
81.–Em consequência das condutas do arguido a menor sofreu angústia, depressão, ansiedade, nervosismo e insónias, insegurança e tristeza, das quais até à presente data ainda não recuperou.
82.–O que afectou e perturbou a sua vida.

Note-se que, para o Legislador, independentemente da posição da vítima em relação à maior ou menor receptividade que possa ter emprestado aos actos em causa, está sempre pressuposto, nos mesmos, um quantum de afectação da liberdade de determinação sexual do menor, da mesma forma que uma presumível afectação daí decorrente para o seu normal desenvolvimento sexual e/ou psicológico.
Tratam-se, com efeito, de crimes de perigo abstracto.

Ora atendendo às características dos que se mostram descritos, a respectiva sucessão durante um período de tempo já com algum significado, as consequências acima indicadas como resultantes da actuação do Arguido, a idade da Ofendida à data dos factos (13/14 anos), a condição económica do responsável, e a leitura do desvalor que sociedade hoje em dia empresta a tal tipo de condutas, julgamos que a indemnização arbitrada não se mostra excessiva.

Quanto muito, tendo em conta a natureza do tipo de danos de que estamos a tratar (danos morais), considerar-se, conforme vem sendo uso na Jurisprudência, que os respectivos juros não se vencem a partir do momento do pedido (ainda que assim solicitados), mas por referência ao momento mais recente que possa ser levado em consideração.

Nessa conformidade, a citada indemnização de € 20.000,00 passará a vencer juros desde a data da presente decisão até efectivo pagamento.

Assim:

IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, na muito parcial procedência do recurso interposto pelo Arguido GM, decide-se nesta Relação:

Considerar os dois crimes de detenção de arma proibida pelos quais aquele foi sancionado, como um único crime p. e p. pelo art. 86.º, n.º1, al.ª c), d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, e suas alterações, e nessa conformidade, condená-lo pela sua prática na pena de 14 (catorze) meses de prisão.

Ainda assim, em manter a pena única que a título de cúmulo jurídico lhe foi fixada em I.ª Instância.

Mais julgar que a indemnização arbitrada a título de danos morais em que se mostra igualmente condenado (€ 20.000,00 vinte mil euros), passa a vencer juros, à taxa legal, desde a presente decisão e até efectivo pagamento.

Quanto ao mais, em considerar improcedente o recurso por si apresentado.



Lisboa,26-09-2017



(Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário)

Luís Gominho-Relator
José Adriano