Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1579/13.2TBTVD.L1-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: DEPOIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A situação processual em que uma testemunha relata um evento passado e produz nesse âmbito referencias identificativas das pessoas intervenientes nesse evento, o que poderá acontecer também por recurso a exibição de uma fotografia, insere-se no depoimento da testemunha e segue o regime estabelecido para esse depoimento, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.– Em acórdão proferido a 16 de Maio de 2016 após a realização da audiência de julgamento, o tribunal colectivo da Secção Criminal da Instância Central de Loures J3 da Comarca de Lisboa Norte deliberou o seguinte (transcrição):

“A)–Responsabilidade jurídico-penal.
I– Condenar o arguido H.G.M. pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº1, als. e) e f) e nº2, al. e), por referência ao art. 202º, nº1, al. c), todos do Código Penal, na pena de 4(quatro) anos e 3(três) meses de prisão;
II– Absolver o arguido da qualificativa prevista na al. b) do nº2 do art. 204º do Código Penal.
III– Condenar o arguido, em co-autoria material,  pela prática de um crime de explosão, p. e p. pelos arts. 272º, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 4(quatro) anos de prisão.
IV– Absolver o arguido da prática de um crime de furto qualificado (veículo automóvel), p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, als. e) e g) do Código Penal;
V – Condenar o arguido pela prática, em co-autoria material,  de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. c) e nºs 2, 4 e 5, art. 2º, nº 1, als. p) e v) e art. 3º, nº2, al. l) e art. 4º, nº1, todos da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, alterada pela Lei 12/2011, de 27 de abril, na pena de 1(um) ano e 6(seis) meses de prisão.
VI – Em cúmulo jurídico das supra mencionadas penas, condenar o arguido na pena única de 6(SEIS) ANOS E 4(QUATRO) MESES DE PRISÃO.”

O arguido H.G.M. interpôs recurso e da motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição):

“A– O arguido vem recorrer do acórdão que o condenou numa pesada pena única de 6 anos e quatro meses de prisão efectiva.
B– Pelo que pretende recorrer tanto de facto como de direito.
C– Relativamente à matéria de facto o requerente pretende impugnar o depoimento da testemunha FF  que não conhecia o recorrente.
D– O depoimento desta testemunha, uma vez impugnado, coloca em causa toda a motivação e fundamentação do acórdão recorrido.
E– Essa testemunha não conhecia o arguido e ora recorrente, falando dele em termos meramente abstractos, podendo ser tanto ele como outra pessoa que lhe possam ter apresentado com o nome do recorrente.
F– Fez o reconhecimento do arguido baseado em fotograma, mas em violação do disposto no art° 147° n°5 do CPP.
G– Pelo que o seu depoimento não pode ser valorado, pois o reconhecimento que fez do recorrente não respeitou nem obedeceu ao constante do art° 147° do CPP.
H– O arguido estava no Algarve aquando da prática dos fatos e nega que tenha participado nos mesmos.
I– Entretanto o recorrente conseguiu saber quem era o quarto elemento que praticou os factos com os outros três indivíduos e identificou-o.
J– O recorrente entende que o tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, violou o art° 147° n° 2, 5 e 7, o art° 126° e art°127 e 355°, todos do CPP e ainda o art° 32° da CRP e o princípio da presunção da inocência, de que todo o arguido goza, igualmente plasmado na nossa Constituição.
K– O tribunal “a quo” ao dar como provada a prática pelo recorrente dos crimes pelos quais o condenou, ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, violando o disposto no art° 127° do Código de Processo Penal, decidindo sem factos bastantes e em erro sobre a prova - art° 410° n° 1 e 2 al. a) e c), 412° n° 3 e 426° todos do CPP, pelo que se requer que seja ordenado o reenvio do processo para o tribunal “a quo” para novo julgamento.
L– Também no que diz respeito à qualificação jurídica, entende o recorrente, salvo o devido respeito, que são devidos reparos ao presente acórdão.
M– A explosão aqui referida é um meio utilizado para se conseguir obter o dinheiro que se encontrava na ATM e portanto deve ser entendido no âmbito da especialidade das leis penais que, por vezes se excluem, devendo neste caso o crime de explosão e furto serem considerados como um só e único crime, pela via da consumpção.
N– O recorrente é jovem, pelo que beneficia do regime especial para jovens que, neste caso não lhe foi aplicado e que aqui se requer que lhe seja aplicado.
O– Pelo que deve ser determinado o reenvio do processo para repetição do julgamento, por via da verificação dos pressupostos dos art° 410°, 412° e 426°, todos do Código do Processo Penal, de conhecimento oficioso.
P– Alternativamente deve ainda a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra, nos moldes acima requeridos, só assim se dando integral provimento ao presente recurso.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, a não se determinar o reenvio do processo para o tribunal recorrido para realização das diligencias supra requeridas, por via da verificação dos pressupostos dos art° 410°, 412° e 426°, todos do Código do Processo Penal, de conhecimento oficioso, deverá o despacho ora recorrida ser revogado e substituído por outro, nos termos acima requeridos, assim se dando integral provimento ao presente recurso.”

O Ministério Público, por intermédio da Exm.ª procuradora, respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1ª– O arguido H.G.M. inconformado com o douto acórdão proferido fls. 1293 e seguintes, que o condenou pela prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1, alíneas e) e f) e nº 2, al. e), por referência ao 202º, nº 1, al. c), todos do Código Penal, de um crime de explosão, p. e p. pelo artº 272º, nº 1, al. b) do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº 1, al. c), nºs 2, 4 e 5 por referência aos artigos 2º, nº 1, alíneas p) e v), 3º, nº 2, al. l) e 4º, nº 1, todos da Lei nº 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei nº 12/2011, de 27/04, na pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão, veio dele interpor recurso.
2ª– As questões suscitadas no recurso ora em apreço reconduzem-se, a quatro, a saber: da matéria de facto: a valoração das declarações do co-arguido; da discordância com a motivação da decisão por falta de fundamentação; da alteração da qualificação jurídica e do regime especial para jovens.
3ª– Da leitura da motivação apresentada pelo Recorrente e respectivas Conclusões resulta que este impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada e que indicia a co-autoria, invocando que, face à prova produzida em audiência, existem diversos pontos de facto incorrectamente julgados e provas que impõem uma decisão diversa, desde logo, os pontos 1 a 13, 16, 20, 22, 28, 30 e 31 da matéria de facto assente, que, na sua perspectiva, devem ser considerados como não provados, quanto a si, uma vez que a sua condenação se baseia, única e exclusivamente, nas declarações prestada pela testemunha FF , que foi co-arguido, já anteriormente julgado. 
4ª– Sucede que não indica as passagens dos depoimentos da referida testemunha, antigo co-arguido nem tampouco da testemunha PS , que presenciou os factos, em que fundamenta a sua impugnação, não observando, deste modo, o preceituado nos nºs 3 e 4 do artº 412º do Código de Processo Penal.
5ª– Acresce que impugna o reconhecimento fotográfico efectuado em audiência de discussão e julgamento pela testemunha FF , por não ter sido seguido de reconhecimento pessoal, conforme impõe o artº 147º do Código de Processo Penal.
6ª– O Recorrente discorda da fundamentação da matéria de facto, por entender que a mesma não o devia contemplar, por assentar no depoimento da testemunha FF , o que é insuficiente para sustentar a sua condenação.
7ª– O que o Recorrente pretende verdadeiramente é impugnar o processo de formação da convicção do Tribunal a quo que levou à fixação da matéria de facto dada como provada e não provada, embora demonstre perfeito conhecimento do conteúdo, sentido e extensão do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº 127º do Código de Processo Penal, insindicável em reexame da matéria de direito, como veremos adiante.
8ª– Visa impor a sua leitura e apreciação da prova que selecciona – nomeadamente, a interpretação que faz dos depoimentos prestados pelas testemunhas PS, JR  e FF, este último, antigo co-arguido, já julgado e condenado pela prática dos factos que constituem objecto destes autos, em sede de audiência de discussão e julgamento – e, desse modo, alterar a convicção do julgador e a razão de ser deste ter decidido a matéria de facto do modo como o fez, esquecendo, por completo, que os mesmos têm de ser conjugados entre si e valorados conjuntamente com a demais prova produzida, nomeadamente, com a prova testemunhal, pericial e documental carreada para os autos e analisada em julgamento.
9ª– É evidente que o Recorrente pretende impugnar a formação da convicção do Tribunal, que considerou decisivo o depoimento da testemunha FF, que depois de advertido nos termos e para os efeitos do disposto no artº 133º, nº 2 do Código de Processo Penal, optou por prestar declarações que, analisadas à luz das regras da experiência comum, se afiguram credíveis, coerentes, lógicas e conformes com a realidade.
10ª– Mas mais do que isso, encontram sustentação na demais prova testemunhal e documental produzida, nomeadamente, nas declarações das testemunhas PS, JR , RB e TR e nas apreensões efectuadas.
11ª– É a versão apresentada pela testemunha FF, versão dos factos levada à matéria de facto assente, de acordo com a fundamentação constante do douto acórdão recorrido, que se afigura mais próxima da verdade material e, por isso, não merece qualquer censura.
12ª– Não colhe o entendimento do Recorrente de que a testemunha não o conhecia e que o reconhecimento fotográfico não podia ser valorado pelo Tribunal a quo e que ele não podia ter praticado os factos porque se encontrava no Algarve.
13ª– Não se mostrava necessária a realização de prova por reconhecimento, com a observância do preceituado no artº 147º do Código de Processo Penal, uma vez que a testemunha FF deixou bem claro nas suas declarações que não conhecia o arguido, mas que o conheceu, na véspera da prática dos factos, quando foi com o DP  e o JPC “ao Pinhal Novo, onde estava o H.G.M. no café, que deu ideia”, tendo o “JPC apresentado o Sr. H.G.M. aos dois”, tendo sido peremptório, quando confrontado como a fotografia constante dos autos, a fls. 478, em afirmar que se tratava do H.G.M..
14ª– Ora, a leitura que o Recorrente faz não abala a consistência e coerência da fundamentação da matéria de facto, onde o exame crítico da prova produzida – nomeadamente, a valoração dos mencionados depoimentos, que encontraram suporte na prova documental e pericial junta aos autos –, revela o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os aludidos meios de prova, conforme se alcança à saciedade da passagem acima transcrita do acórdão.
15ª– Acresce que, não se pode descurar que a valoração das declarações prestadas por um antigo co-arguido, agora testemunha – que advertido nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artº 133º do Código de Processo Penal prestou declarações sobre toda a matéria, não se escusando a responder –, constitui uma prerrogativa do Tribunal a quo, no exercício pleno do princípio da livre apreciação da prova, sendo inatacável, desde que devidamente fundamentada, como é o caso.
16ª– Nada obsta à valoração das declarações do antigo co-arguido FF  nos moldes efectuados pelo Tribunal a quo, pois que o arguido, não obstante ter optado por faltar à audiência de discussão e julgamento, este representado por Defensor que garantiu o exercício do contraditório e, nessa medida, podem e devem ser apreciadas à luz do dito princípio.
17ª– A questão da valoração das declarações do co-arguido tem sido muito discutida na doutrina e na jurisprudência e afigura-se-nos pacífico que podem ser valoradas, quer de forma isolada desde que na fundamentação de facto da decisão constem de forma clara as razões que levaram a atribuir credibilidade a tal meio de prova, quer quando corroboradas por outros meios de prova.
18ª– Neste sentido, veja-se por todos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/02/2014.
19ª– In casu, resulta de forma clara e concisa da fundamentação do acórdão recorrido os termos em que foi valorado o depoimento da testemunha FF , antigo co-arguido. Com efeito, para além das declarações por si prestadas, existem meios de prova que corroboram tal versão, desde logo, as declarações prestadas pelas testemunhas PS, JR , RB e TR e, bem assim, as apreensões efectuadas da caixa da ATM na berma da estrada e das notas subtraídas na mencionada ATM.
20ª– Por tudo o que ficou dito, e salvo melhor opinião, a mera afirmação de uma interpretação pessoal não se afigura idónea a abalar a convicção do tribunal, formada com base na totalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
21ª– Donde, impõe-se concluir que os factos assentes nos autos, mormente os já supra referidos, resultaram da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, essencialmente, do teor do depoimento prestado pela testemunha FF, antigo co-arguido, conjugado com a prova testemunhal, documental e pericial produzida, conforme, aliás, se alcança do acórdão recorrido, na fundamentação da matéria de facto quanto à formação da convicção do Tribunal, na passagem acima transcrita.
22ª– No que respeita às regras sobre a apreciação da prova, vigora no direito processual penal português, o princípio da prova livre, contemplado no já citado artº 127º do Código de Processo Penal, segundo o qual, aquelas são valoradas e apreciadas segundo a livre convicção do julgador.
23ª– In casu, haverá que afirmar que a fundamentação do acórdão sub judicio cumpre exemplarmente os respectivos requisitos legais, ali se encontrando muito bem explicitado e explicado o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os depoimentos prestados em audiência e devidamente analisados na mesma audiência e, bem assim, a valoração da prova pericial e documental produzida.
24ª– Fundamentação que, de resto, se acha também muito bem alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum.
25ª– Aliás, a douta decisão recorrida mostra-se muito bem fundamentada, de facto e de direito, no que concerne à indicação dos factos provados, não provados e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, tendo o Tribunal a quo indicado os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram e explicitado o modo que o levou a proferir a decisão no sentido da condenação do arguido, imputando-lhe os factos que preenchem os elementos objectivo e subjectivo dos crimes pelos quais foi condenado.
26ª– O Recorrente vem, ainda, invocar o princípio in dubio pro reo, mas também aqui sem razão.
27ª– A Jurisprudência dominante tem vindo a afirmar que a violação deste princípio só se verifica se da decisão recorrida resultar que o Tribunal a quo haja chegado a um estado de dúvida insanável e que, perante ela, tenha acabado por acolher a tese desfavorável ao arguido.
28ª– Ora, da análise do acórdão recorrido, mormente da sua fundamentação, em ponto algum se constata que o Tribunal a quo se tenha debatido com uma situação com tais características.
29ª– Para aquilo que não encontrou prova bastante, simplesmente remeteu para o local próprio, sendo certo que o acórdão se mostra devidamente fundamentado quanto aos factos dados como assentes, cfr. fls. 1308 a 1315.
30ª– O Recorrente pugna pela verificação dos vícios previstos nas alíneas a) e c) do nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal.
31ª– Os vícios previstos no nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
32ª– Socorre-se o Recorrente da leitura que faz da prova produzida, pretendendo, a propósito do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto o artº 410º, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, nos termos do disposto no artº 412º, nº 3, al. a) do citado Código.
33ª– Sucede que, tais vícios não se confundem, o primeiro é um vício da sentença/acórdão e não do julgamento ou do mérito da prova aí produzida e o que Recorrente quer, efectivamente, é impugnar o processo de formação da convicção do Tribunal a quo, decorrente da produção de prova, que, pelas razões supra aduzidas, não colhem.
34ª– Donde, não se verifica este vício, por um lado porque não se vislumbra qualquer desvio relevante em relação aos elementos de facto constantes da matéria provada, não colhendo, repete-se, a versão do Recorrente quanto à valoração da prova produzida, e, por outro lado, porque os factos considerados provados permitem e sustentam a integração jurídica efectuada.
35ª– Nem tampouco se verifica o vício de erro notório da apreciação da prova, previsto no artº 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal.
36ª– In casu, não se verifica qualquer erro ou contradição na matéria de facto, nem na fundamentação da decisão, afigurando-se conforme com as regras da experiência comum.
37ª– Com efeito, considerando o que ficou dito quanto à fixação da matéria de facto dada como provada no acórdão, impõe-se concluir que não assiste razão ao Recorrente, não sendo a decisão ora impugnada passível de qualquer censura.
38ª– Defende o Recorrente que existe concurso aparente, pela via da consumpção, entre os crimes de furto qualificado e de explosão, pois que a explosão “é um meio utilizado para se conseguir obter o dinheiro que se encontrava na ATM”.
39ª– Salvo o devido respeito, sem razão, desde logo, por força da teoria do bem jurídico protegido.
40ª– No crime de furto simples o bem jurídico protegido é a propriedade e no crime de furto qualificado o bem protegido estende-se igualmente à defesa de “um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado”, previsto em cada uma das qualificativas.
41ª– O crime de explosão, crime de perigo comum, concreto, protege a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado.
42ª– Ora, no caso concreto, a explosão ofendeu bens patrimoniais alheios de valor patrimonial elevado – causando danos na máquina e imóvel – e criou perigo para a vida e integridade física dos moradores do prédio onde estava instalada a ATM.
43ª– E o furto causou prejuízos na esfera patrimonial do lesado, com a subtracção da quantia monetária existente no seu interior, tal como danos na ATM e imóvel onde estava instalada.
44ª– Donde, não havendo coincidência absoluta entre os bens jurídicos protegidos, não se verifica a alegada consumpção e, nessa medida, bem andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática dos crimes de furto qualificado e de explosão.
45ª– Por último, e à cautela, invoca o Recorrente que deveria ter sido aplicado o regime especial para jovens e, nessa medida, a pena aplicada deveria ser especialmente atenuada e substituída por outra suspensa na sua execução.
46ª– Também aqui sem razão.
47ª– Feita a opção de aplicação de uma pena de prisão, única prevista nos tipos de crime de furto qualificado e de explosão, o Tribunal a quo ponderou a aplicação do Regime Especial Para Jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro – que prevê uma atenuação especial da pena –, conforme lhe impõe a lei.
48ª– Tal ponderação é obrigatória quando o jovem à data da prática do crime ainda não tiver atingido 21 anos de idade (cfr. nº 2 do artº 1º do citado diploma legal), conforme decorre do artº 9º do Código Penal, onde se dispõe que “Aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”.
49ª– Todavia, isso não significa que o referido diploma seja de aplicação automática.
50ª– Antes pelo contrário, resulta do preceituado no seu artº 4º, que sua aplicação depende da verificação, no caso concreto, dos pressupostos aí previstos, nomeadamente “quando o juiz tiver razões sérias para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a inserção social do jovem condenado.”
51ª– In casu, ponderando as circunstâncias do caso concreto e a personalidade revelada pelo arguido face ao seu percurso criminógeno, tendo sofrido já 4 (quatro) condenações por crime da mesma natureza (furto e furto qualificado), e não obstante a sua juventude, o Tribunal a quo não poderia aplicar o regime especial para jovens, uma vez que nada nos autos permite formular um juízo de prognose favorável acerca da sua capacidade de ressocialização.
52ª– Aliás, nem mesmo as invocadas condições pessoais permitem sustentar tal pretensão, face à gravidade dos factos que lhes são imputados.
53ª– Com efeito, da análise ponderada das circunstâncias pessoais do arguido e das exigências de prevenção especial, por contraponto à gravidade dos factos e às elevadas exigências de prevenção geral, o Tribunal a quo não podia concluir pela aplicação de uma pena que, em concreto, beneficiasse de uma atenuação especial decorrente da aplicação do regime especial para jovens, figurando a sua juventude como uma atenuação geral, nos termos do disposto no artº 71º do Código Penal.
54ª– Neste  sentido,  veja-se  por  todos,  o  Acórdão  do  Supremo  Tribunal de Justiça de 29/04/2009, relatado pelo Exmº Conselheiro Raul Borges.
55ª– Nestes termos, impõe-se concluir que, ao contrário do afirmado pelo Recorrente, mostra-se adequada, proporcional e justa a pena aplicada pelo Tribunal a quo.
56ª– Por todo o exposto, bem andou o Tribunal a quo ao proferir o douto acórdão recorrido, não se vislumbrando qualquer facto incorrectamente julgado, não colhendo a interpretação dada pelo ora Recorrente à prova produzida, nem qualquer vício ou tampouco a violação do princípio in dubio pro reo, nem a violação de qualquer norma jurídica, mormente as previstas nos artigos 125º, 126º, 127º, 147º, 355º, 410º, nº 2, alíneas a) e c) e 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, nos artigos 203º, 204º, nº 1, alíneas e) e f) e nº 2, al. e) e 272º, nº 1, al. b) do Código Penal, no artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro e no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deverá o recurso ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida.”

Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público, aqui representado pela Exm.ª Procuradora-geral adjunta, emitiu parecer subscrevendo inteiramente os argumentos expostos pela magistrada do Ministério Público na primeira instância e concluindo no sentido da improcedência do recurso.

O arguido apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, reiterando os argumentos expostos na motivação.

Recolhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. – Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os limites dos poderes de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir de forma precisa e clara as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

Tendo em conta as conclusões do recurso do arguido, as questões a apreciar são as seguintes:
a)–Erro de julgamento da matéria de facto por indevida valoração do reconhecimento do arguido pela testemunha FF ;
b)–Enquadramento jurídico dos factos provados - responsabilização criminal do arguido pelo cometimento do crime de detenção de arma proibida, existência de concurso efectivo entre os crimes de explosão e de furto qualificado;
c)–Aplicação do regime penal do jovem delinquente.  

3.–Matéria de facto.

No acórdão recorrido, o tribunal colectivo julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição):
“1–O arguido e JPC, FF e DP, já julgados, em data não concretamente apurada mas que se sabe ter sido nos primeiros dias do mês de Agosto de 2012, com o intuito de apoderarem de dinheiro que não lhes pertencia, decidiram levar a cabo um assalto a uma caixa de ATM, através de prévia destruição da mesma com o seu rebentamento através de explosão com gás, seguido da retirada das quantias em dinheiro que a mesma contivesse nos respectivos cacifos metálicos.
2–Para a execução do plano e para se transportarem para o local, o arguido e os outros três indivíduos acordaram todos entre si apoderarem-se, previamente e contra a vontade do proprietário respetivo, de uma viatura.
3–Posteriormente e na mesma noite, a hora que não foi possível apurar, o arguido e os demais três indivíduos, utilizando a viatura de marca Audi, modelo A3 e com a matrícula XX-XX-PM, propriedade do pai do arguido JPC, deslocaram-se para o Largo …………………… - Torres Vedras, local onde estacionaram a viatura de forma discreta.
4–Seguindo o plano que haviam previamente acordado,  H.G.M. saiu da viatura em que se transportavam e abeirou-se da viatura ligeira da marca Rover, modelo 214 SI e com a matrícula n° XX-XX-DC, pertencente a JDP, ido a fls. 93, a qual se encontrava estacionada em frente ao número 7 do referido Largo, com o intuito de a utilizar para a deslocação para o local onde iriam praticar os factos integradores do plano engendrado.
5–Por forma não esclarecida, o arguido H.G.M. , forçou e abriu e destruiu a fechadura da porta do lado do condutor, pondo o motor da mesma a trabalhar através de ligação direta, sem chave, após o que todos saíram da viatura de marca Audi com a qual se transportaram para o local e entraram na viatura de marca Rover referida.
6–À viatura de marca Rover de que os arguidos se apropriaram foi atribuído, pelo seu proprietário o valor de €700,00 (setecentos euros).
7–Mais tarde, depois de recuperada pelas autoridades policiais, veio a ser avaliada em €500,00 (quinhentos euros).
8–O arguido e os três indivíduos que o acompanhavam  tinham em seu poder todo o material necessário para provocar o rebentamento da caixa de ATM, tais como uma bateria, dois cabos eléctricos, uma botija de gás cetileno, mangueiras e chaves de fendas, bem como uma caçadeira de cano serrados, com o objectivo de, mediante a sua exibição, dissuadirem qualquer tipo de resistência que pudesse ser feita às suas pretensões, designadamente por parte das autoridades policiais.
9–De seguida, os três indivíduos e o arguido H.G.M.  dirigiram-se para as proximidades da Caixa de AT da dependência da Caixa de Crédito Agrícola de ………… - Sobral de Monte Agraço, sita na Av. ……………., onde chegaram já pelas 05h00 do dia 09 de Agosto de 2012.
10–Ali chegados, ampliaram a abertura do orifício de saída das notas, através do qual introduziram na caixa uma mangueira, esta por sua vez ligada a uma bilha de gás de alta pressão, carregada com o gás acetileno, bem como um fio elétrico composto por dois filamentos metálicos encontrando-se numa das extremidades com pontas descarnadas e em contacto uma com a outra.
11–De seguida o arguido H.G.M.  procedeu ao enchimento da caixa multibanco através da libertação do gás a alta pressão e, concluída esta operação, foi efetuado o contacto das duas pontas livres existentes na outra extremidade do referido fio, nos terminais elétricos positivo e negativo, da bateria automóvel que transportavam, despoletando uma faísca no interior do cofre da máquina ATM, desta forma provocando a detonação dos gases e assim uma forte explosão.
12–Em ato contínuo, o arguido H.G.M.  entrou nas instalações da agência bancária através de uma das janelas das instalações, a qual se partira com o impacto da explosão, de onde veio a retirar, pela parte posterior da máquina ATM, dois cacifos metálicos que continham a quantia, em dinheiro, de € 310,00 (trezentos e dez euros).
13–O arguido e demais indivíduos que o acompanhavam fizeram sua a quantia em dinheiro referida, a qual dividiram entre todos.
14–Seguidamente, retiraram-se do local, vindo a abandonar a viatura Rover que haviam utilizado, passando a partir desse momento a deslocar-se na viatura de marca Audi, modelo A3, de matrícula XX-XX-PM
15–Na altura em que se dirigia para Pero Negro e passavam por um terreno adjacente à Avenida ……………, Km 13,1, após a localidade de Feiteira, libertaram-se de um dos cacifos que haviam retirado da caixa de ATM e que posteriormente foi recolhido pela GNR.
16–A explosão levada a cabo pelo arguido, em conjugação com os demais indivíduos, pela forma supra descrita, provocou estragos diversos, na caixa de ATM e nas instalações da agência da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, assim causando prejuízos, no que respeita à instituição bancária, no montante apurado de cerca de € 40.200,00 (quarenta mil e duzentos euros).
17–A explosão provocada ocorreu num espaço próximo de prédios habitacionais com um índice de ocupação elevado.
18–Qualquer transeunte que passasse no local aquando da explosão, poderia ter ser atingido por estilhaços, com violência e gravidade, nomeadamente pelos estilhaços metálicos provenientes da caixa ATM, situação que seria suscetível de provocar graves lesões traumáticas, ou mesmo a morte.
19–Acresce que a própria onda de choque que seria provocada pela explosão, caracterizada pela libertação brusca de energia e aumento de pressão no meio envolvente, só por si é suscetível de causar graves lesões em órgãos vitais tais como coração, pulmões, olhos e ouvidos.
20–Os referidos perigos que seriam criados pela explosão não podiam, de modo algum, ser desconhecidos pelo arguido e seus companheiros e apenas por razões que lhes eram alheias não se vieram a concretizar.
21–Entretanto, depois de encetarem a fuga na viatura de marca Audi, quando eram cerca das 06h15 e seguiam pela EM 1032, junto ao entroncamento de Fonte Barreira, com as luzes da viatura apagadas, vieram a ser detetados, perseguidos e intercetados pela GNR de Setúbal.
22–O H.G.M. , entretanto, logrou fugir.

23–Depois de abandonarem a viatura que viria a ser apreendida, deixaram no seu interior, os seguintes objetos, igualmente apreendidos:
- uma caçadeira de canos e coronha serrados, de calibre 12, marca desconhecida e número de série 65444;
- uma garrafa de gás acetileno;
- uma bateria;
- fios eléctricos,

24–Objetos estes que foram utilizados na execução do assalto à referida caixa de ATM .
25–No mesmo dia, JPC, DP e FF detinham consigo oito notas de €10, cada, das que haviam retirado da caixa de ATM.
26–A arma de fogo apreendida apresentava os canos e coronha serrados, encontrando-se alterada e modificada em relação ao modelo original, não sendo, por isso, suscetível de legalização.
27–A explosão provocada criou perigo para bens patrimoniais de valor relevante, nomeadamente para o edifício onde se encontrava instalada a caixa ATM.
28–Agiu o arguido e terceiros que o acompanhavam com o único  propósito de se apropriar dos valores que se encontrassem guardados no interior da caixa ATM atingida, apesar de ter consciência do perigo que a atuação criava para a vida e/ou integridade física de quem passasse no local à hora em que a explosão foi provocada, assim como para o património de terceiros.
29–Com efeito, a explosão foi causada com gases perigosos e com tamanha força e intensidade que criaram um real perigo de verificação dos referidos resultados, tendo o arguido mostrado desprezo pelos bens e valores que colocou em causa com a sua atuação.
30–Sabiam ainda o arguido e demais indivíduos que a descrita conduta gerava necessariamente elevada perturbação e instabilidade social, sendo potenciadora de sentimentos de revolta, alarme social e insegurança entre a população residente na zona.
31–Agiu livre, voluntaria e conscientemente, com o objetivo último de enriquecer à custa do património alheio, bem sabendo que as descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
32–A lesada Caixa Agrícola tem por objeto o exercício de funções de CRÉDITO AGRÍCOLA e a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária que sejam instrumentais em relação àquelas funções e lhe não estejam especialmente vedadas.
33–Exerce a sua atividade no concelho de Torres Vedras, onde possui 16 agências espalhadas por diversas freguesias, entre as quais a freguesia de …………...
34–A explosão levada a cabo pelo arguidos e demais comparticipantes nos factos provocou estragos diversos nas instalações da Agência de ………., tendo o edifício em que está sedeada a Agência necessitado de ser reparado, assim causando à demandante prejuízos no valor de 27.693,40€ (vinte e sete mil, seiscentos e noventa e três euros e quarenta cêntimos).
35–Também a máquina ATM sofreu prejuízos irreparáveis, tendo ficado completamente destruída.
36–Por conta do sucedido, a demandante efetuou a participação ao seguro, a qual a compensou pela globalidade dos estragos sofridos na máquina ATM.
37–Relativamente aos danos no edifício em que se encontrava sedeada a Caixa Agrícola, o Seguro pagou o valor de €18,263,12 (dezoito mil, duzentos e sessenta e três euros e doze cêntimos), pelo que o prejuízo suportado pela Caixa Agrícola ascende ao montante de €9.430,28€ (nove mil, quatrocentos e trinta euros e vinte e oito cêntimos).
38–A que acresce o montante de €320,00 (trezentos e vinte euros) subtraídos do interior da máquina ATM.
*

Mais se provou:
i–O arguido H.G.M. nasceu em 25-07-1992, tendo 20 anos de idade à data da prática dos factos.
ii–No registo criminal do arguido encontram-se averbadas as seguintes condenações:
- Por decisão transitada em 9-09-2011, no âmbito do Proc. 713/10.9PKLRS do então 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures, foi condenado na pena de 50 dias de multa, pela prática, em 25-12-2010, de factos consubstanciadores de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204º do Código Penal.
- Por decisão transitada em 14-09-2012, no âmbito do Proc. 567/12.0PBLRS do então 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures, foi condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática, em 25-06-2012, de factos consubstanciadores de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelo art. 204º do Código Penal.
- Por decisão transitada em 13-01-2014, no âmbito do Proc. 480/11.9PBLRS do então 2º Juízo do Tribunal de Criminal de Loures, foi condenado na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 25-3-2011, de factos consubstanciadores de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204º, nº2, al. e) do Código Penal.
- Por decisão transitada em 30-06-2014, no âmbito do Proc. 714/10.7PKLRS do então 3º Juízo do Tribunal Criminal de Loures, foi condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática, em 26-12-2010, de factos consubstanciadores de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º do Código Penal.

Na motivação da decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, consta o seguinte (transcrição):
“O Tribunal decidiu quanto à matéria de facto provada e não provada tendo por base a análise concatenada de todos os meios de prova, enformados pelas regras da experiência comum, nos termos que a seguir se explicitarão.

Assim, as testemunhas AM, gerente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (CCAM) de ………, JN, Empregado Bancário na CCAM, TR, RB, militares da GNR, ND, Inspetor da Polícia Judiciária e PS, residente no prédio onde ocorreu a explosão, que se deslocaram ao local e o observaram diretamente, descreveram o estado em que ficou a dependência bancária em que se localizava o ATM atingido, após a explosão. A factualidade atinente aos danos causados e sua extensão decorreu não só da prova testemunhal referida como da prova documental junta aos autos, mormente da reportagem fotográfica de fls. 33 e segs. com a qual foram as aludidas testemunhas confrontadas aquando da prestação dos seus depoimentos. Ainda, quanto a prova documental, importa mencionar o auto de notícia, de fls. 5 e segs., os aditamentos de fls. 24 e de fls. 50 e segs., relatório fotográfico de fls. 54 e segs. auto de apreensão de fls. 60, auto de exame direto da arma apreendida a fls. 68 e segs., auto de apreensão de fls. 88 (quantia na posse de FF ), Relatório de Exame Pericial de fls. 252 e segs., documentação junta a fls. 487 e segs., 614 e segs., Exame junto a fls. 635 e segs.

A testemunha PS, residente no prédio, descreveu que ouviu, durante a noite, uma violenta explosão que fez saltar a água dos sanitários e abrir as portas dos armários de sua casa. Referiu-se, ainda, ao que visualizou, designadamente que se encontrava um fio estendido entre um carro estacionado junto à agência da CCAM e o ATM existente na mesma. Mais descreveu que se apercebeu de 4 indivíduos no local, encontrando-se um deles dentro de um veículo, que reconheceu como pertencendo a um seu familiar, e para o qual se dirigiram os restantes três indivíduos que se encontravam no exterior. Não teve dúvidas quanto à identificação do veículo uma vez que aquele apresentava uma mossa que reconheceu. Contactou telefonicamente o familiar em causa, que lhe transmitiu que já havia apresentado queixa pelo furto, tendo-o informado da matrícula do veículo. A aludida testemunha viria a fornecer a matrícula da viatura assim obtida  às autoridades policiais.

Os militares da GNR RB e TR, receberam comunicação relativa à ocorrência da explosão na agência do CCAM de ……………. e, em posse da informação relativa à matrícula do veículo utilizado e de que os envolvidos nos factos se haviam deslocado no sentido de Sobral de Monte Agraço, seguiram na apontada direção, tendo localizado uma caixa na berma da estrada, a cerca de 5-6 Km do local, que veio a revelar-se pertencer ao ATM atingido.

MM, capitão da GNR, descreveu que na altura comandava o Destacamento de Setúbal e que havia notícia de muitos crimes da índole dos sob julgamentos, o que os levara a reforçar o patrulhamento noturno.

A dada altura, quando se encontrava na Estrada Nacional nº 4, na direção do Poceirão, numa viatura descaracterizada, visualizou uma viatura em circulação sem as luzes ligadas, à qual deu, por tal motivo, ordem de paragem. O condutor não acatou a ordem, o que conduziu a que encetassem perseguição á mesma, acionando, para o efeito, a sirene e os “pirilampos”.

Comunicou com outras viaturas, que viriam a intercetar o veículo em que seguiam o arguido e os indivíduos que o acompanhavam, tendo-se referido em audiência à forma como decorreu a detenção dos demais indivíduos, anteriores co–arguidos, que foram já julgados, e como alcançou a fuga o quarto indivíduo que seguia igualmente no veículo.

Os indivíduos detidos na operação em causa tinham em seu poder notas que haviam sido subtraídas do ATM atingido pela explosão, que foram oportunamente apreendidas. Foi ainda apreendida na mesma ocasião  uma arma caçadeira de canos serrados que se encontrava no interior do veículo em que seguiam. Intervieram ainda na descrita operação as testemunhas RA, Comandante do Posto Territorial da Quinta do Conde, NA, Sargento-Ajudante da GNR e JM, Cabo da GNR, à qual se referiram no depoimento que prestaram em audiência.

No que concerne concretamente à extensão e valor dos danos causados, encontram-se juntos aos autos os documentos a que se referiu a testemunha JN, mormente a fls. 487 e segs., a qual explicitou em audiência a forma de cálculo do montante subtraído pelos agentes do furto, coincidente com os valores que viriam a ser apreendidos na posse dos co-arguidos intercetados no dia da prática dos factos. A respeito da aludida factualidade se pronunciou ainda AD, Legal Representante do demandante civil e LX, funcionário da CCAM, que tratou internamente da documentação atinente ao prejuízo sofrido, tendo-se reportado aos documentos correspondentes aos orçamentos de reparação e acionamento do seguro por parte da instituição bancária.

Prestaram ainda depoimento em audiência JD, proprietário do veículo ROVER, que se referiu às circunstâncias em que o mesmo lhe viria a ser subtraído, e EB, proprietário do veículo OPEL CORSA, que se referiu igualmente ao furto que participara às autoridades do seu veículo, quando se encontrava estacionado junto à residência da filha.

Finalmente, prestou depoimento em audiência o ex co-arguido FF, após advertência legal da faculdade que lhe assistia de não o fazer, prevista no art. 133º, nº2 do CPP, que relatou o plano elaborado entre os quatro intervenientes e sua execução, mormente o papel assumido por cada um no desenrolar dos factos, confirmando tratar-se o ora arguido do quarto elemento que lograra colocar-se em fuga aquando da interceção e detenção de que foram alvo.

A descrição fática realizada pela testemunha encontra inteiro apoio nos demais elementos de prova já supra referidos, o que confere inteira credibilidade ao relato operado, não restando ao Tribunal quaisquer dúvidas quanto à autoria dos factos.

Atente-se que, no caso, não estamos perante declarações prestadas por co-arguidos, incriminatórias de um outro co-arguido, uma vez que ao depoente já não assiste tal qualidade, uma vez que a decisão relativa aos factos que lhe eram imputados se encontra já coberta pelo trânsito em julgado.

Por outro lado, a testemunha não recusou responder a qualquer questão, pelo que sempre nos encontraríamos fora do âmbito de aplicação do disposto no art. 345º, nº4 do CPP. Com efeito, da aludida norma decorre que, para as declarações do co-arguido poderem valer contra o arguido, este tem de ter a possibilidade efetiva de o poder contraditar, ou contra instar, em audiência de julgamento, sendo-lhe assegurado o exercício de um contraditório pela prova, neutralizando a ausência de respostas às perguntas do tribunal e/ou a solicitação do MP e da defesa, os efeitos da declaração incriminatória de co-arguido.

Com efeito, o Tribunal Constitucional (ATC nº 524/97) julgara já inconstitucional, por violação do art. 32º, nº5 da CRP, a norma extraída com referência aos arts 133º, 343º e 345º do CPP no sentido em que conferia valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido, em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido o primeiro se recusara a responder no exercício do direito ao silêncio. O nº 4 do art. 345º do CPP, aditado na reforma de 2007, veio acolher o entendimento ali expresso, transpondo para letra de lei a impossibilidade de valoração das declarações de co-arguido como meio de prova.

Não se olvida a tese defendida Medina de Seiça (O Conhecimento Probatório do Co-arguido, 1999, p. 228), segundo a qual para que as declarações de co-arguido assumam relevância probatória, estas terão que ser submetidas a uma exigência suplementar, o que se reconduz ao denominado “princípio da corroboração”.

Refere o aludido autor que “Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente” (Medina de Seiça, loc. cit., p. 228).

A jurisprudência do STJ dá nota de diferentes acolhimentos do princípio. Acolhe-se aqui o propugnado no Acórdão do STJ de 3-9-2008 (in www.dgsi.pt), da pena do Sr. Conselheiro Santos Cabral:
“O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova” .
Os factos atinentes à autoria do furto do veículo Opel Corsa não foram confirmados pela testemunha FF , pelo que, inexistindo outros meios de prova a suportar a sua imputação ao arguido, foram dados como não provados.
*

Quanto aos antecedentes criminais do arguido, ancorou o Tribunal a sua decisão no CRC junto aos autos.”

4.–  Os tribunais da relação conhecem dos recursos em matéria de facto e em matéria de direito (artigos 427º e 428º do Código de Processo Penal) e a decisão sobre a matéria de facto pode ser alvo de recurso em dois planos bem distintos:
Uma primeira forma de colocar em crise a decisão de facto consiste na alegação de um dos vícios do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova.
Neste caso, também de conhecimento oficioso, o objecto de apreciação encontra-se bem delimitado: como estabelece inequivocamente a norma respectiva,  trata-se de analisar apenas a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras normais de experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, nomeadamente ao conteúdo dos meios de prova produzidos, inclusive da prova oralmente produzida e gravada em audiência.

O arguido invocou a verificação no acórdão recorrido dos vícios decisórios previstos no artigo 410º nº 2 , alíneas a) e  c) do C.P.P. e pede que seja determinado o reenvio do processo para novo julgamento, porquanto, em síntese, o tribunal recorrido baseou o juízo probatório no depoimento da testemunha FF , mas o reconhecimento que esta testemunha fez em audiência de julgamento foi efectuado de forma inválida e não pode ser utilizado como meio de prova.

Poder-se-á considerar adquirido que o vício da alínea a) do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal existe quando se conclua, a partir do próprio texto da sentença que a matéria de facto provada se revela insuficiente para a decisão correcta de direito. Entendendo-se necessário precisar que a decisão critério não é aquela decisão que se alcançou no processo, mas a decisão justa, a composição mais próxima da  “ideal” e que, tendencialmente, declara a justiça no caso concreto[1].

Na verdade, o recorrente não suscita uma falta ou incompletude da matéria de facto provada para a decisão de direito, mas sim a insuficiência da prova para a matéria de facto provada, em consequência do que considera ser um erro de valoração das provas.

Este problema não é de vício decisório e deve ser sindicado em sede de impugnação (ampla) da decisão da matéria de facto nos limites genericamente consentidos nos artigos 412º nº 3, 430º e 431º, todos do Código de Processo Penal.

Em nossa apreciação, o texto do elenco da matéria de facto provada é susceptível de preencher todos os elementos, objectivos e subjectivos, dos tipos de crime imputados e de  permitir uma decisão justa e não vemos que o tribunal tenha de alguma forma omitido o dever de indagação e investigação em matéria de facto.

O vício decisório do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º do Código de Processo Penal, consiste numa falha ou incorrecção de pensamento ou de raciocínio por ignorância ou falsa representação da realidade que conduz a uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e que, em si mesma não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.

O recorrente não distingue os planos ou perspectivas, uma vez que invoca a verificação de erros notórios quanto à decisão da matéria de facto e de insuficiência da matéria de facto para a decisão, mas relaciona sempre a verificação desses vícios decisórios com erros de julgamento, decorrentes do que considera ser uma deficiente valoração do depoimento de FF Alexandre da Silva .

O texto da sentença não permite surpreender alguma incompatibilidade ou antinomia inultrapassável entre a fundamentação e a decisão ou qualquer erro ostensivo na valoração da prova.

5.– Num plano distinto, genericamente admitido pelos artigos 412º nºs 3 e 4 e 431º, ambos do Código de Processo Penal, o objecto de análise não se restringe ao texto da decisão e envolve a apreciação da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento.

Ainda assim, o recurso não constitui um segundo julgamento nem se destina a uma nova análise de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas a uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham (não apenas que “aconselhavam” ou “permitiam”) uma decisão diferente pelo tribunal, ou seja por uma entidade imparcial e isenta, num julgamento justo e equitativo.

Precisamente porque o recurso se destina a uma correcção cirúrgica de erros de procedimento ou de julgamento, a lei adjectiva impõe ao recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida em matéria de facto o ónus de proceder a uma tríplice especificação: a especificação dos «concretos pontos de facto», que se traduz necessariamente na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, a especificação das «concretas provas», que só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Tendo havido gravação das provas, as referidas especificações têm de ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.° 4 e 6 do artigo 412.° do C.P.P.).

Tal como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, Relator Cons. Simas Santos, processo 06P461, sum. in www.dgsi.pt  e no entendimento posteriormente retomado no Acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2008, no processo 08P1884, a omissão das indicações e especificações da prova e dos meios de prova não permite convite ao aperfeiçoamento se a omissão se verifica nas motivações e nas conclusões, conduzindo a manifesta inviabilidade do recurso de impugnação da decisão em matéria de facto: Se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referencia a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto a questão de facto (…), pois o recurso de facto para a Relação (…) é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.2 - Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação as especificações ordenadas pelos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP, não há lugar ao convite a correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite a correcção das conclusões da motivação.

O recorrente alega desacordo com a decisão e uma valoração distinta, mas de uma forma genérica, omitindo a especificação dos pontos da matéria de facto provada onde terá ocorrido o erro de julgamento e esquecendo a necessária indicação dos meios de prova que impõem uma decisão diversa da recorrida.

Sabido que o momento processual adequado para a exposição e análise das conclusões extraídas da prova produzida ao longo da audiência se esgotou nas alegações orais a que se reporta o artigo 360º do Código de Processo Penal, será irrelevante a argumentação que se contenha na mera apreciação genérica sobre “o que se provou” ou quanto ao que na perspectiva interessada do recorrente “resulta” de todo um depoimento, sempre que essa avaliação não seja acompanhada, não só da indicação dos concretos meios de prova por referência ao segmento ou trecho do depoimento ou das declarações, mas também do raciocínio lógico entre esses concretos elementos probatórios indicados e uma decisão diferente.

O incumprimento do ónus de impugnação especificada, não só nas conclusões do recurso, mas igualmente na respectiva motivação, inviabiliza a apreciação da impugnação da decisão em matéria de facto, pois, como é sabido, não há lugar a convite para efectuar as especificações em falta, uma vez que isso traduziria a concessão à revelia da lei de um segundo prazo de interposição de recurso.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre este entendimento, sustentando não ser inconstitucional a norma do artigo 412.°, n.º 3, alínea b), e 4, do C.P.P., interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida, tem como efeito o não conhecimento dessa matéria sem que haja prévio convite ao aperfeiçoamento (neste sentido, Acórdãos do T.C. n.° 259/2002, 140/2004, 488/2004, 342/2006, decisões sumárias do T.C. 58/2005, 274/2006 e 88/2008, www.tribunalconstitucional.pt ).

Face ao exposto, o recurso do arguido não permite a reapreciação da prova gravada, nem a alteração da decisão em matéria de facto.

Ainda assim, procurando percorrer os argumentos expostos pelo arguido, por forma a não inviabilizar totalmente o direito ao recurso:
O tribunal recorrido estabeleceu o nexo de imputação os factos dos autos ao arguido unicamente com base no depoimento de FF, pessoa que tendo sido ainda co-arguido no processo original, foi ouvido na audiência de julgamento na qualidade de testemunha, depois de advertido em observância do disposto no artigo 133º n.º 2 do Código de Processo Penal.   
                 
Encontram-se cabalmente explicitadas no acórdão os motivos da convicção do tribunal colectivo e que se podem sintetizar na indicação pela testemunha de que H.G.M. foi o quarto elemento do grupo que planeou e executou os factos e que se colocou em fuga, após a intervenção policial.

Afirma o recorrente que essa indicação se resume a um reconhecimento realizado através de uma fotografia, o que se traduz num meio inválido de produção de prova.

Resulta dos autos que a testemunha em causa nunca realizou qualquer “reconhecimento” do arguido com observância do formalismo previsto no artigo 147º do Código de Processo Penal ; Porém, o acórdão recorrido nunca considerou essa indicação como um  “reconhecimento” em sentido próprio, a que se refere o artigo 147.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Num entendimento jurisprudencial com que concordamos, a concreta situação processual em que uma testemunha relata um evento passado e produz nesse âmbito referencias identificativas das pessoas intervenientes nesse evento, o que poderá acontecer também por recurso a exibição de uma fotografia, insere-se no depoimento da testemunha e segue o regime estabelecido para esse depoimento, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Segundo se escreveu no acórdão do S.T.J. de 03-03-2010 (proc. 886/07.8PSLSB.L1.S1,Santos Cabral)acessível inwww.dgsi.pt)       
“a situação em que a testemunha, ou a vitima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal.

Como refere Medina de Seiça o acto de reconhecimento visual de uma pessoa, na medida em que implica uma reevocação de uma percepção ocular anterior, apresenta profundas similitudes com o processo mental próprio do depoimento testemunhal. Na verdade, «têm em comum o fundo: memórias empíricas» que, por meio da recordação podem emergir como informação disponível. Sustentados, pois, na complexa actividade mnemónica, ambos os meios de prova são particularmente vulneráveis a múltiplos factores de distorção e engano que ocorrem ao longo de todo o itinerário da cognição, da memorização e da evocação. Esta similitude, porém, não elimina as diferenças estruturais existentes entre as duas formas de percepção e recordação (31).

Numerosos estudos psicológicos têm posto em evidência que no testemunho o depoente organiza a recordação mediante referentes de espaço e tempo, causa e efeito. Deste modo, as informações prestadas são apreensíveis com facilidade pelos destinatários, pois recondutíveis aos esquemas usuais da comunicação verbal. A situação é diversa quando se trata de efectuar um reconhecimento: dizendo-o com Cordero, aqui trabalha-se sobre uma matéria completamente alógica, que se presta aos «curtos-circuitos» de sensações racionalmente insondáveis. (32)

Por outro lado, em face de uma identificação visual feita por uma pessoa, os meios de controle são muito mais limitados do que perante um testemunho. Neste último, o processo de composição da recordação pode ser aprofundado, vigiado e submetido a verificação, sobretudo no decurso da audiência mediante contra-interrogatório. Muito embora a pessoa que efectua o reconhecimento deva ser também ela objecto de interrogatório, em ordem a fiscalizar o mais possível o contexto em que terá ocorrido a sua percepção originária e a possibilidade de factores de erro entretanto ocorridos, certo é que o acto recognitivo em sentido estrito escapa a um efectivo controle.
(…)

O reporte testemunhal ao acto processual praticado no inquérito ou a afirmação de que o arguido foi o autor dos factos incursos em tipicidade criminal concretiza-se no conceito de prova testemunhal e não de prova por reconhecimento.”

Perante uma situação similar à dos presentes autos, em que é perguntado à testemunha se reconhece a pessoa retratada numa fotografia como a autora dos factos que lhe são imputados, decidiu igualmente o Supremo Tribunal de Justiça que “esta “identificação” do arguido insere-se no depoimento da testemunha
e segue o regime estabelecido no CPP para esse depoimento, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 127.º do CPP. A diligência realizada é, pois, legal, sendo em sede de valoração de prova que cabe apreciar o maior ou menor valor probatório da identificação do arguido, feito pela testemunha, pois trata-se de um elemento do respectivo depoimento testemunhal, que teve lugar em audiência de julgamento e ao qual não pode atribuir-se-lhe o especial valor que é inerente ao “reconhecimento próprio” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2010, proc. 173/05.6GBSTC.E1.S1, Fernando Frois, acessível in www.dgsi.pt
     
Tanto quanto para nós sobressai da audição do registo áudio dos depoimentos prestados na audiência de julgamento, a testemunha FF Alexandre da Silva  narrou os acontecimentos por si vividos de uma forma circunstanciada, serena e segura. No decorrer do seu depoimento referiu pormenorizadamente toda a intervenção de uma pessoa que nestes autos surge como o arguido, mencionando o seu nome como “H.G.M. ”,  “Sr. H.G.M.” e “Sr. ", com a alcunha de “M”, revelando segurança na identificação da pessoa de quem falava; Por fim, FF  confirmou que essa pessoa que cometeu os factos descritos na acusação destes autos tem a fisionomia retratada na imagem que surge a fls. 248 e a fls. 250. Dos elementos constantes do ficheiro da PJ resulta que a pessoa indicada pela testemunha tem os elementos de identificação do arguido destes autos.

No depoimento desta testemunha não se vislumbra um interesse próprio de exculpação pelos factos por si cometidos e já julgados, nem outro motivo suficiente para afastar fiabilidade das declarações incriminatórias do aqui arguido.

Assim sendo, tendo em conta os elementos disponíveis sobre a credibilidade e a consistência do depoimento, afigura-se-nos que a opção do tribunal se revela consentânea com o direito probatório e com as regras normais da experiência comum.

6.–O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos.

A propósito da relação entre os princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo, escreveu Cristina Líbano :
“O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último.
Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva.”

Entendidos, assim, objectivamente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar este princípio violado quando o tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objectiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório ( cfr art. 127º do CPP).” (Perigosidade de Inimputáveis e « In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, p. 51-53)

Em lado algum transparece que no processo de formação da convicção, o tribunal tenha enfrentado uma situação de dúvida sobre a ocorrência dos factos desfavoráveis ao arguido e que julgou provados.

Sendo inquestionável que agora em sede de recurso também não se nos suscita dúvida que justifique a aplicação daquele princípio.

Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual, improcede igualmente a argumentação do recorrente neste âmbito.

Na valoração conjunta que fazemos dos elementos probatórios disponíveis, não encontramos no processo de formação da convicção do tribunal recorrido qualquer erro de racionalidade, infracção de regras de experiência comum ou outro fundamento que nos imponha uma solução diferente da que consta da decisão da matéria de facto constante do acórdão recorrido.

7.–A descrição factual evidencia uma  actuação em conjugação de esforços, de  execução de um plano conjunto entre o arguido e três outras pessoas (JPC, FF  e DP), sempre sob um especifico desígnio comum, nos termos constantes da matéria de facto provada do acórdão recorrido.

Como é sabido, para a punibilidade da co-autoria não é necessário que cada um dos agentes realize integralmente o facto punível, que execute todos os factos materiais correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado, sem prejuízo, obviamente, da valoração distinta e individual da culpa de cada comparticipante (cf. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2009, processo n.º 09P0484 in www.dgsi. pt e Acórdão do STJ de 11-03-1998, Proc. n.º 1133/97 - 3.ª, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 220).

Em face do exposto, provando-se que o arguido e os três indivíduos que o acompanhavam tinham em seu poder a caçadeira de cano serrados, com o objectivo de, mediante a sua exibição, dissuadirem qualquer tipo de resistência que pudesse ser feita às suas pretensões, designadamente por parte das autoridades policiais a circunstância de ter sido distinta a intervenção directa de cada um deles nos concretos factos que constituíram a detenção de arma proibida não obsta à co-responsabilização de todos os quatro intervenientes.

8.–O recorrente suscita ainda a inexistência de concurso efectivo entre os crimes de furto qualificado e de explosão.

Segundo o princípio geral constante do artigo 30º do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O critério determinante do concurso é um critério teleológico, remetendo essencialmente ao critério do bem jurídico protegido em cada crime, do seu sentido e alcance. Como os tipos legais de crime protegem bens jurídicos, a confluência ou a pluralidade de protecção tem de revelar-se decisiva para reduzir a (aparente) pluralidade à (efectiva) unidade, sem o que seria afectado o princípio da proibição da dupla valoração.

A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segundo as regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.

Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras.

A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.(acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2010, proc. 474/09.4PSLSB.L1.S1, Henriques Gaspar).

O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é essencial para determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, concurso legal ou aparente ou real ou ideal.

Neste âmbito, subscrevemos as judiciosas considerações constantes da resposta do magistrado do Ministério Público na primeira instância.

Como aí se escreveu, no crime de furto simples o bem jurídico protegido é a propriedade e no crime de furto qualificado o bem protegido estende-se igualmente à defesa de “um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado”, previsto em cada uma das qualificativas.  

O crime de explosão, crime de perigo comum, concreto, protege a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado.

Ora, no caso concreto, a explosão ofendeu bens patrimoniais alheios de valor patrimonial elevado – causando danos na máquina e imóvel – e criou perigo para a vida e integridade física dos moradores do prédio onde estava instalada a ATM.

E o furto causou prejuízos na esfera patrimonial do lesado, com a subtracção da quantia monetária existente no seu interior, tal como danos na ATM e imóvel onde estava instalada.

No crime de explosão, a justificação da tutela penal e a carência de pena dependem da concreta perigosidade para a vida, a integridade física e os bens patrimoniais de elevado valor que possam ser afectados. A área de tutela típica excede claramente os bens e interesses afectados pelo crime de furto qualificado.

Na situação concreta destes autos é evidente o relevo dos danos efectivamente causados e do perigo criado com a explosão:
Segundo se provou qualquer transeunte que passasse no local aquando da explosão, poderia ter ser atingido por estilhaços, com violência e gravidade, nomeadamente pelos estilhaços metálicos provenientes da caixa ATM, situação que seria suscetível de provocar graves lesões traumáticas, ou mesmo a morte. Acresce que a própria onda de choque que seria provocada pela explosão, caracterizada pela libertação brusca de energia e aumento de pressão no meio envolvente, só por si é suscetível de causar graves lesões em órgãos vitais tais como coração, pulmões, olhos e ouvidos explosão levada a cabo pelo arguido, em conjugação com os demais indivíduos. A explosão, provocou estragos diversos, na caixa de ATM e nas instalações da agência da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, no montante apurado de cerca de € 40.200,00 (quarenta mil e duzentos euros).

Dúvidas não existem de que a utilização de um meio explosivo não faz parte dos elementos do tipo de furto, nem integra circunstância agravante que, por si, modifique a natureza do crime ou a moldura da pena.

Os bens jurídicos protegidos são distintos num e outro dos crimes e não existe uma relação de consumpção entre a norma que tipifica o crime de explosão no artigo 272º, n.º 1, alínea b) e as normas que descrevem o tipo de crime de furto qualificado nos artigos. 203º e 204º, nº1, als. e) e f) e nº2, al. e), todos do Código Penal.

Não merece assim qualquer reparo o entendimento constante do acórdão recorrido de que com o comportamento constante dos factos provados, o arguido cometeu, em co-autoria material e em concurso efectivo, os crimes de furto qualificado, de explosão e de detenção de arma proibida.

9.–Cumpre de seguida apreciar o recurso no segmento correspondente à censura pela não aplicação ao arguido do regime penal dos jovens delinquentes uma vez que o arguido H.G.M. nasceu a 25 de Julho de 1992 e tinha 20 anos de idade na data dos factos.

O artigo 9º do Código Penal estabelece que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial. O legislador veio a definir tais regras no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, em cujo preâmbulo se pode ler que o objectivo foi instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção. Justifica-se, ainda, pela inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas e pelos efeitos criminógenos resultantes do cumprimento de pena de prisão.

Segundo o entendimento maioritário do Supremo Tribunal de Justiça, “a atenuação especial da pena fundada no art. 4.º do mencionado diploma legal só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos”, uma vez que “não obstante a emissão de um juízo de prognose favorável incidente sobre o jovem delinquente, pode o mesmo revelar-se insuficiente para a aplicação do regime de favor do DL 401/82, se colidir com a “última barreira” da defesa da sociedade, aqui incontornável bastião” sendo ainda “consensual o entendimento de que no juízo a formular sobre a aplicação do regime penal em causa devem ser tidas ainda em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2011, Rel. Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt ).

Assim, a aplicação deste regime, não constituindo uma mera faculdade do juiz mas um poder-dever vinculado, dependerá sempre da análise global do caso concreto.

O juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial centra-se fundamentalmente na importância que a diminuição da pena poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na capacidade do arguido de se “regenerar” e de se reinserir definitivamente na sociedade. Para tanto, importa considerar, em conjunto, realidades tão díspares como a personalidade do jovem delinquente, a sua conduta anterior, a idade na ocasião e a imaturidade reveladas nos factos, a natureza, o modo de execução, os sentimentos manifestados e os motivos determinantes do crime e o comportamento posterior ao crime.

Naturalmente que a interiorização sincera da censurabilidade da conduta, quando exista um autêntico arrependimento, constitui um elemento importante neste âmbito. Com efeito, dependendo a reinserção social de uma atitude interna do próprio arguido, a aplicação deste regime especial encontrará dificuldades acrescidas nos casos em que não haja assunção da prática dos factos.

Os crimes cometidos pelo arguido são graves e provocam justificado alarme social. Acresce que o arguido tinha já cometido outros crimes de furto, pelos quais veio a ser julgado em data posterior aos crimes destes autos.

Concluímos assim que não se verifica fundamento para supor que uma atenuação especial da pena seria propulsora ou beneficiaria a reinserção social do arguido, pelo que se justifica a decisão recorrida de rejeitar a aplicação do regime penal dos jovens delinquentes do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.

Sopesando em conjunto as circunstâncias com relevo para a determinação da medida concreta da pena, concluímos que o tribunal colectivo fixou cada umas das penas parcelares e a pena única em medida necessária, equitativa e proporcional  para as concretas exigências de prevenção e ainda consentida pela culpa exteriorizada pelo arguido.

Deve por isso manter-se na íntegra o acórdão recorrido, assim improcedendo os recursos.

10.–O arguido decaiu integralmente no recurso que interpôs e tem de ser responsabilizado pelo pagamento de taxa de justiça (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).

De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC.

Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se equitativo fixar essa taxa em cinco UC.

11.–Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso do arguido e em manter na íntegra o acórdão recorrido.
Condena-se cada um dos arguidos em cinco UC de taxa de justiça.



Lisboa, 13 de Dezembro de 2017.



Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.



João Lee Ferreira      
Nuno Coelho    
         


[1]Como decidiu o Acórdão do STJ de 07-01-99 de 13 de Maio de 1998 Joaquim Rodrigues Dias Cabral, na Colectânea, Tomo II, num entendimento que se tem mantido pacífico ao longo dos anos, “O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, (…) é um vício que resulta do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum; vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que torna impossível uma decisão logicamente correcta, justa e conforme à lei.
Especificamente, a insuficiência prevista na al. a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.
Insuficiência em termos quantitativos porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo, a decisão formou-se incorrectamente por deficiência da premissa menor. O suprimento da insuficiência faz-se com a prova de factos essenciais, que fazem alterar a decisão recorrida, já na qualificação jurídica dos factos, já na medida concreta da pena, ou de ambos conjuntamente. Se os novos factos não determinarem alguma dessas alterações, não são essenciais, o vício não é importante, pode ser sanado no tribunal de recurso.
O termo "decisão" refere-se, portanto, à decisão justa que devia ter sido proferida, não à decisão recorrida”.