Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
546/17.1YRLSB-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PEDIDO DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: DEFERIDA A ENTREGA
Sumário: I.–A decisão de emissão de um mandado detenção europeu deverá obedecer ao princípio da proporcionalidade lato sensu, mas o juízo sobre a proporcionalidade compete à autoridade judiciária do Estado de emissão, não cabendo à autoridade judiciária do Estado de execução efectuar qualquer juízo de proporcionalidade sobre a decisão da autoridade judiciária do Estado de emissão de proceder criminalmente contra a pessoa procurada e de ordenar a sua detenção.

II.–O princípio da confiança mútua impõe, no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um dos EstadosMembros considere, salvo em circunstâncias excepcionais, que todos os outros Estados Membros respeitam o direito da União e, muito em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito.

III.–Não existe obstáculo à execução do mandado de detenção europeu pela circunstância de estar pendente processo de protecção internacional que em nada se refere aos factos que estão na origem daquele mandado, já que os efeitos previstos no artigo 48.º, n.º1 e 2, da Lei n.º 27/2008, não se reportam ao mandado de detenção europeu, mas apenas e tão-somente à extradição.

(Sumário elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


1.–O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa promoveu o cumprimento de mandado de detenção europeu para efeito de procedimento criminal, emitido pela autoridade judiciária da República Francesa contra o cidadão nacional do Sri Lanka, K…, nascido a 18 de Junho de 1979, natural de…, com último domicílio conhecido na Rua …, melhor identificado nos autos.
O requerido foi detido em 14 de Março de 2017, pelas 11h00, nas instalações do SEF, em Lisboa, por força da inserção no Sistema de Informação Schengen (SIS II) com o registo n.º 0006.02014471330000000000001.01.

2.–Procedeu-se à audição a que se reporta o artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, com a comparência do requerido neste tribunal, o qual, após ser esclarecido sobre a existência e o conteúdo do mandado de detenção europeu, bem como sobre o direito que lhe assiste de se opor à execução, os termos em que o pode fazer e as consequências de um eventual consentimento e sobre a faculdade de renunciar ao princípio da especialidade, declarou não renunciar a este princípio e não consentir na sua entrega às autoridades de emissão. Pediu ainda prazo para apresentar, por escrito, a sua oposição, o que lhe foi concedido.
Na mesma diligência foi determinado que o requerido aguardasse os ulteriores termos do MDE em detenção.

3.–No prazo que lhe foi concedido, o requerido apresentou oposição ao mandado, alegando, em síntese:
- os factos em causa são punidos pela lei penal portuguesa com o máximo de 5 anos de prisão ou pena de multa;
- o detido encontra-se inserido profissionalmente em Portugal, desde pelo menos 17 de Dezembro de 2014, sendo proprietário de um estabelecimento comercial com negócio estável, de onde retira o seu sustento, paga os seus impostos e nunca praticou quaisquer crimes ou contra-ordenações em território nacional;
- o detido requereu direito de asilo em Portugal, motivo por que qualquer medida “de deportação, ainda que provisória”, poderá questionar a sua segurança pessoal;
- não se mostra necessária a sua “deportação”, sendo certo que se apresentará às autoridades francesas para responder em qualquer processo criminal que lhe seja instaurado.
Termina dizendo que “vem o detido pugnar pela sua libertação, sem prejuízo de eventualmente lhe ser aplicada medida cautelar de cassação do seu passaporte até que seja dado cumprimento de apresentação a juízo nos tribunais franceses”.
No dia anterior à apresentação da oposição, o requerido juntou aos autos diversos documentos, destinados a provar a sua “permanência em Portugal”.

4.–Notificado da oposição, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela sua improcedência.

5.–Foram produzidas alegações orais em que o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto sustentou se determinasse a execução do mandado de detenção europeu e o Ex.mo Mandatário do requerido reiterou os fundamentos enunciados na oposição deduzida.

6.–Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II–Fundamentação.

1.–Factos com relevo para a decisão (com base na prova documental junta aos autos):

1.–O mandado de detenção europeu que nestes autos se pretende executar foi emitido em 28 de Abril de 2016 por uma Procuradora da República junto do Tribunal de Grande Instância de Paris (Procureur de la République près le tribunal de grande instance de Paris), tendo por base mandado de captura, de 11 de Março de 2016 (Mandat d'arrêt décerné le 11 mars 2016), emitido por uma Juíza de Instrução do Tribunal de Grande Instância de Paris (Juge d'instruction au tribunal de grande instance de Paris).
2.–O mandado de detenção europeu foi emitido para efeitos de procedimento criminal.
3.–Reporta-se o mandado a factos ocorridos entre 1 de Janeiro 2014 e 2 de Junho de 2015, investigados sob a supervisão do juiz de instrução, investigação que “levou à detenção de nove pessoas por auxílio à entrada de estrangeiros em França em organização criminal. Essa rede conseguiu entre 2014 e 2015 passar ilegalmente muitos cidadãos cingaleses em França e em Inglaterra, com intermediários nomeadamente na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos, na Tailândia e em Itália. Os clandestinos viajam com passaportes falsificados e vistos Schengen e pagam cerca de 20 000 euros pela sua passagem. O Sr. K…. é um dos principais organizadores desta rede. As vigilâncias policiais, as escutas telefónicas, o estudo das transferências de dinheiro e a colaboração policial internacional permitiram estabelecer que o mesmo vende passaportes falsificados e vistos Schengen que permitem aos clandestinos entrar ilegalmente na Europa. Nomeadamente fez entrar clandestinos da India na Europa em troca de um valor de 19.000,00 euros, da Estónia para a França em troca de de 7.500,00 euros e tentou fazer passar clandestinos de Espanha para a França e de seguida para a Alemanha” (tradução em português do MDE).

4.–Nos termos do mandado de detenção, os factos imputados ao requerido integram:
-auxílio de entrada e estadia de estrangeiros em associação criminosa;
-fornecimento de documentos administrativos falsos de forma continuada;
-falsificação de documentos administrativos;
-detenção de documentos administrativos falsos;
-participação numa associação de malfeitores com vista a cometer esses rimes, ilícitos previstos e punidos pelos artigos L622-1,
L622-3, L622-5, L622-6 e L622-7 do “code de l'entrée et du séjour des étrangers et du droit d'asile”, 132-72, 324-1, 324-2, 324-3, 324-4, 324-5, 324-6, 324-7, 324-8, 441-1, 441-2, 442-1, 442-5, 441-9, 441-10, 441-11,450-1, 450-3 e 450-5,do“code penal”.

5.–Estes crimes são punidos com pena privativa de liberdade com a duração máxima de 10 anos de prisão, no caso do crime de auxílio de entrada e estadia de estrangeiros em associação criminosa (délit d'aide à l'entrée ou au séjour en bande organisée), e com pelo menos 5 anos de prisão no que toca aos relativos aos documentos administrativos falsos e seu uso (délits de faux documents administratifs et d'usage de faux documents administratifs).

6.–O requerido obteve em Portugal documento provisório de identificação fiscal em 17 de Dezembro de 2014. Encontra-se inscrito na segurança social, com o n.º de identificação (...). Em 18 de Agosto de 2015, aderiu a um clube de fitness da área da sua residência.

7.–O requerido explora um estabelecimento comercial – mercearia – em local que tomou de arrendamento por contrato com início em 1 de Fevereiro de 2016.

8.–O requerido formulou pedido de protecção internacional, em 22 de Setembro de 2015, que deu origem ao Processo de Protecção Internacional n.º (…), que obteve em 4 de Dezembro de 2015 despacho de admissibilidade proferido pelo Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, notificado ao ora requerido em 21 de Janeiro de 2016, tendo sido, na sequência, emitida uma autorização de residência provisória, pelo período de seis meses e renovável até decisão final.

9.–O referido pedido de protecção funda-se na alegação de que o requerido tinha negócios numa parte do território do Sri Lanka controlada pelo LTTE – Liberation tigers of Tamil Eelam -, motivo por que era forçado a entregar periodicamente dinheiro a esse grupo, como uma espécie de “imposto”, vindo alegadamente a ser preso por três vezes e torturado pela polícia do seu país, tendo em vista obter a confissão de que o ora requerido tinha uma ligação ao LTTE.

10.–Em 25 de Novembro de 2016, a Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras propôs fosse recusado ao ora requerido (requerente no mencionado processo de protecção internacional) o direito de asilo e que lhe fosse concedida, ao invés, a autorização de residência por protecção subsidiária, o que se encontra pendente de decisão da Ministra da Administração Interna.
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2.–Apreciando.

2.1.O mandado de detenção europeu constitui a primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo, no âmbito do espaço de segurança e justiça (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, Janeiro-Março, 2003, pp. 27 segs; Ricardo Jorge Bragança de Matos, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 3, Julho-Setembro, 2004, pp. 325 segs.).
A evolução das formas de cooperação penal, no âmbito europeu, deu origem a diversos instrumentos que, além do mais, visaram modernizar os procedimentos em matéria extradicional. Porém, foi sobretudo com o Tratado de Amesterdão que a cooperação judiciária em matéria penal ganhou uma nova perspectiva, como forma de realização de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
O aprofundamento desta dimensão, inspirada na noção de “espaço europeu” e orientada no sentido da construção de um espaço judiciário comum, foi impulsionado pelo Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, que afirmou, nas suas conclusões, o princípio do reconhecimento mútuo como “pedra angular” da cooperação judiciária em matéria penal, preconizando a abolição do processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas à revelia, cuja sentença já tivesse transitado em julgado, bem como a aceleração dos processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infracção (ponto 35 das conclusões).
A Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, constitui, precisamente, uma concretização – a primeira - no domínio penal do referido princípio do reconhecimento mútuo, que visa superar a concepção tradicional do auxílio judiciário entre Estados.

O “considerando” 5 da Decisão-Quadro esclarece, nos seguintes termos, a finalidade que o novo instrumento pretende realizar:
«O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, sendo que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.»

Por seu turno, diz-se no “considerando” 10:

«O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos princípios enunciados no n.º 1 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia, verificada pelo Conselho nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n.º 2 do mesmo artigo.»

Foi para concretizar a referida Decisão-Quadro, na legislação interna, que a Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, publicada no Diário da República, I Série-A, n.º 194, de 23 de Agosto de 2003, aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu, alterado pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, em cumprimento da Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 27 de Fevereiro de 2009.
Assim, o mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade – artigo 1.º, n.º1, da Lei n.º 65/2003.
O mandado de detenção é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na supra referida Lei e na Decisão-Quadro - artigo 1.º, n.º2, da Lei n.º 65/2003.
Pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses, sem controlo, em muitos casos, da dupla incriminação (artigo 2.º).
Nos termos da Lei e da Decisão-Quadro, o mandado de detenção europeu direcciona-se quer ao cumprimento da decisão final do processo criminal – “cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade” -, quer ao cumprimento de um procedimento processual no decurso do processo – “efeitos de procedimento criminal”.

2.2.O princípio do reconhecimento mútuo significa que uma decisão judicial tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional (veja-se, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 2009, processo n.º 1087/09.6YRLSB.S1, sumariado in www.dgsi.pt, como outros arestos da jurisprudência nacional que venham a ser citados sem outra indicação).
À autoridade judiciária do país da execução compete verificar se o mandado contém as informações constantes do artigo 3.º da Lei n.º 65/2003, bem como analisar se ocorre qualquer causa de recusa obrigatória (artigo 11.º) ou facultativa (artigo 12.º) de execução.
Como se diz no acórdão do S.T.J., de 25 de Junho de 2009 (supra citado), «a sindicância judicial a exercer no Estado receptor é muito limitada, perfunctória, sem abandono, contudo, pese embora a sua celeridade, do respeito por aqueles direitos fundamentais, produzindo a decisão no Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional (…)».

2.3.São estritas e especificadas as causas que podem obstar à execução do mandado, constituindo causas de recusa obrigatória ou facultativa.
A recusa é obrigatória nos casos do artigo 11.º, que têm a ver com princípios fundamentais, considerados impostergáveis, tais como os ligados à amnistia, ao princípio ne bis in idem, à inimputabilidade em razão da idade, à punição da infracção com pena de morte ou outra pena de que resulte lesão física irreversível ou à motivação política subjacente à procura e pedido de entrega de determinada pessoa.
Já nos casos do artigo 12.º, a recusa é facultativa e as suas causas têm mais a ver com um princípio de soberania penal.
Sobre as causas de recusa facultativa, lê-se no acórdão do S.T.J. de 10 de Setembro de 2009 (processo n.º 134/09.6YREVR):
«As causas de recusa facultativa de execução, constantes das alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, têm todas, como se salientou, em diversas perspectivas, fundamentos ainda ligados, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada.
Nesta perspectiva, as causas de recusa facultativa não podem (não devem) ser vistas isoladamente, mas, antes, consideradas e aplicadas tendo como critérios de decisão os feixes referenciais que constituem a teleologia da categoria no regime de execução do instrumento europeu de cooperação.
Teleologia essencial relacionada com a possibilidade deixada aos estados de salvaguarda de alguns interesses ligados à soberania penal do Estado da execução, à efectividade da sua jurisdição, ao respeito por princípios relevantes da natureza do seu sistema penal e a um campo (ainda) de resguardo e protecção dos seus nacionais ou de pessoas que relevem da sua jurisdição.
A lei não define, no entanto, no que respeita a algumas das causas, os fundamentos e os critérios para o exercício da faculdade, que é faculdade do Estado português como Estado da execução, como resulta da expressão da lei – a execução «pode» ser recusada.
Não são, porém, causas cuja aplicação releve da vontade ou do arbítrio. Poder recusar é, no contexto, faculdade vinculada se o tribunal considerar que se verificam as circunstâncias que fundamentam a recusa de execução; a faculdade não significa exercício discricionário, nem arbítrio, mas obrigação de decisão segundo critérios e vinculações normativos.»

Fazendo o confronto entre as razões de oposição apresentadas pelo requerido e as causas de recusa, obrigatória ou facultativa, de execução do mandado de detenção, previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 65/2003, facilmente se conclui que o requerido, na dita oposição, não invocou a existência de qualquer causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.
O mandado de detenção europeu foi emitido pela autoridade judiciária competente, tendo por base mandado de captura, de 11 de Março de 2016 (Mandat d'arrêt décerné le 11 mars 2016), emitido pelo Juiz de Instrução do Tribunal de Grande Instância de Paris, em ordem à detenção e entrega do requerido para efeitos de procedimento criminal, por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena privativa da liberdade de duração máxima não inferior a três anos de prisão, que integram as alíneas a), n) e z) do artigo 2.º, n.º2, da Lei n.º 65/2003 (correspondência com o artigo 2.º, n.º2, da Decisão-Quadro), o que dispensa o controlo da dupla incriminação dos factos.
Alega o requerido que os factos em causa são punidos pela lei penal portuguesa com o máximo de 5 anos de prisão ou pena de multa.
Serve-se, para esse efeito, da circunstância de o Ministério Público, no requerimento inicial para promoção da execução do mandado, ter referido:Os restantes ilícitos de fornecimento de documentos administrativos falsificados de forma habitual, e de posse de documentos administrativos falsificados são punidos na legislação penal francesa com pena de prisão até 5 anos, tendo correspondência na lei penal portuguesa no art. 256.º n.º1 alíneas f) e e) e n.º3, puníveis com pena de prisão até 5 anos”.
Esquece o requerido que tal menção reporta-se aos factos que constituem infracções não abrangidas pela dispensa do controlo da dupla incriminação, sendo que o mandado abrange outros factos em relação aos quais opera essa dispensa, mas que são também puníveis em Portugal (como acontece com o crime previsto no artigo 184.º – Associação de auxílio à imigração ilegal – da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho).
Na perspectiva de se colocar como mera hipótese – não invocada pelo requerido - o recurso à causa de recusa facultativa enunciada no artigo 12.º, n.º 1, al. h), segmento i), da Lei n.º 65/2003, com base na circunstância de o mandado se referir a factos cometidos em França, entre 1 de Janeiro de 2014 e 2 de Junho de 2015, enquanto o requerido alega que está inserido profissionalmente em Portugal desde pelo menos desde 17 de Dezembro de 2014 – o que abre a eventualidade de parte da actividade criminosa em causa ter sido efectuada a partir do território nacional -, importa responder negativamente quanto à possibilidade de invocação de tal motivo de recusa.
Desde logo, não temos como demonstrado que o requerido, desde pelo menos aquela data de 17 de Dezembro de 2014, tenha estado sempre em Portugal e não se tenha deslocado a França.
Mesmo na hipótese dos factos descritos no mandado de detenção europeu terem ocorrido, em parte, em Portugal – no mandado, pelo contrário, afirma-se, com clareza, que os factos ocorreram em França -, certo é que estando os crimes a ser investigados em França, onde foram já detidas nove pessoas, se procedeu a vigilâncias, intercepções telefónicas e estudo de movimentos de transferência de dinheiro, esse é o país que se posiciona em melhores condições para conhecer de toda a actividade criminosa e para proceder ao julgamento do conjunto dos factos, independentemente do lugar em que tenha tido lugar cada uma das parcelas da actividade criminosa, pelo que não se justificaria o uso da recusa facultativa com fundamento no disposto na al. h), segmento i), do n.º 1, do artigo 12.º, da Lei n° 65/2003, de 25 de Agosto.
A alegação de que não se mostra necessária a sua “deportação” e se apresentará às autoridades francesas para responder em qualquer processo criminal parece pressupor que a este tribunal incumbe ajuizar sobre se a emissão do mandado de detenção obedeceu ao princípio da proporcionalidade.
O Tribunal de Justiça, no acórdão “Radu” (Processo C 396/11), de 29 de Janeiro de 2013, estabeleceu que a Decisão Quadro 2002/584/JAI deve ser interpretada no sentido de que as autoridades judiciárias de execução não podem recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de um procedimento penal com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida no Estado-Membro de emissão antes de esse mandado de detenção ter sido emitido (aresto disponível em http://curia.europa.eu, como outros do Tribunal de Justiça que sejam citados).
Aceita-se que a decisão de emissão de um mandado detenção europeu deverá obedecer ao princípio da proporcionalidade lato sensu, como, aliás, se diz expressamente nas recomendações sobre a revisão do mandado de detenção europeu anexas à Resolução do Parlamento Europeu, de 27 de Fevereiro de 2014 [2013/2109 (INL)], mas o juízo sobre a proporcionalidade compete à autoridade judiciária do Estado de emissão.
Diferente entendimento colocaria em causa os princípios da confiança e do reconhecimento mútuo, sendo que, na teleologia essencial do mandado de detenção europeu, não cabe à autoridade judiciária do Estado de execução efectuar qualquer juízo de proporcionalidade sobre a decisão da autoridade judiciária do Estado de emissão de proceder criminalmente contra a pessoa procurada e de ordenar a sua detenção.
Tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros como o princípio do reconhecimento mútuo têm, no direito da União, uma importância fundamental, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. O princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um dos Estados-Membros considere, salvo em circunstâncias excepcionais, que todos os outros Estados-Membros respeitam o direito da União e, muito em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (v., neste sentido, parecer 2/13, do Tribunal de Justiça – Tribunal Pleno, de 18 de Dezembro de 2014).
Isto sem prejuízo de se admitir que, para além dos casos de recusa, obrigatória e facultativa, poderá a autoridade judiciária de execução invocar razões excepcionais para a recusa, com base na defesa de direitos fundamentais, como reconheceu o Tribunal de Justiça quando existam elementos que comprovem “um risco real de trato desumano ou degradante das pessoas detidas no Estado-Membro de emissão, à luz do padrão de proteção dos direitos fundamentais, garantido pelo direito da União e, em especial, do artigo 4.º da Carta” (com interesse, acórdão Melloni, C399/11, de 26 de Fevereiro de 2013; parecer 2/13, do Tribunal de Justiça – Tribunal Pleno, de 18 de Dezembro de 2014; acórdão Pál Aranyosi - Robert Căldăraru, processos apensos C-404/15 e C-659/15 PPU, de 5 de Abril de 2016, a que pertence a citação entre aspas).
Não se verificam quaisquer circunstâncias excepcionais dessa natureza.
Importa ainda realçar que execução de um mandado de detenção europeu não se confunde com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor, restando, neste âmbito, ao Estado da execução, indagar da respectiva regularidade formal e dar-lhe execução, agindo nessa tarefa com base no já referido princípio do reconhecimento mútuo.
Invoca-se, na oposição, ter sido requerido o direito de asilo em Portugal, “motivo por que qualquer medida de deportação, ainda que provisória, poderá questionar a sua segurança pessoal”.

Vejamos.

A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpôs para a ordem jurídica interna as Directivas n.º 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro.
Posteriormente, foi alterada na sua redacção pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, transpondo as Diretivas n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
Estabelece o artigo 48.º da referida Lei n.º 27/2008, inalterado pela Lei n.º 26/2014:

«Efeitos do asilo e da protecção subsidiária sobre a extradição
1-A concessão de asilo ou de protecção subsidiária obsta ao seguimento de qualquer pedido de extradição do beneficiário, fundado nos factos com base nos quais a protecção internacional é concedida.
2-A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de protecção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional.
3-Para efeito do cumprimento do disposto no número anterior, a apresentação do pedido de protecção internacional é comunicado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras à entidade onde corre o respectivo processo no prazo de dois dias úteis.»

Nada se diz quanto ao mandado de detenção europeu, sendo certo que este artigo 48.º reproduz o artigo 5.º da Lei n.º 15/98, com a diferença de que antes se falava em “concessão de asilo” e “pedido de asilo”, enquanto presentemente se referem a “concessão de asilo ou protecção subsidiária” e o “pedido de protecção internacional”.

Por sua vez, esse artigo 5.º reproduzia os artigos 6.º da Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, e 7.º da Lei n.º 38/80, de 1 de Agosto, diplomas que anteriormente regulavam o direito de asilo e estatuto do refugiado.

Referindo-se ao artigo 5.º da Lei n.º 15/98, disse o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 219/2004, de 30 de Março (www.tribunalconstitucional.pt):
«Como resulta do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 15/98, quando tenha sido concedido asilo, não pode ter seguimento um processo de extradição – hoje regulado pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 104/2001, de 25 de Agosto, e pela Lei n.º 48/2003, de 22 de Agosto – “fundado nos factos com base nos quais o asilo é concedido” (n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 15/98).
Como garantia desta prevalência do direito de asilo sobre o pedido de extradição, o n.º 2 do mesmo artigo 5.º determina que, caso esteja a correr um processo de extradição, a respectiva “decisão final” fica suspensa até ser decidido o pedido de concessão de asilo, o que é uma mera consequência da manifesta relação de prejudicialidade existente entre os dois processos.»

Reconheceu-se, pois, a existência de uma relação de prejudicialidade entre o processo de asilo e o processo de extradição, em que o n.º2 do artigo serve de garantia da prevalência do direito de asilo sobre o pedido de extradição “fundado nos factos com base nos quais o asilo é concedido”.

A presente menção à “concessão de asilo ou protecção subsidiária” e ao “pedido de protecção internacional”, onde antes se dizia “concessão de asilo” e “pedido de asilo”, deve-se à tendência para o esbatimento das diferenças entre estas duas formas de protecção internacional, para o que muito contribuiu a Directiva 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, que incluiu o estatuto de refugiado e a protecção subsidiária dentro do conceito mais abrangente de protecção internacional, como duas respostas de que o Estado-membro dispõe para situações de carência humanitária.

A nosso ver, o mencionado artigo 48.º não inclui a entrega com base em mandado de detenção europeu.

Como já se disse, a Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu, veio suprimir a extradição entre os Estados-Membros, substituída por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, facto que o legislador, em 2008, não podia ignorar, já que concretizou aquela Decisão-Quadro, na legislação interna, em 2003.

Entre os motivos de não execução do mandado de detenção europeu indicados nos artigos 3.º e 4.º da mesma Decisão-Quadro, não figura a existência no Estado membro de execução de um pedido de asilo para concessão do estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária, não se prevendo, outrossim, qualquer sistema de suspensão da decisão sobre a execução do mandado com esse fundamento.

Desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, as disposições pertinentes em matéria de asilo são o artigo 78.º TFUE, que prevê o desenvolvimento de um sistema europeu comum de asilo, e o artigo 80.º TFUE, que relembra o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os EstadosMembros, existindo diversos instrumentos jurídicos de direito secundário (essencialmente, directivas e regulamentos) que estabelecem o dito sistema comum, indicando que respeitam os direitos fundamentais e observam os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que garante o direito de asilo no seu artigo 18.º, remetendo quer para a Convenção de Genebra e o Protocolo de Nova Iorque, relativos ao estatuto dos refugiados, quer para o TUE e o TFUE.

Ainda que não se possa afirmar a existência de uma presunção inilidível de que todos os Estados-Membros da União-Europeia respeitam sempre os direitos fundamentais da União-Europeia – presunção que até seria contrária ao direito da União (ver, a este propósito, o acórdão do Tribunal de Justiça nos processos apensos C-411/10 e C-493/10, de 21 de Dezembro de 2011), certo é que inexistem razões minimamente concretas e fundadas para crer, in casu, que a entrega do requerido, em execução do mandado de detenção europeu, “poderá questionar a sua segurança pessoal”, sabido que a entrega pretendida respeita a um Estado membro que, em princípio, respeita o direito da União e, muito em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito.

A lei espanhola de transposição das directivas sobre asilo e protecção subsidiária - Ley 12/2009, de 30 de octubre, publicada em «BOE» núm. 263, de 31/10/2009 -, no seu artigo 19.º, n.º2 e 3, estabelecendo a suspensão de qualquer processo de extradição enquanto estiver pendente o pedido de protecção (ou seja, até decisão definitiva deste), não deixa de determinar que tal normativo não obsta à entrega da pessoa requerente da protecção a outro Estado membro da União Europeia, em virtude das obrigações decorrentes de um mandado de detenção europeu (orden europea de detención), ou mesmo à extradição a um país terceiro “ante órganos judiciales penales internacionales”.

A Lei n.º 27/2008 não contém disposição similar.

Porém, interpretando os artigos 11.º (direito de permanência no território nacional), 27.º, n.º1 (autorização de residência provisória) e o já referido artigo 48.º, da Lei n.º 27/2008, no quadro de uma interpretação comunitariamente orientada, à luz da letra e do espírito das disposições da decisão-quadro 2002/584/JAI, em conjugação com as Directivas 2005/85/CE e 2013/32/UE (relativas ao procedimento de asilo), afigura-se-nos que quando a pessoa cuja entrega é pedida por força de um mandado de detenção europeu, que é nacional de um Estado terceiro, tenha apresentado um pedido de protecção a Portugal, que deve executar o mandado, sendo tal mandado totalmente estranho, como é o caso, aos factos em que se funda o pedido de protecção (e que também nada têm a ver com os motivos de oposição ao mandado), nada obsta a que se proceda à execução do mandado, garantido que esteja que o requerido não verá, por essa via, vulnerados os direitos que se pretendem acautelar através do pedido de protecção.

Como já se assinalou, entre os motivos de não execução do mandado de detenção europeu indicados nos artigos 3.º e 4.º da respectiva Decisão-Quadro, não figura a existência de um pedido de protecção internacional, sendo que a circunstância de o artigo 48.º, n.º1 e 2, da Lei n.º 27/2008, referir apenas o “pedido de extradição” e “processo de extradição” inculca que se entendeu que os efeitos aí previstos – de não seguimento do pedido e de suspensão da decisão final – não se reportam ao mandado de detenção europeu, mas apenas e tão-somente à extradição.

Assim interpretadas as mencionadas disposições legais, não existe obstáculo à execução do mandado em questão – cuja regularidade formal se atesta -, o que não obsta a que o requerido, no âmbito do processo de protecção internacional ainda pendente, continue a exercer os seus direitos, sendo certo que, tendo constituído mandatário no presente processo de MDE, também o pode fazer intervir, em defesa dos seus interesses, no âmbito do processo de protecção.

2.4.–O presente mandado foi emitido para efeitos de procedimento penal.
Nos termos do artigo 13.º, alínea b), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio:
 «b)-Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.»

Essa condição constitui assim, uma das garantias a prestar pelo Estado membro de emissão.

O requerido é estrangeiro, cidadão de um Estado-terceiro, e deve ser entregue a outro Estado membro, por força da obrigação de execução do mandado de detenção europeu.

Presentemente, não gozando do estatuto de refugiado - que, uma vez concedido, confere ao beneficiário o estatuto de residente -, encontra-se numa situação idêntica à do residente: para além do inicial direito de permanência (por força do pedido que apresentou, nos termos da lei – artigo 11.º, n.º1, da Lei 27/2008), acresce a autorização de residência (provisória) prevista 27.º, n.º1, do mesmo diploma.

É conhecido o debate sobre os conceitos de «encontrar-se» ou «residir» no Estado membro de execução, objecto de diversas decisões do Tribunal de Justiça.

A nosso ver, encontrando-se o requerido legalmente em Portugal, com autorização de residência (ainda que temporária), com parecer favorável à concessão da protecção subsidiária (o que consolidará o seu estatuto legal como residente), aqui vivendo, pagando os seus impostos e trabalhando na exploração de um estabelecimento comercial (ainda que não há muito tempo, reconheça-se), a sua situação deve ser assimilada à previsão do citado artigo 13.º, alínea b) – “residência” no Estado membro de execução -, no pressuposto de que o requerido queira cumprir em Portugal uma pena que eventualmente lhe seja imposta e de que a protecção internacional proposta lhe seja concedida e se mantenha.

Afigura-se-nos, por conseguinte, que a condição de devolução deverá ser estabelecida, porquanto, na verificação dos mencionados pressupostos, será mais favorável à reinserção social do requerido.

2.5.–O requerido insurge-se contra a manutenção da sua detenção.
Desde logo, o requerido não interpôs recurso da decisão que manteve a detenção, como era admissível fazer nos termos do artigo 24.º, n.º1, al. a), da Lei n.º 65/2003.
A finalidade específica do mandado de detenção europeu é a entrega do detido, desde que solicitada de forma válida e legal, destacando o S.T.J. que a detenção, para efeitos de execução de MDE, é menos exigente quanto aos requisitos do que a prisão preventiva, até pelos prazos mais curtos previstos no artigo 30.º da Lei n.º 65/2003 (acórdão de 12 de Julho de 2007, proc. n.º 07P2712).
Diz-se no acórdão do S.T.J., de 21 de Novembro de 2012 (proc. n.º211/12.6YRCBR):
«Não podendo o Estado emissor do mandado proceder (directamente) à detenção da pessoa procurada, atento a que a mesma se encontra sob a jurisdição de outro Estado, solicita a este Estado a execução da detenção e a entrega da pessoa procurada.
Ao Estado executor cabe deter a pessoa procurada e proceder à sua entrega ao Estado emissor. 
Detenção e entrega são assim os únicos objectivos do mandado de detenção europeu, visando a primeira a efectivação da segunda. Isto é, a detenção no âmbito do mandado de detenção europeu tem por finalidade a entrega de pessoa procurada ao Estado emissor, entrega que, obviamente, só tem lugar após a tomada de decisão sobre a validade da detenção e sobre a verificação dos requisitos legais de que depende a execução do mandado (detenção constitucionalmente prevista conforme preceito da alínea c) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição Política).
Por isso, em princípio, a detenção efectuada no âmbito do mandado de detenção europeu, quando validada pelo tribunal, deve ser mantida até à entrega, sem embargo de poder (e dever) ser substituída por medida de coacção, como estabelece o n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 65/03, designadamente quando a detenção se mostre desnecessária à obtenção do desiderato do mandado, ou seja, à efectivação da entrega.
O texto do n.º 3 do artigo 18º.º da Lei n.º 65/03, ao estabelecer que o juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coação prevista no Código de Processo Penal, considera que a detenção no âmbito do mandado, mais concretamente a sua manutenção, constitui medida autónoma, não totalmente coincidente com as de coacção, designadamente com a prisão preventiva. A letra da lei ao aludir à aplicação de medida de coacção prevista no Código de Processo Penal tout court, e não à aplicação de outra medida de coacção prevista no Código de Processo Penal, estabelece uma clara distinção entre a detenção no âmbito do mandado e a prisão preventiva no âmbito do processo penal.
Daí a estrutura específica e urgentíssima atribuída ao procedimento relativo ao mandado de detenção europeu, traduzida na imposição estabelecida no artigo 29.º, segundo a qual a pessoa procurada deve ser entregue no mais curto prazo possível, numa data acordada entre o Tribunal e a autoridade judiciária de emissão, no prazo máximo de 10 dias a contar da decisão definitiva de execução do mandado, nos curtíssimos prazos estabelecidos no artigo 30.º para a duração máxima da detenção (60 dias sem que seja proferida pelo Tribunal da Relação decisão sobre a execução do mandado, 90 dias se for interposto recurso ordinário daquela decisão e 150 dias se for interposto recurso para o Tribunal Constitucional) e na celeridade imposta no artigo 33º no processamento da execução do mandado, norma que impõe se pratiquem fora dos dias úteis, das horas de expediente dos serviços de justiça e das férias judiciais todos actos processuais relativos ao processo de execução do mandado de detenção europeu, e que declara decorrerem em férias os prazos relativos àquele processo.
Daí que o período de tempo de privação da liberdade à ordem de mandado de detenção europeu só possa ser tomado em conta no prazo de duração ou cumprimento de pena, não tendo qualquer repercussão na medida de coacção de prisão preventiva, como estabelece o n.º 1 do artigo 10º da Lei n.º 65/03.
Certo é que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado, também, no sentido da especificidade própria do regime da detenção no âmbito dos procedimentos de extradição, tendo decidido no acórdão n.º 228/97 que a detenção no âmbito da extradição visa finalidade distinta da prosseguida com a prisão preventiva, sendo que enquanto a detenção no âmbito de procedimento de extradição se destina a permitir a tomada de decisão sobre a entrega da pessoa procurada e, obviamente, a entrega, a prisão preventiva (em processo penal) visa diferentes fins: garantir a presença do arguido durante o procedimento, designadamente quando haja receio de fuga, evitar o perigo de perturbação da instrução do processo, evitar o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas e evitar o perigo de continuação da actividade criminosa. Diversidade de finalidades que, no entender daquele Tribunal, justifica a existência de diferentes regimes no que concerne à possibilidade de privação do direito à liberdade.
Atentas as específicas finalidades que o mandado de detenção europeu visa prosseguir, detenção e entrega de pessoa procurada, temos pois por certo que a detenção efectuada no âmbito do mesmo e a sua manutenção não se encontram submetidas, em pleno, ao regime jurídico-processual da prisão preventiva, sendo menores as exigências quanto aos requisitos da detenção/prisão e sua manutenção. A manutenção da detenção, suposta a sua validação, como já se deixou consignado, é de aferir nas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, sendo que à emissão deste subjaz um único desiderato, qual seja a entrega da pessoa procurada, razão pela qual, como também já deixámos dito, em princípio, a detenção deve ser mantida até à entrega, a menos que se mostre desnecessária.
Sendo menores as exigências da manutenção da detenção no âmbito do mandado de detenção europeu, aferindo-se a sua aplicação pelas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, são também menores as exigências de fundamentação da decisão que a determina.»
           
No caso vertente, tendo em vista os factos delituosos que determinaram a emissão do mandado de detenção europeu – que são graves -, afigura-se-nos que a manutenção da detenção do requerido é necessária, proporcional à gravidade dos crimes e às previsíveis sanções decorrentes da sua prática e adequada às exigências cautelares que o caso requer, de modo a evitar o risco de o requerido se eximir ao pedido de entrega, razão pela qual não se vislumbra razão para alterar o seu estatuto.

2.6.–Súmula de fundamentos:

A)-Fazendo o confronto entre as razões de oposição apresentadas pelo requerido com as causas de recusa, obrigatória ou facultativa, de execução do mandado de detenção, previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 65/2003, conclui-se que o requerido, na dita oposição, não invocou a existência de qualquer causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.
B)-O mandado de detenção europeu foi emitido pela autoridade judiciária competente, em ordem à detenção e entrega do requerido para efeitos de procedimento criminal, por factos puníveis pela lei do Estado membro de emissão, com pena privativa da liberdade de duração máxima não inferior a três anos de prisão, que integram as alíneas a), n) e z) do artigo 2.º, n.º2, da Lei n.º 65/2003 (correspondência com o artigo 2.º, n.º2, da Decisão-Quadro), o que dispensa o controlo da dupla incriminação dos factos, sendo que, quanto aos outros, verifica-se a dupla incriminação.
C)-Não se verificam quaisquer causas de recusa de execução do mandado de detenção europeu, que observa as exigências legais.
D)-Não existe obstáculo à execução do mandado em questão pela circunstância de estar pendente processo de protecção internacional, o que não obsta a que o requerido continue a exercer os seus direitos, sendo certo que, tendo constituído mandatário no presente processo de MDE, também o pode fazer intervir, em defesa dos seus interesses, no âmbito do processo de protecção.
E)-Encontrando-se o requerido legalmente em Portugal, com autorização de residência (ainda que temporária), com parecer favorável à concessão da protecção subsidiária (o que consolidará o seu estatuto como residente), aqui vivendo, pagando os seus impostos e trabalhando na exploração de um estabelecimento comercial (ainda que não há muito tempo, reconheça-se), a sua situação deve ser assimilada à previsão do artigo 13.º, alínea b) – “residência” no Estado membro de execução -, no pressuposto de que o requerido queira cumprir em Portugal uma pena que eventualmente lhe seja imposta e de que a protecção internacional proposta lhe seja concedida e se mantenha.
F)-Tendo em vista os factos delituosos que determinaram a emissão do mandado de detenção europeu, a manutenção da detenção do requerido é necessária, proporcional à gravidade dos crimes e às previsíveis sanções decorrentes da sua prática e adequada às exigências cautelares que o caso requer, de modo a evitar o risco de o requerido se eximir ao pedido de entrega, razão pela qual não há razão para alterar o seu estatuto.

III–Dispositivo.
           
Em face do exposto, julga-se improcedente a oposição apresentada e defere-se a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido contra o cidadão nacional do Sri Lanka, K…, melhor identificado nos autos, pela autoridade judiciária francesa para efeitos de procedimento penal contra o mesmo, determinando-se a sua entrega ao Estado membro de emissão, sujeita à condição de o Estado membro de emissão prestar previamente a garantia de que o referido K…, após ter sido ouvido, será devolvido a Portugal, Estado membro de execução, para aqui cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade a que venha eventualmente a ser condenado, se essa for a sua (dele, requerido) vontade e no pressuposto de que a protecção internacional lhe seja concedida e se mantenha.

Mantém-se, entretanto, o estatuto processual determinado no despacho subsequente à audição do requerido.

Proceda-se às necessárias notificações ao Ministério Público, à autoridade judiciária de emissão (com a informação de que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade), através da Autoridade Central (P.G.R.), ao requerido, ao ilustre mandatário e ao Gabinete Nacional da Interpol. O requerido será notificado com cópia do presente acórdão, acompanhada de tradução oral em língua inglesa do segmento iniciado a página 3 “Factos com relevo para a decisão”, e bem assim dos segmentos “súmula de fundamentos” e “dispositivo”, iniciado na página 18, neste Tribunal e na data e hora já previamente designados em sede de alegações orais.

Comunique, com cópia, ao S.E.F.

Independentemente do trânsito, solicite-se, desde já, a prestação da referida garantia, com urgência, à autoridade judiciária de emissão.

Oportunamente, transitado este acórdão e prestada e julgada válida a referida garantia, proceder-se-á à entrega através da emissão dos devidos mandados.


           
Lisboa, 7 de Abril de 2017

                   

Jorge Gonçalves - (o presente acórdão, integrado por vinte e uma páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

Maria José Machado