Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
84/10.3TBSCR-A.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Se do título executivo dado à execução, formado pelo contrato de abertura de crédito em conta corrente e nota de débito, não resulta com segurança a existência da dívida exequenda e em que data a mesma se venceu, sendo que tal segurança seria a que justificaria que a exequente não tivesse que instaurar acção declarativa previamente e poder passar, logo, para a acção executiva, inevotável é concluir que carece a exequente de título executivo válido e suficiente.
Acresce que, in casu, a nota de débito junta aos autos não complementa o contrato de abertura de crédito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

M…Executada, melhor identificada nos Autos à margem identificados de Execução interposta por C  […, S.A ] veio propôr os presentes embargos de executado alegando,em resumo:
--um contrato de abertura de crédito em conta corrente não constitui título executivo.
Embora do contrato, que serve de título à execução que corre termos nos autos principais – que aqui se dá por integralmente reproduzido —, resulte a obrigação para os executados, de pagamento das quantias que por via dele sejam disponibilizadas aos executados, do mesmo não resulta, por si só, a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. Apenas resulta a obrigação da instituição de crédito (creditante) disponibilizar determinado montante a pedido dos executados.
Só na hipótese do cliente/creditado peticionar a quantia disponibilizada é que, por força do clausulado no contrato e nos termos e condições nele previstos, nascerá a obrigação de a restituir ao creditante, com a respectiva remuneração (juros e comissões).
No caso em apreço não existe o título executivo, assim definido.
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A embargada contesta,alegando,em síntese:
--o contrato de abertura de crédito em conta-corrente subjudice, além de estabelecer uma obrigação pecuniária assumida pelos devedores perante a Exequente, da qual os próprios se confessaram expressamente devedores (Cfr. o introito do contrato de abertura de crédito em conta-corrente de utilização simples oferecido aos autos), consagra, igualmente, o capital mutuado, assim como os prazos e a forma de pagamento) – cfr. contrato junto como título executivo nos autos principais de execução e que ora ser junta como documento 1
Da conjugação destes elementos, resulta que a obrigação pecuniária aqui subjacente é determinável por simples cálculo aritmético.
Neste seguimento, em complemento à nota de débito junta com o requerimento executivo (e que ora se junta como documento 2, junta-se o extrato da conta corrente no qual se comprova que foram debitadas mensalmente as respetivas prestações (cfr. documento 3 que ora se junta), ao longo de período de utilização, de acordo com as cláusulas 8º. e 12.º do contrato de abertura de crédito (cfr. documento 1).
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Foi,então, proferida esta decisão :
“....Em face de tudo quanto ficou exposto, julgo PROCEDENTE os presentes embargos de executado, por falta de título executivo, e, por conseguinte, julgo extinta in totum a execução que corre nos autos principais — artigo 732.º, n.º 4, do Novo Código de Processo Civil....”
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É esta decisão que o embargado impugna, formulando estas conclusões:
1.   O presente recurso foi interposto da douta Sentença proferida pelo Mmo. Juiz a quo com a referência 46150709, a qual julgou os Embargos de Executado deduzidos por M… procedentes, por falta de título executivo.
2.   Ora, com o devido respeito, decidindo como decidiu, o Mmo. Juiz a quo não fez a correta nem a adequada aplicação do Direito
3.   Está, pois, a Apelante convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
4.    Com efeito, em 18/01/2010, a ora Recorrente Caixa Geral de Depósitos, S.A. (doravante designada por CGD) instaurou a presente ação executiva.
5.   Para tanto, apresentou como título executivo um contrato de abertura de crédito em conta corrente assinado pela Executada (ora Recorrida) e por J…(igualmente executado nos autos principais de execução).
6.   Sucede que, o douto Tribunal a quo julgou Embargos de Executado procedentes por considerar que a Exequente, ora Recorrente, não dispõe de título executivo.
7.   Com efeito, o documento dado à execução é, efetivamente, título executivo, sendo que, conforme determina o n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC), toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
8.   O contrato de abertura de crédito de abertura de crédito em conta corrente que titula os autos de execução subjudice reveste a forma de título executivo, em conformidade com o consignado no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015 (processo n.º 340/2015), relativamente ao pedido de declaração de inconstitucionalidade sobre a aplicação do artigo 703.º do CPC, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, que são agora exequíveis por força do artigo 46.º n.º 1 alínea c), do CPC de 1961, resultante da conjugação do disposto no artigo 703.º do CPC, com o consignado no artigo 6.º, n.º 3, da supracitada Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
9.   Ora, contrato que titula os autos principais de execução foi celebrado em 10/12/1999, pelo que, em face do supracitado Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional (n.º 408/2015), a apreciação da existência de título executivo deverá ser realizada em conformidade com o disposto no artigo 46.º do CPC.
10.  Assim, determina o artigo 46.º alínea c) do anterior CPC, que constitui título executivo: “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigações de entrega de coisa ou de prestação de facto.”
11.  Conforme posição sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no douto Acórdão proferido em 15/05/2001 – processo 01ª1113 – disponível em www.dgsi.pt - "A abertura de crédito visa a disponibilidade do dinheiro, sendo um contrato que fica perfeito com o acordo das partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária. O contrato de abertura de crédito titulado por documento particular, assinado pelo devedor, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do exequente, através da junção do extrato de conta corrente, constitui título executivo”.
12.  O contrato de abertura de crédito em conta corrente desempenha uma importante função prática sendo que, para o creditado, assegura de antemão a disponibilização dos fundos necessários para concretizar um determinado negócio em vista em condições financeiras e operacionais mais vantajosas do que no caso de um empréstimo bancário.
13.  Através da celebração do contrato de abertura de crédito em conta-corrente, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta-corrente com o banqueiro.
14.  Celebrando o Banco um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, sobre o mesmo recai a obrigação de disponibilizar ao cliente a utilização de determinada quantia em dinheiro durante certo período de tempo.
15.  Por outro lado, fica o Cliente na obrigação de reembolsar o Banco dos montantes colocados à sua disposição, bem como as comissões e os respetivos juros convencionados.
16.  De notar que a obrigação de reembolso surge em momento posterior à disponibilização efetiva do crédito, pelo que para efeitos de exequibilidade, deverá ser junto ao contrato um documento complementar que faça a prova dessa disponibilização de dinheiro ao cliente.
17.  O que, in casu, sucedeu.
18.  Ainda a este propósito, não é exigível que o contrato de abertura de crédito se revesta de autenticidade ou, ao menos, de autenticação.
19.  Neste seguimento, se no quadro legal se puder reconhecer a exequibilidade a um documento particular (simples) nos termos do artigo 46.º n.º 1 alínea c), afigura-se sensato que, face a um documento particular com reconhecimento presencial de assinaturas (apoiado por um instrumento de prova, elaborado de acordo com o convencionado naquele, a indicar os créditos efetivamente dados), não se imponha ao credor o recurso a uma ação declarativa destinada à recognição desses créditos.
20.  Por conseguinte, é entendimento da aqui Recorrente que a natureza indiciadora do título executivo não tem de resultar de um atomístico e único documento, podendo igualmente resultar de uma ajustada combinação de documentos probatórios.
21.  Com efeito, em matéria de documento particular simples, é essencial para o exame da sua exequibilidade, o ajustamento à previsão normativa do artigo 46.º n.º 1 alínea c).
22.  Volvendo ao artigo 46.º, alínea c) do CPC, aqui aplicável, temos que o contrato de abertura de crédito é um documento particular assinado pelos Executados, importando a constituição de obrigações pecuniárias a contrair de futuro determináveis por simples cálculo aritmético.
 23. O Legislador, ao aludir na alínea c) do artigo 46.º a montante determinável nos termos do artigo 805.º do CPC (art. 715.º do atual CPC), terá, em boa verdade, pretendido abranger a dívida de futuro, passível de determinação aritmética.
