Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1997/17.7T8LRS-A.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: ALIMENTOS A FILHO MAIOR
CESSAÇÃO DE ALIMENTOS
REPRISTINAÇÃO DA LEI
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não prevendo a Lei 122/2015, de 1.9, a sua aplicação retroactiva, cessa a obrigação de alimentos quando o beneficiário atingiu a maioridade, em data anterior ao início (1.10.2015) da vigência desse diploma.

Uma vez operada, no domínio da lei então vigente, a cessação, por efeito da maioridade do alimentando, da obrigação de alimentos, do disposto na parte final no art. 12° do C.Civil não pode resultar a repristinação, por aplicação da lei nova, de uma relação já extinta.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1. P... veio deduzir oposição à execução especial por alimentos que, contra si movida por P..., corre termos na comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Loures, sustentando a inexigibilidade da obrigação exequenda.

Contestou a exequente, concluindo pela improcedência da oposição.

No despacho saneador, foi proferida decisão, julgando procedente a oposição e determinando a extinção da execução.

Inconformada, veio a exequente interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
- Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedentes os embargos deduzidos pelo executado, considerando o facto de a F... ter atingido a maioridade antes da entrada em vigor da referida Lei 122/2015, decidindo, em suma, que a lei não tem aplicação retroactiva e até que a recorrente carece de legitimidade para intervir nos autos.
A recorrente veio, em 14.2.2017, nos termos do disposto nos arts. 1880º e 1905º, nº2, do C.Civil e 989º, nº3, do CPC, na redacção da Lei 122/2015, de 1.9, deduzir execução especial de alimentos por incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais estabelecido no que respeita à obrigação de alimentos, desde a data da entrada em vigor da Lei 122/2015, ou seja desde o dia 1.10.2015, pensão de alimentos fixada durante a menoridade da filha no acordo homologado por sentença proferida nos autos de divórcio por mútuo consentimento.
- A questão essencial a resolver é, assim, a de saber, face à mudança substancial operada pela Lei  122/2015,  qual o âmbito de aplicação temporal desta lei, ou seja, perceber se este novo regime se aplica a todas as pensões de alimentos fixadas na menoridade (independentemente de, à data da entrada em vigor da lei, o filho já ter ou não atingido a maioridade) ou somente àquelas que venham a ser fixadas a partir de 1.10.2015 (data da entrada em vigor da referida lei) e bem assim saber se a recorrente carece de legitimidade para agir processualmente.
 No caso concreto, não obstante a F... ter atingido a maioridade em 19.1.2014, o recorrido apenas deixou de efectuar o pagamento da dita pensão de alimentos fixada na menoridade daquela em Maio de 2015 - art. 19º da oposição - e assim aquele continuou a reconhecer o débito alimentar, procedendo a tal pagamento após a maioridade da F....
- O que é reconhecido expressamente pelo próprio recorrido que apenas veio a cessar o pagamento das pensões, invocando, com falsidade, o corte de relações com a filha.
- Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que a referida obrigação alimentar cessou automaticamente no momento em que a F... atingiu a maioridade.
- Na presente data não concluiu ainda a F... o seu processo de educação e de formação profissional, necessitando, portanto, que também o pai, ora recorrido, e não apenas a mãe, lhe continue a prestar alimentos, pelo menos no montante fixado durante a sua menoridade.
- É facto que o recorrido, após a data em que a F... atingiu a maioridade, continuou a contribuir mensalmente para o sustento e formação académica daquela, nos mesmos moldes fixados durante a menoridade, por imposição do art. 1880º do C.Civil, na interpretação que lhe foi incorporada pelo nº 2 do art. 1905º do mesmo diploma legal no seguimento da entrada em vigor da Lei 122/2015.
- Ao deixar de pagar as referidas pensões de alimentos a partir de Maio de 2015 o recorrido incorreu em incumprimento, o qual, nos termos do disposto no art. 989º, nº3, do CPC, é invocável directamente pela recorrente, a progenitora, que supriu directamente a omissão de tais pagamentos pelo recorrido, assumindo a título principal o pagamento das despesas da F....
-  Com a alteração efetuada ao regime substantivo, a Lei 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, nomeadamente no nº3 do art. 989º do CPC, conferindo agora expressamente legitimidade ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos para exigir a contribuição do obrigado a alimentos, o que a recorrente pode fazer por via da execução que intentou.
- O legislador pôs termo à controvérsia jurisprudencial existente, esclarecendo definitivamente que a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, não cessa quando este atinge a maioridade, mantendo-se até que atinja os 25 anos de idade, salvo nos casos excecionais previstos na lei.
- E, como é manifesto e contrariamente ao entendimento sufragado pela decisão recorrida, esta regra abrange todos os que se encontrem nas condições que a lei prevê, ou seja, os jovens beneficiários de pensão de alimentos fixada na sua menoridade que, tendo atingido já a maioridade, ou vindo a atingi-la depois, não tenham ainda completado os 25 anos de idade, nem concluído o seu processo de educação ou de formação profissional, sob pena de, defendendo-se interpretação diferente, se colocar em causa o princípio da igualdade, princípio basilar do nosso Estado de direito e com dignidade constitucional
-  O Tribunal a quo subscreveu, contudo, entendimento contrário, defendendo que - não tendo a citada Lei 122/2015 incluído qualquer norma transitória quanto à sua aplicação no tempo e tendo assim a mesma que ser interpretada à luz do art. 12º do C.Civil - se tem necessariamente que concluir que a dita Lei não se aplica às situações, como a do caso concreto, em que o filho atingiu a maioridade antes de 1.10.2015, data da sua entrada em vigor.
- Não se pode, contudo, aceitar tal entendimento, devendo, desde logo, considerar-se a exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 975/XII/4ª, de 29.5.2015 (relativo à dita Lei 122/2015, de 1.9); sendo que, tendo sido acolhido no essencial o que se fizera constar no mencionado projecto de lei, as referidas alterações introduzidas pela dita Lei 122/2015 tornaram claro que, por um lado, a obrigação de pagamento da pensão alimentícia (para efeitos do disposto no art. 1880º do C.Civil) se mantém após a maioridade do filho e até que este perfaça 25 anos de idade, com as excepções previstas na lei e, por outro lado, que o progenitor que assumir a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores, e que em regra será a mãe - como sucede no caso concreto - pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação destes.
- Ao que acresce que, porque a nova lei (Lei 122/2015) nada diz quanto ao seu âmbito de aplicação temporal, há que recorrer, tal como mencionado pela decisão recorrida, ao art. 12º do C.Civil: sabe-se que o princípio geral da aplicação da lei no tempo, em Portugal, é o da não retroactividade, dispondo as leis, em princípio, apenas para o futuro; todavia, este princípio apresenta alguma flexibilidade que se manifesta exactamente em situações como a do caso sub judice, ou seja, em que a lei dispõe sobre o conteúdo das relações - entre pais e filhos, no caso - abstraindo-se dos factos que lhes dão origem, o que a sentença em recurso ignorou.
- Ora, nestas situações, a lei aplica-se também às relações já existentes que subsistam à data da sua entrada em vigor, como sucede manifestamente no caso concreto, uma vez que, à data em que a referida Lei 122/2015 entrou em vigor, a F... ainda não tinha feito 25 anos.
- Assim, não podem restar quaisquer dúvidas de que o novo regime introduzido pela Lei 122/2015 se aplica também às obrigações de prestações de alimentos fixadas antes da sua entrada em vigor (1.10.2015) e mesmo na hipótese em que o filho tenha atingido a maioridade antes desta referida data, tendo que se concluir, contrariamente ao entendimento sufragado na decisão recorrida, que a referida lei tem aplicação também nesta situação.
- Tendo a F..., filha da recorrente e recorrido, atingido a maioridade antes da entrada em vigor da nova lei e não tendo sido declarada cessada a obrigação alimentar - pelo contrário, o recorrido, após o referido momento em que a F... atingiu a maioridade continuou a reconhecer expressamente o débito alimentar, procedendo ao pagamento de pensões de alimentos - deve entender-se a Lei 122/2015 como aplicável, mantendo-se a obrigação alimentar até, pelo menos, ao momento em que a F... perfaça os 25 anos.
- Mas mesmo que assim se não entendesse e se considerasse que tinha cessado a obrigação alimentar com o termo da menoridade antes da entrada em vigor da lei nova, sempre se deveria considerar como meio processual adequado o recurso pela recorrente à presente execução especial de alimentos prevista no art. 989.º do C.P.Civil, e assim não carece a recorrente de legitimidade processual, antes a lei expressamente lha confere.
- O Tribunal recorrido violou, pois, as normas dos arts. 12º, 1879º, 1880º e 1905º, nº2, do C.Civil, bem como do art. 989º do C.P.C., por não considerar aplicáveis ao caso concreto as alterações introduzidas pela Lei 122/2015 aos arts. 1905º, nº2, do C.Civil e 989º do CPC.
- Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.  Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :

1.  F... nasceu em 19.1.96 e é filha da exequente e do executado.
2.  Por decisão proferida em 9.10.2003 nos autos de divórcio por mútuo consentimento que correram termos na Conservatória do Registo Civil de Loures, sob o nº proc. 66/2002, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais a favor da então menor F..., cuja guarda e residência foi atribuída à exequente e sendo que o executado deveria contribuir com a quantia mensal de € 150, a título de pensão de alimentos, actualizável de acordo com a inflação anual.
3.  F… atingiu a maioridade em 19.1.2014.
4.  O executado cessou o pagamento da pensão de alimentos da filha após esta ter atingido a maioridade.
5. A exequente, progenitora de F..., intentou a acção de processo executivo apensa, em 22.2.2017.

3.  Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 
A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da exigibilidade da obrigação exequenda.
Considerou-se, a tal respeito, na decisão recorrida haver cessado a obrigação a cargo do ora apelado - já que, não prevendo a invocada Lei 122/2015 a sua aplicação retroactiva, atingiu a beneficiária de alimentos a maioridade, em data anterior ao início (1.10.2015) da vigência desse diploma.
E, em face da factualidade assente e do regime de aplicação da lei no tempo, estabelecido no art. 12° do C.Civil, outro entendimento não seria, efectivamente, possível seguir.
Visto que, uma vez operada, no domínio da lei então vigente, a cessação (por efeito da maioridade da alimentanda) da obrigação de alimentos, do disposto na parte final desse preceito não poderia obviamente resultar a repristinação, por aplicação da lei nova, de uma relação já extinta.
Concluindo-se, assim, pela inexistência da obrigação exequenda, terão as alegações da apelante necessariamente de improceder.

4. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 3.5.2018



Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta