Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2583/15.1T8SNT.L1-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – As normas que regem o PER devem ser interpretadas restritivamente, no sentido de que esse processo especial não é aplicável às pessoas singulares que não sejam comerciantes, empresários ou que não desenvolvam uma actividade económica por conta própria.
II - Essa é a solução que se revela compatível com o objectivo anunciado pelo legislador, de promover a revitalização ou recuperação do tecido empresarial e, assim, dos agentes económicos que nele se integrem, privilegiando a manutenção dessa actividade económica, em detrimento da liquidação do seu património, o que não seria passível de ser alcançado através de pessoa que não seja comerciante, empresário ou que não desenvolva uma actividade económica por conta própria.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

A. e B. apresentaram-se e vieram requerer e submeter-se processo especial de revitalização tendo, no seu âmbito, proposto a aprovação de plano de recuperação conducente à sua revitalização, juntando para o feito acordo extrajudicial.
Foi nomeado administrador judicial provisório, foi junta aos autos a lista provisória de créditos a que alude o artigo 17º D do CIRE, “ex vi” do artigo 17º-I do mesmo diploma, a qual não foi impugnada.
Nenhum credor apresentou qualquer requerimento nos termos do artigo 216º do CIRE (“ex vi” do nº 4 do referido artigo 17º-I).
Foi junta aos autos a contabilização dos créditos.
Foi apresentado a tribunal o acordo alcançado, tenho o mesmo sido homologado por sentença, nos seguintes termos:
«(…).
D) Dispositivo.
Em face do exposto supra, e uma vez que inexistem motivos que determinem a recusa oficiosa do acordo apresentado – nos termos do artigo 215º do CIRE – decido, ao abrigo do disposto no artigo 17º-F, n.º 5 do CIRE, homologar por sentença o acordo de recuperação apresentado pelos devedores A. e B., com os NIF respectivos de 2………… e 2…………, residentes na Av. J., em Rio de Mouro.
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações – artigo 17º-F, n.º 6, do CIRE.
Nos termos do artigo 17º-F, n.º 7 do CIRE (ex vi do artigo 17º-I, n.º 6), mais condeno o Devedor no pagamento das custas devidas pelo processo de homologação, diligenciando-se em conformidade com o referido no n.º 6, parte final do mesmo normativo.
(…)
Inconformado com tal decisão, veio o credor Banco P., S.A. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:
«1 - O presente recurso tem por objecto o douto despacho de 22-09-2015, o qual homologou o acordo de pagamento entre os supra identificados Devedores e todos os seus Credores reclamantes.
2- Ora face ao plano de revitalização apresentado, e depois de o aqui Recorrente ter votado contra o mesmo, foi este homologado, porquanto o Tribunal a quo considerou que o mesmo respeitava a maioria prevista no artigo 17º-I, nº 4 do CIRE e não subsistiam quaisquer das circunstâncias previstas nos e não se verificavam quaisquer das circunstâncias previstas nos artigos 215º e 216º.
3 - Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o Mº Juiz a quo não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.
4 - Tal decisão, salvo o devido respeito para entendimento diferente, não aprecia a legitimidade de quem requer tal plano, nem analisa o conteúdo do mesmo e a sua expressão na esfera económica dos credores, sopesando apenas a votação dos mesmos.
5 - Os Devedores, aqui Requerentes, alegando encontrarem-se em situação económica difícil, recorreram ao processo especial de revitalização, como expediente para a sua recuperação económica.
6- Porém, considera o ora Recorrente que tal instituto não lhes é aplicável, porquanto, atento o espirito da lei e a sua ratio, o mesmo destina-se apenas a devedores empresários e não a quaisquer outras pessoas singulares.
7 - Ora, o Processo Especial de Revitalização, introduzido no ordenamento jurídico português pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, pretendeu e pretende consubstanciar-se num mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual.
8 - A situação económica difícil obriga a procurar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao desaparecimento dos agentes económicos, de forma a por cobro à extinção de oportunidades comerciais, que dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas – cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011.
9 - Claro se mostra então, que tal processo foi criado em torno e para recuperação dos agentes económicos, ou seja, de comerciantes, de empresários ou de quem exerce uma actividade autónoma e por conta própria gera receita e/ou cria emprego, não sendo aplicável a pessoas singulares que não sejam devedores empresários.
10 - Sucede que, os Devedores em questão, atentos os documentos juntos com a petição inicial, nomeadamente a declaração de IRS, apresentam rendimentos da categoria A.
11 - Ou seja, para além de pessoas singulares, os Devedores em questão são trabalhadores dependentes, o que a contrário significa não serem os mesmos agentes económicos nos termos supra referidos.
12 - Assim, e para devedores pessoas singulares não empresários existem no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas outros mecanismos legais a que podiam os mesmos recorrer, e que oferecem uma resposta às situações económicas comprovadamente difíceis mas recuperáveis, como seja a apresentação à insolvência com plano de pagamentos prevista nos art.º 249º do CIRE.
13 - Face ao exposto, o presente processo especial de revitalização, por não ser o meio processual idóneo e carecerem os Devedores de legitimidade para o efeito, deve ser extinto.
14 - O aqui Recorrente celebrou com os Devedores A. e B., um contrato de mútuo, através do qual financiou a aquisição do veículo automóvel com a matrícula 63-…-…, marca X.
15 - O referido contrato estipulava a constituição de uma reserva de propriedade sobre o bem financiado, a qual se encontra plenamente registada em nome do Apelante.
16 - Porém, vendo-se os Devedores impossibilitados de cumprirem as obrigações para com os seus credores, nomeadamente o aqui Apelante, recorreram ao presente instituto de forma a renegociar os pagamentos das mesmas.
17 - O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor estabelecer negociações com vista ao estabelecimento do referido acordo de reestruturação.
18 - Destarte, é princípio transversal de todo o processo especial de revitalização, o que resulta da própria letra da lei – cf. Capitulo II do CIRE -, a negociação entre Devedores e Credores.
19 - É este princípio que permite a tal processo ver cumprido o seu escopo: o primado da vontade das partes, ou seja, possibilita a Devedores e Credores, conjuntamente, delinearem um plano de pagamentos concertado em que as legitimas expectativas de ressarcimento dos mesmos estejam ali materializadas.
20 - Acresce que, de acordo com o disposto no nº 10 do art.º 17º-D do CIRE, durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro.
21 - Pelo quee cumpre desde logo destacar os seguintes princípios:
“Primeiro Principio – O procedimento extrajudicial de recuperação de devedores corresponde às negociações entre o devedor e os credores envolvidos, tendo em vista obter um acordo que permita a efectiva recuperação do devedor. (…)
Segundo Principio - Durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos.”.
22 - Contudo, e como se logrou demonstrar, não houve qualquer iniciativa de negociação por parte dos Devedores com o aqui Recorrente.
23 - Nunca lhe foi remetido o draft do plano de revitalização para apreciação e correspondente pronuncia, apesar do mesmo ter sido solicitado.
24 - Nunca foi impetrada qualquer tentativa de contacto com o Apelante, nem colhida a sua opinião.
25 - Além disso, dispõe o oitavo princípio que “ Toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível.”.
26 - Ora, tendo havido partilha de informação, certamente que o aqui Apelante ficou excluído da mesma, uma vez que nada chegou ao seu conhecimento.
27 - Assim, sendo o móbil do processo especial de revitalização o necessário contacto, colaboração e negociação entre Devedores e Credores, o único impulso activo para o efeito foi dado pelo aqui Apelante, exercendo um direito que decorre de resto da própria lei – cf. art.º artigo 17.º - D, nº 7 - ao manifestar interesse em participar nas negociações e solicitar o draft do plano para se poder pronunciar, e solicitando, no decurso do prazo de negociações, o seu envio, nunca tendo efectivamente recebido qualquer resposta por parte do mesmo.
28 - Há assim uma clara violação não negligenciável das normas imperativas do art.º 17.º-D, n.º 6 e nº 10, do CIRE e do art.º 17º F do CIRE.
29 - É patente e relevante então, que tais normas foram violadas, o que se traduziu apenas na total exclusão do aqui Apelante de todo o período negocial.
30 - Ademais, nos presentes autos, não foi publicada a deliberação dos credores quanto ao plano de recuperação apresentado, foi omitida a formalidade legalmente prescrita no disposto no art.º 213º do CIRE, aplicável ex vide art.º 17º F, nº 5 do referido diploma legal.
31 - Dispõe o artigo 195º, do CIRE, nos números 1 e 2, o seguinte:
“1. O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.
2. O Plano de Insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos necessários e relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo Juiz, nomeadamente:
a) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor;”.
32 - O Devedor clausulou quanto ao aqui Apelante que o pagamento de apenas 50 % do capital reclamado será feito em 60 prestações mensais, após o período de carência de capital e juros de 12 meses.
33 - Além disso, não indica claramente a alteração jurídica efectuada à posição dos Credores, bem como quais os efeitos relativos às garantias prestadas.
34 - Acresce que, em relação ao credor Novo Banco, S.A., o qual reclamou um crédito comum, relativo a uma conta corrente (revolving), não se prevê o pagamento nos mesmos termos dos restantes credores em situação similar, in casu credores comuns, prevendo-se a continuação do seu pagamento nos exactos termos e condições decorrentes do preçário em vigor na instituição.
35 - Ora, do conteúdo do plano não é possível ao Recorrente compreender a razão de tal discriminação.
36 - Sucede que, a supra citada Resolução do Concelho de Ministros nº 43/2011, de 29/09:
“VI - A ofensa, pelo plano, do princípio da igualdade dos credores constitui uma violação não negligenciável e, consequentemente, causa fundada de recusa da sua homologação.”.
37 - É então patente que tal prescrição legal foi violada, sendo ainda manifesto que nem sequer o porquê de tal violação se encontra justificado.
38 - Desta forma, não pode ser assim homologado o presente plano, por força dos artigos 17º F, nº 5, 195º, nº 1 e 2 e 215º do CIRE e nº 2 do art.º 18º da CRP.
39 - Ora, Plano de Revitalização prevê quanto à aqui Apelante e conforme já foi supra descrito: Pagamento de 50 % do montante reclamado, em 60 prestações, pós o período de carência de capital e juros de 12 meses, a contar do deferimento de pagamento em prestações da conta do tribunal dos presentes autos.
40 - A supra referida cláusula é nula, na medida em que os Devedores pretendem, com a mesma, que o Plano de Recuperação produza efeitos após o diferimento do pagamento da conta do tribunal em prestações, e não com a homologação do plano em questão.
41 - Dispõe o art.º 217, do CIRE, o seguinte:
“1 – Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados.
2 – A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, (…), desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente, (…)”.
42 - Do exposto decorre que os Devedores violaram, e violam, com a supra referida cláusula, o princípio estipulado no art.º 217, do CIRE, de que apenas a Sentença Homologatória confere eficácia aos actos e negócios previstos no Plano de Recuperação, ao pretender atribuir esses mesmos efeitos - cumprimento do plano - a outro evento, o qual não se encontra ainda determinado.
43 - Ou seja, não se alcança então, a partir de quando é que efectivamente iniciar-se-á a contagem do prazo para cumprimento do plano.
44 - Aliás, cumpre até questionar se caso o pagamento em prestações da conta não seja deferido, serão pagos os credores comuns e em que moldes.
45 - O Plano Especial de Revitalização tem, por imperativo legal, espelhar a forma concreta e determina de pagamento aos Credores e o prazo do mesmo, produzindo os seus efeitos a partir da sua homologação.
46 - Assim, e nos termos do art.º 215, do CIRE, aplicado ex vi legis, do n.º 5, do art.º 17 – F, do CIRE, deverá ser recusada oficiosamente a homologação do Plano de Revitalização apresentado pelos Devedores, no presente Processo Especial de Revitalização, face à manifesta violação, absolutamente não negligenciável, de regras procedimentais cuja violação permitirá aos Devedores obterem a eficácia de actos e negócios previstos no actos e negócios previstos no Plano de Recuperação com a atribuição do prazo de cumprimento das suas obrigações a um evento futuro que não a homologação do mesmo.
47 - Dispõe o art.º 17º- A do CIRE, no seu nº 1, que o “ O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização.”.
48 - Trata-se de um verdadeiro processo negocial colectivo, o qual tem como fim a recuperação do Devedor através da reestruturação concertada dos seus débitos junto dos Credores.
49 - Sucede que a solução aqui espelhada, não pode ser vista como construtiva e muito menos, satisfatória para o aqui Apelante e de resto, para qualquer um dos Credores em situação similar.
50 - Atentando ao crédito reclamado pelo Banco P., no valor de 12.126.38 €, havendo um perdão de 50 % do mesmo, o Credor Reclamante apenas receberá o montante de 6.063,11 €, tendo de aguardar 12 meses de carência para receber esta ínfima parte do montante em dívida.
51 - Ora, tal solução consubstancia um perdão imposto unilateralmente imposto ao aqui Credor de – 6.063,11 €. 52 - A aceitação da proposta apresentada, para além de atentar contra a boa-fé, traduz-se num verdadeiro abuso de direito, afigurando-se como uma cobertura legal para o incumprimento contratual.
53 - Além disso, existe uma verdadeira desproporcionalidade entre a recuperação do devedor e o sacrifício decorrente dela, imposto aos credores comuns, os quais são essenciais à sua recuperação.
54 - Se de facto um dos fins do Processo Especial de Revitalização é o de permitir que a recuperação económica do Devedor, a taxa de recuperação dos credores é o objectivo precípuo de qualquer processo previsto no CIRE.
55 - Ora, a intervenção no tráfego jurídico deve pautar-se sempre pelo cumprimento pontual dos compromissos assumidos, porquanto à contrário tal atitude produzirá efeitos nefastos e repercutir-se-á necessariamente na situação económica e financeira dos demais.
56 - Se é certo que a introdução deste tipo de processual especial teve em vista possibilitar ao devedor, em situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, a sua reabilitação, de forma a por cobro à extinção de agentes económicos, também terá de ser sopesado o prejuízo que a mesma comporta para os respectivos Credores.
57 - Cumpre não olvidar que a liquidez é o oxigénio da economia, e que assim como os Devedores, os Credores que com ele contrataram e que vêem, unilateralmente, os seus créditos serem reduzidos em 50 %, também carecem de meios para continuar a intervir no giro comercial.
58 - Admitirmos tal solução, consubstanciará um verdadeiro efeito de arrastamento para os Credores, não sendo economicamente encaixáveis tais perdas.
59 - Acresce que, a situação do aqui Apelante no âmbito do plano é mais desfavorável quando comparada com a liquidação dos Devedores – cf. alínea a) no nº 1 do art.º216º do CIRE, uma vez que, como já foi supra explano o mesmo detém reserva de propriedade sobre a viatura financiada através do crédito reclamado.
60 - Assim, se o processo seguisse, quer pela via da execução, quer pela via da insolvência, o Apelante teria a possibilidade de recuperar a viatura com reserva de propriedade a seu favor, reserva essa totalmente valida e eficaz, e utilizar o produto da venda da mesma para liquidação do crédito reclamado.
61 - Viatura essa que tem o valor Eurotax actual de venda de 7.850,00 €, ou seja, num cenário de liquidação, ainda que a mesma não seja suficiente para liquidar a totalidade da dívida, seria suficiente abater de imediato uma grande parte da mesma.
62 - Ademais, o cumprimento do plano não é certo e sendo as viaturas automóveis bens sujeitos a uma constante desvalorização, significa uma verdadeira perda de garantia para o aqui Apelante.
63 - O plano homologado viola assim, as legítimas expectativas e interesses subjacentes ao ressarcimento do aqui Apelante.
64 - Em face do exposto, o Plano de Recuperação apresentado pela Devedores deve ser recusado, na medida em que a situação do Banco P., ao abrigo do supra referido Plano, no caso do mesmo vir a ser aprovado, é menos favorável do que a que seria na ausência de qualquer Plano, nos termos do disposto no art.º 216º, nº 1 do CIRE.
65 - Impõe-se assim, a não homologação do plano apresentado pela Devedora, sob pena de violação do disposto nos artigos nº 3º, 17º F, nº 5, 20º, 192º, 215º. 216º e 217º do CIRE.
Nestes termos e, nos mais de direito aplicáveis que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a decisão do Tribunal “a quo” que homologou o plano de recuperação do devedor, substituindo-a por outra que recuse a homologação deste plano, Assim se fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA

Os requerentes devedores apresentaram contra-alegações, nas quais exibiram as seguintes conclusões:
«1. Não existe qualquer impedimento ao recurso ao PER por Pessoas Singulares
2. Os devedores através do seu mandatário e/ou das suas funcionárias informaram sempre todos os credores, do andamento das negociações, bem como dos possíveis conteúdos do plano, solicitando até sugestões dos mesmos, por forma a obter homologação e, tais informações foram sempre enviadas ao recorrente.
3. Não existiu qualquer violação de normas processuais, nomeadamente quanto aos procedimentos de homologação do Plano de Revitalização.
4. Não existe violação do Principio da Igualdade no Plano homologado.
5. O início dos pagamentos previstos no Plano Homologado, nada tem que ver com a produção dos efeitos do mesmo que se iniciam imediatamente após a publicação da sentença de homologação e assim foi feito.
Termos em que, deve ser mantida a decisão recorrida Com o que se fará JUSTIÇA»

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelo apelante e que se traduzem em saber se o PER pode ser aplicável a pessoas singulares não comerciantes; se os devedores no âmbito das negociações tendentes à elaboração do projecto de acordo deram conhecimento à recorrente da evolução daquelas e mesmo do projecto apresentado; se o projecto foi publicado; se o ora apelante foi descriminado negativamente e se a cláusula de tal plano relativa ao recorrente é inválida por prever que o pagamento que lhe caberá não tem início com a homologação do acordo, antes fica dependente da verificação dum facto futuro incerto – pagamento da conta do tribunal em prestações.
Quanto à primeira das enunciadas questões, saber se, não tendo sido suscitada na sequência do despacho inicial de admissão do PER, o poderia ser em sede de decisão homologatória do Plano.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Com relevância para a apreciação do presente recurso e face aos elementos constantes dos autos, temos como assentes os decorrentes do relatório supra e ainda o seguinte:
- Os requerentes do presente processo, são trabalhadores por conta de outrem.

2. De direito

Comecemos por abordar a primeira das questões supra elencadas, até porque a sua eventual procedência prejudicará a apreciação das demais.
Está em causa saber se o processo especial de revitalização previsto nos artgs. 17.º-A a 17.º-I do CIRE, introduzido pelo Decreto-lei n.º 16/2012 de 20 de Abril é passível de ser utilizado por pessoas singulares que não sejam comerciantes, empresários ou que não desenvolvam uma actividade económica por conta própria, ou se, pelo contrário, pode ser aplicado a tais pessoas.
A questão tem vindo a ser discutida na nossa doutrina e jurisprudência, existindo quem defenda uma ou outra das posições.
Os defensores de que tal é possível sustentam, grosso modo, que a lei não restringe a sua aplicabilidade aos que sejam comerciantes ou detenham uma actividade económica por conta própria, pelo que, baseando-se na letra da lei( De acordo com o brocardo latino, “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus), não veem razões para que se estabeleça uma limitação às pessoas singulares que não tenham a qualidade de comerciantes ou equiparados( A título meramente exemplificativo de tais defensores, temos, na doutrina, Catarina Serra (“O Regime Português da Insolvência”, 5ª ed., 176); Luís M. Martins (“Recuperação de Pessoas Singulares”, Vol. I, 2ª ed., 15); Menezes Leitão (“Direito da Insolvência”, 6ª ed., 296); Soveral Martins (“Um Curso de Direito da Insolvência”, 461, nota(5)); Rosário Epifânio (“O Processo Especial de Revitalização”, 15; também no “Manual de Direito da Insolvência”, 6ª ed., 280); e, na jurisprudência, Acórdãos da Relação de Évora de 09.07.2015 (PROC. 1518/14), de 05/11/2015 (PROC. 371/15.4T8STR.E1) e de 21/01/2016 (PROC. 1279/15.9T8STR.E1), todos disponíveis em www.dgsi.pt ).
De outro lado, quem defende que as normas que regem o PER devem ser interpretadas restritivamente, no sentido de que esse processo especial não é aplicável às pessoas singulares que não sejam comerciantes, empresários ou que não desenvolvam uma actividade económica por conta própria, radicam a sua posição no facto de com a revisão de 2012, se ter pretendido encontrar uma solução eficiente para a recuperação da economia e o "combate ao desaparecimento de agentes económicos" e ao inerente "empobrecimento do tecido económico português", como é referido na exposição de motivos da Proposta de Lei 39/XII, de 30.12.2011, que esteve na origem da Lei nº 16/2012, de 20/4, o que não é compaginável com a situação do devedor que não exerça uma actividade económica.
Quanto a esses, sendo-lhe inerente uma "situação patrimonial estática", o PER não poderia visar a manutenção de uma actividade que o mesmo não exerce e promover uma recuperação, que não passaria, necessariamente, de simples exoneração do passivo.
Favoráveis a este entendimento, surgem, na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda(Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., 143); P. Olavo Cunha(Os deveres dos gestores e dos sócios no contexto da revitalização de sociedades”, em “II Congresso de Direito da Insolvência”, 220 e 221.) e N. Salazar Casanova e D. Sequeira Dinis(PER – O Processo Especial de Revitalização”, 13), e, na jurisprudência, Acórdãos da Relação do Porto de 23/02/2015 (Proc. 3700/13.1TBGDM.P1), de 23/06/2015 (Proc. 1243/15.8T8STS.P1), e de 12/10/2015 (PROC. 1304/15.3T8STS.P1); da Relação de Évora de 09/07/2015 (Proc. 718/15) e da Relação de Lisboa de 24/11/2015 (22219/15.0T8SNT-1), todos disponíveis em www.dgsi.pt .
Recentemente, no âmbito de recurso de Revista Excepcional para o STJ, fundado em oposição de acórdãos, veio este Supremo pronunciar-se no sentido desta última posição( Acórdão de 10/12/2015 – PROC. 1430/15.9T8STR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt ).
Na ponderação das duas posições e face a este último acórdão do STJ, também nós propendemos para considerar que o PER não foi, nem está gizado, para situações em que estejam em causa pessoas singulares que não sejam comerciantes, empresários ou que não desenvolvam uma actividade económica por conta própria.
De facto, pelo teor da exposição de motivos da Proposta de Lei 39/XII, de 30/12/2011, que esteve na origem da Lei n.º 16/2012, de 20/4, há que concluir que o legislador pretendeu sim, através do PER, actuar sobre as pessoas, singulares ou colectivas, que têm um papel empresarial na economia do país.
Como é referido no indicado acórdão do STJ, “Não devendo a interpretação cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (art. 9º, nº 1, do CC), crê-se que (não obstante, para além do próprio nome – PER) a razão de ser da lei, o fim visado pelo legislador e as circunstâncias político- -económicas que motivaram a lei (elemento racional ou teleológico) e o elemento histórico (trabalhos preparatórios) concorrem, parece-nos, para que se deva adoptar aquele sentido interpretativo.
Buscando ainda fundamento para tal posição nesse acórdão, dir-se-á ainda:
«(…).
Só essa solução, com efeito, parece compatível com o objectivo anunciado pelo legislador, de promover a revitalização ou recuperação do tecido empresarial e, assim, dos agentes económicos que nele se integrem, privilegiando a manutenção dessa actividade económica, em detrimento da liquidação do seu património( Como referem Ana Prata, Morais Carvalho e Rui Simões (“CIRE Anotado”, 10), "a interpretação das regras estabelecidas no diploma tem de ter em conta esta dupla finalidade, associada, por um lado, aos interesses dos credores e, por outro lado, aos interesses gerais relativos à manutenção da actividade do devedor, em especial tratando-se de uma empresa, se esta tiver viabilidade".).
Neste sentido, será difícil conceber a recuperabilidade de pessoa singular que não exerça essa actividade, pessoa a que é inerente, como se disse, uma "situação patrimonial estática". É o que sucede, no caso, com os devedores, que são trabalhadores por conta de outrem: o PER não poderia visar a manutenção de uma actividade que estes não exercem e promover uma recuperação, que não passaria, necessariamente, de simples exoneração do passivo.
Por outro lado, como tem sido observado( Carvalho Fernandes e João Labareda, Ibidem.), existe no âmbito da insolvência um procedimento particularmente adequado – o plano de pagamentos (arts. 249º e segs. do CIRE) – de que essas pessoas singulares podem beneficiar, permitindo que estas "sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência (como apreensão de bens, liquidação, etc), evitem, quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se subtraiam às consequências associadas à qualificação da insolvência como culposa" (Preâmbulo do DL 53/2004, de 18/3).
Procedimento de que decorre, como sublinha Ana Filipa Conceição, "menor duração do processo, menores custos e inexistência dos efeitos da declaração de insolvência sobre o devedor, comportando menor desgaste psicológico e patrimonial e evitando o estigma social da declaração de insolvência, uma vez que a declaração de insolvência não é publicitada (art. 259º, nº 2)"( Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares no CIRE, em I Congresso de Direito da Insolvência, 32.).
Não se vê, assim, utilidade em os referidos devedores, pessoas singulares, poderem recorrer também ao processo especial de revitalização, não se justificando, por isso, a duplicação de recursos que tal implicaria.
(…)
Acompanhamos este entendimento, o que vale por dizer que não sendo admissível a utilização deste processo especial de revitalização por parte dos requerentes, não poderia ter sido homologado, como o foi, o plano elaborado. Daqui decorre que as demais questões suscitadas pelo apelante ficam obviamente prejudicadas na sua apreciação.
Quanto à objecção formulada pelos apelados, no sentido de que o apelante teria suscitado tardiamente tal questão, afigura-se-nos não lhe assistir razão.
Com efeito, antes da sentença recorrida, foi efectivamente proferido o despacho liminar a que se reporta o art.º 17.º-C, n.º 3, al. a) do CIRE. Sucede porém que, à semelhança do que sucede com outros despachos liminares que determinam a continuação da acção, também este, por identidade de razões, não é susceptível de recurso.
Na realidade, como resulta do disposto no n.º 5 do art.º 226.º do Código de Processo Civil, “Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.”
Vale isto por dizer que não haverá caso julgado formal quanto à não verificação dos motivos que poderiam ter conduzido – mas não conduziram – ao indeferimento liminar.( Neste mesmo sentido veja-se o acórdão do STJ de 10/07/2008 (PROC. 08B794), disponível em www.dgsi.pt )
Não há, pois, qualquer ofensa ao disposto no art.º 620.º do Código de Processo Civil, nem foi extemporânea a suscitação da questão, por parte do recorrente.
Por tudo o que se deixa dito, há pois que concluir que a apelação terá de proceder.
IV – DECISÃO

Desta forma, face ao que se deixou exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, dado que ao caso não era admissível aos requerentes a utilização do Processo Especial de Revitalização previsto nos artgs. 17.º-A a 17.º-I do CIRE, dado não terem a qualidade de comerciantes ou de situação equiparada.
Custas da apelação pelos apelados.
Lisboa,

(José Maria Sousa Pinto)
(Jorge Vilaça Nunes)
(João Vaz Gomes)