24.  Com efeito, determina o artigo 804.º do CPC (atual 715.º do CPC), que se a obrigação estiver dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte de credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar que se verificou a condição ou que se efetuou ou ofereceu a prestação, in casu, que a quantia peticionada no requerimento executivo foi disponibilizada aos Executados, a pedido destes, prova esta feita pela Recorrente.
25.  Nesse seguimento, os extratos e a nota de débito já juntos aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, inequivocamente que suportam e comprovam a disponibilização dos montantes peticionados nestes autos, concretizando os movimentos bancários efetuados e refletindo de forma inequívoca os montantes em dívida.
26.  Aliás, a nota de débito contém a expressa referência ao número daquele contrato sendo que, o extrato de conta apresentado traduz, de forma inequívoca, o crédito efetivamente disponibilizado no âmbito do contrato de abertura em conta corrente em discussão.
27.  Não restando qualquer dúvida de que o contrato de abertura de crédito aqui em causa constitui título executivo.
28.  Note-se, aliás, que a contratualização foi efetuada entre as partes em obediência ao disposto no artigo 405.º do Código Civil, tendo o Banco analisado a condição económica do Cliente.
29.  O Contrato em causa representa a vontade das partes, tendo ambas conhecimento das responsabilidades contratuais assumidas sendo de realçar que assinaturas foram notarialmente reconhecidas.
30.  Sem prejuízo, sempre se dirá que o contrato dado à execução constitui título executivo à luz do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto.
31.  Tal Diploma transformou a Caixa Geral de Depósitos, S.A., Crédito e Previdência em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, consignando o n.º 4 do artigo 9.º do seu Diploma preambular que “os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.”
32.  Ora, não nos podemos olvidar de que o n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil determina que “a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador.”
33.  Ou seja, “a lei geral não derroga lei especial que já exista, a não ser que o faça expressamente”, conforme defende, a título de exemplo, o Acórdão de 09/07/2009 do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 3596/09.4TCLSB.L1-8.
34.  Por conseguinte, o supracitado n.º 4 do artigo 9.º do diploma preambular do Decreto-lei n.º 287/93 continua atualmente em vigor, não tendo sido expressamente revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código, mantendo as regras de atribuição de força executiva aos contratos celebrados com a CGD.
35.  Assim, o contrato de abertura de crédito em conta corrente continua a manter a sua força executiva, sendo a obrigação exequenda certa, líquida e exigível tendo o contrato dado à execução força executiva, podendo a ação prosseguir os seus termos até final.
36.  Por fim, com todo o respeito, a decisão em crise fez uma incorreta interpretação e desadequada aplicação do Direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da ação executiva até ao efetivo e integral pagamento.
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A embargante contra-alega, pugnando pela improcedência do recurso.
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639 nº1e 2 do  Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui se discute é se a execução instaurada pela embargada está sustentada num título executivo.
Vejamos …
O contrato de abertura de crédito pode definir-se como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte (creditado) uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado[1].
Decorre desta noção que se trata de um contrato consensual por oposição a contrato real quoad constitutionem: "fica perfeito com o acordo entre as partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, ao contrário do que sucede com o mútuo clássico"[2].
Por outro lado, a abertura de crédito pode ser simples ou em conta-corrente – naquele caso, o beneficiário pode utilizar o crédito de uma só vez ou recorrer a utilizações parciais até atingir o limite fixado, mas sem poder repor o valor inicial; no segundo caso, as restituições das quantias utilizadas permitem repor – no todo ou em parte, de acordo com o valor restituído – a disponibilidade (abertura de crédito revolving)[3].
De referir ainda que a abertura de crédito pode ser garantida (se o banco beneficia de garantia que assegure a restituição das quantias utilizadas) ou a descoberto.
Está sujeita à forma escrita, como o mútuo bancário, exigindo, porém, escritura pública se for prestada garantia que que requeira esta formalidade, como a hipoteca (cfr. art. 714º do CC).
No caso concreto:
 No requerimento executivo a  exequente alega a seguinte factualidade:
1)-- celebrou por documento particular, em 10/12/1999, com os executados um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente no montante de € 24.939,89, à taxa de juro, em caso de mora, de 11,45% ao ano,alterável e acrescida da sobretaxa até 4%, a título de cláusula penal - doc. 1.
2º - Tendo os executados deixado de cumprir com as suas obrigações contratuais, encontra-se em dívida à data de 12/01/2010 as seguintes quantias:
- Capital …………………………..…….…... € 22.939,89
- Juros de 10/03/2009 até 12/01/2010 ….... € 2.511,46
- Comissões ………….………….….……….…. € 166,69
3-No caso, a abertura de crédito foi celebrada por documento particular e na modalidade de conta-corrente, garantida por penhor.
4- A conta corrente será movimentada a débito  ,por crédito da conta de depósitos à ordem constituida em nome dos 1º/s outorgantes sob o nº 0711002985930 na Agência da CGD em Santa Cruz Madeira.
5-O contrato em causa é o nº 0 7 1 1 0 0 0 0 0 8 4 8 2 0 0 19 ,datado de 10 /12/1999
Assim , a exequente obrigou-se a colocar à disposição da embargante  a quantia acordada, para que esta e o outro outorgante a pudessem utilizar nos termos previstos no contrato. A exequente não se constituiu, desde logo, credora de uma prestação pecuniária, pois isso só veio a verificar-se com a posterior mobilização pelos executados das importâncias disponibilizadas pela exequente.
Por outro lado, conforme dispõe o art.703 nº 1, do CPC toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
O título executivo é, assim, o documento que serve de base à execução, o meio legal de demonstração da existência do direito do exequente.
No caso, como decorre do que acima se referiu sobre a abertura de crédito, no contrato celebrado em 10.12.1999 não foi constituída ou reconhecida qualquer obrigação pecuniária pelos executados, não certificando aquele contrato, por si só, qualquer dívida destes.
Não resulta daí, na verdade, a efectiva entrega de qualquer montante aos executados; apenas importaria a futura constituição de obrigações, mediante a mobilização pelos executados dos fundos colocados à sua disposição pela exequente.
Neste sentido , cf o Acórdão do STJ de 08.03.2005[4], em cujo sumário se pode ler:
“II - Num contrato de abertura de crédito, o Banco apenas se vincula a realizar no futuro as prestações que o cliente venha a exigir nos termos contratados, consistindo a prestação imediata do Banco apenas na manifestação de vontade de vir a tornar-se credor.
III - O cliente não fica desde logo titular efectivo de qualquer soma em dinheiro, apenas tendo a disponibilidade de a ele vir a recorrer (que pode ou não vir a utilizar), dependendo a disposição dos fundos da sua manifestação de vontade.
Desta forma , pode dizer-se que o contrato de abertura de crédito é um documento particular assinado pelos executados, importando a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente.
Essa determinação deveria ter sido feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respectivos montantes.
Não é por acaso que consta da cláusula 24ª do contrato” Fica convencionado que o extracto de conta de abertura de crédito e os documentos de débito emitidos pela CAIXA e por ela relacionados com o mesmo ,serão havidos,para todos os efeitos legais e ,designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do CPC ,como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida ,endo em vista a exigência ,justificação ou reclamação judicial dos créditos que dele resultarem em qualquer processo”
Conforme dispõe o art. art. 715º nº 1 CPC , quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente que se efectuou ou ofereceu a prestação.
Assim, não resultando do contrato celebrado a concessão efectiva de qualquer crédito, o que só ocorreria posteriormente com a mobilização pelos executados do montante disponibilizado, tornava-se necessário que a exequente, através de documentação complementar, demonstrasse que os executados utilizaram efectivamente aquele montante, como foi alegado.
Por isso,não está em causa a decisão do Tribunal Constitucional, de 3.12.2014, em www.dgsi.pt, que decidiu “Julgar inconstitucional a norma resultante dos arts. 703º do CPC e 6º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013 de 26 de Julho, na interpretação de que aquele art. 703º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do art. 46º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961”, assim considerando materialmente inconstitucional o citado art. 703º, em conjugação com o art. 6º, nº 3, da Lei nº 41/2013, de 26.6, por violação do princípio da confiança, na parte em que retirou exequibilidade a documentos particulares que tinham força executiva à luz da lei vigente na data em que foram elaborados.
Voltando à documentação junta:
--para além do contrato , foi junto o documento “ NOTA DE DÉBITO nº 2796/2010
Nessa nota faz-se referência a um contrato celebrado em 10/9/2002[5] e um nº de operação PT00350711000163792
 O que concluir?
 Perante esta documentação assiste total razão ao Sr Juiz :
“....Dos autos resulta que a exequente não procedeu a qualquer explicação por que razão a nota de débito apresenta um número de operação que difere do número de contrato e do número de conta referidos no contrato junto com o requerimento executivo.
Do cotejo entre os documentos dados à execução como título executivo não resulta que a nota de débito se reporte a esse contrato.
O único elemento de identificação a que se reporta consiste ao número de operação n.º PT00350711000163792.
Ora, tal número não corresponde ao número do contrato, nem à conta bancária a que se alude no mesmo, ou a qualquer outro número de identificação constante do mesmo.
Nem os documentos juntos com a contestação — em fase que entendemos que já seria tardia para completar o título executivo, pois o mesmo ou existe ou não existe no momento da citação do executado, sob pena de se inverter o esquema legal e o executado ter de deduzir embargos de executado para que o título executivo ficasse completo, tendo para o efeito de eventualmente de pagar a correspondente taxa de justiça pelo incidente — consta o número de contrato e de conta mencionados no contrato dado à execução.
Em suma, do título executivo dado à execução, formado pelo contrato de abertura de crédito em conta corrente e nota de débito, não resulta com segurança a existência da dívida exequenda e em que data a mesma se venceu.
Esta segurança seria a que justificaria a exequente não ter de instaurar acção declarativa previamente e poder passar, logo, para a acção executiva....”
Posto isso, resta-nos analisar a referência à  norma do artº. 9, nº. 4, do DL 287/93, de 20 de Agosto, que transforma a Caixa Geral de Depósitos em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, tal como resulta das conclusões.
Importa referir que o exequente não invoca tal preceito na exposição de factos do seu requerimento executivo.
De qualquer forma, sufragamos , nesta matéria, a posição manifestada por Paulo Faria e Ana Luísa Loureiro [6] quando concluem que a vigência do artº. 9, nº. 4, do DL 287/93, de 20/98, já cessou. Isto porque, depois de dissecar a referida disposição com o estabelecido na exposição de motivos da proposta de Lei 113/XII – que esteve na origem do NCPC -, verifica-se que o legislador quis, de modo inequívoco, restringir a força executiva atribuída aos documentos particulares – ressalvando apenas os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que sejam alegados os factos constitutivos da relação subjacente -, não excepcionando certos credores.
 Ou seja, a aqui exequente Caixa Geral de Depósitos não está dotada de uma situação de privilégio por força do artº. 9, nº. 4, do DL 287/93, citado, pois esta norma já não está em vigor, devendo respeitar, assim, o disposto no artº. 703 do NCPC, exercendo a sua actividade em condições iguais às permitidas para as restantes instituições de crédito.
Portanto, também a al. d), do artº. 703, nº. 1, do CPC, não está preenchida nesta situação em análise
Termos em que improcedem todas as conclusões .
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Síntese : a nota de débito junta aos autos não complementa o contrato de abertura de crédito .
Por isso, os autos de execução não assentem qualquer título executivo.
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Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pela apelante.

Lisboa, 6/6/2019

Teresa Prazeres Pais
Isoleta Costa
Carla Mendes

[1] A este respeito ,cf  Calvão da Silva, Direito Bancário, 365; Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, 207; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª ed., 639.
[2] Cf Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 640.
[3]Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 209.
[4] Publicado in DGSi
[5] O contrato em causa é do ano de 1999.
[6] “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2014, Vol. II, Almedina, pág. 192 e 193