Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
420/17.1YUSTR.L2-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PRÁTICA RESTRITIVA DE CONCORRÊNCIA
FIXAÇÃO DE PREÇO
COIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.– O art. 69.º da Lei da Concorrência contém o regime normativo relevante para a determinação da medida concreta das sanções a impor no quadro da violação dessa Lei;

II.– Não se inserem nesse regime distintas regras dirigidas à Administração, de relevo interno, que permitem compreender os mecanismos utilizados e as linhas de raciocínio do órgão sancionador mas que não se encontram cobertas pelo princípio da legalidade, por não integrarem os preceitos de definição da reacção ao ilícito desenhada pelo Direito de mera ordenação social nem se mostrarem dimanadas do órgão investido do poder legislativo em matéria sancionatória contra-ordenacional;

III.– A atribuição de «vis» regulatória feita no n.º 8 do apontado artigo reporta-se à metodologia e não à substância dos critérios de definição das medidas sancionatórias efectivas, que são os definidos pela lei que preveja o tipo objectivo e subjectivo, a sanção e a sua forma de determinação.

IV.– Na determinação da medida das coimas, deverá atender-se a todas as circunstâncias e não apenas às que permitam concluir pela fixação de uma sanção correspondente à «pena» máxima;

V.– Uma coima não se mostra correctamente definida por não ultrapassar o máximo da censura prevista na lei para o comportamento em apreço mas por ter sido formada tendo em atenção rigorosos critérios de adequação, proporcionalidade e Justiça e por não se furtar, na sua definição, à «pesagem» e cotejo das distintas e conflituantes circunstâncias e ao balanço seguro e globalizante dos elementos agravantes e atenuantes envolvidos no juízo;

VI.– São finalidades das sanções em apreço o afastamento da prática ilícita por terceiros através do aviso à comunidade que constitui a sanção bem como o objectivo fulcral de garantir a não reiteração da conduta.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:


*


I.–RELATÓRIO

                 
A A… … DE CONDUÇÃO e AL…, ambos com os sinais identificativos constantes dos autos, impugnaram judicialmente a decisão da AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA (AdC) que lhes impôs sanções pela prática das infracções descritas nos autos.

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
Pelo presente recurso de contra-ordenação, vieram os Recorrentes: ASSOCIAÇÃO …  DE CONDUÇÃO, com o NIF.:…; e AL… …, com o NIF.: …., nos termos do disposto no artigo 84.º do RJC (Regime Jurídico da Concorrência), impugnar judicialmente a decisão da Autoridade da Concorrência (AdC), que decidiu nos seguintes moldes: PRIMEIRO: Declarar que a Visada Associação… ao adoptar uma decisão de associação de empresas visando a fixação de um preço mínimo para a obtenção da carta de condução para qualquer categoria de veículo, tendo por objecto impedir, falsear ou restringir, de forma sensível, a concorrência, no mercado da prestação de serviços do ensino da condução de veículos, na área da Grande Lisboa e de Setúbal, praticou uma contra-ordenação às regras da concorrência punível com coima, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º da Lei n.º 19/2012; SEGUNDO: Declarar que o Visado Al……, ao ter conhecimento da prática ilícita que é imputada à Associação…, da qual é presidente da direcção, ao ter contribuído activamente para a prática da infracção e por não ter adoptado qualquer diligência ou medida que impedisse a infracção ou a execução, é responsável, nos termos dos números 1 e 6 do artigo 73.º da Lei n.º 19/2012 pela contra-ordenação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º da mesma Lei; TERCEIRO: Fixar a coima aplicável à Visada Associação… em € 400.000,00, nos termos do disposto no 26 artigo 69.º da Lei n.º 19/2012; QUARTO: Fixar a coima aplicável ao Visado Al… … em € 13.776,71, nos termos do disposto no artigo 69.º da Lei n.º 19/2012; QUINTO: Nos termos do disposto no artigo 71.º da Lei n.º 19/2012, a título de sanção acessória, ordenar aos Visados que procedam à publicação, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, de um extracto da mesma, nos termos e conforme a cópia que lhes for comunicada oportunamente, na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional.
Para tanto, apresentaram conjuntamente as conclusões constantes de fls. 2442-2443, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
Recebido o recurso e enviados os autos ao Ministério Público, este apresentou-os nos termos do artigo 62.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), ex vi do artigo 83.º do RJC.
Nos termos dos artigos 64.º e 65.º do RGCO, ex vi do artigo 83.º do RJC, designou-se data para julgamento, o qual se realizou com observância de todo o formalismo legal, conforme plasmado na respectiva acta, não tendo os Recorrentes prestado declarações.

Foi proferida sentença que decretou:
Face ao exposto e pelos fundamentos expendidos, decido julgar parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pelos Recorrentes A… … DE CONDUÇÃO  e AL…… contra a decisão da Autoridade da Concorrência (AdC) e, em consequência, decido:
a)- Condenar a Recorrente A… …DE CONDUÇÃO  pela prática de uma contra-ordenação traduzida na adopção de uma decisão de associação de empresas visando a fixação de um preço mínimo para a obtenção da carta de condução para qualquer categoria de veículo, tendo por objecto impedir, falsear ou restringir, de forma sensível, a concorrência, no mercado da prestação de serviços do ensino da condução de veículos, na área da Grande Lisboa e de Setúbal, que consubstancia uma infracção às regras da concorrência prevista e punida pelas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º e do artigo 69.º do Regime Jurídico da Concorrência, na coima que fixo em € 200.000,00 (duzentos mil euros);
b)- Condenar o Recorrente AL… …. pela prática de uma contra-ordenação traduzida na adopção, enquanto presidente da direcção da Associação…, de uma decisão de associação de empresas visando a fixação de um preço mínimo para a obtenção da carta de condução para qualquer categoria de veículo, tendo por objecto impedir, falsear ou restringir, de forma sensível, a concorrência, no mercado da prestação de serviços do ensino da condução de veículos, na área da Grande Lisboa e de Setúbal, que consubstancia uma infracção às regras da concorrência prevista e punida pelas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º, do artigo 69.º e n.ºs 1 e 6 do artigo 73.º do Regime Jurídico da Concorrência, na coima que fixo em € 10.000,00 (dez  mil euros);
c)- Nos termos do disposto no artigo 71.º da Lei n.º 19/2012, a título de sanção acessória, ordenar aos Visados que procedam à publicação, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, de um extracto da mesma, nos termos e conforme a cópia que lhes for comunicada pela Autoridade da Concorrência (em 5 dias, após o transito em julgado desta decisão), na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional;
d)- Julgar, no de mais, improcedente a impugnação dos Recorrentes  apresentada.

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto pela AdC, que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
A.– O presente recurso está limitado à parte da Sentença respeitante à redução medida da coima conquanto o resto não nos merece qualquer censura.
B.– Na determinação da medida concreta da coima aplicados que foram os critérios para a determinação da coima (artigo 69.º da Lei da Concorrência) a Meritíssima juiz a quo limita-se a referir que a coima é excessiva procedendo à sua redução por aplicação do principio da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das coimas – n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa – sem fundamentar as circunstâncias que, em concreto, relevaram naquela decisão, qual a apreciação que delas terá sido feita. Nenhuma razão foi invocada e nenhuma explicação foi dada na Sentença.
C.– A AdC desconhece o iter lógico seguido pela Meritíssima juíza a quo para reduzir as coimas aplicadas pela AdC à Associação e a Al… atendendo à matéria dada como provada e às necessidades de prevenção geral e especial subjacentes à contraordenação em causa (decisão de associação e empresas por fixação de preços mínimos, restritiva da concorrência pelo objeto – infração hardcore) de elevada gravidade e bem como à culpa (dolo direto).
D.– A Meritíssima juíza a quo faz uma errada interpretação e aplicação do artigo 69.º da Lei da Concorrência, ignorando as Linhas de Orientação aplicáveis, quando procede à redução do montante das coimas aplicadas pela AdC à Associação e a Al…, o que deve ser apreciado e corrigido por este Tribunal.
E.– É inequívoco que a infração cometida pela A.é pelo objecto, é muito grave e praticada a título doloso – circunstâncias dadas como provadas pelo Tribunal a quo.
F.– Estamos perante a mais grave infração cometida às regras da concorrência (fixação de preços), infração que se mantém até à presente data e que, como aliás resulta da própria sentença, os seus autores, conhecendo as normas da concorrência, revelaram uma especial insensibilidade quanto aos bens jurídicos tutelados pelas normas de defesa da concorrência o que agrava a necessidade de presenção especial.
G.– Ademais Al…, como supra se refereriu, instigou e participou ativamente, em nome e representação da A., na preperpretação da infração promovendo a fixação de preços das cartas de condução para todas as categorias de veículos, bem como a sua monotorização entre os associados e não associados, não tendo adotado qualquer diligência que impedisse a infração ou a sua execução mesmo sabendo que a mesma constituía uma prática ilícita.
H.– As coimas aplicadas à A… e Al…, segundos os critério do artigo 69.º da Lei da Concorrência e as Linhas de Orientação, atendendo à gravidade das infrações, duração e culpa (dolo direto), e à situação económica da A…e de Al… afiguram-se adequadas e proporcionais às necessidades de prevenção geral e especial que se demonstraram ser de grau elevado.
I.– As coimas aplicadas não excedem, respectivamente, os 10% do volume de negócios agregados da empresas associadas da A… nem excedem os 10% do valor da remuneração auferida por Al…no ano anterior à emissão da Decisão da AdC, pelo que, com base na matéria de facto dada como provada e a fundamentação (quase inexistente) para a sua redução, devem ser mantidas nos termos constantes da Decisão da AdC, assim se fazendo a correta interpretação e aplicação dos artigos 9.º, 69.º e 73.º da Lei da Concorrência.
Neste termos e nos melhores de Direito que V. Exas, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, por provado, e, em consequência, ser a sentença regovada na parte respeitante à redução da coima e ser substituída por outra que confirme as coimas fixadas pela AdC.

A A… …DE CONDUÇÃO e AL… responderam às alegações de recurso não tendo, em tal sede, apresentado conclusões nem formulado pedido final.

Também o Ministério Público respondeu ao recurso e, da mesma forma sem apresentar conclusões, inscreveu na parte final do seu texto de resposta entender carecer a sentença impugnada das correcções que referiu ter aí indicado (mas que não invocou para sustentar qualquer impugnação judicial). Tal justificaria, na sua tese, uma reponderação da «coima a aplicar aos visados».

Foi colhido o visto do Ministério Público junto deste Tribunal que emitiu parecer em sentido coincidente com o formulado em primeira instância.

Lançados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É a seguinte a questão a avaliar:
As coimas aplicadas à A… e a Al… pela AdC são adequadas e proporcionais às necessidades de prevenção geral e especial, pelo que devem ser confirmadas?

II.–FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

Vem provado que:

- Identificação e caracterização dos Recorrentes:
Da A… …:
1.- A A… …, de acordo com os seus estatutos, é uma associação portuguesa de escolas de condução, de direito privado e sem fins lucrativos licenciada pelo Estado e registada no Ministério do Emprego e da Segurança Social em 29 de Janeiro de 1993, sob o número …, fls. , livro 1, com sede na Rua André … Lisboa;
2.- O fundador e criador da A… é o actual presidente da direcção, Al…;
3.- Da direcção fazem ainda parte o secretário R…, a 1.ª vogal, P…, o 2.º vogal Pa… e a tesoureira, Adriana…;
4.- A A…tem por fim: 4.1 A promoção e defesa dos interesses dos seus associados, representando-os perante quaisquer pessoas, colectivas ou singulares, autoridades, entidades, grupos económicos, sindicatos, associações de trabalhadores ou patronais ou qualquer entidade pública ou privada; 4.2 Celebrar convenções colectivas de trabalho; 4.3 Realizar estudos e pesquisas técnicas relacionados e destinados a melhorar  as actividades específicas das suas associações; 4.4 Promover o conhecimento de meios para prevenção de acidentes rodoviários; 4.5 Promover e implementar centros de realização de exames de condução para  todas as categorias de veículos; 4.6 Promover, ministrar e realizar cursos de formação e actualização para examinadores, directores e instrutores de condução; 4.7 Promover, a formação profissional para os seus trabalhadores, associados e  para outras actividades profissionais; e 4.8 Prosseguir na formação de actividades profissionais na melhoria das condições para os seus associados e outras actividades profissionais;
5.- De acordo com os seus estatutos, podem ser associados da A…as pessoas singulares ou colectivas residentes em Portugal, as quais se dediquem legalmente à actividade do ensino automóvel;
6.- As escolas de condução associadas da A… deverão pagar uma quota para  poderem exercer o seu direito de voto;
7.- A A…não exige exclusividade aos seus associados, podendo estes ser,  também, associados de outras associações;
8.- Todas as escolas de condução podem usufruir dos serviços da A…;
9.- No que se refere ao seu funcionamento, a A… realiza reuniões onde estão  presentes escolas de condução associadas e não associadas.
10.- Neste contexto, na organização das reuniões, o presidente da direcção, Al…, elabora uma carta de convocatória para a reunião, entrega-a ao secretário da direcção, também responsável do centro de exames, R…, que, por sua vez, procede ao envio da mesma, por correio electrónico, a todas as escolas de condução que usufruem dos serviços da A…;
11.- Não se verifica uma periodicidade regular na realização dessas reuniões, sendo que a maior parte das reuniões são solicitadas pelas escolas de condução;
12.- Os aspectos a discutir nas reuniões ou a agenda são definidos pelo presidente e constam da carta de convocatória, não existindo registo oficial das decisões adoptadas nestas reuniões, apenas existindo o registo das reuniões para eleições dos corpos sociais;
13.- Durante as reuniões, o presidente expõe o tema, as escolas de condução  associadas e não associadas (que também podem e, de facto, participam nestas reuniões),  apresentam as suas posições e/ou observações e o presidente da direcção ou o secretário tomam nota destas observações, finalizando a reunião com um acordo verbal;
14.- A A… financia-se através das quotas dos seus associados, no valor de € 143 11,22, por trimestre e através da realização de exames de condução, teóricos e práticos, 144 bem como dos cursos de formação que organiza;
15.- Eram associadas da A…, em 2016, pelo menos, as seguintes entidades, 146 com os seguintes volumes de negócios no mesmo ano:

(…)

16.- A criação da A… foi financiada por Al…, que é não apenas o seu  fundador, mas igualmente o seu presidente da direcção desde a sua criação;
17.- O artigo 38.º dos Estatutos da A… estabelece que “o presidente não poderá em vida ser substituído no seu cargo”;
18.- O presidente da direcção da A… recebeu, em 2016, pelo exercício das suas funções, o vencimento anual de € 150.073,14;
- Da identificação e caracterização do mercado:
19.- A situação que infra se dará como provada, respeitante a 2016, insere-se no mercado da prestação do serviço do ensino da condução para todas as categorias de veículos em Portugal;
20.- As escolas de condução constituem a oferta neste mercado, prestando o serviço do ensino de condução de veículos, mediante contrapartida de uma prestação económica;
21.- No que diz respeito à procura, esta é constituída por pessoas que  pretendendo obter habilitações para a condução de veículos, se dirigem às escolas de condução, para que, através de uma formação teórica e prática, consigam aprovação nos exames correspondentes, obtendo assim a carta de condução;
22.- Do ponto de vista da procura, as várias categorias de carta de condução poderão não ser substituíveis entre si;
23.- Contudo, tipicamente, as escolas de condução (oferta) ministram cursos de  formação para todos os tipos de carta;
24.- No que respeita à dimensão geográfica do mercado, a situação que infra se dá como provada, respeitante a 2016, incide sobre a Região da Grande Lisboa e Setúbal;
- Do comportamento da A…:
- Antecedentes:
25.- Em 2012, o presidente da direcção da A… sugeriu à Escola de condução  M… “praticar preços combinados” com as restantes escolas de condução, enviando a seguinte mensagem de correio electrónico, em 16 de Outubro de 2012, à Escola de Condução M…: “A A… vem, por este meio, sugerir às escolas de condução o seguinte: “1- A banalização da tabela de preços está a criar asfixia financeira nas escolas de condução. Na verdade! se, por exemplo, a tabela de preços for no valor de 457€ como é atualmente, 30 inscrições perfaz em o valor de 13.710€. Se o valor for a 600€, o valor destas 30 inscrições perfazem18.000€. “2- A diferença do valor dá para pagar o vencimento a 4 instrutores e a duas pessoas da secretaria. […] Ora, a A… não pode persuadir as escolas a praticarem preços combinados, por a lei proibir- mas deverá ser por iniciativa das escolas a persuadir em outros colegas para esta triste realidade que ninguém quer mas todos praticam. “Assim, a publicidade da escola deverá ser na tabela de preços a praticar 457€ sem o valor dos exames incluído ou 600€ com os exames incluídos.  “Respeitosamente “O presidente de direção “Al…”
26.- A mensagem de correio electrónico supra foi escrita porque várias escolas de  condução vinham pedir à A…que tomasse uma posição sobre os preços praticados pelas escolas de condução, que alegadamente praticavam preços abaixo do custo;
27.- A Escola de Condução M… respondeu a esta mensagem de correio  electrónico, nos seguintes termos, nomeadamente: “ […] o que o Senhor aqui propôs é crime e fortemente punido”. Este email pode no futuro ser usado contra si, deve revisar a sua assessoria jurídica […]”.
28.- A notícia do Jornal de Notícias de 28 de Janeiro de 2013 deu conta de que a  A… tinha realizado vários alertas junto do sector sobre a má gestão praticada pelas escolas de condução e que tinha “promessas de alguns dos principais grupos de que a partir de Fevereiro já vão estabilizar os preços das cartas para os € 600”;
- Da convocatória de reunião: a mensagem de correio electrónico de 23.09.2016:
29.- Na sequência de queixas apresentadas, formal e informalmente, por proprietários de escolas de condução às quais a A… presta os seus serviços e a pedido do grupo das designadas por grandes escolas de condução (Escola Segurança…, Escola da…, Escola E… e Escola R…l, nenhuma delas associada da A…, o presidente da direcção da A… convocou uma reunião com escolas de condução de 208 Lisboa, Grande Lisboa e Setúbal, com o fim de debater os preços das cartas de condução;
30.- Neste sentido, o presidente da direcção de A…, Al…, de acordo com o modo de actuação melhor descrito supra, elaborou a respectiva convocatória e entregou-a ao secretário da associação, R…, que, na qualidade de responsável do centro de exames, a remeteu, em 23 de Setembro de 2016, através de correio electrónico, para as 173 escolas de condução dos distritos de Lisboa e Setúbal, identificadas no anexo 2 da decisão administrativa, cujo teor se considera reproduzido;
31.- Esta mensagem de correio electrónico convocava as escolas de condução nos seguintes termos:
“Encarrega-me o Presidente de Direção da A… Dr Al… de convocar todos os proprietários de Escolas de Condução para uma reunião a realizar no dia 28 de Setembro de  2016, às 17h na sede da A…, na Rua…, com o objetivo de “sentar à mesma mesa” todos os intervenientes das Escolas de Condução para o preço da carta de condução deixar de ser banalizado. “Atenciosamente “O Responsável do Centro de Exames da A… “R…”.
Da reunião de 28.09.2016:
32.- Em 28 de Setembro de 2016, no seguimento da mensagem de correio electrónico supra, teve lugar a referida reunião, estando presentes número de pessoas não  concretamente apurado, mas não inferior a 30, nem superior a 100 pessoas;
33.- Entre essas pessoas, estavam presentes, pelo menos, representantes das  seguintes escolas de condução, associadas e não associadas da A…, designadamente: 33.1 Escola de Condução A…; 33.2 Escola de Condução…  Por…; 33.3 Grupo de escolas de condução …; 33.4 Grupo de escolas de condução…; 33.5 Escola de Condução central …; 33.6 Escola de Condução In…; 33.7 Escola de Condução S…; 33.8 Escola de Condução Jardim…; 33.9 Escola de Condução Já…; 33.10 Escola de Condução Vi…; 33.11 Escola de Condução … Net; 33.12 Escola de Condução Ca…; 33.13 Escola de Condução Po…; 33.14 Escola de Condução Eb…;
34.- A reunião iniciou-se com a exposição de Al…, afirmando que “os  preços actuais não conseguem pagar os impostos nem pagar às pessoas, de acordo com a avaliação feita pela A…, uma carta de condução não deveria ter um custo inferior a 700 euros”;
35.- Na sequência desta exposição várias escolas de condução manifestaram a sua posição a este respeito, sendo em regra, que não conseguiam pagar impostos nem pagar ordenados nem auferir rendimento com esta actividade;
36.- Seguidamente, Al… tomou de novo a palavra e concluiu que ”se estiverem de acordo, aumentem 100 euros cada mês até Fevereiro de 2017, para chegar pelo menos aos 700 euros”;
37.- Algumas escolas presentes manifestaram o seu acordo e outras não se  pronunciaram;
38.- Nessa reunião de 28 de Setembro de 2016, foi decidido: 38.1 O aumento gradual dos valores para a obtenção da carta de condução para 259 qualquer categoria de veículo até atingir € 750,00, em 1 de Fevereiro de 2017, designadamente: - a partir de 1 de Outubro de 2016, nenhuma das escolas de condução poderia praticar um preço inferior a € 300,00; - a partir de 1 de Novembro de 2016, nenhuma das escolas de condução poderia praticar um preço inferior a € 400,00; - a partir de 1 de Dezembro de 2016, nenhuma das escolas de condução poderia praticar um preço inferior a € 500,00; - a partir de 1 de Janeiro de 2017, nenhuma das escolas de condução poderia praticar um preço inferior a € 600,00; 38.2 O preço anunciado em publicidade não podia ser inferior aos valores mínimos acordados; 38.3 A obrigação de denunciar as escolas de condução que eventualmente estivessem a incumprir a implementação dos aumentos acordados; e 38.4 No final de cada ano teria lugar uma reunião para determinar o valor do aumento a efectuar pelas escolas de condução, que seria comunicado posteriormente através do correio electrónico;
Da mensagem de correio electrónico de 29.09.2016:
39.- Na sequência da reunião do dia 28 de Setembro de 2016, R…, secretário da direcção da A… e responsável do centro de exames, remeteu, a pedido do presidente da direcção, em 29 de Setembro de 2016, a seguinte mensagem de correio electrónico, sob a epígrafe “Acabar com banalização dos preços - Para cumprir”, às 173 escolas de condução que tinham sido convocadas para a reunião, as quais se mostram identificadas no anexo 3 da decisão administrativa, cujo teor se considera reproduzido: “Exmos. Srs Proprietários “Encarrega-me o Presidente de Direção da A…, Dr. Al…, de comunicar o seguinte: “Na sequência do email enviado as Escolas de Condução no dia 23 de Setembro de 2016, na qual foram convidados para urna reunião com propósito de terminar com a banalização dos preços da carta de condução;  “Após a reunião que tivemos com os grandes grupos de escolas de condução; “E após a reunião de dia 28 de Setembro de 2016, ficou decidido por aceitação de todos os presentes que o preço de qualquer categoria da carta de condução, incluindo a categoria A – pois obriga a utilização de mais de 1 veículo (que significa mais custos) deverá aumentar gradualmente até atingir o valor mínimo no qual a carta não dará prejuízo, da seguinte maneira: “a)300,00€ (com tudo incluído) no dia 1 de Outubro 2016 -ninguém poderá prestar este 294 serviço abaixo deste valor. “b)400,00€ (com tudo incluído) no dia 1 de Novembro 2016 - ninguém poderá prestar este serviço abaixo deste valor.  “c) 500,00€ (com tudo incluído) no dia 1 de Dezembro 2016 - ninguém poderá prestar este serviço abaixo deste valor. “d)600,00€ (com tudo incluído) no dia 1 de Janeiro2017 - ninguém poderá prestar este serviço abaixo deste valor. “e) 750,00€ (com tudo incluído) no dia 1 de Fevereiro 2017 - ninguém poderá prestar este serviço abaixo deste valor. “Assim, em cinco meses a carta passará a não dar prejuízo. “Devido a seriedade do assunto em questão, se virem que alguma escola pratique preços abaixo dos mencionados em cima a partir das datas indicadas, vocês não baixarão o preço, mas sim comunicarão para a A… ao Responsável do Centro de Exames que irá de imediato comunicar com tal escola, para persuadir esta a praticar preços não abaixo dos valores  indicados. “O preço anunciado em publicidade não poderá ser inferior aos valores mínimos estabelecidos, afim de não ser quebrada a confiança das outras escolas. “Relembro que o objetivo não é vender a carta por valores inferiores a750 €, mas sim vender a Carta por valores superiores a 750€, que é o valor em que a carta deixa de dar prejuízo. “Atingindo o valor dos 750€, a nova atualização será no final de cada ano, em reunião na qual analisaremos o aumento a efetuar, o qual será comunicado de forma semelhante a todas as escolas de condução. “Tudo o que temos decidido, não se trata de uma concertação de preços das categorias da carta de condução, mas sim estabelecer o valor mínimo abaixo da qual a carta dá prejuízo e no qual ninguém pode praticar. Acima destes valores mínimos podem vender o serviço da carta de condução pelo preço que quiserem e entenderem. “Aguardo a colaboração de todos. “Atenciosamente “O Responsável do Centro de Exames da A… “R…”.
Das reacções à mensagem de correio electrónico de 29.09.2016:
40.- Na sequência desta mensagem de correio electrónico, escolas de condução manifestaram a sua concordância com o respectivo teor, designadamente, a Escola de Condução Q…, a Escola de Condução X…, a Escola de Condução F…, a Escola de Condução M… e a Escola de Condução P…;
41.- Em particular, as referidas escolas de condução responderam à mensagem de R… nos seguintes termos: 41.1 A Escola de Condução Q… respondeu em mensagem de correio electrónico de 29 de Setembro de 2016 “inteiramente de acordo, uma vez que todos cumpramos”; 41.2 A Escola de Condução X…, através de mensagem de correio electrónico de 4 de Outubro de 2016, referiu “concordo com o aumento dos preços e vou fazê-lo, mas tendo em conta que os meus preços se aproximam dos € 400, eu então ainda vou esperar  algum tempo, presumo que até o início de 2017, aumentando apenas o preço dos  motociclos de momento”; 41.3 Posteriormente, em 16 de Outubro de 2016, esta Escola deu conta, através de mensagem de correio electrónico, “Como já tinha referido no meu e-mail anterior, a cata [carta] de cat. B na x…, encontra-se nos valores ainda acima daquilo que foi pedido na 343 reunião, logo irá manter-se como está, apenas vamos aumentar os motociclos para já. No entanto a nossa preocupação mantém-se, a quem não cumprir o que acontece? O que fazer a alguém que meta o preço nos valores pedidos e depois ande a meter nas caixas de correio vales de 100 €?” (fls. 216 e 217). 41.4 Em mensagem de correio electrónico de 23 de Outubro de 2016, a Escola de Condução X… referiu que “enquanto a A… não disser quais são as sanções e garantir que as vai cumprir, eu não aumento os meus preços…lamento”; 41.5 A Escola de condução F…, em 11 de Outubro de 2016, por mensagem de correio electrónico, reponde “vamos a frente”; 41.6 A Escola de Condução M…, através de mensagem de correio electrónico de 11 de Outubro de 2016, indicou que “vamos manter este acordo porque é importante para todas as escolas sem exceções”; 41.7 A Escola de Condução P… referiu, através de mensagem de correio electrónico de 11 de Outubro de 2016, que “a União faz a força!, vamos lá cumprir com o acordo para o bem de todos nós e unir para que a nossa classe tenha mais credibilidade!”; 41.8 A Escola de Condução E…, em mensagem de correio electrónico de 24 de  Outubro de 2016, questionou R… sobre se “o acordo para os valores das cartas  incluem os exames ou são taxados à parte? É essa a nossa dúvida”.
42.- A Escola de Condução E… manifestou explicitamente o seu desacordo, respondendo à mensagem de correio electrónico enviada por R… no dia 29 de  Setembro de 2016, nos seguintes termos: “Foi com espanto que recebemos o email infra remetido na passada 5ª feira, dia 29/09/2016, a mando do presidente da A…, com instruções para cumprir relativas a um aumento generalizado dos preços da carta de condução. Assim, pelo presente esclarecemos que não participamos em quaisquer negociações relativas a esse aumento de preços, não aceitamos implementar qualquer medida que não passe pelas medidas por nós definidas para o harmonioso desenvolvimento da atividade das nossas empresas, e muito menos nos revemos no conteúdo desse email, ou em qualquer ameaça velada, designadamente no que respeita ao recurso da “persuasão” que aí e como aí vem mencionada. “Sem outro assunto, apresentamos os melhores cumprimentos, “A Gerência “Dr.ª Filomena….”
Da monitorização dos preços comunicados pela A…:
43.-Posteriormente, como solicitado na mensagem de correio electrónico de 29 de Setembro de 2016 supra, algumas escolas de condução monitorizaram a implementação dos valores comunicados pela A…;
44.- Neste sentido, oito escolas de condução informaram R… sobre eventuais incumprimentos na implementação dos aumentos de preços comunicados pela A…, quer remetendo cópia dos folhetos que publicitavam valores reduzidos, quer informando apenas do eventual incumprimento;
45.- Estas situações foram reportadas, em particular, pela Escola de Condução  1…, Escola de Condução X…, Escola de Condução C…, Escola de Condução B…, Escola de Condução I…, Escola de Condução A…, Escola de Condução A P… e pela Escola de Condução Ebe…;
46.-Neste contexto, R… contactou as escolas que alegadamente estariam a incumprir os valores previamente estabelecidos, com o fim de confirmar tal situação e, nesse caso, persuadir a escola correspondente a praticar o preço definido;
47.-Uma vez verificadas as situações denunciadas, R…, através de mensagem de correio electrónico datada de 11 de Outubro de 2016, comunicou às 173 escolas de condução, identificadas no anexo 4 da decisão administrativa, cujo teor se considera reproduzido, ter o próprio verificado que a grande maioria das escolas de condução estavam a cumprir com os aumentos de valores determinados na mensagem de correio electrónico de 29 de Setembro de 2016, nomeadamente o grupo de escolas de condução S…, a Escola de Condução R… e a Escola de Condução P…, escrevendo o seguinte: “Exmos Senhores “Após a receção dos vossos emails, denunciando algumas escolas que não tem cumprido com o acordado nos preços da carta abordado na reunião na A… no dia 28 de Setembro, após verificar e constatar alguns preços da carta de condução em algumas escolas, quero alertar o seguinte: “O maior grupo de escolas de condução (Segurança M…) teve a hombridade de subir o preço da carta de condução da categoria B para o valor mínimo de 325 € e tem mantido desde o dia 1 de Outubro de 2016. (Foi confirmado por mim- R…) “A escola de condução R… tem a categoria B com o valor de 385€ e a escola de condução P… com o valor de 325€, ambas as escolas do Sr. Ma… (Foi confirmado por 409 mim- R…) “Para quem apontava o dedo a estes grupos e não está a cumprir seria bom pensar um pouco!! “A grande maioria das escolas está a cumprir o acordado! “Assim, reforço que é necessário fortalecer a confiança na subida generalizada dos preços da carta de condução. […] “Para quem ainda não está a cumprir, convido a reforçar a confiança da nossa classe subindo o preço da carta, uma vez que o preço mínimo de 300€ ainda é um preço prejudicial! “[…] não é com desconfiança crónica e acusações que conseguimos fortalecer a nossa classe. “Que possamos todos dar o passo da confiança e da tolerância por forma a dar coragem a os outros para fazer o mesmo! […] “Atenciosamente “O Responsável do Centro de Exames da A… “R….”.
48.- Em 4 de Novembro de 2016, a Escola de Condução Ebe…, através de  mensagem de correio electrónico, informou a A… que estava, conjuntamente com a Escola de Condução P…, a cumprir os aumentos de preços acordados;
49.- A Escola de Condução A…, em 11 de Outubro de 2016 e a Escola de  Condução X…, em 4, 16 e 23 de Outubro de 2016, informaram R… que não tinham necessidade de aumentar os seus preços no caso da categoria B, atendendo a que os valores que praticavam, nesse momento, eram já superiores ao valor mínimo estabelecido na reunião de 28 de Setembro de 2016;
50.- A maior parte das escolas de condução apenas implementaram o primeiro dos aumentos comunicados pela A…, em Outubro de 2016, sendo que a tentativa de implementação dos preços pelas escolas de condução em conformidade com o acordado na reunião não durou mais do que três meses;
50.- Contudo, tendo tido o acordo em causa nos autos início em 28 de Setembro de 2016 e permanecendo em vigor até à data da decisão administrativa, a infracção teve uma duração equivalente a 1 (um) ano completo;
51.- Ao adoptar as condutas descritas, a A… agiu de forma directa, livre, consciente e voluntariamente;
52.- A A…, adoptando um conjunto de medidas destinadas a fixar o preço mínimo para a obtenção da carta de condução com a intenção de limitar, de forma sensível, a concorrência entre as escolas de condução, e uma vez que tendo conhecimento da legislação aplicável e sabendo que a sua actuação era proibida por lei, não se absteve de adoptar os comportamentos dados como provados tendo querido realizar todos os actos necessários à sua verificação, e abstendo-se, igualmente, até a este momento, de praticar os actos necessários à sua cessação;
53.- Al…, na qualidade de presidente da A…, teve conhecimento directo da decisão da A… que tinha por objectivo a fixação de um preço mínimo para a obtenção da carta de condução de qualquer categoria de veículo, na zona de Grande Lisboa e Setúbal e que tal consubstanciava uma prática restritiva da concorrência, estando consciente do objecto anti concorrencial dessa prática;
54.- Ainda assim não adoptou qualquer diligência ou medida tendente a pôr termo a tal decisão, adoptando, pelo contrário, todas a medidas disponíveis para conseguir que o maior número de escolas de condução aderissem aos termos da decisão adoptada pela A…, em 28 de Setembro de 2016, omitindo, intencionalmente, o seu dever de pôr termo àquela decisão de A…, sendo o responsável pela definição dos respectivos parâmetros, sua implementação e execução.
- Outros factos com relevo para a boa decisão da causa:
55.- A A… tem tido um papel fundamental na realização de exames de 461 condução, em substituição da antiga DGV e na apresentação de propostas e sugestões junto de entidades com responsabilidades na circulação rodoviária, com vista ao melhoramento dos regimes vigentes, mesmo junto da própria Assembleia da República;
56.- Sendo a A… responsável pela realização de exames de condução, a reprovação em crescendo nos exames realizados, a manifesta impreparação dos alunos e o perigo que tal traz para a circulação rodoviária foi uma preocupação da Arguida, chegando à suposição que tal poderia advir dos preços manifestamente baixos dos custos das cartas e a necessidade de os alunos repetirem e voltarem a repetir aulas e exames para conseguirem obter a carta de condução – ou seja, que as escolas poderiam estar a promover intencionalmente o mau ensino da condução (teórica e prática) com o objectivo de levar os alunos, como vem sucedendo há já vários anos, a sucessivas repetições de aulas e de exames, com os inerentes adicionais pagamentos;
57.- O IMT manifestava preocupação pelos preços praticados por algumas escolas de condução (por vezes pouco mais de € 100,00 para obtenção de uma carta, incluindo todos os custos administrativos que tal comporta) e o facto de haver um aumento muito significativo de reprovações nos exames teóricos e práticos de condução;
58.- Do grupo das chamadas grandes empresas, apenas uma compareceu na  reunião de 28.09.2016 (a Escola Ra…);
59.- A Escola de Condução V… teve um volume de negócios de €  21.627,23, em 2016;
60.- A Recorrente A… apresentou, por referência ao ano de 2019, um total de rendimentos de € 1.290.020,07, um total de gastos de € 1.289.386,78 e um resultado líquido do período de € 522,55;
61.- Teve, em 2019, um número médio de trabalhadores ao serviço de 20;
62.- O Recorrente Al…, por referência ao ano de 2019, auferiu rendimentos a título de trabalho dependente e pensões no valor € 126.749,88, a título de rendimentos prediais o valor de € 60.068,87.

Fundamentação de Direito

As coimas aplicadas à A… e a Al… pela AdC são adequadas e proporcionais às necessidades de prevenção geral e especial, pelo que devem ser confirmadas?

A Recorrente verbalizou expressamente pretender circunscrever o recurso «à parte da Sentença respeitante à redução medida da coima» por «o resto não» lhe merecer «qualquer censura». A questão proposta e ora objecto de ponderação encontra-se, consequentemente, circunscrita à reavaliação das operações de determinação da medida das sanções, estando totalmente afastada a análise do tema constante da al. A) da decisão impugnada, com o seguinte teor: «A) Enquadramento jurídico-contra-ordenacional dos factos – Da prática pelos Recorrentes da contra-ordenação prevista e punível pelas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do RJC» e sendo exclusivo objecto de reanálise a parte da decisão intitulada pelo Tribunal «a quo» de «B) DA MEDIDA DA COIMA».

Estão excluídas do debate jurisdicional temáticas não introduzidas no recurso pela Recorrente, logo desprovidas de interesse para a decisão a proferir.

Nas suas alegações de recurso, a Recorrente pareceu sustentar existir falta de fundamentação no domínio da definição da medida concreta das sanções (pela via da omissão da indicação das circunstâncias de sustentação da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa). Faltaria, na sua tese, a indicação do percurso lógico conducente à redução das coimas aplicadas pela AdC aos Arguidos A… e Al…. Porém, não invocou qualquer nulidade da sentença, como sempre teria que fazer se realmente acreditasse no invocado e pretendesse obter, através do mecanismo processual apropriado, a correcção do alegado vício – cf. o disposto na al. a) do n.º 1 do  art. 379.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do  art. 41º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO). Está, consequentemente, afastada a ponderação desta semi-arguição, aliás desprovida de sustentação no ocorrido nos autos já que o Tribunal alinhou, com suficiência, as razões que, na sua perspectiva, justificavam a definição da medida concreta das punições por si impostas e sendo que nunca se poderia falar, por tal facto, em falta absoluta de fundamentação, a única que relevaria em sede de materialização de eventual nulidade. O mais, sempre seria questão relativa à procedência e à verificação da validade do juízo.

A Recorrente identificou adequadamente a norma que – coberta pelo princípio da legalidade que sempre deve parar sobre processos do jaez do presente [vd. os n.ºs 1 e 3 do  art. 29.º da Constituição da República Portuguesa e o disposto no  art. 2.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO)] – continha o regime relevante para a determinação da aludida medida concreta: o artigo 69.º da Lei da Concorrência. Era aí que se concentrava o sistema normativo a aplicar no domínio que ora nos ocupa, sendo o mais correspondente a regras que se impõem à Administração, de relevo interno, que permitem compreender os mecanismos utilizados e as linhas de raciocínio do órgão sancionador mas que não se encontram cobertas por aquele princípio por não integrarem as normas «penais», ou, de forma mais precisa, os preceitos de definição da reacção ao ilícito desenhada pelo Direito de mera ordenação social nem se mostrarem dimanadas do órgão investido do poder legislativo em matéria sancionatória contra-ordenacional.

Não existe, aliás, in casu, necessidade de recurso a outros critérios, já que o apontado  art. 69.º contém, em «grão fino» e preciso, todas as condições para estear uma justa, adequada e proporcionada definição da medida concreta da punição.  Aliás, como não podia deixar de ser, a atribuição de «vis» regulatória feita no n.º 8 do apontado artigo reporta-se à metodologia e não à substância dos critérios de definição das medidas sancionatórias efectivas que são, como sempre se imporia concluir, os definidos pela lei que preveja o tipo objectivo e subjectivo, a sanção e a sua forma de determinação.

Não tem, neste contexto, razão de ser a chamada à colação de jurisprudência das instâncias jurisdicionais da União Europeia para confirmar estes ou encontrar encontrar outros critérios de definição das sanções, no caso que nos ocupa. O acima concluído não colide nem com essa jurisprudência nem com o direito constituído da União (sequer, no muito específico sector regulatório da concorrência que convoca uma intervenção reforçada e mais musculada da Instituição da UE investida em funções executivas e não legislativas, ou seja, da Comissão Europeia).

Menos sentido parece assumir a invocação dessa jurisprudência para demonstrar o óbvio e pacífico nos autos logo à luz do Direito nacional constituído, designadamente estarmos perante infracções objectivamente muito graves e ser não exaustivo o enunciado de critérios lançado no art. 69.º da LdC, face ao uso do vocábulo «nomeadamente». Este carácter não taxativo não convoca, no entanto, por diversidade de objecto e desfocagem da fonte, regras adoptadas pela entidade administrativa investida de poderes sancionatórias, relativas à metologia  e não aos critérios relativos à determinação da medida das coimas que sempre são, por força do estatuído no n.º 6 do  art. 69.º da LdC, os definidos nessa lei.

Tem razão a Recorrente ao afirmar que «a infração cometida pela A… é pelo objecto, (…) muito grave e praticada a título doloso». Mas isto mesmo afirmou o Tribunal «a quo», com inteira razão, ao inscrever que: «A fixação de um preço mínimo concertadamente é uma das infracções primárias, mais graves (as chamadas hardcore) do direito da concorrência». Não é, pois, por este caminho, por si só, que se logrará atingir noção das razões do descolamento de entendimentos quanto às sanções a impor. 

Diz  a Recorrente que a infração se mantém até à presente data. A este nível, porém, inova face aos factos provados e, consequentemente, vai longe demais atentos os limites impostos pelo Direito adjectivo constituído. O que se provou foi que «Contudo, tendo tido o acordo em causa nos autos início em 28 de Setembro de 2016 e permanecendo em vigor até à data da decisão administrativa, a infracção teve uma duração equivalente a 1 (um) ano completo». Não mais do que isto se patenteou, pelo que não podia a Recorrente criar um facto para com base nele divergir. Era ao Tribunal que cabia fixar os factos demonstrados.

É aceitável que se conclua, com o fez a Recorrente, que os Arguidos revelaram «especial insensibilidade quanto aos bens jurídicos tutelados pelas normas de defesa da concorrência».

Da mesma forma se vislumbra adequação ao apurado nos autos na referência pelo mesmo vertida nas conclusões, com o seguinte teor: «Al…, como supra se referiu, instigou e participou ativamente, em nome e representação da A…, na perpretação da infração promovendo a fixação de preços das cartas de condução para todas as categorias de veículos(...) não tendo adotado qualquer diligência que impedisse a infração ou a sua execução mesmo sabendo que a mesma constituía uma prática ilícita».

Já fica por explicar e entender como uma entidade administrativa que, em situações do jaez da presente, tem que se converter em órgão que emule uma intervenção jurisdicional e esforçar-se por estar à altura dessa actividade, não tenha colocado as circunstâncias relevantes nos dois «pratos da balança» e apenas tenha porfiado, na decisão que proferiu e no recurso, por atender a circunstâncias agravantes e descurado as de sinal oposto, insistindo em seguir as suas «Linhas de Orientação» mas não revelando preocupações de justiça, proporcionalidade e adequação.

Neste âmbito, não se logra compreender como atingiu a AdC sempre as sanções situadas nos seus limites máximos, como se fosse este o caso mais grave com se poderia ter deparado e não existissem quaisquer circunstâncias compressoras da severidade das punições reclamadas.

Já o Tribunal «a quo» esteve à altura do que se esperava de um verdadeiro órgão de Justiça: a tudo atendeu, não assumiu postura desequilibrada e desproporcionada, não abstraiu dos distintos interesses a ponderar e visou, efectivamente, administrar Justiça.

Foi por assim ser que atendeu, do lado do agravamento sancionatório, às seguintes circunstâncias:
a.-Carácter muito grave da contra-ordenação imputada (que declarou presumir assumir efeitos restritivos da concorrência com dispensa de demonstração dos concretos efeitos gerados no mercado relevante);
b.-É muito abrangente o universo dos clientes potencialmente abrangidos no restrito e muito específico mercado específico, sendo também de muito alargado âmbito os efeitos potenciais das condutas (sensibiliza, neste domínio, face ao seu acerto, a referência do Tribunal «a quo» ao facto de que, os moldes da conduta determinariam, em potência que o cliente «dificilmente teria outra escola a onde pudesse recorrer»;
c.-Foi de um ano a duração dos comportamentos ilícitos até à aplicação das sanções objecto de recurso jurisdicional, sinalizadoras do desvalor dos comportamentos;
d.-Materializa-se a apontada autoria imediata por parte dos Arguidos;
e.-A A… beneficiou, através da conduta que lhe é censurada, de uma aparência de diligência e empenho na protecção dos interesses económicos dos seus associados;
f.-Não foi provada a prática de qualquer acto pelos Arguidos no sentido da supressão das acções ilícitas e menos de reparação de eventuais efeitos nefastos;
g.-Não se revelou que os visados ora Recorrentes tenham assumido uma postura de auto-censura e reprovação da sua conduta;
h.-A actuação dos agentes com dolo directo e muito intenso.

Mas também não ignorou o circunstancialismo de sinal oposto, a saber:
a.-O não apuramento dos efeitos concretos para o mercado para além das incipientes consequências notadas nos três primeiros meses (sendo que, a este nível, é fundamental não cometer o erro elementar de confundir a irrelevância dos efeitos concretos para a emergência da noção da muito grande gravidade do ilícito – atenta a independência do objecto – com a necessidade de se considerar os efeitos produzidos, já não no âmbito da aferição da ilicitude mas no contexto da definição fina da medida concreta da pena);
b.-A circunscrição regional da intervenção ilícita, ainda que tratando-se da capital do País, onde seria razoável admitir que existisse o mais relevante mercado nacional (numa perspectiva económica e demográfica), com expressão na clientela potencial bem como no efeito ulterior de contaminação de outros mercados;
c.-A não demonstração de benefícios económicos para os prevaricadores;
d.-A ausência de antecedentes na violação das regras da concorrência;
e.-A colaboração prestada à AdC durante o procedimento e até ao seu termos.

Tem relevo, com vista à graduação das sanções, a situação económica dos visados que emerge dos factos provados e foi enunciada nas linhas 2128 a 2133 da sentença.

Neste quadro, assinalado por referentes de sinal oposto quanto à formação da convicção relativa à fixação das sanções, não assume qualquer aceitabilidade que se ignore em absoluto uma das vertentes, ou seja, a atenuante (situação que ocorreu, manifestamente, na operação avaliativa realizada pela AdC já que, caso não tivesse sido realizada uma operação administrativa mecânica e orientada para finalidades específicas do órgão decisório, logo desinteressada do acto de adminstrar efectiva Justiça e da exigência de proporcionalidade, nunca se teria atingido os limites máximos das sanções).

São adequadas as referências de enquadramento feitas na sentença impugnada quanto aos elementos de base das operações de definição da dimensão concreta das sanções, que ora se referem:
1.- «Decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 68.º e do n.º 2 do artigo 69.º do RJC que a contra-ordenação cometida pela A… em causa nos autos é punível com coima cujo limite máximo da respectiva moldura não pode exceder 10% do volume de negócios agregado das empresas associadas realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da  Concorrência»;
2.- «Por seu turno, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 68.º e do n.º 4 do artigo 69.º do RJC, a moldura da coima aplicável à conduta praticada pelo Recorrente Al… tem como limite máximo o valor correspondente a um valor que não pode exceder 10% da respectiva remuneração anual auferida pelo exercício das suas funções na associação infractora, no último ano completo em que se tenha verificado a prática proibida».
3.-A coima aplicável à A… tinha como limite máximo 403.153,65 Eur e, «no caso de Al… », oscilava entre  € 3,74 a € 15.007,34 (por não resultar de outra norma o afastamento do estabelecido no n.º 1 do art. 17.º do RGCO);

A Recorrente louva-se no facto de «as coimas aplicadas não» excederem, «respectivamente, os 10% do volume de negócios agregados da empresas associadas da A… nem excedem os 10% do valor da remuneração auferida por Al… no ano anterior à emissão da Decisão da AdC, pelo que, com base na matéria de facto dada como provada e a fundamentação (quase inexistente) para a sua redução» pelo que as mesmas «deveriam ser mantidas nos termos constantes da Decisão da AdC».

Sobre esta referência, importa patentear que a mesma surge desfocada. Com efeito, não está em causa saber se se ultrapassou o limite máximo da sanção já que não estamos a falar de ilegalidade da definição da punição concreta por ultrapassagem do limite da condenação permitida por lei mas de erro de aferição da resposta sancionatória. Esta, como é óbvio e manifesto, por não ultrapassar os limites legais da moldura «penal» abstracta não se torna, ipso facto, acertada e justa.

Quanto à conformidade com os comandos da Justiça, proporcionalidade e adequação decisória, extrai-se como seguro que, ao atender apenas aos factores circunstanciais agravantes até atingir o máximo das sanções, a AdC não fez Justiça, foi parcial e não aplicou o Direito constituído com acerto. Não podiam, pois, subsistir as condenações por si impostas.

Este quadro flagrante e insofismável não torna, porém, por si só, acertada a decisão do Tribunal «a quo», que tinha que atender a rigorosos critérios de adequação e proporcionalidade não podendo furtar-se à «pesagem» e cotejo das distintas e contrárias circunstâncias e ao balanço seguro e globalizante dos elementos agravantes e atenuantes envolvidos no juízo.

Neste quadro, importa referir, por reporte ao conjunto de circunstâncias de sinais distintos acima enunciado, que são preponderantes, assumem número e peso intrínseco mais relevante e sensibilizador as circunstâncias agravantes. Por assim ser, não se compreende nem pode aceitar a fixação da pena concreta da A… em metade da coima possível, como se houvesse um equilíbrio de circunstâncias.

No que tange ao cidadão visado, tem que se assumir que a sua intervenção activa, com domínio pleno da actividade sancionada quer ao nível da eclosão do processo quer da sua prossecução e permanência impõem não só uma sanção proporcionalmente superior à devida à A… que o mesmo criou e gere mas também um incremento que a aproxime mais da sua dimensão máxima.

As finalidades das sanções relativas ao afastamento da prática ilícita por terceiros através do aviso à comunidade que constitui a sanção bem como o objectivo fulcral de garantir a não reiteração do in re illicita versatur justificam uma mais severa punição (suficientemente afastada, claro, face ao dito, da não criteriosa e injusta aplicação sistemática de penas máximas com abstracção das circunstâncias do caso concreto e das adequadas regras de julgamento).

Neste contexto e atendendo ao disposto no art. 69.º da LdC, particularmente nas várias alíneas do seu n.º 1 (todas avaliadas nos termos plasmados) e nos n.ºs 2 e 4 do mesmo preceito, conclui-se ser adequada a fixação da coima a impor à A… em 320.000,00 EUR e a da coima relativa a Al… em 14.000,00 EUR.

III.–DECISÃO

Pelo exposto, julgamos o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
1.–Condenamos a A…, pela prática de uma infracção às regras da concorrência prevista e punida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, pela alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º e pelo artigo 69.º, todos do Regime Jurídico da Concorrência, na coima de 320.000,00 (trezentos e vinte mil euros);
2.–Condenamos AL…, pela prática de uma infracção às regras da concorrência prevista e punida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, pela alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º, pelo artigo 69.º e pelos n.ºs 1 e 6 do  art.73,º, todos do mesmo Regime Jurídico da Concorrência, na coima de 14.000,00 (catorze mil euros);
3.– Mantemos, quanto ao mais, a sentença impugnada.
Custas pelos ora Recorridos, fixando-se a taxa justiça devida por cada um  deles em 5 UCs.


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Lisboa, 04.11.2021



Carlos M. G. de Melo Marinho - (Relator)
Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa - (1.ª Adjunta)