Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
906/17.8PTLSB.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS
NULIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - A omissão de produção de meio de prova necessário, no sentido de essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, constitui nulidade relativa, nos termos da alínea d) do n.º2 do artigo 120.º.
- Se a produção do meio de prova não tiver sido requerida, o interessado na sua produção – que o tribunal deveria ter ordenado oficiosamente - deve arguir a nulidade até ao encerramento da audiência, nos termos do artigo 120.º, n.º3, alínea a), sob pena de sanação. No caso de não obter deferimento, cabe recurso da decisão.
- Porém, se a produção do meio de prova tiver sido requerida e o tribunal indeferir por despacho tal requerimento, a impugnação deve ser feira por via de interposição de recurso desse despacho, não havendo razão para impor ao interessado a prévia arguição de vício.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo abreviado n.º 906/17.8PTLSB, o arguido B. , melhor identificado nos autos, foi acusado da prática como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º1, al.an), 3.º, n.º 1 e 2, al. g) e 86.º, al. d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 17/2009, de 6 de Maio, n.º 12/2011, de 27 de Abril e n.º 50/2013, de 24 de Julho.
Realizado o julgamento, foi proferida, no dia 3 de Outubro de 2018, sentença absolutória.
Anteriormente, no dia 1 de Outubro, o Ministério Público requerera, ao abrigo do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal, a inquirição como testemunhas de JF e JC, ambos agentes da PSP indicados no auto de notícia, o que foi objecto de despacho de indeferimento.
2. O Ministério Público recorreu do referido despacho e da sentença absolutória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1.ª) Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos autos em 01 de Outubro de 2018 (vide acta) o qual indeferiu o requerimento apresentado pelo Ministério Público de proceder à inquirição das duas testemunhas indicadas no auto de notícia (os agentes da PSP, JF e JC, melhor identificados no auto de notícia) nos termos do art. 340° do Código de Processo Penal e da consequente sentença absolutória proferida a 03 de Outubro de 2018.
2.ª) O requerimento fora formulado pelo Ministério Público nos termos do art. 340.º do CPP e na audiência de julgamento que teve lugar em 01.10.2018 uma vez que em tal diligência realizada na ausência do arguido, foi inquirida a testemunha agente da PSP autuante (única arrolada na acusação) que não se recordava da factualidade vertida no auto de notícia, embora confirmasse a sua elaboração e a presença dos demais agentes da PSP (cuja inquirição se requereu) na qualidade de testemunhas.
3.ª) O tribunal" a quo" rejeitou o requerido pelo Ministério Público com o argumento de que a prova já era conhecida aquando da dedução acusação não tendo sido indicada na mesma, no entanto ao abrigo do art. 340.º do CPP foram emitidos mandados de detenção ao arguido para comparência na segunda data na qual o mesmo se remeteu ao silêncio.
4.ª) Em consequência foi o arguido absolvido por falta de prova.
5.ª) Não podíamos estar em maior desacordo com a decisão do tribunal" a quo", a qual em nosso entender e salvo o devido respeito é contrária ao próprio preceituado no art. 340.º do CPP.
6.ª) Na verdade o art. 340.º do CPP ao estipular os princípios gerais de produção de prova em audiência de julgamento espelha bem que o nosso ordenamento jurídico processual penal além de caracterizado pelo princípio do acusatório, encontra-se igualmente orientado pelo princípio da investigação ou da verdade material, incumbindo ao tribunal o poder-dever de investigar em audiência de julgamento sobre o facto atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade material.
7.ª) Não obstante a alteração introduzida à norma em causa pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro, a mesma não implicou a consagração do princípio da preclusão do nosso ordenamento jurídico (Ac do STJ de 05.05.2004 - "O princípio da preclusão é absolutamente incompatível com a estrutura do nosso processo penal - um sistema acusatório integrado pelo princípio da investigação, o que significa, em suma que o esclarecimento do material de facto não pertence exclusivamente às partes mas em último termo ao juiz sobre quem recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente - independentemente das contribuições das partes - o facto submetido a julgamento").
8.ª) O tribunal" a quo" embora tenha sido confrontado com o depoimento de um agente da PSP devidamente ajuramentado que declarou nada se recordar dos factos em discussão, nem mesmo quando confrontado com elementos relativos ao mesmo, certo é que em momento algum é pelo mesmo declarado que tal factualidade não ocorreu ou que assinatura que consta do auto de noticia não é sua, o arguido remeteu-se ao silêncio mas por outro lado não impugna o auto de noticia alegando a falsidade do mesmo, e dos autos consta um auto de apreensão e de avaliação de um objecto cuja detenção configura o crime que aqui se imputa ao arguido.
9.ª) Acresce que o arguido em fase de inquérito aceitou a suspensão provisória do processo que veio a ser revogado, o que embora não valha como uma admissão no sentido da confissão dos factos, não poderá deixar de ser tida em conta pelo tribunal como postura do arguido e que uma vez mais fundamenta a necessidade do tribunal diligenciar pela obtenção de prova através dos meios requeridos.
10.ª) Não poderia o tribunal" a quo" fundamentar a rejeição do requerimento formulado pelo Ministério Público de inquirição de duas testemunhas já indicadas como tal no auto de notícia (dois agentes da PSP) pelo mero argumento formal de que o mesmo poderia tê-lo feito aquando da dedução da acusação quando a prova produzida revela dúvidas que poderão assim ser supridas em prol da busca da verdade material, assim se demonstrando a sua indispensabilidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (verdade material).
11.ª) Face a todo o exposto deverá ser declarada a nulidade do identificado despacho de indeferimento da diligência de prova (proferido no dia 01 de Outubro de 2018, conforme acta de audiência de julgamento) requerida pelo Ministério Público ao abrigo do art. 340.º do CPP por omissão de diligência de prova requerida que deveria ser ordenada nos termos do art. 120.º n.º2 al. d) do CPP o qual deverá assim em conformidade ser substituído por despacho que determine a realização das requeridas diligências de inquirição da testemunhas agentes da PSP – JF e JC (melhor identificados no auto de noticia) e consequente anulação da sentença proferida procedendo-se a reabertura da audiência para produção de prova em conformidade (inquirição das testemunhas agentes da PSP – JF e JC melhor identificados no auto de notícia).
3. O arguido não apresentou resposta.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu o parecer de fls. 119 e 120, no qual sustentou que o recurso merece provimento, impondo-se “a anulação do julgamento, ficando naturalmente prejudicado o conhecimento do recurso da sentença absolutória”.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar. Foram colhidos os vistos, após o que os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas, as questões a apreciar são: da alegada nulidade do despacho de 1 de Outubro de 2018 e, consequentemente, da sentença absolutória proferida posteriormente, “por omissão de diligência de prova requerida que deveria ser ordenada nos termos do artigo 120.º, n.º2, al. d), do C.P.P.”.
2. Do despacho e da sentença recorridos
Ouvida a gravação da sentença oralmente proferida (artigos 391.º-F e 389.º-A, do CPP), constata-se que, em relação aos factos imputados ao arguido, o tribunal decidiu que “não se dão como provados os factos constantes da acusação”, fundamentando, em síntese, da seguinte forma:
O tribunal teve em consideração a ausência de prova produzida em audiência de discussão e julgamento. A testemunha AC, agente autuante, mesmo quando confrontado com o auto de notícia, não logrou sequer recordar-se da situação, desconhecendo por completo os factos acerca dos quais vinha depor - mesmo quando confrontado com o auto de notícia por si elaborado e assinado, foi incapaz de se recordar da situação em apreço. O auto de notícia por si só não tem valor probatório que permita sem mais imputar ao arguido a prática dos factos. O arguido escudou-se no seu direito ao silencia e nada contribuiu nessa parte (…). A prova assim analisada criticamente é insusceptível de permitir à pessoa constituída arguido a prática de ilícitos. (…).
No que toca ao despacho de indeferimento da inquirição de testemunhas, verificamos que o Ministério Público, ao abrigo do artigo 340.º do C.P.P., tendo em conta que a testemunha AC , agente autuante, inquirido por videoconferência a partir do Tribunal de Penacova, não se recordou dos factos, requereu a inquirição dos agentes da PSP, JF e JC, indicados como testemunhas no auto de notícia.
A Mm.ª Juíza decidiu da seguinte forma:
(…)
Tendo em conta que a identificação de tais testemunhas constava do auto de notícia e, portanto, podiam ter sido oportunamente arroladas na acusação e não foram, e bem assim que o agente autuante e subscritor do auto de notícia de nada se recorda acerca dos factos, invocando que os referidos colegas constantes do auto de notícia são normalmente quem o acompanhava à data, e com o fundamento invocado pela defesa, indefere-se a inquirição das referidas testemunhas, sem prejuízo de se ordenar a audição do arguido em data que se vier a designar”, tendo ficado consignada na acta a menção ao artigo 340.º, n.º4, al. a), do C.P.P., como fundamento do indeferimento.´
***
3. Apreciando

3.1. Em primeiro lugar, importa reter que constituem objecto do recurso o despacho de 1 de Outubro e a sentença de 3 de Outubro de 2018.
O primeiro é um despacho interlocutório de indeferimento de requerimento de prova que, interposto isoladamente, teria de ser admitido para subir nos próprios autos, com o recurso que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa, no pressuposto de que, nesse recurso, o recorrente especificasse a manutenção de interesse no dito recurso intercalar por si interposto. Não sendo interposto recurso da decisão final, o recurso retido ficaria sem efeito.
No caso em apreço, o arguido recorre do referido despacho e também da sentença absolutória exarada nos autos, o que faz em requerimento conjunto que abrange os dois objectos de recurso, o que dispensa a dita especificação de manutenção de interesse.
Ainda que o despacho de fls. 111 mencione o “despacho de fls. 80”, temos como evidente que como objecto do recurso se considerou a própria sentença, cuja anulação se pretende em vista da pretendida “reabertura da audiência para produção de prova em conformidade (inquirição das testemunhas agentes da PSP – JF e JC melhor identificados no auto de notícia) ”.
Assim precisado o objecto do recurso, analisemos a questão do despacho de indeferimento, como impõe a ordenação lógica de conhecimento das questões.

3.2. Estabelece o artigo 340.º do C.P.Penal:
1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.

A alínea a) do n.º 4 resulta da redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.
A procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal.
A lei atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que constitui a consagração, no nosso sistema, do princípio da investigação ou da oficialidade.
O C.P.P. estabelece no artigo 340.º os princípios gerais em matéria de produção de prova na audiência, encontrando-se vários outros critérios de admissibilidade de prova dispersos noutros preceitos do mesmo diploma, com recurso a expressões como, entre outras, essencial, indispensável, necessário, previsivelmente necessário, absolutamente necessário, útil.
Discute-se, por vezes, se o poder conferido pelo artigo 340.º do C.P.P. é um poder discricionário ou, pelo contrário, é sindicável, questionando-se se é recorrível a decisão de indeferimento de um requerimento de prova apresentado, na fase de julgamento, ao abrigo do preceituado no artigo 340.º do C.P.P.
Lê-se, por exemplo, no acórdão da Relação de Guimarães, de 27/04/2009, processo 12/03.2TAFAF.G1  em www.dgsi.pt, como outros que venham a ser citados sem diferente indicação):
O exercício do poder de apreciação do condicionalismo legal inscrito no n.º1 do artigo 340º do Código de Processo Penal, isto é, o juízo de necessidade ou desnecessidade da diligência de prova requerida parece-nos insindicável por via de recurso directo: a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade acarreta, antes, uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120.º, n.º2, alínea d), do CPP, a arguir “antes que o acto esteja terminado” (art. 120.º, n.º3, al. a), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr. art. 410.º, n.º3 do CPP).
Contudo, se o poder conferido pela norma do n.º 1 do artigo 340.º for actuado, em sentido negativo ou positivo, fora do condicionalismo legal, isolando outro para fundamentar a decisão respectiva, então aí, na medida em que há violação da lei, a opção tomada pelo tribunal é já susceptível de recurso (cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 4 de Dezembro de 1996, BMJ n.º 462, pág. 286 e de 9 de Outubro de 2003, proc.º n.º 1670/03-5ª, in SASTJ n.º74, 170 e o Ac. da Rel. de Lisboa de 16-12-2004, proc.º n.º 8971-4ª, rel. Ana Brito, in www.pgdlisboa.pt).

Ainda relativamente ao meio de reacção ao indeferimento de produção de meios de prova em sede de audiência de julgamento, disse a Relação de Coimbra, em acórdão de 1/02/2012 (Processo 416/10.4JACBR.C1):
 “A violação do art. 340.º, n.º 1 do C. Processo Penal e por via dela, a violação do princípio da investigação, na sequência do indeferimento da renovação de prova pericial, só pode originar uma nulidade sanável, a enquadrar na alínea d), do n.º 2, do art. 120.º do C. Processo Penal, e sujeita ao regime de arguição previsto no n.º 3 do mesmo artigo. Tendo o arguido e a sua defensora estado presentes na audiência de julgamento em que foi proferida a decisão e não tendo reagido até ao termo da mesma arguindo o vício, nem tendo recorrido atempadamente da decisão, sanou-se o vício o que, juntamente com o caso julgado formal entretanto verificado, impede que no recurso interposto do acórdão condenatório se conheça do acerto do ali decidido.”

O que se extrai é haver o entendimento de que o indeferimento de requerimento de produção de meios de prova apresentado em audiência, se essenciais para a descoberta da verdade, faz incorrer na nulidade prevista no artigo 120.º, n.º2, al. d), do C.P.P., a arguir no prazo legal, não sendo susceptível de recurso directo.
Não é esse o nosso entendimento.
Como defende o Conselheiro Oliveira Mendes (Comentário ao Código de Processo Penal, Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, 2016, 2.ª edição, p. 1049), a decisão do tribunal de produção ou não produção de prova, “obviamente que é recorrível, designadamente com o fundamento de que foi proferida fora das condições legais, posto que a sua irrecorribilidade não está prevista - art. 399.º.”
A omissão de produção de meio de prova necessário, no sentido de essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa constitui nulidade relativa, nos termos da alínea d) do n.º2 do artigo 120.º.
Se a produção do meio de prova não tiver sido requerida, o interessado na sua produção – que o tribunal deveria ter ordenado oficiosamente - deve arguir a nulidade até ao encerramento da audiência, nos termos do artigo 120.º, n.º3, alínea a), sob pena de sanação. No caso de não obter deferimento, cabe recurso da decisão.
Porém, se a produção do meio de prova tiver sido requerida e o tribunal indeferir por despacho tal requerimento, a impugnação deve ser feira por via de interposição de recurso desse despacho, não havendo razão para impor ao interessado a prévia arguição de vício.
É o que defende o Conselheiro Oliveira Mendes (ob. cit.) e o que é sustentado no acórdão da Relação de Coimbra, de 7/10/2015 (Processo 174/13.0GAVZL.C1), onde podemos ler:
1. O despacho que no decurso da audiência de discussão e julgamento indefere, na sequência de requerimento só então apresentado, expressa ou implicitamente a coberto do artigo 340.º do CPP, a audição, na qualidade de testemunha, de uma pessoa é sindicável por via de recurso – pois que corresponde ao exercício de um poder vinculado, que não discricionário, não se mostrando legalmente excluída a respetiva recorribilidade, colhendo, assim, aplicação o princípio geral enunciado no artigo 399.º do CPP - e não já por intermédio da arguição da nulidade do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP;
2. Se o sujeito processual interessado, na sequência de tal despacho de indeferimento, do mesmo nunca recorre, limitando-se a arguir a respetiva nulidade [artigo 120º, n.º 2, alínea d) do CPP], deixando-o transitar, por via do caso julgado, entretanto formado, fica o tribunal de recurso impedido de o sindicar; (…).
No caso vertente, o arguido foi detido no dia 19/07/2017, conforme auto de notícia por detenção onde se dá conta da existência, no interior da viatura que conduzia, de um “bastão extensível, instrumento portátil, telescópico, rígido ou flexível”, que foi apreendido e objecto de auto de exame e avaliação.              
No auto de notícia figuram, como autuante, AC , e como testemunhas, MC e os agentes da PSP JF e JC .
Na acusação (deduzida após ser decidido o prosseguimento dos autos por incumprimento da injunção imposta em sede de suspensão provisória do processo), o Ministério Público indicou, além de prova documental – auto de notícia, auto de apreensão, auto de exame e avaliação e certificado de registo criminal -, o agente autuante como testemunha.
Em audiência, a testemunha AC, agente autuante, inquirido por videoconferência a partir do Tribunal de Penacova, não se recordou dos factos.
O Ministério Público requereu, então, a inquirição dos agentes da PSP, JF e JC, indicados como testemunhas no auto de notícia.
O tribunal decidiu indeferir a requerida inquirição com base na circunstância de a identificação de tais testemunhas constar do auto de notícia e, “portanto, podiam ter sido oportunamente arroladas na acusação e não foram”.
O artigo 340.º, n.º4, al. a), do C.P.P., mencionado na acta como fundamento legal do indeferimento, prescreve que os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, “excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa”.
A actual redacção desta alínea, resultante da Lei n.º 20/2013 de 21/2, densifica o princípio da necessidade consagrado no n.º1 do mesmo artigo 340.º, ao estabelecer que, nos casos em que as provas já podiam ser arroladas com a acusação e contestação, só no caso de serem indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa é que os requerimentos de prova devem ser deferidos.
O tribunal a quo limitou-se a constatar que o Ministério Público estava em condições de ter indicado na acusação essas duas testemunhas, não fazendo qualquer juízo, porém, sobre a indispensabilidade da sua inquirição para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Compreende-se, aliás, o que se passou: perante uma detenção em flagrante delito e uma suspensão provisória do processo com o acordo do arguido, o Ministério Público terá entendido não dever mobilizar para o julgamento três agentes da PSP, limitando-se a indicar na acusação o autuante.
A circunstância de o agente autuante, inquirido por videoconferência a partir do Tribunal de Penacova, não se recordar dos factos, aliada ao direito do arguido ao silêncio – que veio a exercer -, tornaram indispensável, a nossa ver, a inquirição das testemunhas da ocorrência, requerida pelo Ministério Público, em ordem à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
O argumento apresentado pela defensora do arguido, secundado pelo tribunal, de que não era de admitir a requerida inquirição por poderem os agentes em causa aproveitarem para ler o expediente e se recordarem dos factos, não é atendível.
Os órgãos de polícia criminal actuam em dezenas ou centenas de situações diferentes, não sendo de esperar que, decorridos largos meses, algumas vezes anos, sobre a data dos factos, tudo guardem pormenorizadamente nas suas memórias.
Por isso, é habitual que, nos termos do artigo 138.º, n.º4, do C.P.P., lhes sejam mostradas peças do processo, como ocorre com o expediente que elaboraram ou em que tiveram intervenção, como adjuvantes de memória.
No fim, caberá ao tribunal proceder à livre apreciação da prova.
Entendemos, pois, que a requerida inquirição deveria ter sido deferida, por se mostrar, no caso concreto, verdadeiramente indispensável e essencial, traduzindo-se a sua falta numa omissão de diligência indispensável para a descoberta da verdade.
A decisão recorrida, de indeferimento da inquirição dos agentes da PSP que figuram no auto de notícia como testemunhas dos factos, violou o preceituado no artigo 340.º, n.º 1, do C.P.P., e, por isso, impõe-se a sua revogação, com a consequente invalidação da sentença proferida.

III – Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em, concedendo provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido de indeferimento de prova e anular a sentença subsequente, determinando que, admitido aquele requerimento de prova, seja reaberta a audiência para inquirição, como testemunhas, das pessoas indicadas pelo Ministério Público, sem prejuízo da realização de outras diligências que se entenda necessárias à descoberta da verdade e boa decisão da causa, após o que deverá ser proferida nova sentença.

Sem tributação.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2019
(o presente acórdão, integrado por onze páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

Jorge Gonçalves
Carlos Espírito Santo