Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8394/17.2T8SNT-A.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: APREENSÃO MASSA INSOLVENTE
MEAÇÃO NOS BENS COMUNS
CONTITULARIDADE NOS BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Apreendido para a massa insolvente um imóvel que integra o património comum do insolvente e do seu ex-cônjuge, pode este requerer a separação da massa insolvente da sua meação nos bens comuns, nos termos do art. 141º nº 1 b) do CIRE.

II.– Estando em causa a existência de bens de que a insolvente é apenas contitular, só se liquida no processo o direito que o insolvente tenha sobre esses bens, ou seja, só esse direito é alienado.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. 


Relatório:


LS veio requerer a separação da meação no património comum existente por força do casamento que foi estabelecido com a insolvente CC, tudo nos termos do disposto no artigo 141.° e seguintes do CIRE.

Em contestação, CC pugna, em síntese, pela improcedência total da pretensão do requerente.

Foram dados como assentes os seguintes factos:
1)– CC foi declarada insolvente através de sentença proferida a 4/5/2017 nos autos principais ao presente apenso.
2)– Apreendido à ordem da massa insolvente consta apenas a fracção autónoma designada pela letra "A" inscrita na União de Freguesias Santa Clara e Castelo Viegas sob o nº 000 e descrita na CRP de Coimbra sob o nº 000.
3)– Registadas a favor do Banco Santander Totta, Sa. há hipotecas incidentes no imóvel acima referido.
4)– CC casou com o ora requerente a 7/4/1996 no regime de comunhão de bens adquiridos.
5)– O casamento acima referido foi declarado dissolvido através de divórcio decretado a 31/3/2014.

Vindo a ser proferida decisão que julgou procedente a separação de meação requerida pelo Autor, no que respeita ao património apreendido. Em consequência, a liquidação em curso ir-se-á cingir à meação de CC no que respeita ao imóvel apreendido.

Inconformada recorre a requerida, concluindo que:
-Veio decidir o Tribunal a quo pela procedência da presente acção, decretando a apreensão à massa insolvente da meação da requerida no imóvel, bem comum do ex-casal (ainda não partilhado) - fracção autónoma designada pela letra "A" inscrita na UF de Santa Clara e Castelo Viegas sob a matriz predial urbana nº 000 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº 000.
-Sobre o imóvel supra referido existem hipotecas destinadas a garantir empréstimos contraídos pela recorrente e recorrido, hipotecas essas a favor da instituição financeira Banco Santander Totta, que é, assim, credor comum do ex-casal, pois os referidos mútuos foram contraídos por ambos os, então, cônjuges (art. 1691/1-a CC).
-Apesar de um correcto apuramento da matéria de facto, uma correcta interpretação e subsunção do direito aplicável aos factos sustentada por doutrina e jurisprudência (que o Tribunal a quo, contudo, não levou a cabo), sempre levaria à total improcedência da presente acção.
-O Banco Santander Torta executou o recorrido, requerendo a penhora da sua meação no bem comum, no processo nº XCBR que corre termos na Comarca de Coimbra, Juízo de Execução de Coimbra, Juiz 1, penhora essa cujo cancelamento foi determinado por decisão proferida por aquele tribunal, datada de 23/10/2017, decisão essa que é correcta do ponto de vista jurídico (e prático) mas que se encontra em contradição com a aqui recorrida.
-Existem duas decisões contraditórias sobre a penhora/apreensão daquele bem, não considerando a recorrente que tenha andado bem o Tribunal a quo a proferir a decisão recorrida.
-Até porque a Doutrina e a Jurisprudência dominante consideram que a meação de um bem indiviso pertencente ao património comum do casal é impenhorável, pois vigora entre a chamada doutrina da propriedade colectiva a qual preconiza que sobre os bens comuns não existem dois direitos sobre o mesmo bem, mas sim um único direito.
-O Tribunal a quo deveria ter em conta que, actualmente, todas as dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges podem inclusivamente levar a penhora subsidiária dos bens comuns, bem como que, só a penhora da totalidade do bem comum é de mais fácil alienação.
-Mais, não se pode sequer esperar que se proceda a partilha, pois colocar-se-ia em causa a celeridade do processo, e consequentemente a mais rápida satisfação dos credores (art. 1º CIRE).                              
-O facto de ter havido divórcio não altera o regime de bens nem tão pouco a responsabilidade por dívidas, sendo a dívida que onera o bem apreendido comum, nos termos do art. 1691/1-a) CC, bem esse cuja venda, no mesmo processo, será apta a satisfazer o interesse do credor de ambos os ex-cônjuges.  
-Não tendo havido lugar à partilha, existe uma massa de bens comuns afecta ao cumprimento de determinadas dívidas comuns, para que são chamados os credores de ambos os cônjuges, por dívidas contraídas na pendência do casamento e que foram relacionadas na pendência dos autos principais de insolvência.
-O bem indicado deve ser assim apreendido, na sua totalidade (e não somente na "meação" da insolvente) para a massa insolvente, ou seja, no processo principal, aí se realizando a sua venda, porquanto é a solução que melhor se coaduna com o regime das dívidas dos cônjuges e com a irrelevância do divórcio decretado face à responsabilidade dos ex-cônjuges por dívidas contraídas no pretérito e, também, que melhor se coaduna com o interesse do credor na venda judicial do bem (na sua totalidade) no mesmo processo, de forma a optimizar o valor de venda do mesmo (algo que não se obtém com a venda de "meações" em processos separados).
-Conjugada toda a matéria alegada, com fundamento doutrino-jurisprudencial deve ser concedido provimento ao presente recurso.
- A douta sentença violou os arts. 1691.°/-a) e 1695.°/1, do Código Civil, devendo assim ser revogada e substituída por outra que determine a apreensão, na sua totalidade, do bem imóvel acima identificado, na presente insolvência.

Cumpre apreciar.

Nos termos do art. 159º nº 1 do CIRE, verificado o direito à restituição ou separação de bens indivisos, ou verificada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens.

Para tal, é facultada a reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns – art. 141º nº 1 b) do CIRE.

Nos autos de insolvência foi apenas apreendido o imóvel identificado em 2) dos factos provados, o qual se acha registado em nome da ora recorrente (insolvente) e do ex-cônjuge.
Dispõe o art. 1724º nº 2 do Código Civil que “fazem parte da comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio (...)”.
                                                                                                    
Os bens comuns do casal, mesmo após o divórcio, constituem como se sabe um património colectivo e não uma situação de compropriedade. Deste modo, cada um dos cônjuges, ou ex-cônjuges, tem sobre a coisa comum uma quota ideal do direito, já que a coisa pertence unitariamente a ambos. Pelo menos até à efectivação da partilha, que não teve ainda lugar no caso dos autos.

Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 24/09/2013, o direito à meação do insolvente no património comum do casal formado por este e pela sua ex-mulher, é unico e indiviso, não incidindo sobre bens concretos e determinados, sendo que só por via da separação dos bens e partilha com liquidação do património do casal há lugar a essa concretização”.

No caso dos autos, foi apreendido no âmbito da insolvência apenas o imóvel pelo que, mesmo não se confundindo com o direito de propriedade sobre esse imóvel, existe um direito à meação no património comum do casal.

Pretende a recorrente que existe contradição entre a decisão proferida no processo de execução em que é executado o seu ex-marido e exequente o Banco Santander Totta e a decisão proferida nos presentes autos.

Ora, o que se decidiu na aludida acção executiva foi que:
“Determinar que o presente processo executivo prossiga quanto ao executado LS apenas quanto aos seus bens próprios ou bens comuns que respondem ao mesmo tempo que os bens próprios (art. 1686º nº 2 do Código Civil) não havendo penhora de outros bens comuns, os quais deverão ser apreendidos no Processo de Insolvência do ex-cônjuge insolvente.”
Tendo-se assim determinado o levantamento da penhora e o cancelamento do respectivo registo quanto ao imóvel em causa.

Ora, o bem em causa foi apreendido no processo de insolvência da ora recorrente. É até o único bem comum apreendido.

O que se apreende no processo de insolvência é um bem e na sua totalidade, não um direito a uma quota ideal sobre esse bem. Não se apreende o direito à meação da insolvente sobre o prédio.

Mas, efectuada a apreensão do bem, assiste ao ex-cônjuge o direito a separar da massa insolvente a sua meação nos bens comuns, face ao disposto no art. 141º nº 1 b) do CIRE.

Ou seja, efectuada a apreensão dos bens próprios da insolvente e dos bens comuns do casal, pode o ex-cônjuge não insolvente requerer que haja lugar à separação de meações (no que toca ao património comum apreendido).

Foi isso que aconteceu nos presentes autos. O Mº juiz a quo deferiu a separação da meação requerida pelo ex-cônjuge da insolvente, no que respeita ao património apreendido – pois só em relação a este é aplicável o art. 159º do CIRE.

Não estamos a falar de apreensão ou penhora de meações, caso em que ocorreria contradição com a decisão proferida na acção executiva, sendo que, como vimos, o direito de um dos ex-cônjuges à meação no património comum é uno e indivisível.

O bem comum, o prédio, foi apreendido na sua totalidade para a massa insolvente – tal como preconiza a recorrente na conclusão XI– cingindo-se a liquidação na insolvência ao direito relativo à meação da insolvente, como expressamente impõe o art. 159º do CIRE.

Como se entendeu no acórdão da Relação de Guimarães de 19/05/2016, “de acordo com o disposto no art. 159º do CIRE (...) verificado o direito à restituição ou separação de bens indivisos, ou verificada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens (...)”

No já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 24/09/2013, pode ainda ler-se:
Em caso de venda do direito da meação do insolvente no património comum do ex-casal, a hipoteca não é afectada, porque não é o imóvel sobre o qual a mesma incide que é vendido. Quem adquire tal direito adquire uma parte do património comum no qual se integra um imóvel hipotecado. Apesar do direito passar para outro titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, pois tal resulta da natureza da  hipoteca enquanto direito real de garantia e da sequela que lhe anda associada” - disponível, tal como os anteriores no endereço www.dgsi.pt.

Conclui-se assim que:
– Apreendido para a massa insolvente um imóvel que integra o património comum do insolvente e do seu ex-cônjuge, pode este requerer a separação da massa insolvente da sua meação nos bens comuns, nos termos do art. 141º nº 1 b) do CIRE.
– Estando em causa a existência de bens de que a insolvente é apenas contitular, só se liquida no processo o direito que o insolvente tenha sobre esses bens, ou seja, só esse direito é alienado.

Assim, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas.

                                                                                                                                                    
LISBOA, 24/05/2018


António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais