Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
416/15.8T8PDL.L1-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
NEGÓCIO JURÍDICO
NEGÓCIO ATÍPICO
TERCEIRO DEVEDOR
HOMOLOGAÇÃO
NULIDADE
REDUÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Sendo o plano de revitalização um negócio jurídico atípico, as medidas que o integram, tendentes a alcançar a recuperação económica do devedor requerente, não podem repercutir-se na esfera jurídica de terceiro que nele não interveio, pelo que a alteração obtida pelo devedor no seu passivo nenhuma influência tem na obrigação de quem, a par dele, seja também responsável pela satisfação dessas mesmas dívidas.
II- Se do plano aprovado constam acordos de pagamento relativos a devedores alheios aos autos que, sem terem emitido qualquer declaração negocial nesse sentido, viram aprovadas em seu benefício as medidas aplicadas ao devedor requerente, existe violação, não negligenciável, de normas aplicáveis ao conteúdo do plano – arts. 17º-A e 217, nº 4 do CIRE -, o que o que o faz cair na alçada de aplicação do art. 215º do mesmo diploma legal.
III-A não homologação imposta neste último preceito só deve abranger a parte viciada do plano.
IV-Sendo contrária à lei parte do objeto do plano de revitalização, é parcial a nulidade que o afeta, impondo-se a sua redução, salvo se demonstrado for que não teria sido aprovado sem a parte viciada – arts. 280º, nº 1 e 292º, ambos do Código Civil.
V-Trata-se de instituto que é de conhecimento oficioso, por estar abrangido pelo art. 286º do CC.
VI-É de declarar a nulidade das propostas e respetiva aprovação atinentes às dívidas das entidades diversas do devedor requerente, mantendo-se a homologação do plano quanto ao mais.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


I-Relatório:


I – RP instaurou processo especial de revitalização, no âmbito do qual foi aprovado, por maioria, o plano de recuperação do devedor constante de fls. 128 e segs..

Foi proferida decisão com o seguinte teor:

“Conforme resulta da supra referida acta, o plano de recuperação conducente à revitalização do devedor RP, apresentado aos credores dos autos, foi aprovado por credores cujos créditos representam, na globalidade, mais de metade da totalidade dos créditos relacionados nos autos com direito de voto, não existindo créditos subordinados nos autos.
Assim, não se pode senão considerar aprovado o referido plano de recuperação, nos termos do disposto no art. 17.º-F, n.º 3, al. b) do CIRE.
Não se verificando, da análise do plano apresentado, nenhuma das causas impeditivas previstas nos artigos 215.º e 216.º do CIRE, nem tal foi suscitado por nenhum dos interessados dos autos.
Pelo que cumpre homologar tal plano de recuperação nos termos do disposto no n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE.
Nos termos expostos, homologo o plano de recuperação apresentado nos autos, conducente à revitalização do devedor RP.
Custas pelo devedor (cfr. art. 17.º-F, n.º 7 do CIRE).”

Contra esta decisão apelou o credor B., S.A., tendo apresentado alegações onde, pedindo a sua revogação, formula as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto pelo Banco Apelante da sentença proferida em 28 de Julho de 2015, que homologou o plano de recuperação apresentado pelo devedor RP.
2. O devedor RP requereu Processo Especial de Revitalização.
3. Concluídas as respetivas negociações no âmbito do presente Processo Especial de Revitalização o Administrador Judicial Provisório apresentou aos credores o Plano de Recuperação, o qual foi votado e aprovado com 59,46% dos votos dos credores.
4. O plano apresentado pelo devedor foi homologado por decisão proferida aos 28 de Julho de 2015.
5. Sucede que, o plano apresentado prevê a recuperação não só do devedor RP, mas, também, de outras pessoas colectivas e singulares, nomeadamente, A., Lda, R., Lda, AC., Lda e de PP.
6. Ou seja, foram apresentados e aprovados cinco planos de recuperação, o que, jamais poderia acontecer.
7. O presente processo de revitalização cinge-se, apenas ao devedor RP, não podendo, o mesmo abarcar outras pessoas colectivas ou singulares.
8. Nem, muito menos, estabelecer novas condições de pagamento de dívidas de que são titulares terceiros alheios ao presente processo.
9. O plano de recuperação homologado é manifestamente ilegal, pois viola os artigos 17.°-A, n.° 1, 17.°-F, n.° 1 e 217.°, n.°4 todos do CIRE.
10. Nestes termos, deverá a decisão do tribunal a quo de homologação do plano ser revogada.
Contra alegando, o requerente sustenta a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II– Os elementos processuais com especial interesse para a decisão do recurso são os seguintes:

1. Da lista provisória de créditos no valor total de € 1.922.031,22, apresentada pelo Administrador Judicial Provisório a fls. 67 verso e segs. e que, por falta de impugnação, se converteu em definitiva, resulta que algumas das dívidas aí descritas foram contraídas pelo devedor, mas a parte mais substancial delas respeitam a avales e fianças por ele prestados a favor de terceiros.
2. O plano de revitalização constante de fls. 102 e segs. foi aprovado por votos que representam créditos relacionados no valor de € 1.142.829,17, correspondentes a 59,46% dos votos regularmente expressos.
 3. Além de outros, o credor B., S.A., votou desfavoravelmente o plano proposto pelo devedor, como consta da sua declaração de voto de fls. 114.
4. No plano de revitalização aprovado diz-se que os avales e fianças de que emerge a maioria das dívidas constantes da lista de créditos foram prestados pelo devedor às sociedades A., Lda, R., Lda, e AC., Lda, de que é sócio gerente, e a seu irmão PP.
5. Diz-se ainda no plano que, por isso, “o acordo inclui:

a) Plano de pagamento para as dívidas pessoais do devedor com a demonstração da sua capacidade financeira pessoal associada.
b) Plano de pagamento para cada uma das sociedades indicadas em que o devedor é avalista/fiador, e com demonstração da viabilidade económica e financeira de cada uma das sociedades.” (sublinhado nosso).

6. Seguem-se no mesmo plano os seguintes acordos de pagamento:

I - O acordo de pagamento com o devedor RP (fls. 131);
II - O “acordo de pagamento com o devedor A., Lda (em que RP é avalista/fiador)”.

Deste acordo consta, além do mais, o seguinte:

3.1.1 Condições de pagamento ao Banco B., S.A.
Reestruturação e consolidação do valor da dívida na sequência da aprovação e homologação do presente acordo.
Assim, para o crédito consolidado do Banco indicado, a proposta de reestruturação da dívida é a seguinte:
a) Amortização da dívida de capital em 96 prestações mensais (oito anos),
b) Incorporação de capital e juros vencidos à data do trânsito em julgado da homologação do plano de recuperação,
c) Taxa de juro a praticar equivalente a Euribor a 6 meses acrescida de 8% (oito por cento) de “spread”.

III- O “acordo de pagamento com o devedor R., Lda (em que RP é avalista/fiador” – Fls. 133-134.
IV- O “acordo de pagamento com o devedor AC., Lda (em que RP é avalista/fiador)”.

Dele consta, além do mais, o seguinte:
5.4. Credores financeiros (com locação financeira imobiliária)
5.4.1. Banco B., S.A.

Assim, para o crédito consolidado do Banco B., S.A. a proposta de reestruturação é a seguinte:

a) Amortização da dívida de capital até, respetivamente, Novembro de 2024 e Outubro de 2031.
b) Incorporação de capital e juros vencidos à data da homologação do plano de recuperação,
c) Prestações de capital e juros mensais em rendas constantes,
d) Pagamento no final do contrato de valor residual contratualizado.” – fls. 235 e segs.

V- O “acordo de pagamento com o devedor PP (em que RP é avalista/fiador)”.

Dele consta o seguinte:

6.1. Banco B., S.A. (com garantia hipotecária)
Reestruturação e consolidação do valor em dívida na sequência da aprovação e homologação do presente acordo.
Assim, para o crédito consolidado do Banco B., S.A. a proposta de reestruturação da dívida é a seguinte:
a) Amortização da dívida de capital em 222 prestações mensais por cumprimento do prazo em falta para o fim do empréstimo,
b) Incorporação de capital e juros à data da homologação do plano de recuperação,
c) Prestações de capital e juros mensais em rendas constantes,
d) Taxa de juro a praticar equivalente a Euribor a 6 meses acrescida de 3% (três por cento) de «spread»,
e) Pagamento no final do contrato de valor residual correspondente a 30% (trinta por cento) do empréstimo contratado.”- fls. 137
  
III- A descrição, ainda que sucinta, do conteúdo do plano aprovado pela maioria dos credores e homologado pela decisão em crise mostra que este, tal como sustenta o apelante, respeita não só ao devedor que o requereu mas também às quatro entidades a favor das quais este se constituiu como garante, seja pela prestação de avales seja pela prestação de fiança.
Não restam dúvidas, ao invés do que pretende fazer crer o recorrido nas suas contra-alegações, que tem por objeto, não só as dívidas por ele contraídas a título pessoal, mas também as dívidas contraídas pelas sociedades de que é sócio gerente - A., Lda, R., Lda e AC., Ldae pelo seu irmão PP, e bem assim, por si próprio, por haver garantido a sua satisfação, prestando avales ou fianças.
As medidas nele adotadas têm como beneficiários não só o requerente, enquanto garante do cumprimento daquelas obrigações pecuniárias, mas também os seus devedores principais – as ditas sociedades e PP.
A revitalização prosseguida com o plano homologado respeita a todos os sobreditos devedores, que, sem terem intervindo nos autos e, muito menos, nas negociações que aqui tiveram lugar, são contemplados com “acordo de pagamento”, beneficiando as suas dívidas, tal como as do requerente que garantiu a sua satisfação, de novas e mais vantajosas condições de pagamento.
Não obstante, tendo sido aprovado por votos de credores que perfazem a maioria prevista no nº 1 do art. 212º do CIRE – diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência -, foi homologado pela decisão impugnada, sendo questão suscitada pelo recorrente a de saber se, por abranger vários devedores não requerentes nem intervenientes nos autos, o plano é de rejeitar por ser manifestamente ilegal, violando os artigos 17.°-A, n.° 1, 17.°-F, n.° 1 e 217.°, n.° 4.

Vejamos.

Como resulta do art. 17º-A, o processo especial de revitalização tem como escopo permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetível de recuperação, o estabelecimento de negociações com os seus credores com vista a alcançar com eles um acordo de viabilize a sua revitalização.

Pressupõe, por definição, o estabelecimento, por iniciativa do devedor, de negociações entre ele e os seus credores tendentes à obtenção de um acordo quanto à escolha e adoção de medidas que, tendo por objeto as dívidas existentes, sejam aptas a determinar a sua recuperação económica.

O acordo obtido com os credores só pode ter por objeto as dívidas de quem, através do processo regulado nos arts. 17º-A e segs., com eles tenha negociado e firmado esse mesmo acordo.
Tratando-se de obrigações com mais de um devedor, o acordo alcançado por apenas um deles com os credores, não pode abranger, sob pena de violação do citado preceito e de subversão da noção de contrato – art. 232º do CC -, outro ou outros dos coobrigados.

Com efeito, sendo um negócio jurídico o acordo que por este meio foi alcançado, o mesmo apenas pode respeitar a quem nele foi parte, no caso concreto, o devedor RP e os seus credores, os quais carecem de legitimidade para negociar e de algum modo alterar as condições contratadas quanto à satisfação das dívidas por outros codevedores, absolutamente alheios a esse negócio – no caso, as empresas de que o devedor é sócio gerente e o seu irmão.

O conteúdo do plano mostra-se, pois, desconforme ao art. 17º-A.
 
Nos termos do art. 17º-F, nº 5, a decisão sobre a homologação ou recusa de homologação do plano de recuperação aprovado pelos credores deve considerar, por serem aplicáveis, embora com as necessárias adaptações, “as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Título IX, em especial, o disposto nos arts. 215º e 216º”.

Assim, por força do art. 215º, o juiz deve, oficiosamente, recusar a homologação do plano quando este, embora tendo sido aprovado pela maioria de credores exigida pelo art. 212º, viole de modo não negligenciável regras de natureza procedimental ou normas aplicáveis ao seu conteúdo.

Sendo igualmente aplicável, o art. 217º, depois de estabelecer, no seu nº 1, que com a sentença de homologação se produzem as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, sem exceção daquelas que não tenham sido reclamadas ou verificadas, dispõe no nº 4 que as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação.

Ou seja, é com a homologação judicial do plano que se produzem as alterações por ele introduzidas nos créditos, salientando o legislador que as providências integrantes desse plano com incidência no passivo do devedor são alheias aos direitos dos credores contra outros codevedores ou terceiros garantes da obrigação, em nada os afetando, nem nenhuma repercussão tendo nos mesmos, como é bom de ver.

Trata-se de consequência que sempre resultaria das regras próprias dos negócios jurídicos, como acima vimos já; sendo o plano de revitalização um negócio jurídico atípico, as medidas que o integram, tendentes a alcançar a recuperação económica do devedor requerente, não podem repercutir-se na esfera jurídica de terceiro que nele não interveio, pelo que a alteração obtida pelo devedor no seu passivo nenhuma influência tem na obrigação de quem, a par dele, seja também responsável pela satisfação dessas mesmas dívidas.

No plano aprovado e homologado nestes autos, as providências com incidência sobre o passivo do devedor abrangem igualmente os condevedores do requerente no mesmo passivo, o que viola também este preceito legal.

O que acontece, aliás, é que do plano constam acordos de pagamento relativos a devedores alheios a estes autos que, sem terem emitido qualquer declaração negocial nesse sentido, viram aprovadas em seu benefício as medidas aplicadas ao devedor requerente.

Os ditos arts. 17º-A e 217º, nº 4 são normas aplicáveis ao conteúdo do plano e a violação que delas se faz no plano de revitalização em análise não é negligenciável, o que o faz cair na alçada de aplicação do já referido art. 215º.

Resta saber se a não homologação imposta neste preceito deve abranger a totalidade do plano ou se pode e deve subsistir a parte dele que se mostra conforme à lei.

A 6ª Secção do STJ[1] tem vindo a entender, de modo unânime, que só a parte viciada deve ser excluída da homologação, mantendo-se quanto ao mais.

Mas fá-lo, trilhando dois caminhos diversos, embora sejam idênticos os efeitos práticos obtidos.

Dos acórdãos[2]de 18.02.2014[3],1.04.2014[4],13.11.2014[5]e 24.04.2015[6] decorre o entendimento segundo o qual, em caso de violação não negligenciável de norma reguladora do conteúdo do plano, este é ineficaz na parte afetada, subsistindo e devendo ser homologado quanto ao mais.[7]

Já no acórdão de 13.11.2014[8] se considerou ser de julgar nulas as propostas violadoras de lei aplicável ao conteúdo do plano, devendo este ser homologado sem elas.

Com todo o respeito que nos merece o douto entendimento diverso, afigura-se-nos mais acertada esta segunda posição.

A ineficácia, como escreve Menezes Cordeiro[9], “(…) traduz a situação do negócio jurídico que, não tendo, em si, vícios não produz, todavia, todos os seus efeitos, por força de factores extrínsecos.
As ineficácias deste tipo só surgem nos casos específicos, previstos pela lei. O negócio jurídico sem vícios produz os seus efeitos: apenas razões muito particulares e expressamente predispostas poderão levar a que assim não seja.”
Ou, segundo Carvalho Fernandes[10], “o negócio diz-se ineficaz quando «à sua eficácia se opõe alguma circunstância externa em relação» aos seus requisitos de validade. O negócio meramente ineficaz é, pois, em si mesmo, válido e, em princípio, apto a produzir efeitos jurídicos; mas estes são impedidos por qualquer circunstância.

A ineficácia deixa intacto o negócio jurídico, que continua válido entre as partes. A produção dos seus efeitos é que fica afetada nos casos em que este é inoponível a determinadas pessoas, ou é por estas impugnável.

Não é isto o que se passa no caso dos autos, visto que o plano contém acordos de pagamento quanto a estranhos no processo, o que viola, de modo não negligenciável, lei aplicável ao seu conteúdo, sendo, por isso, de natureza intrínseca o vício que os afeta.

É pela sua invalidade/nulidade, e não por uma suposta ineficácia “stricto sensu”, que o apelante não fica sujeito às limitações que o plano introduz aos créditos de que é titular sobre os codevedores do apelado, absolutamente alheios a estes autos.

O plano de revitalização é um negócio jurídico atípico que, por aplicação do art. 280º, nº 1 do Código Civil, será nulo se o seu objeto for contrário à lei.

Constatámos também que parte do seu objeto – a que respeita às dívidas das entidades terceiras – contraria normas legais reguladoras do seu conteúdo, o que constitui fundamento para a sua não homologação, sendo certo, porém, que tal vício não afeta o restante negociado entre os devedor e os seus credores.

Ora, segundo o art. 292º do mesmo diploma, a nulidade parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

É a redução, e não a invalidade total do negócio, que este preceito erige como princípio geral, no caso da nulidade ou da anulabilidade que afetam o negócio serem meramente parciais.

A invalidade total, figurando como regra de exceção, só poderá ser decretada pelo juiz caso o contraente interessado o peça e depois demonstre que o negócio não teria sido outorgado sem a parte afetada.

Afigura-se-nos, pois, e ressalvado o respeito que nos merece entendimento diverso, que não é a redução[11], mas sim a declaração de invalidade total que está sujeita à formulação de pedido nesse sentido, bem como à demonstração, a fazer pelo requerente, de que sem a parte afetada o negócio não teria sido celebrado.

Como escreve Mota Pinto[12], no art. 292º do C. Civil “Estabelece-se a presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes. O contraente que pretender a declaração da invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento do negócio, era nesse sentido, isto é, que as partes – ou, pelo menos, uma delas – teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade.[13]

No caso não está demonstrado que o plano aprovado não o teria sido se nele se não incluíssem aquelas dívidas, enquanto obrigações, não só do devedor-requerente, mas também das entidades terceiras a favor de quem aquele prestou fiança ou deu aval.

Mais uma vez ressalvando o respeito devido a entendimento diverso, pensamos ser o instituto da redução – de que lançou mão o referido acórdão do STJ de 13.11.2014 - que aqui se aplica.

E afigura-se que o mesmo é de conhecimento oficioso[14], por estar abrangido pelo art. 286º do CC; a nosso ver, esta ideia não é prejudicada pelo princípio da integralidade do cumprimento consagrado no art. 763º do CC, cujo alcance deve ser restringido à prestação que, por ser válida, é exigível.

Assim, é de declarar a nulidade das propostas e respetiva aprovação atinentes às dívidas das entidades diversas do devedor requerente, mantendo-se a homologação do plano quanto ao mais.

IV- Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, alterando-se a sentença impugnada, declara-se a nulidade das propostas e respetiva aprovação atinentes às dívidas das sociedades Arquipeças - Comércio de Automóveis e Peças, Lda., RBM - Comércio e Serviços Auto, Lda., e AC., Lda, (das quais o devedor é sócio gerente) e de PP, mantendo-se a homologação do plano quanto ao mais.
Sem custas.


Lxa. 27.10.2015


(Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho)
(Graça Amaral)
(Orlando Nascimento)


[1]Secção a que são distribuídos todos os processos elencados no art. 128º da LOSJ 
[2]Todos acessíveis em www.dgsi.pt
[3]Relator Conselheiro Fonseca Ramos, Proc. 1786/12.5TBTNV.C2.S1
[4]Relator Conselheiro Fernandes do Vale, Proc. 185/13.6TBCHV.A.P1.S1
[5]Relator Conselheiro Fonseca Ramos, Proc. 217/11.2TBBGC-R.P1.S1
[6]Relatora Conselheira Paula Boularot
[7]No primeiro deles, a este propósito escreve-se o seguinte:
A nulidade, a mais drástica sanção, abreviará em regra – art. 17º-G do CIRE – o caminho para a insolvência nos termos do nºs 2 e 3[8]. Já se for considerada a ineficácia relativa, a devedora pré-insolvente não entra em estado de insolvência.
Tendo em conta os interesses subjacentes jurídicos e sociais imbrincados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sobretudo, considerando as elevadas taxas de desemprego, a solução mais ajustada, sem ferir princípios jurídicos basilares dos negócios ou atípicos, é a da ineficácia relativa.
Como ensina Mota Pinto –“Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição – (615 e segs.) sobre os conceitos de “ineficácia” e “invalidade dos negócios jurídicos”:
«Os negócios feridos de ineficácia relativa produzem, pois, efeitos, mas não estão dotados de eficácia relativamente a certas pessoas.
Daí que sejam, por vezes, apelidados de negócios bifrontes ou negócios com cabeça de Jano (numa alusão a uma divindade da mitologia latina, representada na estatuária por uma figura com duas caras). A ineficácia relativa surge em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de disposição ou vinculação em causa.
 O negócio é relativamente ineficaz, por força do impedimento, resultante daquela posição legítima do terceiro acerca do conteúdo do acto.
[…] É necessário proteger o terceiro na medida apropriada à não frustração do seu direito, mas não se deve limitar o poder de disposição (ou a legitimidade para agir) do titular mais do que for necessário a essa protecção.
Logo, o negócio só é ineficaz em face do terceiro, mas não o é entre as partes ou em face de outras pessoas».
O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, por isso o Plano de Recuperação da empresa que for aprovado não é oponível ao credor que não anuiu à redução ou alteração lato sensu dos seus créditos.”
[8]Relator Conselheiro Salreta Pereira, Proc. 3970/12.2TJVNF-A.P1.S1, com voto de vencido do Conselheiro Fonseca Ramos
[9]Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral Negócio Jurídico, 4ª edição, pág. 931
[10]Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, págs. 536-539
[11]Neste ponto afastamo-nos do entendimento adotado no voto de vencido lavrado no citado acórdão de 13.11.2014, depois sufragado no acórdão também mencionado de 24.04.2015, segundo o qual a redução está “sujeita ao princípio do pedido”.
[12]Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 482
[13]Este entendimento é também o sustentado por Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pg. 267 e Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8ª edição, pág. 50
[14]Neste sentido, cfr., na doutrina, Oliveira Ascensão, Direito Civil teoria Geral, Vol. II, pg. 423 e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, pg. 596, e, na jurisprudência, por todos, acórdãos do STJ de 9.01.97, BMJ 463, pág. 544 e de 16.12.1999, Col. Jur. STJ, 1999, Tomo III, págs. 147 e segs.