Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21447/15.2T8LSB.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: LOCAÇÃO
CADUCIDADE
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Dispondo a alínea c), do artº 1051, do C. Civil, que o contrato de locação caduca “quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado” e, por outro, rezando o artº 2079º, do mesmo diploma legal, que a ”administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal“, inequívoco é que, terminando a administração da herança (uma universalidade de direito) apenas com a partilha, é com a ultimação desta que cessa o arrendamento celebrado pelo cabeça-de-casal;
-Não logrando o arrendatário provar - apesar de alegado - que as Autoras nunca tiveram qualquer intenção de proceder à partilha formal de concreta herança indivisa, e que apenas o fizeram agora com único fim e propósito de prejudicarem o Réu pessoal e patrimonialmente - ao invocarem a caducidade do contrato de arrendamento - e quando sempre lhe comunicaram de resto que o direito estipulado na alínea c) do n° 1 do artigo 1051° do Código Civil, nunca seria exercido, pertinente não é paralisar a caducidade de locação com fundamento em exercício abusivo de um direito, na modalidade de “exercício inútil danoso”.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

                                              
1.-Relatório:

                        
A  e  B, intentaram acção declarativa com processo comum, contra
C , pedindo que, em consequência da procedência da acção :

A)Seja declarado que, em 27 de Março de 2015, cessou, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado em 02.11.2001, que teve por objecto o 1.° andar esquerdo/frente e o 2.° andar do número 44 da Rua do …., em Lisboa, os quais fazem parte do prédio urbano sito na Rua do …., em Lisboa;
B)Caso o Réu não entregue os referidos andares até 28 de Setembro de 2015, inclusive, seja o mesmo condenado a entregar às Autoras, livres e desocupados de pessoas e bens, os referidos 1.° andar esquerdo/frente e o 2.° andar do número 44 da Rua do …., em Lisboa;
C)Caso o Réu deixe de pagar, a título de indemnização e em relação a cada um dos meses de Agosto e de Setembro, ambos de 2015, a mensalidade da renda, no valor de 250,00€, seja o mesmo condenado a pagar às Autoras o valor mensal de 250,00€, por cada um dos dois referidos meses que não tiver pago, e bem assim os juros de mora, à taxa legal, sobre cada quantia mensal de 250,00€ devida, contados do dia 1 (um) do mês imediatamente subsequente àquele a que cada quantia mensal de 250,00€ disser respeito;
D)Caso o Réu se constitua em mora na entrega do 1.° andar esquerdo/frente e/ou do 2.° andar, seja o mesmo condenado a pagar às Autoras, a título de indemnização elevada para o dobro, a quantia mensal de 500,00€, por cada mês ou fracção de mês, a partir de 01 de Outubro de 2015 e até à data em que os ditos andares venham a ser entregues às Autores, livres e desocupados de pessoas e bens, bem como os juros de mora, à taxa legal, sobre cada quantia mensal 500,00€ devida, contados do dia 1 (um) do mês imediatamente subsequente àquele a que cada quantia mensal de 500,00€ disser respeito.

1.1.-Para tanto , alegaram as autoras ,  em síntese, que :
-Na qualidade de cabeça-de-casal de herança indivisa de D, a autora A , em 2/11/2001, arrendou ao Réu, para sua habitação, os 1.° andar esquerdo/frente e o 2.° andar do número 44 da Rua do …., em Lisboa;
-Acordado ficou que o prazo do arrendamento seria de um ano, sendo a renda anual de 600.000$00;
-Sucede que, tendo as autoras procedido e ultimado a partilha da herança indivisa de D, comunicaram ao Réu em 1/4/2015 a caducidade do arrendamento, caducidade cuja declaração judicial  impetram do tribunal .

1.2.-Após citação, veio o Réu apresentar contestação, aduzindo no essencial oposição por excepção e por impugnação motivada, maxime invocando que o comportamento das AA configura o exercício abusivo de um direito e , ademais, é o Réu credor das AA de elevada quantia que despendeu em obras realizadas no locado e que o tornaram habitável.
1.3.-Realizada a audiência prévia, foi no âmbito da mesma proferido saneador tabelar , identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, não tendo sido deduzidas reclamações, e , efectuada a audiência de discussão e julgamento , foi finalmente proferida a competente sentença que pôs termo à acção, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
(…)

III-DECISÃO.

Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção e, em consequência,
1.-Declara-se que em 27 de Março de 2015 cessou, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado em 02.11.2001, e que teve por objecto o 1.° andar esquerdo/frente e o 2.° andar do número 44 da Rua do …., em Lisboa, os quais fazem parte do prédio urbano sito na Rua do Norte, n.°s 38 a 46 e na Travessa da …. n.°s 9 a 13, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia da Encarnação sob o artigo 144 e, actualmente, na freguesia da Misericórdia sob o artigo 234, e descrito na 4.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° 2.468 ;
2.-Condena-se o réu C a entregar às autoras A e B, livres e desocupados de pessoas e bens, os referidos 1.° andar esquerdo/frente e o 2.° andar do número 44 da Rua do …., em Lisboa, os quais fazem parte do prédio urbano sito na Rua do …., n.°s 38 a 46 e na Travessa da ….n.°s 9 a 13, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia da Encarnação sob o artigo 144 e, actualmente, na freguesia da Misericórdia sob o artigo 234, e descrito na 4.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° 2.468;
3.-Caso o réu não o tenha feito, condena-se o mesmo a pagar às autoras, a título de indemnização e em relação a cada um dos meses de Agosto e de Setembro de 2015, a mensalidade da renda, no valor de € 250,00  (duzentos e cinquenta euros ), bem assim os juros de mora, à taxa legal, sobre cada quantia mensal de € 250,00 devida, contados do dia 1 (um) do mês imediatamente subsequente àquele a que cada quantia mensal de € 250,00 disser respeito e,
4.-Condena-se o réu a pagar às autoras, a título de indemnização elevada para o dobro, a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros), por cada mês ou fracção de mês, a partir de 01 de Outubro de 2015 e até à data em que os ditos andares venham a ser entregues às autores, livres e desocupados de pessoas e bens, bem como os juros de mora, à taxa legal, sobre cada quantia mensal € 500,00 devida, contados do dia 1 (um) do mês imediatamente subsequente àquele a que cada quantia mensal de € 500,00 disser respeito.
Custas da acção pelo réu - artigo 527.° n.° 1 do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.
Lisboa, 19.07.2016

1.4.-Discordando da sentença proferida, e inconformado com o desfecho da acção, veio o réu C recorrer, sendo que, no âmbito das pertinentes conclusões recursórias, explanou o apelante do seguinte modo:
A)Considera o Tribunal a quo na sua sentença que o Apelante/Réu "não logrou demonstrar que as autoras, ou a 1ª Autora, em específico, lhe criaram a convicção de que não invocariam a caducidade do contrato de arrendamento. Com efeito, nem se vislumbra fundamento legal para que essa situação pudesse concretizar-se, posto que a 1.ª Autora estava a dar de arrendamento ao autor um bem que fazia parte de uma herança indivisa e, naturalmente, não poderia dispor dele para além de certos limites. "
B)Porém, salvo o devido respeito e melhor entendimento, não assiste razão do Douto Tribunal.
C)Ao contrário do que é alegado na Sentença de que ora se recorre, ao longo de 25 anos as Autoras/Apeladas criaram e mantiveram sempre no espírito do Apelante/Réu de que não iria ser efectuada qualquer partilha da herança, uma vez que se trata apenas de duas herdeiras, ou seja, mãe e filha, pelo que deveria ter sido considerado provado o tema da prova.
D)Com efeito, o avô do Apelante/Réu, faleceu em 18 de Agosto de 1990, pelo que a partilha foi feita apenas em 2015 ( 25 anos depois ), tendo a sua avó, 1.ª Autora/Apelada sempre exercido as suas funções de cabeça-de-casal e nesta qualidade celebrado com o Apelante/Réu, em 2 de Novembro de 2001, o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos ( vd. ponto 2 da matéria de facto dada como provada ).
E)Mais, quer na data da celebração do contrato de arrendamento em causa nestes autos, quer posteriormente, nunca houve qualquer intenção das Apeladas em proceder a qualquer partilha.
F)Importa salientar que, conforme se pode verificar pela leitura do ponto 11 dos factos provados, o que está em causa não é a existência de uma real partilha, em que os imóveis existentes são adjudicados a uma ou a outra parte, mas sim uma mera formalização de uma situação já existente.
G)Com efeito, o imóvel em causa foi adjudicado, na respectiva proporção legal de 5/6 para a l.ª Autora/Apelada e de 1/6 para a 2.a Autora/Apelada, mantendo a primeira Autora/Apelada a quase totalidade da propriedade do imóvel objecto do locado.
H)Ou seja, na realidade não houve qualquer partilha, pois a situação mantém-se exactamente da mesma forma à que legalmente existiria se não fosse efectuada a partilha, em que uma das herdeiras teria direito à respectiva proporção legal 5/6 do imóvel e a outra herdeira a 1/6 do mesmo imóvel.
I)Ora, as Autoras/Apeladas apenas celebraram a partilha nesta altura e nestes moldes, com o fim único e exclusivo de terminar o contrato de arrendamento com o Apelado/Réu, invocando o direito previsto na alínea c) do artigo 1051.° do Código Civil.
J)Porém, de acordo com a nossa jurisprudência e doutrina não é admissível o exercício de um direito que não tenha senão o fim de prejudicar outrem, como é manifestamente o presente caso.
L)Por outro lado, o imóvel foi adquirido pela cabeça de casal na sua quase totalidade (5/6).
M)De acordo com o Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 23-11-1995, em www.dgsi.pt: O artigo 1051° n.° 1 al. c) do Código Civil, na parte em que estabelece a caducidade do contrato de arrendamento pela cessação dos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, não tem aplicação nos casos em que o locador, cabeça-de-casal da herança indivisa a que pertença o prédio locado, venha posteriormente a adquirir a propriedade do mesmo por lhe ser adjudicado em partilha. "
N)E ainda o Acórdão da Relação do Porto, datado de 11-12-2003, em www.dgsi.pt: " Se o que vier a ser por partilha, proprietário do bem arrendado, anuiu no arrendamento, ele não caduca ".
O)Ora, a 1.° Autora/Apelada, que anuiu no arrendamento, adquiriu a quase totalidade do imóvel em causa nos presentes autos (5/6) e a 2.a Apelada/Autora ao longo dos 14 anos de existência do arrendamento também anuiu no mesmo, pelo menos tacitamente, uma vez que tinha perfeito conhecimento de que o Apelante/Réu, e que é seu filho, "fez do locado a sua morada de família há mais de 14 anos e recuperou o imóvel conforme o descrito em 15 com a expectativa de que poderia manter o arrendamento enquanto o desejasse", ( vd. ponto 18 .° dos factos provados).
P)Destarte, salvo o devido respeito e melhor entendimento, dúvidas não podem restar que as Autoras criaram efectivamente no Apelado/Réu a convicção de que não invocariam a caducidade do contrato de arrendamento, o que fez com que o mesmo efectuasse um sério investimento no locado, com o objectivo deste ser a sua casa morada de família, juntamente com o seu agregado familiar.
Q)A este propósito podemos ler o depoimento da testemunha Maria …., companheira do réu, que depôs de forma serena, clara, consistente, afirmando que foram viver para o locado depois das obras profundas de remodelação que fizeram no mesmo, aceites pela primeira autora, que delas teve conhecimento, e que falou das suas expectativas e das do réu de que a situação (o locado ser a sua morada de família) não seria alterada, quer pelas relações familiares que unem as partes, quer pelo investimento em obras que fizeram, e que era do conhecimento da 1.° autora. Referiu ainda que o réu pagou avultadas quantias relacionadas com dívidas sobre o património da herança. Concluiu expressando a sua mágoa perante toda a situação, que considerou amoral ( vd. página 6 da sentença C-Motivação- 4.parágrafo);
R)Com efeito, estas circunstâncias tornam manifestamente contrário aos limites da boa fé o exercício do direito de caducidade por parte das Autores/Apeladas, por configurar um manifesto abuso de direito, conforme consagrado nos termos do artigo 334.° do Código Civil.
S)Ressalvando sempre, o respeito e melhor entendimento, o Tribunal a quo, dispunha de todos os meios probatórios documentais e testemunhais para poder concluir em sentido diferente do que o fez, pelo que deveria ter absolvido o Apelante do pedido, por existência de abuso de direito na pretensão das Apeladas , o que desde já se deixa requerido.
T)Face ao exposto, Requer-se a V. Ex.a, Venerandos Juízes Desembargadores, que a sentença recorrida seja substituída por outra que absolva o Apelante do pedido.
Termos estes em que se espera a vossa COSTUMADA JUSTIÇA!

1.5.-Tendo as Autoras/apeladas A e B apresentado contra-alegações, nestas veio impetrar a confirmação do julgado, concluindo para tanto do seguinte modo :
1ª-Embora, as Autoras tenham partilhado dos bens imóveis que integravam a herança, adjudicando-os a si próprias, em regime de compropriedade e na proporção das respectivas quotas hereditárias,
2.a-As situações jurídicas antese depois da partilha são distintas quanto aos poderes de usar, fruir e administrar cada um dos bens imóveis que foram objecto da partilha.
3.a-Com efeito, a imperatividade da norma que atribui ao cabeça de casal a administração de todos os bens de herança ainda não partilhada, impede que cada herdeiro, individualmente ou em conjunto com os demais herdeiros, possa administrar ou usar e fruir cada um dos bens da herança.
4.ª-Pois, na situação de herança não partilhada, quem administra os bens que a integram é apenas e tão só o cabeça de casal.
5.a-O que não sucede na situação de compropriedade, pois aqui cada um dos consortes comproprietários participa na administração do bem comum, como resulta do disposto no n.º1 do art. 1407.° do Código Civil.
6.a-Daí que, na situação de herança não partilhada, a 1.ª Autora, como cabeça de casal, tenha arrendado o 1° esquerdo/frente e o 2.° andares ao Réu, sem necessidade de qualquer acordo, consentimento e intervenção da 2.a Autora.
7.a-Porém, na situação de compropriedade que foi criada, através da partilha, a celebração de qualquer novo contrato de arrendamento com o Réu careceria sempre do acordo de ambas as Autoras, como resulta do disposto no n.º 2 do art. 1024.° do Código Civil ( " 2 - O arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato, o seu assentimento. ").
8.ª-O decidido nos acórdãos invocados, pelo Réu, respectivamente, de 23-11-1995, da Relação de Lisboa e, de 11-12-2003, da Relação do Porto não tem aplicação no caso "sub judicio", dado que naqueles arestos foram apreciadas situações em que ao cabeça de casal foi adjudicada a totalidade do direito de propriedade do bem imóvel locado, o que não sucede nos caso em apreço, nestes autos.
9.ª-Improcede, por isso, a conclusão H) do recurso do Réu, no sentido de que não houve qualquer partilha e de que a situação se mantém exactamente da mesma forma à que legalmente existiria se não tivesse sido efectuada a partilha, em que uma das herdeiras teria direito à respectiva proporção legal 5/6 do imóvel e a outra herdeira a 1/6 do mesmo imóvel.
10.ª-Os factos que o Réu indica nas conclusões C), E), I) e 2.a parte da O) e nos quais suporta a conclusão P) ( as Autoras criaram efectivamente no Réu a convicção de que não invocariam a caducidade do contrato de arrendamento, o que fez com que o mesmo efectuasse um sério investimento no locado, com o objectivo deste ser a sua casa morada de família, juntamente com o seu agregado familiar), não foram dados como provados.
11.ª-E, embora, na parte final da conclusão C), afirme que deveria ter sido considerado provado o tema da prova
12.ª-E, na conclusão S), que " o Tribunal a quo, dispunha de todos os meios probatórios documentais e testemunhais para poder concluir em sentido diferente do que o fez, pelo que deveria ter absolvido o Apelante do pedido, por existência de abuso de direito na pretensão das Apeladas, o que desde já se deixa requerido. ",
13.a-É manifesto que o Réu não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, quer na vertente dos factos provados, quer na vertente dos factos não provados.
14.a-Por isso e salvo melhor opinião, não poderá ter lugar qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, dado que o Réu não indica, como lhe competia, quer o que, em seu entender, deveria ser alterado e em que sentido, quer os concretos meios de prova que implicariam tal ou tais alterações.
15.ª-O estipulado sobre a realização de obras nos andares arrendados e que consta dos factos provados sob os n.os 7 e 8, demonstra e pressupõe que a 1ª Autora e o Réu estavam cientes de que o contrato de arrendamento que celebraram, em 02-11-2001, poderia cessar e que poderia não se manter enquanto o Réu o desejasse.
16.ª-Pois, ao ser previsto que as obras que o Réu viesse realizar, nos andares arrendados, lhe  seriam indemnizadas, caso tivessem sido feitas com o consentimento da lª Autora, tal estipulação pressupõe necessariamente que ambas as partes estavam conscientes de que o contrato de arrendamento poderia cessar, por qualquer causa legalmente admissível .
17.ª-Por isso, além de não ter ficado provado que ambas as Autoras ou sequer a 1.ª Autora tivessem criado no Réu a convicção de que não invocariam a caducidade do contrato de arrendamento,
18.ª-O que ficou estipulado sobre a realização de obras nos andares arrendados faz prova do contrário, isto é, de que, ao celebrarem o contrato, em 02-11-2001, tanto a 1ª Autora, como o Réu tinham plena consciência de que o arrendamento poderia cessar e que, portanto, não era para manter enquanto o Réu o desejasse.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto, pelo Réu, confirmando-se a douta sentença, como é de Justiça.
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Thema decidenduum

1.6.-Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  resumem-se às seguintes  :
Primo- Se in casu incumbe a este tribunal de recurso conhecer da pertinência de se introduzirem alterações na decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo ;
Secundo -Se a sentença apelada incorre em erro de julgamento ao não reconhecer/declarar que as AA vem exercer um direito com manifesto abuso de direito, razão porque se impunha a absolvição do réu do pedido ;
                                              
2.-Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :

A)PROVADA

2.1.-Em 2 de Novembro de 2001, o prédio urbano sito na Rua do …., n.°s 38 a 46 e na Travessa da ….. n.°s 9 a 13, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia da Encarnação sob o artigo 144 e, actualmente, na freguesia da Misericórdia sob o artigo 234, e descrito na 4.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° 2.468, fazia parte da herança indivisa de D.
2.2.-Por escrito particular datado de 2 de Novembro de 2001 a 1ª autora, A, na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança indivisa de D, declarou dar de arrendamento ao réu o 1.° andar esquerdo/frente e o 2 o andar do n.° 44 da Rua do …., em Lisboa, em que se situa o prédio urbano mencionado infra.
2.3.-Nos termos do referido escrito particular, o prazo do arrendamento era de um ano, tacitamente prorrogável por iguais e sucessivos períodos, com início em 2 de Dezembro de 2001.
2.4.-A renda anual era 600.000$00, a pagar em mensalidades de 50.000$00 até ao dia 8 de cada mês, no domicílio da então cabeça de casal e 1.a autora.
2.5.-Os andares arrendados destinavam-se à habitação do réu, não podendo ser utilizados para outros fins.
2.6.-Os ditos andares podiam ser subarrendados, no todo ou em parte para habitação, mediante consentimento da 1.a autora.
2.7.-O réu podia fazer obras e benfeitorias nos andares arrendados, ainda que modificassem a sua estrutura, com direito à respectiva indemnização ou a retenção, desde que as fizesse com o consentimento da 1ªautora.
2.8.-Todas as obras e benfeitorias que o réu fizesse nos andares arrendados sem o consentimento da 1ª autora ficariam a pertencer aos mesmos andares, sem direito a indemnização ou retenção.
2.9.-A partir do mês de Janeiro de 2011 a mensalidade de 50.000$00 ( correspondente a € 249,40 ) foi alterada para o valor de € 250,00.
2.10.-As únicas herdeiras da herança aberta por morte de D foram a 1ª e 2.ª autoras, respectivamente, sua cônjuge sobreviva e filha.
2.11.-Em 27 de Março de 2015, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Lisboa da Notária Wanda ….., as autoras procederem à partilha da herança indivisa de D, nos seguintes termos : adjudicaram em regime de compropriedade à 1.ª autora, A, na proporção da quota de cinco/sextos, e à 2.ª autora, B, na proporção da quota de um/sexto os dois imóveis que integravam a herança aberta por óbito de D, entre eles o imóvel descrito em 2.1.
2.12.-Por carta registada e com aviso de recepção, de 1 de Abril de 2015, que o réu recebeu em 7 de Abril de 2015, as autoras comunicaram-lhe que, através da mencionada escritura pública, de 27 de Março de 2015, tinham procedido à partilha do prédio urbano referido em 2.1, nos termos que constam dessa mesma escritura e que também reproduziram na referida carta e da qual remeteram cópia.
2.13.-Na mesma carta as autoras comunicaram ao réu que, por terem findado com a partilha da herança indivisa de D os poderes legais de administração da respectiva cabeça-de-casal, o contrato de arrendamento que a mesma houvera celebrado com o réu, em 02.11.2001, caducou na data de 27.03.2015, por força do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 1051.° do Código Civil.
2.14.-E que, por força do disposto no artigo 1053° do Código Civil, o réu lhes deveria restituir os andares arrendados, livres de pessoas e bens, em 28 de Setembro de 2015, isto é, decorridos seis meses sobre a verificação do facto que determinou a caducidade do contrato de arrendamento.
2.15.-Após a celebração do contrato de arrendamento descrito em 2.2. o réu realizou obras no locado, tendo despendido quantias em dinheiro em montante que não foi possível apurar mas não inferior a € 50.000,00.
2.16.-O réu liquidou dívidas da 1ª autora em quantia que não foi possível apurar.
2.17.-O réu intentou, em 8 de Abril de 2015 duas acções executivas contra as autoras, que correm termos nos Juízos de Execução do Tribunal da Comarca de Lisboa, nos J6 e J9, sob os n.°s 10669/15.6T8LSB e 100667/15.0T8LSB, alegando que as mesmas lhe devem as quantias de € 154.000,00 e € 36.600,00, respectivamente.
2.18.-O réu fez do locado a sua morada de família há mais de 14 anos e recuperou o imóvel conforme o descrito em 2.15 com a expectativa de que poderia manter o arrendamento enquanto o desejasse.

B-NÃO PROVADA.

2.19-A presente acção foi intentada como represália pelo facto do Réu ter intentado acções executivas contra as AA ;
2.20-Em 25 de Fevereiro de 2011, o Réu, a pedido da primeira Autora, emprestou-lhe a quantia de 174.000,00€ ;
2.21-Em 25 de Fevereiro de 2011, a primeira autora confessou-se devedora ao Réu da  quantia de 174.000,00€;
2.22-A primeira Autora comprometeu-se a pagar ao Réu a quantia mencionada em 10, no prazo de um ano a contar da data de 25 de Fevereiro de 2011.
2.23-Porém, até à presente data a primeira autora apenas procedeu ao pagamento da quantia de 20.000,00 €.;
2.24-A segunda Autora ,em 25 de Fevereiro de 2011, confessou-se devedora ao Réu da quantia de 36.600,00€ (trinta e seis mil e seiscentos euros);
2.25-A segunda Ré, teve um negócio de restauração que lhe correu muito mal, tendo ficado com inúmeras dívidas por liquidar ;
2.26-Foi o Réu quem emprestou dinheiro tanto à sua avó como à sua mãe para que estas conseguissem liquidar as respectivas dívidas e impedir a concretização das penhoras já existentes nos imóveis do património da herança deixada por óbito do seu avô, D;
2.27-Apesar de ter sido por diversas vezes solicitado pelo Réu às Autoras o pagamento dos referidos empréstimos, as mesmas recusaram-se a fazê-lo;
2.28-As Autoras têm outros inquilinos no prédio em questão e não vieram invocar a nenhum deles uma "alegada" caducidade do contrato de arrendamento, nos termos da alínea c) do artigo 1.051º do Código Civil, após a celebração da partilha ;
2.28-O Réu despendeu com as obras que efectuou uma quantia superior a 100,000,00€.;
2.29-O Réu estava convicto e seguro de que as Autoras nunca iriam a invocar a caducidade do arrendamento, na data da celebração da partilha entre ambos, por lhes ter sido transmitido pelas mesmas;
2.30-Durante 14 anos as Autoras nunca tiveram qualquer intenção de proceder à partilha formal da herança indivisa do avô do Réu, D;
2.31-Tendo-o apenas com único fim de prejudicar o Réu pessoal e patrimonialmente, ao invocar a caducidade do contrato de arrendamento ;
2.32-O Réu fez do locado a sua casa morada de família há mais de 14 anos, com carácter de permanência, com a convicção, expectativa e confiança plena de esta situação não seria alterada ;
2.33-O Réu despendeu elevadas quantias monetárias com a recuperação do imóvel, que se encontrava em estado em muito mau estado de conservação;
2.34-Ambas as AA comunicaram ao Réu que o direito estipulado na alínea c) do n° 1 do artigo 1051.° do Código Civil nunca seria exercido;
2.35-Na data da celebração do contrato e ao longo de 14 anos, foi criado pelas Autoras no espírito do Réu a convicção, a expectativa e a confiança de que nunca iriam proceder à invocação da caducidade do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1051.° n.º 1 al. c) do Código Civil ;
*

3.-Se in casu incumbe a este tribunal de recurso conhecer da pertinência de se introduzirem alterações na decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
No âmbito das alegações ( stricto sensu ) do recorrente, diz-se a dado passo que “ o ora apelante considera constarem no processo elementos factuais e documentais que impõem necessariamente decisão diversa”, e , praticamente no final das mesmas, invocando e transcrevendo passagem da sentença apelada alusiva ao depoimento de testemunha ouvida em audiência ( Maria ….), conclui-se que o Tribunal a quo, dispunha de todos os meios probatórios documentais e testemunhais para poder concluir em sentido diferente do que o fez, pelo que deveria ter absolvido o Apelante do pedido, por existência de abuso de direito na pretensão das Apeladas.
Já em sede de conclusões recursórias, refere o apelante C que ”Ao contrário do que é alegado na Sentença de que ora se recorre, ao longo de 25 anos as Autoras/Apeladas criaram e mantiveram sempre no espírito do Apelante/Réu de que não iria ser efectuada qualquer partilha da herança, uma vez que se trata apenas de duas herdeiras, ou seja, mãe e filha, pelo que deveria ter sido considerado provado o tema da prova”.

Outrossim no âmbito das conclusões recursórias ( conc. Q) , transcreve o apelante segmento da sentença ( C-Motivação- 4.parágrafo), alusivo a depoimento de testemunha Maria …., companheira do réu, concluindo-se também que ( conc. S ) “ Tribunal a quo, dispunha de todos os meios probatórios documentais e testemunhais para poder concluir em sentido diferente do que o fez, pelo que deveria ter absolvido o Apelante do pedido, por existência de abuso de direito na pretensão das Apeladas”.

Em face do acabado de aduzir, não se descobre assim nas alegações e conclusões recursórias do apelante,  quer a indicação de  concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e que tenham sido inseridos na sentença apelada nos termos do nº4, do artº 607º, do CPC, quer a decisão que, no seu entender, deve ser proferida relativamente ao/s concreto/s ponto/s de facto impugnado/s, quer muito menos a indicação, com exactidão, das passagens da gravação de depoimento prestado e no qual se baseia para censurar o julgamento de facto do tribunal a quo.

Postas estas breves constatações, importa de seguida aferir se in casu incumbe a este tribunal de recurso conhecer da pertinência de se introduzirem alterações na decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, e em consequência de pertinente impugnação pelo apelante deduzida ao abrigo do artº 640º, do CPC.

Vejamos.

Como é consabido, pretendendo o recorrente que a 2ª instância aprecie/conheça da bondade/acerto da decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, carece porém o mesmo de observar/cumprir determinadas regras/ónus processuais, às quais acresce ainda ( para que a modificação da matéria de facto seja possível ) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.

Assim [ cfr. artº 640º, nº1, alíneas a) a c), do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente – sob pena de rejeição - , obrigatoriamente, especificar quais  :
a)Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas .

Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente para sustentar o alegado erro - do a quo - na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe-lhe ainda, e sob pena de imediata rejeição do recurso na referida parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda ( cfr. nº2, alínea a) , do artº 640º, do CPC ) o seu recurso, e sem prejuízo de poder – querendo - proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes .

Por fim, exigível é , outrossim, e agora para que o Tribunal da Relação deva alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, imponham uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo ( cfr. artº 662º, nº1, do CPC).

A propósito outrossim do modo e forma correcta/adequada de se observarem os diversos ónus a que alude o acima indicado artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, importa ainda recordar que, e por diversas ocasiões de resto, já o STJ (1) veio decidir que, em sede do respectivo cumprimento, não é porém de exigir que o recorrente, nas conclusões do recurso, deva reproduzir tudo o que alegou anteriormente, sob pena de, ao assim proceder, transformar as conclusões, não numa síntese ( como o refere o nº1, do artº 639º, do CPC), como se exige que o sejam, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.

Mas, o mesmo recorrente, o que não está dispensado, e caso pretenda efectivamente impugnar a decisão do a quo relativa à matéria de facto, é , nas conclusões recursórias, de deixar bem claro que visa a apelação interposta a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nelas - nas conclusões - indicando assim e sobretudo, quais os concretos pontos concretos que pretende ver reapreciados (2) , e , outrossim , quais as respectivas e diferentes respostas [ ou a decisão alternativa que propõe (3) ] que o recorrente pretende que sejam pelo ad quem proferidas no tocante a cada uma das questões de facto impugnadas ou concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados ( cfr. alínea c), do nº1, do artº 640º, do CPC ) .

É que, neste conspecto, recorda-se, são precisamente as conclusões[porque é nelas que o recorrente delimita objectivamente o recurso, precisando quais as exactas questões a  decidir  e indicando,  de  forma clara e concludente, quais as questões de facto e/ou de direito  que pretende suscitar  na impugnação que deduz e as quais o  tribunal  superior obrigado está a solucionar (4) ],  o local apropriado e adequado para os recorrentes procederam às indicações apontadas. (5)

Não o fazendo, ou seja, não observando o recorrente as supra apontadas regras/ónus a seu cargo, aquando da impugnação da decisão do a quo relativa à matéria de facto, outra alternativa não restará ao ad quem que não seja a da sua rejeição, e isto porque, como bem avisa/adverte Abrantes Geraldes (6), “a observação dos antecedentes legislativos leva a concluir que não existe, relativamente ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. (7)

De resto, acrescenta ainda e também Abrantes Geraldes (8), todas as apontadas exigências “ devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…), e isto porque, “Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Postas estas breves considerações, tudo visto e ponderado, e porque nesta matéria – a da sindicância do exacto cumprimento dos diversos ónus a cargo do impugnante da decisão de facto – importa atender aos reais fundamentos invocados pelo recorrente e a alicerçar a impetrada alteração da decisão de facto, devendo ainda a questão ser apreciada em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade (9), temos para nós que , em rigor, não observou e cumpriu o apelante, minimamente, as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer em sede de indicação dos concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.

De igual modo, outrossim a exigência da alínea a), do nº2, do artº 640º, do CPC [ a indicação ,com exactidão ,das passagens da gravação em que se funda em sede de imputação ao tribunal a quo do erro na apreciação das provas ] , não foi de todo observada, limitando-se o apelante a proceder à transcrição de  pequeno excerto da sentença ( que não de gravação de depoimento ) e prima facie alusivo a depoimento que por testemunha arrolada terá sido prestado em audiência.

Todos os apontados “defeitos” , recorda-se, mostram-se presentes, não apenas no âmbito das conclusões, como outrossim nas próprias alegações recursórias , afigurando-se-nos de resto que apenas uma abordagem e uma leitura magnânima na peça recursória do apelante permite concluir que tem ela por objecto a impugnação de decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, pois que , são diversas e acentuadas as inobservâncias pelo recorrente dos ónus dos nºs 1 e 2, do artº 640º, do CPC.

Destarte, na sequência do exposto, em razão da inevitável aplicação in casu das sanções a que aludem os  nºs 1 e 2, alínea a) , do artº 640º, do CPC, impõe-se portanto a rejeição [ o que se decreta ] do recurso do apelante no tocante a pretensa impugnação da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto.

Impedido que está, portanto, este tribunal, de altear/modificar a  decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, é com base nos factos provados e não provados  fixados pelo tribunal a quo que importa doravante conhecer das restantes questões recursórias.

4.-Se a sentença apelada incorre em erro de julgamento ao não reconhecer/declarar que as AA vêm exercer um direito com manifesto abuso de direito, razão porque se impunha a absolvição do réu do pedido .
É entendimento do apelante Pedro António  que, ao julgar a acção procedente, o tribunal a quo incorre em manifesto error in judicando , estando o mesmo ancorado essencialmente em três razões : a primeira , porque in casu não existiu uma real partilha, mas sim uma mera formalização de uma situação já existente ; a segunda , porque a partilha e a subsequente caducidade do arrendamento teve por único desiderato prejudicar o Réu , agem as AA com manifesto abuso de direito, tal como este instituto se mostra consagrado no artigo 334.° do Código Civil; a terceira , porque in casu não é sequer aplicável o artigo 1051°, al. c), do Código Civil, já que as AA anuíram ao arrendamento.
Abordando de seguida as questões pelo autor abordadas na apelação, e adiantando desde já o nosso veredicto, não justifica qualquer uma delas a alteração do julgado.
Desde logo, e perante a factualidade assente no item 2.11., da motivação de facto [ Em 27 de Março de 2015, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Lisboa da Notária Wanda …., as autoras procederem à partilha da herança indivisa de Dnos seguintes termos : adjudicaram em regime de compropriedade à 1.ª autora, A, na proporção da quota de cinco/sextos, e à 2.ª autora, B, na proporção da quota de um/sexto os dois imóveis que integravam a herança aberta por óbito de D, entre eles o imóvel descrito em 2.1. ] , inevitável é considerar verificada  facti species  da alínea c), do artº 1051º, do CC.

É que, dispondo a alínea c) , do artº 1051 , do C. Civil , que o contrato de locação caduca “quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado”, isto por um lado, e, por outro, rezando o artº 2079º, do mesmo diploma legal, que a ”administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal “, inequívoco é que , terminando a administração da herança ( uma universalidade de direito )  apenas com a partilha, é com a ultimação desta que cessa o arrendamento celebrado pelo cabeça-de-casal.

Acresce que, como bem salienta Jorge Alberto Aragão Seia (10) “ Quando a lei se refere aos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, quer se referir àqueles que em geral a lei confere em determinada situação e são esses os poderes, não subjectivados, com base nos quais se celebra o contrato. É, pois, a administração e não o administrador que se tem em consideração no aludido preceito da lei.
Quer dizer o regime de caducidade opera não a partir da cessação dos poderes daquele que em concreto, no uso desses poderes, deu o prédio de arrendamento, mas quando cessa, em geral, o regime de administração a que o prédio está sujeito e com base no qual se atribuíram esses poderes”.

Ou seja, aplica-se a segunda parte da alínea c) , do artº 1051 , do C. Civil, quando ocorre a cessação da administração ex vi legis  , isto é, com a consequente devolução da administração ao titular dos bens, que não com a simples mudança do titular do poder de administrar . (11)

Isto dito, tendo o contrato de locação sido celebrado em 2 de Novembro de 2001 , pela autora A, na qualidade D , é com a partilha ( que põe termo ao cabeçalato ) desta herança que o mesmo caduca.

Seguindo-se a análise da terceira questão pelo apelante suscitada, no sentido de in casu não ser aplicável o artigo 1051°, al. c), do Código Civil, já que “as AA anuíram ao arrendamento, não merece/justifica  também a mesma qualquer aceitação.

Desde logo porque, o contrato de arrendamento foi outorgado apenas pela 1ª autora, A, na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa de D,   e   , para todos os efeitos, o prédio locado foi adjudicado em regime de compropriedade à 1.ª autora e à 2.ª autora.

Depois, porque, a nossa preferência  vai para o entendimento que se mostra perfilhado no voto de vencido do Ac. do Tribunal da Relação do Porto pelo apelante citado (12), no sentido de que, para que não opere a caducidade do artigo 1051°, al. c), segunda parte do Código Civil , não basta que o “cabeça-de-casal venha a adquirir pela partilha a coisa por si anteriormente locada no âmbito dos  seus poderes”.

É que, porque o herdeiro/cabeça-de-casal sabe que o arrendamento caduca ope legis com fundamento no artº 1051º c) CC, exigível é que alegue e prove o locatário ( cfr. artº 342º,nº2, do CC ) que , aquando da outorga do arrendamento, tenha sido acordada a continuação do arrendamento para futuro ( findo o cabeçalato ) caso  o prédio locado venha a ser adjudicado ao cabeça-de-casal.

Resta por fim, a terceira questão do abuso do direito.
Diz o Réu/apelante que as autoras agem com manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium , violando o princípio da confiança que criaram no Réu de que o direito (a invocação da caducidade do arrendamento e as suas consequências) nunca seria exercido.

Conclui assim o apelante que incorre portanto o tribunal a quo em erro de julgamento - ao não reconhecer e decidir que as AA vêm exercer um direito com manifesto abuso de direito , pois que , para além da presente acção ter  sido intentada como represália pelo facto do Réu ter intentado acções executivas contra as AA , certo é que as próprias AA sempre lhe transmitiram que nunca iriam a invocar a caducidade do arrendamento.

No essencial, invoca portanto o Réu/apelante o instituto do abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, traduzido no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente  .

Ademais, alega o apelante que, em resultado/consequência da confiança que as AA lhe transmitiram e incutiram de que nunca iriam a invocar a caducidade do arrendamento, desenvolveu ele uma actividade tal que o regresso à situação anterior se revela manifestamente abusiva e contrária aos limites impostos pela boa fé.

Por outra banda, as AA agem ainda ( alega o réu ) com abuso do direito na modalidade de “ exercício inútil danoso“ (13),porque ainda que actuando no âmbito formal da permissão normativa que constitui o seu direito, fazem-no porém  em termos de não retirar qualquer benefício pessoal, mas antes a causar dano considerável ao Réu.

É pacífico que a alegação do apelante, a ter-se provado em termos de facticidade concreta ( ónus que sobre o réu recaía ,cfr- artº 342º,nº2, do CC ) , era susceptível de paralisar o direito das AA, nos termos do artº 334º, do CC.

Porém, porque com alguma pertinência com a questão ora em debate apenas se provou (itens 2.15,2.16 e 2.18) que o réu realizou obras no locado, tendo despendido quantias em dinheiro em montante não inferior a € 50.000,00, que o réu liquidou dívidas da 1ª autora em quantia não  apurada, e que o réu fez do locado a sua morada de família há mais de 14 anos e recuperou o imóvel com a expectativa de que poderia manter o arrendamento enquanto o desejasse, é inevitável a não improcedência da acção com fundamento em excepção do abuso do direito.

Ademais, apesar do alegado, não logrou já o Réu, provar , v.g., que :

2.19-A presente acção foi intentada como represália pelo facto do Réu ter intentado acções executivas contra as AA ;
2.29-O Réu estava convicto e seguro de que as Autoras nunca iriam a invocar a caducidade do arrendamento, na data da celebração da partilha entre ambos, por lhes ter sido transmitido pelas mesmas;
2.30-Durante 14 anos as Autoras nunca tiveram qualquer intenção de proceder à partilha formal da herança indivisa do avô do Réu, E...D...V...C... e Silva;
2.31-Tendo-o apenas com único fim de prejudicar o Réu pessoal e patrimonialmente, ao invocar a caducidade do contrato de arrendamento ;
2.34-Ambas as AA comunicaram ao Réu que o direito estipulado na alínea c) do n° 1 do artigo 1051.° do Código Civil nunca seria exercido;
2.35-Na data da celebração do contrato e ao longo de 14 anos, foi criado pelas Autoras no espírito do Réu a convicção, a expectativa e a confiança de que nunca iriam proceder à invocação da caducidade do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1051.° n.º 1 al. c) do Código Civil .

Aqui chegados, ao ponderarmos a factualidade acima enfatizada, maxime a relacionada com o comportamento das ora apeladas, certo é que não se descobre uma qualquer sua conduta que, além de ofender o sentido ético-jurídico do normal cidadão, excede outrossim e manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito que exerceram .
Em razão do acabado de expor, a apelação improcede in totum.
                                                          
4.-Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do Cód. de Proc. Civil ).
A)Dispondo a alínea c) , do artº 1051 , do C. Civil , que o contrato de locação caduca “quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado”, isto por um lado, e, por outro, rezando o artº 2079º, do mesmo diploma legal, que a ”administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal “, inequívoco é que , terminando a administração da herança ( uma universalidade de direito )  apenas com a partilha, é com a ultimação desta que cessa o arrendamento celebrado pelo cabeça-de-casal;
B)Não logrando o arrendatário provar - apesar de alegado - que durante 14 anos as Autoras nunca tiveram qualquer intenção de proceder à partilha formal de concreta herança indivisa , e que apenas o fizeram agora com único fim e propósito de prejudicarem o Réu pessoal e patrimonialmente - ao invocarem a caducidade do contrato de arrendamento - , e quando sempre lhe comunicaram de resto que o direito estipulado na alínea c) do n° 1 do artigo 1051.° do Código Civil , nunca seria exercido, pertinente não é paralisar a caducidade de locação com fundamento em exercício abusivo de um direito, na modalidade de “exercício inútil danoso”.
                                                          
5.-Decisão:

Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na ...ª Secção Cível  do Tribunal da Relação de Lisboa, em :
5.1.-Não conhecer/aferir da pertinência de se introduzirem alterações na decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo ;
5.2.-Não conceder provimento à apelação de C..;
5.3.-Confirmar, portanto, in totum, a sentença apelada;.
Custas da apelação pelo apelante .


LISBOA, 9/2/2017.

                                                               
                                              
António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator)
Francisca da Mata Mendes (1ª Adjunta)                                  Eduardo Petersen Silva (2º Adjunto)              


                                                          
(1)Vide os Acs de 23/2/2010 e de 21/4/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt .
(2)Conforme v.g. os Acórdãos do STJ de 13/11/2012, Proc. nº 10/08.0TBVVD.G1.S1, de 4/7/2013, proc. nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, e de 2/12/2013, Proc. nº 34/11.0TBPNI.L1.S1 , todos eles acessíveis  in www.dgsi.pt.
(3)Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2015, Proc. nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 , e de 3/12/2015, Proc. nº 3217/12.1TTLSB.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
(4)Cfr. Ac. do STJ de 18/6/2013, Proc. nº 483/08.0TBLNH.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(5)Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/12/2013, Proc. nº 6830/09.0YIPRT.L1-1, e in www.dgsi.pt.
(6)In Recursos em Processo Civil, Almedina, Novo Regime, 2010, págs. 158/159
(7)Neste sentido vide o Ac. do STJ de 9/12/2012, Proc. nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1,  e in www.dgsi.pt.
(8)Ibidem, pág.159
(9)Cfr. Ac. Do STJ de 29/10/2015, Proc. nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, sendo Relator Lopes do Rego, e in www.dgsi.pt..
(10)In Arrendamento Urbano, Almedina, pág. 461.
(11)Cfr. Pais de Sousa e Sá Carneiro, citados por Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, Vol. II, pág. 380.
(12)Vide o Ac. de 11/12/2003, Proc. nº 0335739,  e in www.dgsi.pt
(13)Vide Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé No Direito Civil, Vol. II, Colecção Teses , Almedina, 1984, Vol. II, págs. 853e segs..
                                                          
Decisão Texto Integral: