Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1539/2006-6
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONSTITUIÇÃO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- O tribunal tem de apreciar a divisibilidade ou indivisibilidade do imóvel à luz da situação presente e real, não à luz de uma situação futura e hipotética.
II- Por isso, se o prédio não dispõe dos requisitos exigidos no artigo 1415º do Código Civil (de fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública) o Tribunal não deve, em acção de divisão de coisa comum, declarar constituída a propriedade horizontal nem deve declarar que o prédio é divisível apenas por ser possível constituir a propriedade horizontal se forem efectuadas obras que levem a que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 1415º do Código Civil
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da relação de Lisboa:


1. (M) propôs acção especial de divisão de coisa comum contra os restantes comproprietários de três identificados imóveis, que considera indivisíveis em substância, pedindo que se proceda à sua adjudicação ou venda visto não pretender permanecer mais tempo na indivisão.

2. Contestou  um dos comproprietários alegando que o prédio, embora inscrito na matriz como moradia unifamiliar, permite a sua transformação em propriedade horizontal e consequente divisão em fracções autónomas a adjudicar a cada um dos comproprietários.

3. Nada obsta à criação de fracções autónomas considerando-se que o prédio é composto por 3 pisos praticamente autónomos entre si, encontrando-se o R/C preparado para a criação de garagens e loja, existindo igualmente um armazém com dois portões individualizados, bastando dividir tal espaço ao meio com uma parede para que se criem duas garagens autónomas; na parte tardoz do R/C existe ainda um armazém que pode ser dividido para ateliês; o 1º andar e o sótão, que corresponde a um 2º andar, podem se facilmente transformáveis, cada um deles, com pequenas obras, em duas fracções autónomas.

4. Também o comproprietário (J) contestou alegando que o referido prédio é divisível em substância tendo sido inclusivamente apresentado , a pedido de todos os comproprietários, um projecto de remodelação e ampliação do prédio, que tinha em vista a criação de 12 fracções autónomas, que foi parcialmente inviabilizado por despacho da Câmara Municipal de Peniche dado o aumento de volumetria existente e ocupação de tardoz.

5. Refere, tal como o outro comproprietário contestante, que há a possibilidade de criação de fracções autónomas existindo discrepância entre a descrição do prédio na CRP de Peniche e a descrição apresentada pela A.

6. No relatório pericial salientou-se que, tal como as construções hoje existem, o prédio não é divisível já que não possui componentes autónomas, nem acessos independentes para divisão em propriedade horizontal.

7. Para que tal divisão fosse possível teriam que ser realizadas obras de adaptação que teriam de passar obrigatoriamente pela execução de um projecto e licenciamento dessas obras.

8. No caso de se realizarem as obras necessárias seria então possível efectuar uma divisão em fracções autónomas.

9. Factos provados:

1- Encontra-se descrita na CRP de Peniche sob o nº 3870/Atouguia da Baleia o prédio rústico, composto de terra de cultura arvense, com a área de 1240m2, sito no “Taboleiro”, freguesia de Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, a confrontar no norte com Y.., do Sul com X.., do nascente com caminho e do poente com H, inscrito na matriz cadastral rústica de Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, sob o artigo nº32 da secção

2- Encontra-se descrito na CRP de Peniche sob o nº 887/Ferrel, o prédio rústico, composto de vinha, com a área de 1560m2, sito nos casais do Baleal, freguesia de Ferrel, concelho de Peniche, a confrontar do norte com ..., do sul com carreiro, do nascente com ... e outros e do poente com ..., inscrito na matriz cadastral rústica de Atouguia da Baleia sob o artigo nº 174 da secção

3- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche e descrito na CRP de Peniche sob o nº 886 Ferrel, o prédio urbano, composto de casa e habitação do R/C e 1º andar, garagem e sótão, com a superfície coberta de 211,50 m2 e logradouro com a área de 104,50 m2, sito na Rua da Paz, nº19, no lugar e freguesia de Ferrel, concelho de Peniche, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo nº 2760

4- O prédio referido no ponto 3 tem a área aproximada de 342m2

5- Não foi confirmada a existência de superfície descoberta no referido prédio, já que o espaço entre a moradia e o anexo encontra-se actualmente todo construído ao nível do R/C, constituindo um prolongamento da garagem, com uma laje de cobertura em terraço ao qual existem acessos pelas traseiras da moradia e pelo anexo, ao nível do 2º piso destas construções

6- O referido prédio do ponto 3 situa-se na classe dos ‘espaços urbanos’ não possui componentes autónomas nem acesso independentes

7- Para ser possível a divisão em propriedade horizontal do prédio referido em 3, teriam de ser realizadas as obras descritas no relatório de fls. 237/238 com o custo estimado aí referido de € 36.700,00 acrescido de IVA

8- Não é possível dividir o prédio referido no ponto 3 nas quotas ideais


10. Foi proferida decisão, ora sob recurso, onde se considerou que a constituição de propriedade horizontal por decisão judicial proferida em acção de divisão de coisa comum pode ter lugar, a requerimento de qualquer consorte, desde que se verifiquem os requisitos exigidos pelo artigo 1415º do Código Civil e tais requisitos não se verificam.

11. O prédio em causa só mediante obras poderia ficar dotado de fracções autónomas independentes, distinta e isoladas com saída própria para  parte comum do prédio ou para a via pública.

12. Ora - prossegue a decisão - “ é bom de ver que, para o que nos interessa na presente acção, é o seu estado actual e não o decorrente de quaisquer obras a realizar no futuro, obras onerosas, não se podendo impor aos comproprietários encargos que não se sabe se eles podem suportar

13. Da decisão que declarou os imóveis indivisíveis foi interposto recurso pelo comproprietário requerido David Jorge Martins alegando que, na primeira fase da acção, os peritos apenas se devem pronunciar sobre a divisibilidade ou indivisibilidade do prédio e já não quanto à forma concreta de proceder à divisão. Ora decorre do relatório pericial e da informação de viabilidade de construção que o prédio é divisível.

Apreciando:

14.  Saliente-se que,  contrariamente ao que refere o recorrente, nem o relatório nem a Câmara Municipal consideram que o prédio é divisível.

15. Se um prédio se pode constituir em propriedade horizontal e se a lei admite que a constituição de propriedade horizontal pode ser proferida em acção de divisão de coisa comum, isso significa que a propriedade horizontal constitui um meio de divisão e, assim sendo, um prédio que se encontra em condições de ser constituída a propriedade horizontal é um prédio divisível em substância. Refere-se no Ac. do S.T.J. de 15-2-2000 (Lemos Triunfante), revista nº 39/00,sumário de acórdãos do STJ, nº 38, Fev. 2000, pág. 17 que a propriedade horizontal constitui uma das vias possíveis de dissolução da propriedade no tocante a prédio urbano.

16. Na propriedade horizontal “ cada condómino é pleno proprietário da sua parte privativa - e a sua parte privativa não é apenas, como já se tem escrito, um cubo de ar em que as paredes são comuns e ele é somente proprietário do conteúdo. Trata-se, sim, de uma unidade habitacional fechada e tapada pelas partes comuns, que lhe pertence para os usos próprios a que um prédio sob este regime se destine e vêm enunciados no título constitutivo - esse espaço de que é proprietário é uma fracção independente, a sua fracção autónoma e privativa” (Direitos Reais, Mota Pinto, 1972, pág. 280).

17.Prescreve a lei (artigo 1417º/2 do Código Civil) que a constituição de propriedade horizontal pode ter lugar a requerimento de qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo artigo 1415º, ou seja, que as fracções autónomas, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.

18. No caso em apreço  não subsiste dúvida de que  não se verificam os requisitos exigidos pelo artigo 1415º do Código Civil, mas admite-se a possibilidade de que tais requisitos possam verificar-se  se forem realizadas obras  no prédio.

19. O  tribunal tem de apreciar a divisibilidade ou indivisibilidade do imóvel à luz da situação presente e real, não à luz de uma situação futura e hipotética.

20. Admitiu o S.T.J. no Ac. de 22-7-1959, “Revista dos Tribunais”,Ano 77º, pág. 295, na vigência do Decreto-Lei nº 40333 de 14 de Outubro de 1955 que “ a possibilidade de sujeição ao regime de propriedade horizontal basta para que se considere o prédio divisível” apoiando-se o aludido aresto no artigo 1º daquele Decreto-Lei considerando que “ segundo o decreto, pode constituir-se a propriedade horizontal por meio de acção de divisão de coisa comum, desde que as fracções de que se compõe o edifício sejam susceptíveis de constituírem unidades aptas para os fins do artigo 1º- suficientemente distintas e isoladas entre si”.

21. Não se afigura que se deva impor aos comproprietários despesas extraordinárias destinadas a possibilitar a constituição de propriedade horizontal de um imóvel que não está em condições para o efeito; não se afigura que, a ser pedida a constituição de propriedade horizontal, o tribunal, apesar de verificar que o imóvel não dispõe dos requisitos a que se refere o artigo 1415º do Código Civil, declare imediatamente constituída condicionalmente a propriedade horizontal ou possa abster-se de decisão (suspendendo a instância?) até que as obras sejam realizadas para, então, ordenada vistoria judicial, verificar a existência dos requisitos exigidos para que as fracções autónomas possam ser objecto de propriedade horizontal.

22. José Gualberto Sá Carneiro referia a este propósito que no caso decidido por aquele acórdão “ ficava-se perante este dilema: as obras só se justificavam se fosse decretada a divisão horizontal do prédio; mas esta só podia ser ordenada depois da vistoria judicial em que se verificasse a existência dos requisitos exigidos para as fracções do prédio, que dependiam das obras”.

23. Entende-se, portanto, que ou o prédio se encontra em condições de ser constituída a propriedade horizontal e, assim sendo, o prédio é divisível em substância, improcedendo o pedido de divisão no caso de não ter sido pedida a constituição de propriedade horizontal (artigo 1417º, nº2 do Código Civil) ou o prédio não se encontra em tais condições e, assim sendo, há que reconhecer a sua indivisibilidade

Decisão: nega-se provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente


Lisboa, 2 DE MARÇO DE 2006


(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)