Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12205/18.3T8SNT-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I - Não tendo a instituição de crédito diligenciado, antes da instauração da ação executiva, pela implementação de PERSI, verifica-se uma exceção dilatória inominada, por falta de um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da pretensão, que é de conhecimento oficioso, ante a imperatividade dos princípios e regras imperativas estabelecidas no DL n.º 227/2012, de 25-10.
II - Perante a mora no cumprimento do contrato de mútuo (no caso, de crédito à habitação) liquidável em prestações, o credor mutuante pode exigir o cumprimento do contrato (isto é, o pagamento das prestações já vencidas e do capital das prestações ainda não realizadas), perdendo o devedor o benefício do prazo (cf. art. 781.º do CC); em alternativa, o credor pode fazer cessar o contrato por resolução e exigir a devida indemnização, tendo direito à restituição do capital ainda em dívida (descontando o já pago), acrescido dos juros moratórios legais, contanto tenha promovido a convolação da mora em incumprimento definitivo, com prévia interpelação admonitória (não sendo caso de perda de interesse do credor) ou se possa prevalecer de convenção que preveja um tal direito potestativo, a exercitar mediante declaração recetícia (cf. arts. 224.º, 432.º a 436.º, 798.º, 799.º, 801.º a 808.º do CC).
III - Tendo ocorrido a venda à própria credora mutuante do imóvel hipotecado (para garantia do seu crédito) num processo de execução fiscal (assim obtendo o pagamento desse crédito), vindo depois a ser anulada essa venda, aquela devia ter extraído todas as consequências dessa anulação, facultando ao devedor, ora Executado, a possibilidade de retomar o cumprimento das obrigações contratuais, nos termos previstos na legislação então em vigor, incluindo o referido Decreto-Lei n.º 227/2012, sem o que não poderia avançar com a instauração da ação executiva, de que os presentes embargos constituem apenso, para cobrança coerciva das quantias em dívida.
IV - Sendo a causa de pedir o alegado incumprimento do contrato de crédito consubstanciado na escritura pública dada à execução e estando tal contrato abrangido pelo âmbito de aplicação do referido DL n.º 227/2012, não obsta à procedência da exceção referida em I a invocação pela credora Exequente, feita unicamente em sede de recurso, da extinção do referido contrato mediante resolução automática fundada na situação de mora e numa estipulação contratual em que se reconhece à credora o direito “a considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir algumas das obrigações resultantes deste contrato”, não valendo esta última como cláusula resolutiva expressa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
Promontoria Mars Designated Activity Company, Exequente, na ação executiva para pagamento de quantia de certa que move contra ML, interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedentes os embargos deduzidos por este último e que, em consequência, julgou extinta a execução, ordenando o levantamento da penhora efetuada.
Tal ação executiva teve início em 26-06-2018, com a apresentação de requerimento executivo pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., então Exequente, dando como título executivo a escritura pública de “Empréstimo com Hipoteca” que juntou aos autos e alegando que:
- No exercício da sua atividade creditícia, a (então) Exequente celebrou com o Executado, em 28-11-1999, um contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual lhe emprestou a quantia de 72.949,19 €, clausulando-se, além do mais, que o capital mutuado venceria juros à taxa inicial de 5,563%, alterável em função dos limites contratuais e legais em vigor, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa de 4% ao ano;
- Para garantia do capital mutuado e respetivos juros e despesas, foi constituída hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra O correspondente ao 7.º Esq. do prédio urbano sito na R …, n.º …, Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º … da freguesia de Agualva;
- O Executado entrou em incumprimento, deixando de liquidar as prestações vencidas desde 28-08-2008, ascendendo o capital em dívida ao montante de 55.225,13 €, acrescido de juros vencidos e vincendos, perfazendo os calculados até 21-06-2018 o valor de 24.178,21€, a que acrescem comissões no valor de 1.892,14€, no total 81.295,48 €, cujo pagamento peticiona.
Em 22-10-2018, o Executado deduziu Oposição, mediante embargos, invocando a inexistência do título executivo e, para o caso de assim não se entender, a inexigibilidade da obrigação exequenda, requerendo ainda a condenação da Exequente como litigante de má fé. Alegou, para tanto e em síntese, que:
- Cumpriu todas as obrigações decorrentes do contrato de mútuo dado à execução, mantendo sempre a conta bancária provisionada, mas, em 08-02-2008, o imóvel dado em garantia hipotecária foi vendido à Exequente em processo de execução fiscal, pelo que esta deixou de cobrar as prestações;
- Essa venda veio a ser posteriormente anulada pela Autoridade Tributária, em 10-11-2017, uma vez que havia sido feita indevidamente, face ao acordo estabelecido para pagamento da dívida fiscal em prestações;
- Nesse seguimento, procurou reatar o pagamento das prestações do mútuo, mas a Exequente recusou, exigindo-lhe o pagamento da totalidade das prestações, acrescidas de juros, o que não podia fazer, uma vez que nunca incumpriu o contrato, tendo ocorrido uma repristinação dos seus efeitos com a anulação da venda que havia sido efetuada no processo de execução fiscal.
Notificada a Exequente, apresentou Contestação, pugnando pela improcedência dos embargos, alegando designadamente, no que ora importa, o seguinte (sublinhado nosso):
«5º O mutuário contraiu obrigações de prazo certo perante a exequente, pelo que, entrou em mora, independentemente de interpelação, na data em que deixaram de pagar uma prestação, por força do disposto no nº 2, alínea a) do artº 805º do Cód. Civil.
Além disso,
6º Convencionado como foi o cumprimento das obrigações em diversas prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas (cfr. artº 781º do Cód. Civil). Mais,
7º Convencionaram as partes, na cláusula 16ª do documento complementar do contrato de mútuo junto com o requerimento executivo, que à CGD se reconhece o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato. Acresce que,
8º A exequente é uma instituição financeira que, como é procedimento standard em qualquer entidade bancária, emite automaticamente várias cartas e interpelações dirigidas aos clientes aquando da entrada destes em incumprimento.
9º Estas missivas são emitidas de modo automático, pelo próprio sistema informático, e não deixaram de ser enviadas no presente caso (cfr. doc 1 e 2). Acresce que,
10º Em 14/12/2007 a CGD, ora embargada, foi citada, na qualidade de credora com garantia real, para reclamar os seus créditos, no âmbito da execução fiscal nº 3140200001039547 e aps., com venda já marcada para o dia 30/01/2008 (cfr. doc 3). Com efeito,
11º Foi apresentada a respetiva reclamação de créditos, a 28/12/2007 (cfr. doc 4), onde se poderá constatar que, nessa data, o empréstimo em causa encontrava-se em incumprimento desde Setembro, com 3 prestações em atraso. Posteriormente,
12º A 30/01/2008, foi adjudicado à credora reclamante CGD, ora embargada, por € 59.900,00, por ter apresentado a proposta de valor mais elevado, conforme auto de abertura e aceitação de propostas, ora junto sob doc. 5. Por outro lado,
13º E de acordo com o alegado pelo executado, ora embargante, na reclamação apresentada junto Tribunal Administrativo, a 30/09/2008 (cfr. 6), o mesmo teve conhecimento da venda no processo de execução fiscal através do edital colocado na porta do imóvel, tendo se dirigido ao Serviço de Finanças com intuito de suspender a realização da mesma, através de acordo de pagamento da dívida fiscal, a 25 de Janeiro de 2008, sexta-feira, não tendo por sua vez acautelado que a mesma, já agendada para 5 dias depois, tivesse ficado sem efeito. Deste modo,
(…) 15º Na sequência da venda no processo de execução fiscal a ora embargada, após a transmissão da propriedade assumiu todos os pagamentos de IMI e condomínio inerentes ao imóvel que lhe fora adjudicado, e aplicou devidamente o valor que lhe coube na graduação de créditos resultando a dívida do empréstimo integralmente liquidada. Por outro lado,
(…) 17º Sem a respetiva anulação da venda, que só vem a ocorrer passado 10 anos, nesse hiato de tempo a CGD limitou-se a agir em conformidade com o fora decidido, assumindo integralmente os encargos com o imóvel que lhe fora adjudicado, e considerar o empréstimo totalmente vencido, na sequência da venda fiscal (doc. 7). Pelo que,
19º No início de 2018, quando a ora embargada teve conhecimento da anulação da venda, diligentemente, requereu junto do Serviço de Finanças Amadora 2 a devolução do depósito do preço, tendo esse retorno ocorrido a 23/02/2018. Nesse sentido,
20º E dado efeito da repristinação quanto aos registos, tanto da aquisição a favor do executado como da garantia real a favor da exequente, fazendo, deste modo, voltar a vigorar o contrato, ora em crise, toda a situação foi reposta e todos os esforços movidos para se chegar a um entendimento entre as partes, nomeadamente, através de reunião decorrida na sede da ora embargada. No entanto,
21º O ora embargante pretende esquecer os 10 anos de prestações por pagar, sem a conta estar provisionada para o efeito, e que a exequente assuma sozinha prejuízos decorridos de uma situação em que em momento algum foi criada por esta, pelo contrário, teve origem na dívida do executado à Autoridade Tributária que levou à existência do processo de execução fiscal, com uma tentativa de acordo em vésperas de venda, e por último o lapso do serviço de finanças ao não ter suspendido a venda na sequência do plano de pagamento acordado com o executado.
(…) 23º A exequente apenas quer aquilo que é seu por direito, ser ressarcida na medida do contrato celebrado entre partes, que se encontra em incumprimento, sendo que a falta de acordo e entendimento entre as partes nada se deve a esta.
Em modo de conclusão e face a tudo o que antecede,
24º Dúvidas não restam que estamos perante um título executivo válido e exigível. Além disso,
25º A exequente discrimina, detalhadamente, no campo “Liquidação” constante do requerimento executivo, os montantes devidos no âmbito do contrato em incumprimento a título de capital, de juros vencidos e de comissões, as datas usadas para tal cálculo, bem como a taxa usada e a sua base legal.»
A Promontoria Mars Designated Activity Company sucedeu, entretanto, à CGD, S.A., na posição processual de exequente (cf. requerimento de 27-08-2020, provimento n.º 1/2020 e termo de 28-08-2020).
Foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Antes do início da audiência de julgamento, foi a Exequente notificada para informar se o Executado-Embargante havia sido integrado no PERSI, ao que respondeu negativamente (cf. despacho de 19-01-2021 e requerimento de 17-02-2021).
Notificadas as partes para se pronunciarem quanto às consequências da falta de integração do embargante no PERSI, apenas o Executado se pronunciou, alegando que tal omissão constitui uma exceção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração da ação executiva (cf. despacho de 12-03-2021 e requerimento de 22-03-2021).
De seguida, foi proferida a sentença (recorrida) cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Termos em que, face ao exposto, julgo os presentes embargos procedentes, por provados e, em consequência, julgo extinta a execução, ordenando o levantamento da penhora efetuada.
Custas pela exequente (art. 527.º, n.ºs 1 e 2).
Registe e notifique.
Comunique a presente decisão ao Banco de Portugal para os efeitos previstos no art. 37.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro”.
Inconformada com esta decisão, veio a Exequente-Embargada interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. A ora Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida, pelo que vem pugnar pela revogação da sentença recorrida, que julgou os embargos procedentes e, em consequência, julgou extinta a presente execução.
B. Na douta sentença proferida, o Tribunal a quo considerou que o Executado devia ter sido integrado no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (doravante PERSI), pois que, aquando da entrada em vigor daquele procedimento, ainda se encontrava o Recorrido em situação de mora.
C. Todavia, o entendimento da ora Recorrente é o de que, em face do enquadramento jurídico aplicável à questão sub judice, salvo o devido respeito, deveria ter sido diversa a decisão do tribunal a quo, pelo que vem pugnar pela revogação da douta sentença propugnada pela 1.ª instância.
D. Na verdade, a Recorrente celebrou com o Recorrido um contrato de mútuo com prestações sucessivas e constantes, a liquidar mensalmente.
E. O Recorrido deixou de cumprir as obrigações decorrentes do contrato, não procedendo ao pagamento das prestações vencidas em setembro de 2007, nem das subsequentes,
F. Pelo que, o contrato de mútuo supra aludido não foi pontualmente cumprido pelo Recorrido, atendendo à verificação reiterada da ausência de pagamentos nas datas certas em que se venciam as prestações mensais.
G. Assim, o não pagamento das respetivas prestações nos exatos termos convencionados pelo Recorrido consubstanciou uma situação de mora, independentemente de interpelação, a partir de 2007 – altura em que deixou de pagar as prestações –, por força do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 805º do Código Civil.
H. A persistência da mora contratual, que não foi regularizada pelo Recorrido, veio, então, a converter-se em incumprimento definitivo, conforme estipula o artigo 808º n.º 1 do Código Civil.
I. Na sequência do que, atenta a conversão do incumprimento verificado em definitivo, operou a resolução automática do contrato e concomitantemente, o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, nos termos do artigo 781.º do CC.
J. Não tendo sido sanado o respetivo incumprimento, de acordo com o artigo 781.º do Código Civil, verificou-se o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, provocando uma antecipação da exigibilidade das prestações com datas posteriores de cumprimento, cujo vencimento ocorreu, por perda do respetivo benefício do prazo,
K. Tendo operado a resolução automática dos contratos sub judice, ao abrigo não só do princípio da liberdade contratual, plasmado no artigo 405.º do Código Civil, mas também do disposto no artigo 436.º n.º 2 do Código Civil e bem assim do estipulado no contrato “à CGD se reconhece o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”.
L. O que significa que as partes contratantes ao abrigo do princípio da liberdade contratual regularam especialmente as situações em que o mutuário se encontrasse em mora ou incumprimento, ficando estabelecido que bastava a ocorrência do incumprimento para que pudesse considerar resolvido o contrato e de imediato constituir-se o Banco no direito de exigir globalmente a obrigação de reembolso do capital mutuado, igualmente resultando que as partes afastaram a necessidade de o mutuante usar do seu direito de resolução para exigir tudo o que se mostrasse devido nos termos do contrato, e ainda que não vencido.
M. Deste modo, conclui-se que a resolução operada e motivada pelo incumprimento foi imediata, legítima e eficaz, tendo produzido validamente os seus efeitos.
N. Assim, ao contrário do que profere a douta sentença, que refere que o contrato nunca terá sido resolvido, e salvo o devido respeito, essa mesma resolução operou, eficazmente, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, pelo que não estava o Banco Cedente obrigado a integrar o Recorrido no PERSI,
O. Pois que, na data da entrada em vigor daquele procedimento, já o contrato se encontrava resolvido e não em simples mora – sendo este último o requisito para integração no PERSI.
Termina a Exequente-Apelante, pedindo que a sentença seja revogada e substituída por decisão que determine o prosseguimento dos presentes autos.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se a execução não devia ter sido julgada extinta por não se verificar a exceção dilatória inominada de falta de integração do Executado no PERSI.
Os factos provados com relevância para o conhecimento do objeto do recurso são os que emergem do relatório, acrescentando-se ainda, nos termos conjugados dos artigos 607.º, n.ºs 3 e 4, 662.º, n.º 1, 663.º, n.º 2, e 732.º, n.º 2, todos do CPC, que:
1. Em 18-01-1999, no Notariado Privativo da Caixa Geral de Depósitos, S.A. foi celebrada a escritura pública cuja certidão, incluindo documento complementar, foi junta com o requerimento executivo, aqui se dando por reproduzido o teor da mesma, pela qual a Caixa Geral de Depósitos, S.A. concedeu ao ora Executado um empréstimo da quantia de 14.625 contos, importância de que este se confessou devedor,  constituindo, em garantia do capital mutuado, respetivos juros e despesas emergentes do contrato, hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra “O” correspondente ao 7.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Quinta da …, lote …, Agualva-Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva Cacém sob o n.º … da referida freguesia, tendo ficado estipulado que o empréstimo é regulado pelo DL n.º 349/98, de 11-11 (Regime de Crédito Bonificado) e pelas demais disposições legais aplicáveis, destinando-se à aquisição do imóvel hipotecado para habitação própria permanente da parte devedora, prevendo-se que o pagamento do capital emprestado e dos respetivos juros se faria em 300 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 28 do próximo mês e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
2. Mais ficou estipulado, na cláusula 15.ª, o seguinte:
(Outras obrigações da parte devedora)
A parte devedora obriga-se:
a) a não dar ao imóvel hipotecado destino diferente do que ficou indicado, nem o desvalorizar por qualquer forma;
b) a pagar pontualmente as contribuições por ele devidas;
c) a tê-lo seguro à vontade da credora e a só por intermédio desta e com o seu acordo alterar o referido seguro;
d) a reforçar a garantia prestada se a credora o exigir.
E na cláusula 16.ª que:
(Direitos da credora)
À credora fica reconhecido o direito de:
a) alterar o seguro referido na cláusula anterior e pagar por conta da parte devedora os respectivos encargos;
b) receber a indemnização em caso de sinistro e averbar para tal fim as apólices a seu favor;
c) debitar na conta do empréstimo, quaisquer despesas relativas ao mesmo e a cujo reembolso tenha direito;
d) considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir algumas das obrigações resultantes deste contrato.
3. Foi registada, mediante ap. …, de 1999/01/18, hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. para garantia do empréstimo acima referido, até ao montante máximo assegurado de 21.152,430,00 Escudos, conforme certidão do registo predial junta com o requerimento executivo, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Mediante ap. …, de 2007/06/06 foi registada a penhora da referida fração autónoma a favor da Fazenda Nacional, em processo executivo então a correr os seus termos no Serviço de Finanças da Amadora – 2.
5. No processo executivo de que os presentes autos constituem apenso, foi efetuada a penhora da referida fração autónoma, conforme auto elaborado em 12-07-2018 e registo definitivo efetuado mediante ap. … de 2018/07/05.
6. Em 08-02-2008, no âmbito da execução fiscal referida em 3., foi adjudicada à Caixa Geral de Depósitos, S.A. a referida fração autónoma, conforme título de adjudicação junto aos presentes autos com o requerimento inicial de embargos como doc. 1.
7. Em 10-11-2017, foi proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a sentença, já transitada em julgado (cf. doc. 5 junto com o requerimento inicial de embargos), que deferiu o requerimento de anulação da venda referida em 6., anulando os atos processuais subsequentes ao despacho que havia determinado o indeferimento do pedido de pagamento em prestações, incluindo a venda realizada.
8. No seguimento do cancelamento da inscrição de aquisição (efetuada mediante ap. … de 2008/07/18) vieram a ser repristinadas, além da inscrição de aquisição a favor do ora Executado (ap. … de 1999/01/18), as inscrições da hipoteca voluntária referida em 3. e da penhora referida em 4., conforme averbamentos oficiosos registados em 2018/01/24.
Na sentença recorrida, fundamentou-se o decidido nos seguintes termos:
«O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, reconhecendo a degradação das condições económicas e financeiras sentidas na maioria dos países europeus e o aumento do incumprimento de contratos de crédito, estabeleceu um conjunto de princípios e de regras a observar pelas instituições de crédito destinadas a promover a prevenção do incumprimento, designado por Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e a regularização das situações já em incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos, chamado de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
O mesmo é aplicável aos contratos de crédito identificados no n.º 1 do seu art. 2.º, onde se incluem os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel [al. b)], celebrados com clientes bancários, enquanto consumidores, na aceção dada pelo n.º 1 do art. 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, onde intervenham como mutuários.
 O PERSI consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, e por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases sucessivas:
i) uma fase inicial, na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento; e, caso esse incumprimento se mantenha, integram, obrigatoriamente, o cliente no PERSI entre o 31.º dia e 60.º dia subsequentes à entrada em mora;
ii) uma fase de avaliação e proposta, na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objetivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis);
iii) uma fase de negociação, no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
O diploma em análise entrou em vigor em 01.01.2013, em conformidade com o disposto no seu art. 40.º.
A partir desta data, passou a ser obrigatório para as instituições de crédito mutuantes incluírem no PERSI os seus clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
 E essa obrigação verifica-se mesmo relativamente aos clientes que já estivessem em mora aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, pois que conforme dispõe o n.º 1 do seu art. 39.º, “São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data da entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.”.
No caso, entendendo a exequente, como alega no requerimento executivo, que o mutuário se encontrava em mora desde 28.08.2008 e que essa mora persistia em 01.01.2013, data em que aquele regime entrou em vigor, então estava o embargante em mora há mais de 30 dias, uma vez que o contrato se mantinha em vigor (pois que a exequente não o resolveu).
O regime do Decreto-Lei n.º 227/2012 era, pois, aplicável ao caso, pelo que devia a exequente ter integrado, obrigatoriamente, o aqui embargante no PERSI.
Estatui o art. 18.º, n.º 1, al. b), do diploma a que nos vimos referindo que “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (...) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Em estudo sobre o assunto, refere Francisco Almeida Garrett, in «PARI, PERSI & AFINS - Breve Nota Sobre o Novo Regime», JusJornal, n.º 1676, 23.04.2013, que “o Decreto-Lei n.º 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma "renegociação forçada" e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI”.
A execução a que os presentes autos se mostram apensos só foi intentada em 21.06.2018, depois da entrada em vigor do diploma, pelo que estava a exequente impedida de a intentar, sem que previamente integrasse o aqui embargante no PERSI e só depois da extinção deste procedimento.
A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a ação judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. Acórdãos do STJ, de 09.02.2017, Proc. 194/13.5TBCMN.A.G1.S1, e da RE, de 27.04.2017, Proc. 37/15.5T8ODM.A.E1, ambos disponíveis in https://jurisprudencia.csm.org.pt).
A omissão dessa obrigação constitui uma verdadeira falta de condição objetiva de procedibilidade que, na busca do lugar paralelo, é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa (cfr. Acórdão da RE, de 06.10.2016, Proc. 4956/14.8T8ENT.A.E1, também disponível in https://jurisprudencia.csm.org.pt).
De qualquer das formas, a não verificação dessa condição é insanável pois que o regime excecional previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012 afasta liminarmente a possibilidade de ser intentada a ação e, por maioria de razão, existe uma circunstância impeditiva que obsta a que, no decurso de uma ação executiva se desenvolva um PERSI.
Nos termos do art. 4.º do aludido diploma, devem as instituições de crédito “proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.”
Conforme se decidiu o Acórdão da RE, de 06.10.2016, já citado, estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de ação executiva para a efetiva satisfação do crédito do exequente, e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.
Procede, pois, a oposição deduzida à execução, ainda que com fundamento diverso do alegado, impondo-se a extinção da execução, com o consequente levantamento da penhora que incide sobre o imóvel do aqui embargante, ficando prejudicada a apreciação dos fundamentos de defesa.»
A Exequente discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que: aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, já o contrato de mútuo tinha sido automaticamente resolvido, uma vez que o Executado, mutuário, tinha deixado de cumprir as obrigações decorrentes do contrato, não procedendo ao pagamento das prestações vencidas em setembro de 2007, nem das subsequentes, incorrendo numa situação de mora, que, por não ter sido regularizada, se converteu em incumprimento definitivo, com o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, tudo conforme resulta dos termos conjugados dos artigos 405.º, 436.º, n.º 2, 808.º, n.º 1, e 781.º, do Código Civil, e bem assim do estipulado no contrato.
Apreciando.
Discute-se neste recurso a aplicação do regime consagrado nos artigos 12.º e seguintes - atinentes ao denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) - do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 (que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações), diploma em vigor desde 01-01-2013 (cf. art. 40.º).
Preceitua o art. 39.º deste Decreto-Lei, no tocante à sua aplicação no tempo, que:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.
Trata-se de matéria que já tivemos ocasião de analisar em situações próximas, designadamente no acórdão de 21-05-2020, proferido no processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L2 (relatado pelo ora Relatora com a intervenção do ora 1.º Adjunto), e que se encontra disponível em www.dgsi.pt, cuja fundamentação, na parte pertinente, se seguirá de perto.
Do preceituado no art. 12.º do referido diploma legal resulta que as instituições de crédito devem promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
De referir, além dos preceitos legais já citados, que nos termos do art. 15.º do referido Decreto-Lei, a instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
A ação executiva à qual os presentes embargos estão apensos baseia-se precisamente em documento que consubstancia contrato de crédito para aquisição de habitação, garantido por hipoteca sobre bem imóvel, celebrado em 18-01-1999 [cf. ponto 1. dos factos provados e art. 2.º, n.º 1, als. a) e b), do referido Decreto-Lei n.º 227/2012], entre a primitiva Exequente, instituição de crédito, e os Executados, clientes bancários, tendo sido invocado por aquela o respetivo incumprimento contratual por parte deste último, verificado a partir de 28-08-2008.
Não há dúvida que não foi, seja pela primitiva Exequente, seja pela atual, observado o estabelecido no aludido diploma legal, mas esta última discorda que o devesse ter sido, pugnando pela inaplicabilidade de tal diploma, por considerar que, à data da respetiva entrada em vigor, já o contrato de crédito em apreço estava resolvido.
Portanto, não se discute se foram ou não promovidas as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), sendo pacífico que isso não foi feito, apenas havendo que apurar se a credora deveria ter diligenciado, perante o alegado incumprimento do contrato de crédito, pela implementação de PERSI.
Na afirmativa, haverá que daí extrair os devidos efeitos, sendo certo que, conforme se refere na sentença recorrida e tem sido pacificamente considerado pela jurisprudência, não tendo a instituição de crédito diligenciado, antes da instauração da ação executiva, pela implementação de PERSI, se está, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, já que, não estando demonstrado o prévio cumprimento por parte da instituição de crédito dos princípios e das regras imperativas constantes daquele Decreto-Lei, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito [cf. art. 17.º, n.º 1, al. al. b)], faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da pretensão. Sobre esta matéria, veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 09-02-2017, proferido na Revista n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 - 7.ª Secção (disponível em www.dgsi.pt), citando-se, pela sua clareza, parte do respetivo sumário: “I - O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – instituído pelo DL n.º 272/2012, de 25-10, que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal). II - Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art. 18.º, n.º 1, al. b), do citado DL n.º 272/2012).”
Com efeito, a lei exige que a integração dos clientes bancários no PERSI e a extinção do mesmo lhes sejam devidamente comunicadas em suporte duradouro (cf. artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do referido diploma legal), tratando-se, sem dúvida, de declarações recetícias, o que torna indispensável a alegação e prova da existência dessas comunicações, do seu envio e da sua receção pelo executado, cabendo à instituição de crédito esse ónus, condição indispensável para o exercício do direito que pretende fazer valer. Neste sentido, se pronunciaram, entre outros, os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt):
- Relação de Évora de 27-04-2017, proc. n.º 37/15.5T8ODM-A.E1, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário: “I- No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. (…) IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário ( artº 224º nº1 -1ª parte do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar ( artº 342º nº1 do mesmo código.”;
- Relação de Lisboa de 07-06-2018, proc. n.º 144/13.9TCFUN-A-2, com o seguinte sumário: “I.– Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa. II.– As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação). III.– Não se demonstrando a existência da comunicação da integração dos executados no PERSI, não existe uma condição objectiva de procedibilidade da execução (art. 18/1-b do referido DL 227/2012 e ac. do TRL de 26/10/2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1), pelo que esta não pode prosseguir. IV.– No caso dos autos não existem quaisquer factos que indiciem sequer que os executados, ao invocarem a impossibilidade da execução, por força do que antecede, estejam a agir com abuso de direito (art. 334 do CC).”;
- e Relação de Évora de 28-06-2018, proc. n.º 2791/17.0T8STB-C.E1, citando-se parte do respetivo sumário: “1 - Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no PERSI e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b). 2 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI, por parte do Banco credor, consubstancia incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, que deve ser enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. 3 - O regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.”
Naturalmente, que, conforme decorre do citado art. 39.º e se salienta no acórdão do STJ de 19-02-2019, proferido no processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1 (também disponível em www.dgsi.pt), “(A) exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respetivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento.”
Como já referimos, a Exequente-Embargada, chamada a pronunciar-se sobre esta questão, não alegou e demonstrou o cumprimento das normas imperativas atinentes à integração do Executado no PERSI, ou seja, o envio e a receção de correspondência atinente à integração do Executado no PERSI, antes veio defender que, à data do início de vigência do Decreto-Lei n.º 227/2012 (01-01-2013), já o contrato de crédito em apreço havia sido resolvido, atenta a situação de incumprimento verificada a partir de 28-08-2008. Portanto, o que se discute é se a Exequente podia intentar a ação executiva (à qual os presentes embargos estão apensos) para satisfação do seu crédito, com fundamento nesse concreto incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito (invocado como causa de pedir), sabendo-se que, quando seja legalmente devida a integração do devedor no PERSI, a lei proíbe a sua demanda judicial sem que um tal procedimento tenha sido desencadeado, bem como entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento [cf. art. 18.º, n.º 1, al. b), do referido Decreto-Lei].
É fora de dúvida que, perante a mora no cumprimento do contrato de mútuo (no caso, de crédito à habitação) liquidável em prestações, o credor mutuante pode reagir, exigindo o cumprimento do contrato (pedindo o pagamento das prestações já vencidas e do capital das prestações ainda não realizadas), perdendo o devedor o benefício do prazo de que até aí dispunha conforme resulta do art. 781.º do CC e também, como quase sempre acontece, de cláusula contratual equivalente, sem ter direito aos juros remuneratórios correspondentes ao período respetivo, mas apenas aos juros moratórios legais (cf. AUJ do STJ n.º 7/2009, na Revista n.º 1992/08 - 6.ª Secção, de 25-03-2009, publicado no DR Série I de 05-05-2009).
Mas, em alternativa, o credor pode fazer cessar o contrato por resolução e exigir a devida indemnização, nos termos conjugados dos artigos 432.º a 436.º, 798.º, 799.º, 801.º a 808.º do CC, tendo assim direito à restituição do capital ainda em dívida (descontando, pois, o que já foi pago), sem juros remuneratórios, mas acrescido dos juros moratórios legais, contanto tenha promovido a convolação da mora em incumprimento definitivo, com prévia interpelação admonitória para pagamento (faculdade que lhe assiste, não sendo caso de perda de interesse do credor) ou se possa prevalecer de convenção que preveja um tal direito potestativo, exercitando tal faculdade ou direito mediante declaração recetícia (cf. art. 224.º do CC).
A convenção pela qual se atribui a uma das partes o direito de resolver o contrato, prevista no n.º 1 do art. 432.º do CC, é normalmente uma cláusula do próprio contrato, que deve obedecer a determinados requisitos, conforme vem sendo explicado pela doutrina, em que avulta Calvão da Silva, “Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, 4.ª Edição, Almedina, págs. 321-328, obra de referência sobre esta problemática e de que citamos, pelo seu interesse para o caso, a seguinte passagem (sublinhado nosso): “Deve dizer-se, precisando mais, que as partes não podem dar à cláusula resolutiva expressa um conteúdo meramente genérico, referindo-se, por exemplo, ao incumprimento de todas as obrigações contratuais. Têm de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito a resolução, identificando-as. Desde que identificadas uma a uma, obviamente que a cláusula resolutiva já pode reportar-se à totalidade das obrigações emergentes do contrato.
Esta limitação à liberdade contratual das partes radica na própria razão de ser e função da cláusula resolutiva. Se as partes valoram elas mesmas, no momento em que estipulam a cláusula, as obrigações e modalidades de incumprimento que conferem o direito de resolução, impõe-se que o façam conscientemente, com pleno conhecimento de causa – o que só acontece se especificarem e determinarem as obrigações e as modalidades do inadimplemento (definitivo, defeituoso, moroso). Quando se limitem a fazer uma mera referência genérica, em branco, à violação de (qualquer uma das) obrigações nascentes do contrato, a estipulação não passará de uma cláusula de estilo, mero rappel do regime jurídico da chamada condição resolutiva tácita, já que não houve uma prévia vontade contratual (bilateral) que de facto valorasse especificamente a gravidade da inadimplência.
A inadimplência da específica obrigação prevista é fundamento e pressuposto indispensável da resolução. Dela emerge um direito potestativo que confere à parte adimplente (ou não inadimplente) o poder jurídico de, por um simples acto livre de vontade e só por si, produzir a resolução que, inelutavelmente, se impõe à contraparte inadimplente. Dizemos só por si porque a parte adimplente (ou não adimplente) pode resolver imediatamente o contrato mediante declaração, escrita ou oral, à outra parte (art. 436.º, n.º 1), sem necessidade de intervenção do juiz e sem ter de recorrer ao art. 808.º, n.º 1. Aspecto importante, já que a resolução opera imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chega ao poder ou esfera de acção da parte inadimplente ou é dela conhecida (art. 224.º, n.º 1) – momento até ao qual o devedor pode cumprir, purgando a ora. A declaração resolução é, assim, elemento constitutivo da resolução, tendo esta no convencionado específico incumprimento da obrigação (certa e determinada) o pressuposto necessário mas não suficiente.”
Neste sentido, na jurisprudência, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão da Relação de Lisboa de 27-06-2019, no processo n.º 23551/12.0T2SNT-A.L1-2, em que a ora relatora interveio como 1.ª Adjunta, o acórdão da Relação de Coimbra de 06-12-2016, no processo n.º 195/13.3TBPCV-A.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, bem como o acórdão do STJ de 14-04-2015, na Revista n.º 2859/10.4TBLLE.E1.S1 - 1.ª Secção, de cujo sumário se cita a seguinte passagem (disponível em www.stj.pt):
“I - A cláusula resolutiva assenta no princípio da autonomia da vontade e da liberdade contratual e consiste no estabelecimento dos moldes em que se efectivará o direito de resolução, devendo precisar quais as prestações cujo incumprimento o espoletará e as modalidades deste que relevarão. Distingue-se da condição resolutiva na medida em que, nesta, a verificação do evento condicionante opera imediatamente a resolução ao passo que, naquela, o facto futuro e incerto é apenas um pressuposto de constituição do desse direito.  (…) IV - Perante uma cláusula resolutiva expressa, não há que fazer apelo ao critério do incumprimento definitivo como fundamento da resolução nem ao mecanismo da conversão da mora nessa modalidade de incumprimento, operando a faculdade resolutiva por ela conferida mediante declaração dirigida à outra parte que chegue ao seu conhecimento.”
Em suma, é indispensável que da cláusula resolutiva conste uma referência explícita e precisa às obrigações cujo não cumprimento dará direito à resolução e, na falta de tal convenção, a mora (em particular, na obrigação de pagamento das prestações do empréstimo) haverá de ter sido convolada em incumprimento definitivo com a prévia interpelação admonitória, fazendo-se a resolução do contrato mediante declaração à outra parte (cf. art. 436.º, n.º 1, do CC), cuja eficácia depende do disposto no art. 224.º do CC.
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, salientamos que, no contrato de crédito cujo incumprimento foi invocado como causa de pedir, apenas ficou estipulado que ficava reconhecido à credora o direito de considerar o empréstimo vencido se, no que ora importa, a parte devedora deixasse de cumprir algumas das obrigações resultantes do contrato, o que não se confunde com o direito de resolver o contrato. Ademais, face ao seu conteúdo genérico e tendo em conta o acima explanado, é claro que não se pode qualificar tal estipulação contratual como uma cláusula resolutiva expressa.
Assim, mesmo existindo a (alegada) situação de mora no cumprimento do contrato de crédito pelo Executado-Embargante (a este cabendo o ónus de alegar e provar que o tinha cumprido, pagando as prestações vencidas), não colhe a argumentação da Exequente-Apelante ao vir agora invocar, em sede de recurso, a extinção do contrato de mútuo mediante resolução automática, fundada na situação de mora e na aludida cláusula.
Acresce que, nem no requerimento executivo, nem na contestação dos embargos, nem sequer quando foi chamada a pronunciar-se sobre a questão ora em apreço, a Exequente veio alegar ter exercido, fosse como fosse, o direito à resolução do contrato em apreço nos autos. Na verdade, nunca antes alegou que o contrato tivesse sido resolvido (e de que modo), pelo contrário, tudo o que alegou foi no sentido da manutenção do contrato em situação de incumprimento (cf. artigos 11.º e 20.º da Contestação). Diga-se, aliás, que se uma tal alegação fáctica tivesse sido introduzida na sua alegação de recurso, constituiria mesmo uma questão nova, de que não cumpriria apreciar.
Impõe-se, pois, concluir, em face da aplicação aos factos alegados das citadas regras gerais sobre mora e incumprimento dos contratos (nada constando em contrário do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11-11, que estabelece o regime jurídico de concessão de crédito à habitação própria), que não se mostram verificados os pressupostos da resolução do contrato de crédito por incumprimento. Tudo indica que a credora mutuante CGD, S.A. (e depois a atual Exequente) continuou a proceder como se, no seguimento da venda à própria CGD do imóvel hipotecado no processo de execução fiscal (e pagamento do seu crédito), se tivesse tornado impossível o cumprimento de tal contrato, sem extrair todas as consequências da anulação dessa venda (com a sentença do TAF de Sintra de 10-11-2017), olvidando que haveria que ser facultado ao Executado a possibilidade de retomar o cumprimento das obrigações contratuais, nos termos previstos na legislação então em vigor, incluindo o referido Decreto-Lei n.º 227/2012, sem o que não poderia avançar com a instauração de ação executiva para cobrança coerciva das quantias (alegadamente) em dívida.
Destarte, não merece censura o enquadramento jurídico dos factos alegados feito na decisão recorrida, no sentido da inobservância por parte da (primitiva) Exequente das diligências necessárias à integração do Executado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), exceção dilatória inominada conducente à absolvição da instância executiva, assim improcedendo as conclusões da alegação de recurso, ao qual não pode deixar de ser negado provimento.
Vencida a Exequente-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida e condenar a Exequente-Embargada, ora Apelante, no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 21-10-2021
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira