Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3894/05.0TVLSB.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: No caso de cessação de contrato de agência e outros similares, que poderá dar azo a indemnização de clientela, é formulável uma presunção judicial no sentido de que um aumento considerável da procura dirigida ao agente/distribuidor traduzir-se-á em benefícios, também consideráveis, para o principal.

Essa presunção sai reforçada no caso do principal continuar a venda de produtos através de novo distribuidor que contratou vários funcionários do distribuidor cessante.

Um standard de prova consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira.

O standard que opera no processo civil é, em regra, o da probabilidade prevalecente (“mais provável que não”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

O standard da prova evidencia que a verdade apurada no processo não é uma verdade absoluta mas a verdade apurada à luz da informação disponível.

O TJUE tem enfatizado que, com vista a uma interpretação mais uniforme do artigo 17º da Diretiva 86/653/CEE no que tange à fixação do montante da indemnização de clientela, deverão ser seguidas as instruções do relatório referente à aplicação do Artigo 17º da Diretiva ( Acórdãos C-465/04 de 23.3.2006, Honyvem, e de 26.3.2009 C-348/07 , Turgay Semen), as quais se baseiam no modelo alemão.

Os juros comerciais sobre a indemnização de clientela apenas se contam a partir da data da sentença.


(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


A Fábrica de Cervejas e Refrigerantes ... de ..., Lda. intentou ação de condenação, em processo declarativo comum, sob a forma ordinária, contra “The ... Company” e “The ... Export Corporation”, pedindo a condenação das Rés a pagar à Autora: a indemnização de €1.262.442,00 por cessação do contrato de distribuição por iniciativa daquelas; €116.100,00 de juros de mora vencidos desde 26 de abril de 2004 até 8 de julho de 2005 e os juros vincendos; e €9.314,00 a título de indemnização pelos custos de armazenagem. A título subsidiário, com fundamento no enriquecimento sem causa, pede a condenação das R.R. no pagamento de €1.262.442,00, caso se entenda não ser aplicável ao caso o regime do contrato de agência.

Alega, em suma, que celebrou com as R.R. um contrato de produção e distribuição exclusiva de produtos da marca “...”, para a zona territorial do Arquipélago dos Açores, o qual foi objeto de sucessivas renovações, a última das quais por 3 anos e com termo em 31 de Julho de 2003.

A A. solicitou a renovação do contrato, mas a 1ª R. comunicou que o mesmo cessaria por caducidade, nos termos da cláusula 26ª al. c), sendo certo que a A. sempre cumpriu o acordado, sendo os fundamentos invocados para pôr termo à relação comercial estabelecida entre as partes são frágeis e infundados.

Assim, considerando que se deveria aplicar supletivamente as disposições legais do contrato de agência, pretende ser indemnizada pela clientela que angariou e de que as R.R. passaram a beneficiar por esforço promocional da A..

Tendo por referência os resultados dos últimos 5 anos de vendas dos produtos da A. e o disposto no Art. 33º do Dec. Lei n.º 178/86 de 3/12, calculou a sua indemnização em €1.262.442,00, tendo reclamado o seu pagamento às R.R. por fax de 26 de Julho de 2004.

Caso se entendesse que tal regime legal não se aplicava ao caso concreto, então deveria ser indemnizada pelas regras do enriquecimento sem causa, com recurso ao mesmo critério estabelecido no Art. 33º do Dec. Lei 178/86 de 3/12.

Pretende ainda ser indemnizada pelos prejuízos decorrentes de ter ficado impedida de comercializar os produtos das R.R., que ficaram obrigadas a comprar os stocks da A. com o fim do contrato, tendo esta que suportar os custos inerentes à armazenagem e embalagem dos produtos desde agosto de 2003 até maio de 2004, num total de €9.314,00.

A ação foi contestada, pugnando as Rés pela sua improcedência.

A Autora requereu ampliação do pedido de indemnização por clientela e do pedido subsidiário a título de enriquecimento sem causa para € 1.358.080, sendo tal pedido admitido no despacho saneador.

Após julgamento, foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«Por todo o exposto, julgamos a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenamos as R.R., “The ... Company” e “The ... Export Corporation”, a pagar à A., Fábrica de Cervejas e Refrigerantes ... de ..., Lda., uma indemnização de clientela de €200.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados de 26/7/2004 até integral pagamento.
Absolvemos as R.R. do demais pedido
*

Não se conformando com a decisão, dela apelou a Fábrica de Cervejas e Refrigerantes ... de ..., Lda., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

«A. O Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida nos autos quanto à matéria dos factos constantes, por um lado, dos pontos 35, 48 e 56 dos factos provados, e, por outro, da alínea c) dos factos não provados; factos, esses, que, depois de devidamente reapreciada a prova produzida nos autos, e em especial, a prova gravada e, bem assim, os depoimentos escritos das testemunhas que assim depuseram, devem ser alterados conforme a seguir se conclui.
Quanto à matéria do facto 35)
B. Deu o Tribunal a quo como provada a matéria constante da alínea 35) essencialmente com base no depoimento prestado por escrito pela testemunha das Rés, o Senhor Manuel ... ..., assim tendo considerado que entre 1997 e 2003 as Rés investiram € 1.204.195,24 no mercado dos Açores.”
C. Aquele facto, porém, resultou totalmente infirmado não só da prova documental constante dos autos – da conjugação dos documentos n.ºs 2 da contestação (fls. 255 a 257) com os documentos n.ºs 18 a 23 da réplica (fls. 352 a 357) -, como também da própria leitura concatenada que a testemunha ... Miguel ... ... fez desses mesmos documentos em plena audiência de julgamento.
D. E o que desses outros meios de prova resultou com total clareza e evidência foi que aquele montante – de € 1.204.195,24 –, cujas parcelas que o compõem surgem listadas no documento n.º 2 da contestação (fls. 255 a 257), é o somatório dos vários montantes dos “volume incentives” que entre 1998 e 2003 as Rés Apeladas foram pagando à Autora Apelante pelo atingimento dos objetivos de vendas de latas.
E. E mais: o que desses meios de prova resultou foi também que as parcelas listadas e identificadas no documento n.º 2 da contestação (fls. 255 a 257) – e que perfazem o total de € 1.204.195,24 – correspondem, cada uma delas, a notas de débito emitidas pela Autora Apelante às Rés nos montantes dos tais “volume incentives”, sendo algumas delas as juntas como documentos n.ºs 18 a 23 da réplica (fls. 352 a 357).
F. E que esses “volume incentives” não são “promoção” já o próprio Tribunal assim tinha entendido ao incluir isso mesmo entre os factos não provados: veja-se a alínea b).
G. Donde, e de igual forma, deve também o facto constante sob a alínea 35) ser excluído dos factos provados e aditado aos factos não provados.
Quanto à matéria do facto 48)
H. Pese embora a prova pericial quanto a este facto 48) tenha conseguido apenas identificar 506 clientes comuns entre os da atual distribuidora dos produtos das Rés Apeladas e aqueles que foram angariados pela Autora Apelante até à cessação do contrato havido com aquelas, são os próprios Senhores Peritos que assinalam e ressalvam no Relatório Pericial (de fls. 553 a 571) a circunstância de o método empregue na comparação dos clientes não permitir identificar clientes de uma e outra entidades que não tivessem exatamente a mesma denominação em ambas as bases de dados.
I. Donde, não se exclui – pelo contrário – a existência de mais clientes comuns, e mais resulta a necessidade de suplementação da prova assim obtida com a resultante de outros meios de prova produzidos nos autos; o que, porém, o Tribunal a quo não fez.
J. É que dos depoimentos de todas as testemunhas que depuseram sobre o fim da relação contratual entre a Autora Apelante e as Rés Apeladas e, bem assim, sobre a atividade desenvolvida pela distribuidora que se seguiu à Autora Apelante, na região dos Açores, resultou claríssimo e de forma totalmente unânime que os clientes a que esta nova distribuidora vende os produtos das marcas das Rés são os mesmos a que a Autora antes os vendia, tendo aquela montado uma estrutura à imagem e semelhança da que a Autora Apelante tinha.
K. Donde, deve o facto constante da alínea 48 dos factos provados ser alterado para que dele passe a constar que
“48) A atual rede de clientes dos produtos das Rés no Arquipélago dos Açores é baseada na rede de clientes que a Autora angariou até à cessação do contrato”
Quanto à matéria do facto 56)
L. A decisão do Tribunal a quo quanto à matéria deste facto 56) está inquinada por assentar numa premissa de direito errada e que acabou por conduzir a uma também errada apreciação da prova produzida nos autos.
M. Com efeito, assumiu o Tribunal a quo que os produtos a entregar pela Autora Apelante às Rés Apeladas aquando, e em virtude, da cessação do contrato que as unia seriam todos os produtos identificáveis ou relacionados com as marcas das Rés Apelas: fossem os que estivessem no armazém – como os xaropes e as latas – fossem os que estivessem ainda no mercado – como, por exemplo, o vasilhame reutilizável e disperso pelos pontos de venda.
N. Daí que o Tribunal a quo tenha concluído – erradamente – que só em Julho de 2004 a Autora estaria em condições de libertar e entregar os produtos às Rés Apeladas.
O. Todavia, por força do Contrato de Engarrafador, o que a Autora Apelante deveria entregar às Rés Apeladas (que, por seu turno, deveriam “levantar”) eram os produtos que estivessem na posse ou sob o controlo da Autora Apelante (cf. Cláusula 29, al. c) do Contrato junto a fls. 24 a 89).
P. Ora estes, conforme resultou dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em sede de julgamento – inclusivamente do depoimento da José Manuel ... ..., indicado pelas Rés – estavam prontos para entrega aquando da cessação do contrato ou, o mais tardar, em Setembro de 2003.
Q. Donde, deve o facto constante da alínea 56) dos factos provados ser alterada para que dela passe a constar que:
“56) Após a cessação do contrato, e certamente em Setembro de 2003, a Autora estava já em condições de libertar os produtos que estavam ainda na sua posse ou sob o seu controlo”.
Quanto à matéria do facto não provado sob a alínea c)
R. Deu o tribunal como não provado, baseando-se exclusivamente na prova pericial produzida, que a Autora Apelante não recebeu qualquer retribuição, após a cessação da relação com as Rés Apeladas, por contratos negociados ou concluídos com clientes depois do fim dessa relação.
S. Sucede que o verdadeiramente se perguntava no quesito que estava na base daquele facto – e o que importa aferir para a boa decisão da causa – era se, já depois do fim da relação com as Rés, a Autora teria continuado a distribuir e vender produtos das marcas das Rés e a ser remunerada por eles. E já não se a Autora ainda recebeu pagamentos de clientes depois do fim da relação com as Rés, como parece ter interpretado o Tribunal a quo.
T. E quanto ao que se perguntava naquele quesito – se houve vendas concluídas depois do fim da relação com as Rés -, a perícia foi totalmente inconclusiva (cf. esclarecimentos de fls. 619 a 626), não tendo os Senhores Peritos podido “concluir sobre a efetiva contratualização do montante de Euro 118.106”; ou seja, não puderam apurar quando foram concluídos os contratos a que respeita a faturação daquele montante.
U. Já as testemunhas que depuseram sobre esta mesma matéria – António P... e Roberto G... - foram totalmente claras: nem a Autora vendeu mais qualquer produto das marcas das Rés depois de 31 de Julho de 2003, nem mais recebeu qualquer remuneração por semelhante atividade (que inexistiu, de resto) desenvolvida após o termo do contrato.
V. E – mais ainda, disse António P... – que o que possa ter “faturado” após 31 de Julho de 2003 se deve ao facto de a Autora vender a 30 ou a 60 dias, pelo que quando a relação com as Rés terminou teria ainda a haver de clientes pagamentos por vendas feitas antes do fim daquela relação. Se alguma coisa recebeu, foi unicamente isso.
W. Donde, deve o facto julgado não provado consente da alínea c) ser aditado aos factos assentes, para que dela passe a constar que:
“67) A Autora não recebeu qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato com as R.R., pelos clientes por si angariados, relativamente aos produtos Coca-Cola (por referência ao 26.º da base instrutória) ”.
Quanto à correta aplicação do direito,
X. A determinação do quantum, em concreto, da indemnização de clientela deve ser feita com base na equidade, tendo como limite máximo a média das vantagens económicas líquidas obtidas pela Autora Apelante (€ 980.000,00). Da determinação segundo a equidade não resulta, porém, que o julgador possa decidir como entender, sem observar bitolas prefixadas de decisão.
Y. No caso, a remissão para a equidade não pode extravasar os pressupostos do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 187/86, devendo, pois, ser consideradas as perdas sofridas pelo concessionário e os benefícios que o concedente continua a auferir em resultado da atividade do primeiro. Outros fatores como a duração do contrato ou o facto de o concessionário ser “o homem da primeira hora” devem ser ponderados, neste caso, em favor do concessionário.
Z. No caso dos presentes autos, ficaram provados vários factos – como a longa duração do contrato, a atividade de promoção dos produtos das Rés Apeladas por parte da Autora Apelante, a conquista de um novo mercado antes inexistente, o facto de a atual base de clientes das Rés Apeladas corresponder em grande medida à clientela angariada pela Autora Apelante, bem como o facto de a Autora Apelante ter sido “o homem da primeira hora” – que devem ser ponderados em benefício da Autora Apelante, conforme explica MENESES LEITÃO.
AA. Pelo contrário, não resultaram provados nos autos quaisquer factos que possam ou devam ser valorados em desfavor da Autora Apelante. Pelo que, o juízo de equidade, aquilo que é justo no caso concreto, aponta para a fixação de uma indemnização muito próxima do montante máximo previsto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 187/86, a saber, € 980.000,00 (novecentos e oitenta mil euros).
BB. Por assim não ter decidido o Tribunal a quo, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos provados, tendo violado o disposto nos artigos 33.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 187/86.
CC.O instituto da indemnização de clientela não é uma indemnização proprio sensu, pelo que não se coloca sequer a questão da aplicação da taxa de juro civil, atenta a natureza do crédito, ao invés de se olhar á natureza do credor.
DD. A sentença recorrida condenou as Rés Apeladas no pagamento de uma indemnização de clientela, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados de 27 de Julho de 2004 até integral pagamento (aplicando o disposto no artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil).
EE. Aos juros de mora devidos pelas Rés Apeladas à Autora Apelante não é aplicável a taxa supletiva de juros moratórios mas sim a taxa supletiva comercial de juros moratórios, de acordo com o disposto no artigo 102.º, § 3 do Código Comercial, uma vez que estamos perante um crédito de que é titular uma empresa comercial.
FF. Por assim não ter decidido o Tribunal a quo, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por erro na determinação da norma aplicável, tendo violado o disposto no artigo 102.º, § 3 do Código Comercial.
GG. Em virtude da cessação do contrato, em Julho de 2003, a Autora Apelante ficou impedida de comercializar os produtos das marcas das Rés Apeladas e, bem assim, ficou obrigada a libertar os produtos que, nessa data, tivesse em stock.
HH. Conforme se viu supra e nos termos em que se requereu a alteração do atual ponto 56) dos factos provados, a Apelada estava em condições de devolver os produtos em stock no final do contrato ou, o mais tardar, em Setembro de 2003.
II. Não obstante, as Rés Apeladas só levantaram os produtos em Julho de 2004 e, foi a Autora Apelante que suportou os custos de guarda e armazenamento dos produtos entre Setembro de 2003 e Julho de 2004, tendo despendido para esse efeito € 9.302,40.
JJ. Despesas que, nos termos do artigo 816.º do Código Civil, as Rés Apeladas são obrigadas a indemnizar.
KK. Por assim não ter decidido o Tribunal a quo, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por violação dos artigos 813.º e 816.º do Código Civil.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE:
A) DEVE A DECISÃO SOBRE AMATÉRIA DE FACTO QUANTO AOS PONTOS 35, 48 E 56 DOS FACTOS PROVADOS E ALÍNEA C) DOS FACTOS NÃO PROVADOS SER ALTERADA, DE FORMA A QUE:
A. O PONTO 35 SEJA EXCLUÍDO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E INCLUÍDO ENTRE OS FACTOS NÃO PROVADOS;
B. DOS PONTOS 48 E 56 PASSE A CONSTAR O REFERIDO NOS PONTOS K E Q DAS CONCLUSÕES DO PRESENTE RECURSO; E
C. A ALÍNEA C) DOS FACTOS NÃO PROVADOS SEJA DELES EXCLUÍDA E INCLUÍDA ENTRE OS FACTOS ASSENTES, COMO REFERIDO NO PONTO W DAS CONCLUSÕES DO PRESENTE RECURSO.
B) DEVE, NA PARTE EM QUE CONDENOU AS RÉS APELADAS NO PAGAMENTO À AUTORA APELANTE DE UMA INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA NO MONTANTE DE € 200.000,00 SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONDENE AS RÉS APELADAS NO PAGAMENTO À AUTORA APELANTE DE UMA INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA QUE, MEDIANTE UM JUSTO JUÍZO DE EQUIDADE, TENDO EM CONTA OS FACTOS PROVADOS E O LIMITE MÁXIMO DE € 980.000,00, REALIZE DE FORMA PLENA A JUSTIÇA DO CASO CONCRETO;
C) DEVE, NA PARTE EM QUE CONDENOU AS RÉS APELADAS NO PAGAMENTO ÀS AUTORAS RECORRENTES NO PAGAMENTO DE JUROS DE MORA CONTADOS DESDE 26 DE JULHO DE 2004 À TAXA DE 4%, SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONDENE AS RÉS APELADAS NO PAGAMENTO À AUTORA APELANTE DE JUROS DE MORA CONTADOS DESDE 26 DE JULHO DE 2004, À TAXA SUPLETIVA DE JUROS COMERCIAIS APLICÁVEL, DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 102.º, § 3 DO CÓDIGO COMERCIAL.
D) DEVE, NA PARTE EM QUE ABSOLVEU AS RÉS APELADAS DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO PELAS DESPESAS DE ARMAZENAGEM DOS PRODUTOS APÓS A CESSAÇÃO DO CONTRATO, SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUIDA POR OUTRA QUE, DANDO POR VERIFICADOS OS PRESSUPOSTOS DA MORA CREDENDI, CONDENE AS RÉS APELADAS NO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO À AUTORA APELANTE PELOS PREJUÍZOS INCORRIDOS POR ESTA COM A ARMAZENAGEM DOS PRODUTOS EM STOCK, NO MONTANTE DE € 9.302,40 ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA VENCIDOS E VINCENDOS DESDE A DATA DA CITAÇÃO ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.»

As Rés contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação da Autora (fls. 1418-1428).
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As Rés interpuseram recurso subordinado de apelação, em que formularam as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida em Primeira Instância no âmbito do processo nº 3894/05.0TVLSB, que correu termos na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, a qual julgou a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenar as aqui Apelantes a pagar à Apelada uma indemnização de clientela de € 200.000,00, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal de 4%, desde 26 de Julho de 2004 e até integral pagamento.
B. O Tribunal a quo infundadamente conclui pela existência de vantagens ou remunerações anuais líquidas aproximadas que ascendem ao montante de € 800.000,00. Tentando apoiar esta conclusão nos factos que considerou provados sob os números 62) e 63), com referência aos artigos 19º e 20º da base instrutória, que se impugnam no presente recurso porquanto: (i) não foi alegada nem produzida prova suficiente nos autos que permita dar a matéria fáctica vertida sob os números 62) e 63) como provada; (ii) os factos vertidos sob aqueles números baseiam-se numa insuficiente apreciação e valoração da prova pericial e testemunhal produzida nos autos; finalmente (iii) ainda que assim não se entendesse, aqueles factos não permitem concluir, como o fez o Tribunal a quo, por aproximação, o quantum indemnizatório de uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas durante os últimos 5 anos.
C. A indemnização de clientela na qual vêm as Apelantes condenadas, baseia-se numa aproximação de valor anual de vantagens líquidas auferidas, que transportado para o período de 5 anos, permitiu apenas e só por dedução, ficcionar a média anual do lucro líquido obtido pela Apelada dos últimos cinco anos de vigência do contrato em causa nos autos. A sentença objeto do presente recurso viola, pois, a norma vertida no art. 34º do Decreto Lei nº 178/ 86, de 3 de Julho.
D. Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo condenar as Apelantes no pagamento dos juros moratórios vencidos sobre a indemnização fixada, contados desde 26 de Julho de 2004 e até integral pagamento, o que viola a norma vertida no nº 3 do art. 805º do Código Civil (CC), pois que a obrigação de indemnização de clientela, judicialmente fixada em termos equitativos, apenas se torna uma obrigação líquida a partir da data do trânsito em julgado da decisão condenatória.
E. Uma apreciação rigorosa, por um lado, da prova pericial que incidiu sobre os factos quesitados sob os artigos 19º e 20º e, por outo, do conjunto da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, não permitiam e até impunham uma decisão e fundamentação diferente da que foi assumida pelo Tribunal a quo.
F. Em sede de perícia não foi possível apurar quaisquer volumes de vendas ou margens líquidas da Apelada nos últimos cinco anos de vigência do contrato, ou seja, entre 31 de Julho de 1998 e 31 de Julho de 2003, data em que o mesmo cessou.
G. A prova pericial que versou sobre os factos vertidos nos artigos 19º e 20º da base instrutória, teve as seguintes limitações: (i) Inexistência de elementos contabilísticos de suporte, nomeadamente balancetes, vendas e custos unitários para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001; (ii) Existência de reservas por desacordo e reservas por limitação de âmbito nas certificações legais da contabilidade da Apelada relativas aos exercícios de 1998 a 2003, ano da cessação do contrato.
H. A prova pericial não permite concluir de forma suficiente quais terão sido os valores de faturação e das margens de lucro da Apelada sequer relativamente ao exercício de 2002 e aos primeiros meses do ano da cessação do contrato, inexistindo qualquer suporte relativo aos exercícios anteriores.
I. No que diz respeito à prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não foi a mesma suficientemente clara para fundamentar a prova dos factos vertidos nos quesitos 19º e 20º, ou seja, quais haviam sido o produto das vendas brutas e das margens líquidas da Apelada nos últimos cinco anos de vigência do contrato em causa nos autos.
a) O que resulta de uma análise objetiva da prova pericial e testemunhal é o seguinte: (i) Inexistência de qualquer suporte documental relativo aos volumes de vendas e margens líquidas de lucro de 1998 a 2001, três dos últimos cinco anos de vigência do contrato, sendo a perícia realizada omissa quanto àqueles exercícios;
(ii) no que diz respeito a vendas brutas realizadas em 2002 e em sete meses do exercício de 2003, as mesmas são apuradas pelos peritos sob reserva por desacordo e reservas de limitação de âmbito levantadas em sede de certificação de contas da Apelada por parte dos seus Revisores Oficiais de Contas, alertando os Senhores Peritos para a falta de fiabilidade dos números e contas da Apelada; (iii) a Apelada não logrou igualmente fazer prova dos valores brutos de vendas e dos valores de margens líquidas por si obtidas nos últimos cinco anos de vigência do contrato através de prova testemunhal, em síntese resulta da prova testemunhal acima transcrita o seguinte: (a) a testemunha ... Miguel ... ... refere uma margem bruta (e não líquida) de 20%, atingindo a Apelada o break even point (o ponto a partir do qual a Apelada teria lucro) a partir destes 20%, permitindo-se concluir que a margem líquida apenas existiria quando a Apelada tivesse a partir de pelo menos 20% de margens brutas nas vendas dos produtos das RR.; (b) também a testemunha António P.J.M.P... refere expressamente uma margem bruta de 20%; (c) finalmente, a testemunha Rafael M.D..., sublinhando a especificidade do mercado do Arquipélago dos Açores, refere que a Apelada poderia até não ter qualquer margem líquida de lucro no início da comercialização dos produtos das RR., mas que por comparação do distribuidor destes produtos no território continental, poderia obter margens líquidas entre 7% a 10%, referindo expressamente que margens de 20% estariam fora de questão para o mercado em causa.
J. A Apelada não alegou ou sequer produziu qualquer prova relativa aos custos de produção dos quais se pudessem inferir quais seriam as suas margens de lucro líquidas (custos com aquisição de matéria prima, mão de obra, eletricidade, logística, custos de transporte com a distribuição dos produtos, entre outros).
K. O Tribunal a quo não considerou, pois, a ausência e limitação da prova documental relativa aos volumes de vendas e margens de lucro líquidas que a Apelada terá obtido nos últimos cinco anos de vigência do contrato, desconsiderando, igualmente, as declarações prestadas por testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, que não permitiam dar como provados os factos vertidos sob as alíneas 62) e 63) da matéria de facto dada como assente na decisão objeto do presente recurso, factos esse que deviam ter sido dado como não provados.
L. A decisão objeto do presente recurso viola a norma vertida no art. 34º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto Lei nº 178/86, de 3 de Dezembro.
M. Este Regime Jurídico prevê a forma de cálculo do limite máximo em que a indemnização de clientela pode ser fixada, mas não prevê a fórmula de cálculo da indemnização propriamente dita. Este cálculo é remetido para juízos de equidade.
N. A indemnização de clientela pretende equilibrar um eventual desequilíbrio resultante dos proveitos que o principal retire da antiga atividade do distribuidor e, por isso, compensar os lucros que o principal consiga com a antiga atividade do distribuidor.
O. Para ser possível efetuar o cálculo da indemnização de clientela, essencial seria aferir qual o lucro médio da Apelada nos últimos cinco anos de vigência do contrato em causa nos autos, sendo que o facto vertido sob a alínea 62) dos factos provados fala apenas em margens. A fim de se encontrar o valor de referência a que se refere o já mencionado art. 34º haveriam que estar alegados, contudo, lucros líquidos, não bastando uma mera referência a margens.
P. A Apelada limitou-se a indicar margens, pelo que, ainda que de alguma forma se pudesse entender que lhe era devida uma qualquer indemnização a este título, nunca poderiam ser tidos em conta tais valores, mas sim outros, líquidos, valores esses que, mais uma vez, não foram alegados ou provados pela Apelada; a aplicação da norma constante do art. 34º do Decreto Lei nº 178/86, de 3 de Julho pressupõe que sejam alegados e provados os lucros líquidos, o que não foi possível aferir nos presentes autos.
Q. O valor da margem líquida, o lucro, ou seja, a «retribuição» é facto constitutivo do direito da Apelada a uma indemnização de clientela, pelo que lhe cabia alegar a factualidade relevante (cf. o artigo 342º do Código Civil).
R. Não estando preenchidos, por falta de alegação e prova de quais terão sido os lucros líquidos da Apelada nos últimos cinco anos de vigência do contrato, pressuposto essencial de que depende a determinação e atribuição de uma indemnização de clientela a favor da Apelada, deveria o Tribunal a quo ter decidido no sentido de, não dando como provada a factualidade das alíneas 62) e 63), ter concluído pela impossibilidade de aferir o montante a atribuir a título de indemnização de clientela.
S. Mesmo que, por hipótese, fosse possível deduzir dos elementos constantes nos autos quais teriam sido os lucros líquidos da Apelada nos últimos cinco anos de vigência do contrato, e de acordo com um juízo de equidade, tal obrigaria a concluir-se pela extinção ou, no mínimo, uma redução em grande medida, do montante devido a título de indemnização de clientela.
T. Em matéria de juros, dispõe o art. 805º, nº3 do Código Civil que sendo o crédito ilíquido, não haverá mora até que este se torne líquido. Não subsistindo quaisquer dúvidas de que o crédito indemnizatório arbitrado pela sentença proferida pelo Tribunal a quo é ilíquido.
U. Sempre se imporia que a contagem dos juros de mora se fizesse apenas a partir do momento em que a obrigação se torna líquida, ou seja, com a prolação da sentença, pois é neste momento que a obrigação se torna líquida, por ser apenas neste momento em que é definitivamente fixado o montante da indemnização.
V. Só no momento em que é judicialmente determinado o montante da indemnização é que esta passa a ser líquida, pois o seu montante é, neste momento, fixo. Tem sido esta a posição da jurisprudência dominante.
W. O Tribunal a quo decidiu condenar as Apelantes no pagamento de juros sobre o montante da indemnização de clientela atribuída, desde a data da interpelação até integral pagamento, à taxa legal de 4%, pagamento que não pode ocorrer, quando não haja lugar ao pagamento pelas Apeladas de qualquer indemnização de clientela, o que não poderá deixar de decorrer dos fundamentos supra expostos, não podendo deixar de ser revogada a condenação em tal pagamento e absolver-se as Apelantes deste pedido.
X. O simples facto de a Apelada ter interpelado para o pagamento de uma quantia certa a título de indemnização de clientela, não significa que a dívida se torne líquida; sendo controvertido o montante, este só se tornará líquido com a decisão que o fixe.
Y. A Apelada reclamou o pagamento de uma determinada quantia a título de indemnização de clientela, que a sentença fixou, por sinal em montante inferior. Nessa fixação, a lei impõe designadamente o recurso à analogia, pelo que não seria possível às Apelantes proceder a uma liquidação anterior, permitindo, ao mesmo tempo, afastar a possibilidade de imputar-lhe a falta de liquidez.
Z. Nunca poderiam tais juros ser computados a partir de 26.07.2004 já que a indemnização de clientela é, por natureza, ilíquida, apenas se tornando líquida quando objeto de decisão transitada em julgado, o que decorre do art. 805.º, n.º 3, do Código Civil e tem sido entendimento de vasta jurisprudência.
AA.A decisão objeto do presente recurso viola, pois, as normas constantes no art. 34º do Decreto Lei nº 178/86, de 3 de Dezembro e o nº 3 do art. 805º do Código Civil.
Face ao exposto, e nos de demais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exas., deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência:
(a) Ser a matéria de facto vertida nos pontos 62) e 63) dos factos assentes excluída da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo;
(b) Ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva as RR./Apelantes do pedido, de acordo com um justo juízo de equidade e tendo em conta a factualidade carreada para os autos e nos mesmos provada;
(c) Deve, em todo o caso, a sentença recorrida ser revogada e substituída por uma decisão que, a condenar as RR./Apelantes no pagamento de juros moratórios, os mesmos sejam contados à taxa legal desde o trânsito em julgado da decisão final que as condene no pagamento de uma indemnização de clientela.»

A Autora contra-alegou propugnando pela improcedência da apelação subordinada (fls. 1475-1497).

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:

i.Reapreciação da matéria de facto provada quanto aos factos provados sob 35, 48, 56, 62 e 63 e quanto ao facto não provado sob a alínea C);
ii.Aferição da existência de erro de julgamento quanto: ao montante da indemnização de clientela; à aplicação de juros de mora civis e não comerciais; absolvição das Rés no pagamento de indemnização pela armazenagem dos produtos em stock; fixação da data do início da contagem dos juros de mora.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
«1) A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comércio por grosso de bebidas, encontrando-se matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Ponta Delgada sob o n.º 121/900416, cf. doc. de fls. 326 a 335 – (Al. A) dos factos assentes);
2) Pela inscrição n.º 5, emergente da ap. 03/901016, mostra-se registada a alteração parcial do contrato referente à A., referente a um reforço de capital social que passou a ser de 420.000.000$00, sendo os seus sócios a Empresa de Cervejas da Madeira, Lda., com uma quota de 336.000.000$00, e a Região Autónoma dos Açores, com duas quotas de 42.000.000$00, cada uma, cf. cit. doc. a fls. 327 – (Al. B) dos factos assentes);
3) Pela inscrição n.º 6, emergente da ap. 19/911005, foi registada a transmissão onerosa das 2 quotas de 42.000.000$00 da Região Autónoma dos Açores para a Empresa de Cervejas da Madeira, Lda., que passou desde então a ser a titular de todo o capital social da A., sendo o capital social de €2.094.951,17 desde a inscrição n.º 23 emergente da ap. 12/2002.02.25, cf. cit. doc. a fls. 327 a 335 – (Al. C) dos factos assentes);
4) As R.R. são sociedades de direito americano, constituída sob as leis do Estado de Delaware, que se dedicam, para além do mais, à comercialização de bebidas, sendo que a 1ª R., dedica-se também à sua produção, fazendo ambas parte do grupo económico “...” – (Al. E) dos factos assentes);
5) A relação comercial entre A. e R.R., pela qual a A. assumia, entre outras, a obrigação de distribuição exclusiva dos produtos das R.R., nasceu na sequência de contrato celebrado em 14/7/1985, que foi substituído por um outro de 1/10/1988, sendo que a partir de 15 de Junho de 1995 essa relação passou a ser regulada de acordo com o “Contrato de Engarrafador” junto de fls. 24 a 89 – (Por referência ao 1º da base instrutória);
6) Em conformidade com esse acordo a A. obrigava-se a distribuir e vender os produtos das R.R. e promover essas vendas, o que fez de modo estável até 31 de julho de 2003, através da sua estrutura empresarial, sendo a sua atividade retribuída pela margem de lucro conseguida com a venda no mercado desses produtos – (Por referência ao 2º da base instrutória);
7) Em 14 de Junho de 1985, a A. e as R.R. renovaram o contrato de produção dos produtos das R.R. ao qual chamaram “Contrato de Engarrafador Coca-Cola”, que vigorou até 14 de Junho de 1995 – (Al. E) dos factos assentes);
8) Por escrito, datado de 15 de Junho de 1995, celebrado entre a A. e as R.R., denominado “Bottler`s Agreement”, ou “Contrato de Engarrafador”, foi declarado que a ... Company dedica-se ao fabrico e venda de determinados concentrados e bases de bebidas, cujas fórmulas são segredos industriais, a partir dos quais são preparados xaropes de bebidas não alcoólicas, sendo ela ainda a proprietária das marcas “Aquarius”, “...”, “Coke”, “Fanta” e “Sprite”, dos recipientes distintivos de vários tamanhos nos quais as bebidas são comercializadas e das marcas consistentes em mecanismos de fita dinâmica que são utilizados na publicidade e marketing de algumas bebidas, tendo por esse contrato declarado autorizar a A., na qualidade de “Engarrafador”, a preparar e embalar as bebidas em recipientes autorizados, e a distribuir e vender as mesmas sob as marcas, no território do arquipélago dos Açores, nos termos e demais condições descritas de fls. 24 a 89, cujo teor aqui se dá por reproduzido – (Al. F) dos factos assentes);
9) Nos termos da cláusula 26ª al. a) desse acordo escrito o contrato produzia efeitos a partir de 15 de Junho de 1995 e cessaria, sem pré aviso, em 15 de Junho de 2000, exceto se tiver sido rescindido nos termos aí estabelecidos, sendo reconhecido e acordado pelas partes nesse contrato que o engarrafador não terá direito de invocar uma renovação tácita desse contrato, cf. cit. doc. a fls.  65 – (Al. G) dos factos assentes);
10) O contrato poderia ser renovado por mútuo acordo das partes – (Al. H) dos factos assentes);
11) Nos termos da cláusula 28ª al. a) o contrato poderia ser rescindido pelas R.R. ou pela A. se a outra parte não respeitasse um ou mais dos seus termos, compromissos ou condições, e não sanasse tal ou tais incumprimentos no prazo de 60 dias após tal parte ter sido notificada por escrito de tal ou tais violações, cf. cit. doc. a fls. 67 – (Al. I) dos factos assentes);
12) Nos termos dos considerandos C, D e E, cláusula I-1 e III-6 e 7 do acordo escrito mencionado em 8), a A. estava obrigada a promover e vender os produtos das R.R., cf. fls. 49 e 51 a 53 – (Al. M) dos factos assentes);
13) A distribuição dos produtos “Coca-Cola” no Arquipélago dos Açores era feita através da produção e distribuição de produtos a partir de xaropes concentrados fornecidos por empresas do grupo económico das R.R. e pela distribuição de produtos finais fornecidos pelas R.R. ou outras empresas por elas indicadas e aceites – (Al. N) dos factos assentes);
14) Nos termos acordados, a A. produzia e engarrafava alguns produtos a partir de xaropes fornecidos por empresas do grupo Coca-Cola, Atlantic Industries e a Varoise de Concentré – (Al. O) dos factos assentes);
15) Os produtos produzidos e engarrafados pela A. eram, nos termos convencionados, a Coca-Cola Classic e Sprite – (Al. P) dos factos assentes);
16) Para além desses refrigerantes, a A. comercializava ainda, em regime de exclusividade no Arquipélago dos Açores, outros produtos adquiridos às R.R., a saber, alguns refrigerantes em lata (... Classic, Coca-Cola Light Sem Cafeína; Sprite, Fanta, Nestea) e os produtos em embalagem de plástico (PET) Aventura do Mickey, Fanta Ananás e Fanta Maçã – (Al. Q) dos factos assentes);
17) A A. colocava os produtos no comércio retalhista e nos estabelecimentos hoteleiros ou de restauração – (Al. R) dos factos assentes);
18) A A. atuava como agente independente das R.R., por conta própria e em seu nome, sendo remunerada pelo lucro das suas vendas – (Por referência ao 32º e parte final do 36º da base instrutória);
19) A A. estabelecia as margens de lucro e os respetivos benefícios, sem qualquer intervenção direta das R.R. – (Por referência ao 38º da base instrutória);
20) O preço dos xaropes concentrados vendidos à A. era fixado por empresa que fabricava e vendia esse produto, a qual pertencia ao grupo Coca-Cola – (Por referência ao 3º da base instrutória);
21) A A. comercializava ainda, em regime de exclusividade, outros produtos das R.R. engarrafados pela Empresa de Cervejas da Madeira, Lda. (ECM), em embalagens de plástico (PET): Coca-Cola, Fanta Laranja, Fanta Limão e Sprite – (Por referência ao 4º da base instrutória);
22) Esses produtos eram fornecidos à A. por empresas do grupo das R.R., a solicitação daquela, mediante o pagamento de um preço fixado pelas empresas do Grupo Coca-Cola que os forneciam – (Por referência ao 5º da base instrutória);
23) A A. era igualmente responsável por parte da promoção dos produtos das R.R. no Arquipélago dos Açores e pela prospeção do mercado e angariação de clientela para aqueles produtos, devendo informar as R.R. sobre a situação desse mercado e evolução das vendas, o que a A. foi satisfazendo com a regularidade que lhe era exigida durante a vigência do contrato – (Por referência ao 6º da base instrutória);
24) Em 20 de Junho de 1995, a A. enviou uma carta ao grupo ... (Portugal), manifestando o empenho em manter a relação contratual e expondo a estratégia de desenvolvimento comercial que se propunha prosseguir, cf. doc. de fls. 90 a 96 cujo teor aqui se dá por reproduzido – (Al. J) dos factos assentes);
25) Após troca de correspondência, em 3 de Junho de 2002, as R.R. declararam que, por mútuo acordo das partes, era prorrogado o termo do “Contrato de Engarrafador” entrado em vigor em 15 de Junho de 1995 e abrangendo o território nele descrito, passando a data do seu termo de 15 de Junho de 2000 para 31 de Julho de 2003, cf. doc. de fls. 103, com tradução a fls. 441 – (Al. L) dos factos assentes);
26) Antes da celebração do contrato entre a A. e as R.R., os produtos das R.R. apenas chegavam com regularidade à base militar norte americana das Lages, não havendo agentes ou distribuidores diretamente contratados para o efeito pelas R.R. para o Arquipélago dos Açores – (Por referência ao 7º da base instrutória);
27) Antes do início da relação comercial entre A. e R., no Arquipélago dos Açores e para a população em geral, excetuado o pessoal que trabalhava na base militar das Lages, praticamente só eram consumidos os refrigerantes produzidos pela A. – (Por referência ao 8º da base instrutória);
28) A rede de clientes que a A. criou para os produtos por si comercializados, aí se incluindo os produtos das R.R., cobria praticamente todo o Arquipélago dos Açores – (Por referência ao 9º da base instrutória);
29) A A. tinha sensivelmente cerca de 3.000 clientes no Arquipélago dos açores, sendo que em 2002 cerca de 2.316 desses clientes foram compradores de produtos das R.R. fornecidos pela A., e em 2003 verificaram-se fornecimentos pela A. de produtos das R.R. a 1996 desses clientes – (Por referência ao 10º da base instrutória);
30) Os produtos das R.R. só se estabeleceram com regularidade no mercado do Arquipélago dos Açores, após o acordo estabelecido com a A. para a distribuição dos mesmos – (Por referência ao 12º da base instrutória);
31) A atividade de distribuição e promoção dos produtos das R.R. lavada a cabo pela A. permitiu e facilitou que os mesmos passassem a aí ser conhecidos e consumidos, de modo crescente, relativamente à data de início da execução do contrato – (Por referência ao 13º da base instrutória);
32) As R.R., na medida em que lograram vender os seus produtos, beneficiam da atividade de distribuição da A. desde julho de 1985 – (Por referência ao 14º da base instrutória);
33) Em 2002 a A. comercializou cerca de 5.971.518 litros de produtos das R.R. – (Por referência ao 15º da base instrutória);
34) A notoriedade da marca Coca-Cola é um dos fatores relevantes para a promoção de vendas junto dos consumidores, o que leva a que os pontos de venda decidam adquirir tais produtos de forma a satisfazer a procura pelos consumidores, para a qual contribui a própria marca – (Por referência aos 34º e 35º da base instrutória);
35) Nos anos de 1997 e 2003 as R.R. investiram no mercado do Arquipélago dos Açores, a quantia total de €1.204.195,24 na promoção dos seus produtos – (Por referência ao 39º da base instrutória);
36) As atividades de promoção e marketing levadas a cabo nos Açores eram objeto dum planeamento prévio por partes das R.R. com audição e discussão prévia com a A. – (Por referência ao 40º da base instrutória);
37) A A. participava no pagamento dos custos de publicidade e marketing nacionais da Coca-Cola, mesmo quando os canais nacionais não chegavam a ser exibidos nos Açores – (Por referência ao 57º da base instrutória);
38) As R.R., após discussão e acordo com o distribuidor, definiam quais as concretas ações promocionais locais que a A. deveria levar a cabo, sendo que se fosse definido que seus custos eram suportados pela A., esta teria que adquirir, a expensas próprias, o material promocional necessário aos fornecedores que constavam de listagem fornecida pelas R.R. – (Por referência aos 58º e 59º da base instrutória);
39) Para além dos produtos das marcas Coca-Cola, a A. era também produzia, distribuía e vendia refrigerantes de marcas próprias, “Kima” e “Laranjada”, concorrentes diretas dos produtos das R.R. – (Al. AB) dos factos assentes);
40) O contrato celebrado com a A. foi tendo em atenção a confiança havida nas pessoas dos seus sócios, e por razões de estratégia, devendo as alterações à estrutura da sociedade engarrafadora ser comunicadas às R.R. – (Por referência ao 46º da base instrutória);
41) A A. não chegou a realizar os investimentos de fundo que as R.R. exigiam relativamente à qualidade das suas instalações e do projeto de fabrico dos produtos das R.R. – (Por referência ao 48º da base instrutória);
42) As R.R. repetidas vezes notificaram a A. para adaptar as suas instalações de forma a cumprir os parâmetros de qualidade a que se obrigara, mas esta, apesar das promessas, acabou por não satisfazer todas essas exigências – (Por referência ao 49º da base instrutória);
43) No Arquipélago dos Açores a A. vendeu 3.504.426 litros de ... em 2002 e 1.501.220 litros nos primeiros 7 meses de 2003, sendo que no mesmo período vendeu 2.949.322 litros da sua “Laranjada” em 2002 e 1.568.755 litros nos primeiros 7 meses de 2003, o que, por comparação apenas entre as duas marcas, representa uma redução no peso relativo das vendas de Coca-Cola por litro pela A. de 54,3% para 48,9% – (Por referência ao 55º da base instrutória);
44) Por carta de 27 de Março de 2003, a A. solicitou às R.R. a renovação do contrato, cf. doc. de fls. 104 a 122 – (Al. S) dos factos assentes);
45) Em 27 de Maio de 2003, por fax dirigido pela 1ª R. à A., aquela comunicou a esta que o contrato cessaria, invocando o disposto na cláusula 26 al. c) do contrato, cf. doc. de fls. 123 a 127 – (Al. T) dos factos assentes);
46) A A. respondeu à carta das R.R. de 27 de Maio de 2003, através de carta de 27 de Junho de 2003, dirigida à ... Iberian Division (que representava as R.R.), cf. doc. de fls.  128 a 133 – (Al. U) dos factos assentes);
47) As R.R. continuam a vender os seus produtos no Arquipélago dos Açores, tendo substituído a A., como distribuidora, por uma empresa, a Refecom Açores – Sociedade Unipessoal, detida em 100% pela Refrige, S.A. – (Al. V) dos factos assentes);
48) A atual rede de clientes dos produtos das R.R. no Arquipélago dos Açores compreende pelo menos 506 clientes que faziam parte da rede de distribuição que a A. havia estabelecido para os produtos das R.R. até à cessação do contrato – (Por referência ao 16º da base instrutória);
49) A rede de clientes criada pela A. foi também estabelecida no proveito desta, para a venda dos seus refrigerantes concorrentes com os produtos das R.R., continuando ainda hoje a vender os seus produtos à mesma clientela – (Por referência ao 45º da base instrutória);
50) A atual distribuidora dos produtos das R.R., a Refecom, recrutou alguns dos seus trabalhadores entre os funcionários da A., como sejam Maria P.S.C..., Duarte F.A.M... e Elder F.M..., todos vendedores, ... Carlos M.F.P..., responsável pela logística, Sandra F.M.O..., gestora de marca, Pedro M.S.C..., Fiel de armazém, Carlos F.M..., diretor de vendas, e Dominic M..., que era o Diretor geral da A. e agora está na administração da Refecom, os quais tiveram acesso a informações fundamentais da atividade desenvolvida pela A., nomeadamente clientes, vendas e logística – (Por referência ao 17º da base instrutória);
51) As R.R. beneficiaram do contributo que a atividade da A. deu para a fidelização de clientela e, através do novo distribuidor, a Refecom, da transferência da sua força de vendas para manter o abastecimento dos seus produtos no mercado do Arquipélago dos Açores – (Por referência ao 18º da base instrutória);
52) A A. não partilhou voluntariamente com as R.R. os registos com listas de clientes ou qualquer outro tipo de informação respeitante a clientes – (Por referência ao 44º da base instrutória);
53) A partir de 31 de Julho de 2003 a A. ficou impedida de comercializar qualquer produto das R.R. – (Por referência ao 27º da base instrutória);
54) As R.R. obrigaram-se a comprar todos os produtos e embalagens em stock – (Por referência ao 28º da base instrutória);
55) A compra dos stocks da A. pelas R.R. apenas foi concluída em Julho de 2004 – (Por referência ao 29º da base instrutória);
56) Em Julho de 2004 que a A. estava em condições para libertar esses stocks – (Por referência ao 30º da base instrutória);
57) O custo de armazenagem dos produtos e embalagens em armazéns próprios, ou arrendados, em 2004, custava €30,66 por dia – (Por referência ao 31º da base instrutória);
58) Por carta registada com aviso de receção, datada de 26 de Julho de 2004, a A. exigiu das R.R. o pagamento de indemnização de clientela no valor de €1.262.442,00, tendo essas cartas sido rececionadas em 29 de Julho de 2004, cf. doc. de fls. 135 a 140, com tradução a fls. 442 a 447 – (Al. X) dos factos assentes);
59) As R.R. não pagaram a indemnização solicitada nessas cartas – (Al. Z) dos factos assentes);
60) As R.R. responderam, via fax, em 6 de Outubro de 2004, que consideravam não estar reunidos os pressupostos do Art. 33º do Dec. Lei n.º 178/86 de 3/7, cf. doc. de fls. 141 a 143, com tradução de fls. 448 a 449 – (Al. AA) dos factos assentes);
62) O volume de vendas da A. de produtos das R.R. foi de valor não concretamente apurado relativamente aos anos de 1998 a 2001, mas não inferiores a €5.000.000,00 por ano, sendo que relativamente a 2002 foram apuradas vendas de €5.608.458,00 e em 2003 €2.461.642,00, dos quais €2.363.173,00 são valores faturados até 31 de Julho – (Por referência ao 19º da base instrutória);

63) A tais volumes anuais de vendas apenas se logrou estimar correspondem as seguintes margens de lucro da A. relativamente aos anos de 2002 e de 2003, e este só até 31 de julho:
Ano de 2002               Até 31/7/2003

Vendas brutas                                    5.608.458                  2.363.173
Descontos incluídos nas faturas        557.311                      189.470
Total faturado                                    5.051.148                   2.173.703
Descontos não incluídos nas faturas  311.484                     107.976
Vendas líquidas                                  4.739.663                   2.065.727
CMV                                                   3.873.291                   1.649.947
Margem                                             866.372                      415.780
– (Por referência ao 20º da base instrutória);

64) As R.R. atribuíam dois tipos de prémio pecuniário à A., consoante o volume de vendas dos seus produtos:
1º) O “Volume Incentive”, que consistia na atribuição de um prémio anual, caso a A. obtivesse um aumento do número de litros vendidos relativamente ao ano anterior; e
2º) O “Volume Incentive Latas” – (Por referência ao 21º da base instrutória);
65) A A. não tinha capacidade de produção de refrigerantes enlatados, sendo obrigada pelas R.R. a adquiri-los a outros engarrafados, a um preço que incluía a margem de lucro destes – (Por referência ao 22º da base instrutória);
66) O preço do custo das latas era demasiado elevado para a A. as poder colocar junto dos consumidores, pelo que as R.R. fixaram um desconto em função das unidades compradas, que não figurava na fatura de compra das latas, mas era concedido mensal ou trimestralmente, através de notas de débito que a A. enviava às R.R. ou a outras empresas do grupo Coca-Cola – (Por referência ao 23º da base instrutória);

67) Esses descontos foram os seguintes:
-Em 1998: € 246.048,00;
-Em 1999: € 209.077,00;
-Em 2000: € 178.136,00;
-Em 2001: € 124.180,00;
-Em 2002: € 151.779,00;
-Em 2003 € 137.734,00 – (Por referência ao 24º da base instrutória).

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Reapreciação da matéria de facto.

O facto provado sob 35
No facto provado sob 35, o tribunal de primeira instância deu como provado o seguinte: «Nos anos de 1997 e 2003 as Rés investiram no mercado do Arquipélago dos Açores, a quantia total de € 1.204.195,24 na promoção dos seus produtos».

Entende a Autora que tal facto deve ser dado como não provado.

Na fundamentação da sentença afirmou-se a este propósito: «Apesar da prova pericial não ter podido confirmar esse facto, toda a prova testemunhal produzida sobre a matéria em audiência final reconheceu que as R.R. tinham despesas com a promoção dos seus produtos, mas apenas a testemunha Manuel ... da ... quantificou esse investimento nos anos de 1997 a 2003 em conformidade com o dado por provado na alínea 35), tal como decorre da transcrição do seu depoimento prestado em rogatória a fls. 1270 a 1272, o que fez com base nos seus conhecimentos no exercício das suas funções como “Operation Manager” e “Revenue Growth Manager” da ...

O facto provado sob 35 advém do artigo 40º da contestação e, para prova desse facto, as Rés juntaram o documento nº2 junto a fls. 255-257. A Autora pronunciou-se sobre tal documento, argumentando que o mesmo se reporta apenas a notas de débito no montante dos “volume incentives” que as Rés foram concedendo à Autora durante a execução dos contratos, nada tendo a ver com a promoção. Em sustento da sua tese, a Autora juntou os documentos nos. 18 a 23 (fls. 352 a 357).

Da conjugação dos documentos de fls. 255-257 com os documentos de fls. 352 a 357 com o depoimento prestado pela testemunha ... Miguel ... ... (a qual foi confrontada diretamente com tais documentos; depoimento extratado a fls. 1383-1386) resulta que os valores parciais de € 24.670,8, € 21.275,1, 16.692,19, 31.328,36, 6.934,75 e 11.708,93 não se reportam a despesas de promoção mas sim a débitos de incentivos de lata. Todavia, estra contraprova que a Autora logrou fazer quanto ao sentido do valor probatório dos documentos juntos a fls. 255-257 não pode ser objeto de extrapolação automática  com a consequente infirmação do restante segmento dos documentos de fls. 255.257. Isto porque, conforme afirmou o juiz de primeira instância, a realização de despesas de promoção decorre do depoimento de várias testemunhas, em que se incluem Manuel ... da ... e a testemunha Tiago L... ( funcionário da 1ª Ré desde 1999, com as funções de diretor de comunicação e relações públicas), cujo depoimento a tal propósito está extratado a fls. 1419-1421.

Assim sendo, justifica-se apenas a alteração da redação do facto provado sob 35 para: «Nos anos de 1997 e 2003,  as Rés investiram no mercado do arquipélago dos Açores, a quantia total de € 1.091.585,11 na promoção dos seus produtos»

Facto provado nº 48.
Na sentença está provado o facto 48 com a seguinte redação: «A atual rede de clientes dos produtos das Rés no Arquipélago dos Açores compreende pelo menos 506 clientes que faziam parte da rede de distribuição que a Autora havia estabelecido para os produtos das Rés até à cessação do contrato.»

Entende a Autora que a redação de tal facto deve ser alterada passando a constar como provado o seguinte: «A atual rede de clientes dos produtos das Rés no Arquipélago dos Açores é baseada na rede de clientes que a Autora angariou até à cessão do contrato
Na fundamentação da sentença, escreveu-se a este propósito: «A matéria da alínea 43) dos factos provados teve por base exclusivamente o relatório pericial de fls. 553 a 571, a que demos natural prevalência, considerando o seu maior rigor relativamente à prova testemunhal excessivamente genérica e imprecisa. O que se pode dizer igualmente quanto ao que ficou dado por provado na alínea 48), aqui complementado pelos esclarecimentos de fls. 619 a 626, que reafirmaram os dados do primeiro relatório, com as limitações de informação documental aí consignadas.»
Os Srs. Peritos afirmaram que «(…) com base na comparação efetuada entre os balancetes de clientes da Autora, de 31 de dezembro de 2002 e 2003, e os balancetes de clientes da nova distribuidora das Réus (Refecom), de 31 de dezembro de 2003, 2004 e 2005, identificámos 506 clientes comuns às duas entidades. / Salientámos, contudo, que a metodologia utilizada na comparação de balancetes [de clientes] fornecidos pelas duas entidades não permite identificar um cliente que, sendo-o de ambas, conste nos seus balancetes com designações não rigorosamente iguais» (fls. 558-559).

Resulta do teor do próprio relatório pericial que a metodologia, que se mostrou acessível aos Srs. Peritos, contém limitações, bastando haver uma alteração da denominação social de um cliente para o mesmo não ser considerado como cliente comum.

Todavia, a demonstração da transferência dos clientes da Autora para as Rés/sociedade por elas criada não está sujeita apenas a prova documental objeto de perícia. Com efeito, os casos em que a lei limita o juízo probatório ao meio de prova documental estão expressamente previstos na lei – cf., por exemplo, Artigos 364º, 393º e 395º do Código Civil.

Refere a este propósito Carolina ..., A indemnização de Clientela do Agente Comercial, Coimbra Editora, pp. 190-191, que: «É claro que o agente pode não fazer ideia do modo como o principal vai decidir aproveitar o acréscimo de procura logrado pela sua atividade, e não tem sequer acesso a meios para o averiguar e demonstrar, já que isso é matéria reservada, respeitante à estratégia empresarial da outra parte. Daí que nos pareça adequado fazer intervir aqui a presunção (natural ou judicial, na medida em que corresponde às máximas da experiência do mundo dos negócios) de que um aumento, reputado considerável, da procura dirigida à empresa se virá a traduzir em benefícios, também consideráveis, para o empresário.» Em nota de rodapé, tal autora afirma que, na Alemanha, recorre-se usualmente à presunção segundo a qual uma relação de negócios, que dure há algum tempo sem atritos, manter-se-á também no futuro.

Na jurisprudência, tem sido enunciada a admissibilidade do recurso a presunções judiciais para sedimentar a existência de benefícios por parte do principal – cf., a título exemplificativo, os Acórdão da Relação do Porto de 27.6.1995, Matos Fernandes, 949/94 e da Relação de Lisboa de 12.5.2011, Maria José Mouro, 39/2000, de que extratamos os seguintes passos:
« (…) quanto aos benefícios a auferir pelo principal/concedente não se mostra necessário que eles já tenham decorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar .

O benefício deve ser apreciado no contexto em que é obtido (a zona ou círculo de clientes atribuídos) partindo-se de um dado conhecido (habitualmente a consideração de um dado volume de negócios imputável à atividade do agente ou do concessionário e respeitante a períodos anteriores) procurando fazer-se uma projeção relativa aos benefícios que o principal ou o concedente é suscetível de vir a colher após a cessação do contrato .

Será por via de uma presunção judicial que poderemos alcançar a conclusão a que nos reportamos.»

Em Espanha, o Supremo Tribunal ( STS 2891/2004) já decidiu que: «Esta Sala de Casación Civil respecto a la cuestión de que la clientela a la que accede el empresario pueda continuar produciéndole ventajas substanciales, ha declarado que se hace referencia a la susceptibilidad por el empresario de continuar disfrutándola con aprovechamiento económico y se trata más bien de un pronóstico razonable acerca de un comportamiento que no deja de ser probable por parte de la clientela ( Sentencia de 7 de abril de 2003) (…)» -
http://www.poderjudicial.es.

Ora, no caso em apreço, a pertinência do recurso a presunções judiciais surge de forma particularmente sedimentada e segura porquanto está provado que: «50- A atual distribuidora dos produtos das R.R., a Refecom, recrutou alguns dos seus trabalhadores entre os funcionários da A., como sejam Maria P. S.C..., Duarte F.A.M... e Elder F.M..., todos vendedores, ... Carlos M.F.P..., responsável pela logística, Sandra F.M.O..., gestora de marca, Pedro M.S.C..., Fiel de armazém, Carlos F.M..., diretor de vendas, e Dominic M..., que era o Diretor geral da A. e agora está na administração da Refecom, os quais tiveram acesso a informações fundamentais da atividade desenvolvida pela A., nomeadamente clientes, vendas e logística» ( sublinhado nosso) .

Ou seja, a atual distribuidora dos produtos das Rés foi buscar um número significativo de quadros à Autora, sendo que tais quadros tinham acesso a informações fundamentais da atividade desenvolvida pela Autora em que se incluem clientes e vendas. Essa transferência de funcionários não é, pois, casual e ingénua. Pelo contrário, visou continuar o negócio sem sobressaltos e minimizando as perdas de clientela. A atual distribuidora das Rés atuou segundo o padrão do homo economicus, segundo o qual o homem ( as pessoas coletivas são governadas por pessoas singulares)  é um ser racional, perfeitamente informado, que deseja riqueza, evita trabalho desnecessário e atua de forma a atingir tais objetivos.[3]

As testemunhas também depuseram no sentido de que ocorreu tal transferência de clientela, embora não precisassem números de clientes, o que é compreensível porquanto não fizerem um levantamento ad hoc. Assim o fizeram as testemunhas Emanuel V. F... ( depoimento escrito a fls. 828), Miguel J.L.S... ( depoimento escrito a fls. 891), Rui F.D. ... de M... ( depoimento extratado a fls. 1387-1388), António P.J.M.P... (administrado e financeira da sociedade Empresa de Cervejas da Madeira Lda. que detém o capital social da Autora, com depoimento extratado a fls. 1388-1389), Igor de S.F... (funcionário da sociedade Empresa de Cervejas da Madeira, Lda. entre 1996 e 2012,prestando colaboração nas áreas comercial vendas e marketing, com depoimento extratado a fls. 1389-1389 v), Roberto ... F.S.C.G... (funcionário da sociedade Empresa de Cervejas da Madeira, Lda. entre 1996 a 2004, inicialmente nas áreas de vendas e marketing e depois como diretor de marketing, com depoimento extratado a fls. 1390-1391). Deste conjunto de depoimentos resulta que, após a cessação do contrato com a Autora , foi montada uma estrutura com pessoal que trabalhava para a Autora a fim de continuar o negócio sem sobressaltos, continuando a ser vendidos produtos das Rés a clientes que persistiram como tais. De realçar que a notoriedade da marca ... ( cf. facto provado sob 34) constitui um importante fator gerador de estabilidade e fidelidade dos clientes finais, sendo que a estes é indiferente quem é o fornecedor , se A se B.

Aqui chegados, é manifesto que cremos que o facto provado sob 48 peca por defeito quanto ao número de clientes indicados.

É certo que o número de clientes varia em função do encerramento de cafés/restaurantes e da abertura de novos, não se mantendo sempre estático. Apurou-se que , no ano de 2003 ( até 31.7.2003, data em que findou o contrato), a Autora forneceu produtos das Rés a 1996 clientes ( facto 29). Conjugando a utilização de presunção judicial ( cf. supra) com os depoimentos prestados, podemos concluir que terão transitado para a atual distribuidora das Rés pelo menos metade de tais clientes (998 num universo de 1996), ou seja, 998 clientes. 

Os elementos probatórios analisados e explanados supra constituem, de facto, arrimo suficiente para que se dê como provado o facto ora referido, conferindo-lhe uma probabilidade lógica não inferior a 0,65.

Há que frisar que, no âmbito do processo civil, o standard da prova regra é o da probabilidade prevalecente.

Um standard de prova consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira. Um standard deve ser capaz de responder a duas perguntas: quando é que o grau de justificação é suficiente para aceitar um enunciado fáctico como verdadeiro e quais são os critérios objetivos que indicam que se alcançou esse grau de justificação.

O standard de prova é um mecanismo que permite determinar e distribuir os erros judiciais na fixação dos factos provados. Estaremos perante um falso positivo quando uma decisão declara provada uma hipótese, sendo esta falsa. O falso negativo ocorre quando se declara uma hipótese não provada, sendo esta verdadeira. Qualquer uma destas decisões pode ser válida epistemologicamente no sentido de que se fundou corretamente nos elementos de prova disponíveis.

Deste modo, à medida que aumentamos a exigência do standard de prova, aumentam os falsos negativos e diminuem os falsos positivos. É por esta ordem de razões que o standard de prova adotado para a decisão final no processo penal é muito mais elevado que no processo civil: existe uma opção ética no sentido de que é socialmente preferida uma absolvição falsa do que uma condenação falsa.[4] Enquanto no processo civil, a opção é a de tratar as partes de forma igual e reduzir o número global de erros, no processo penal a opção é a de proteger os inocentes tornando mais difícil condenar alguém, o que se faz preferindo os erros favoráveis à absolvição de culpados: é dez vezes pior condenar um inocente que absolver um culpado.[5]

Nesta medida, os standards de prova não são mais do que uma reação do próprio sistema contra a sua falibilidade na determinação do juízo fáctico, facultando modelos de controle das inferências do juiz e submetendo-as, no âmbito do contraditório, a um juízo crítico comum, garantindo a cientificidade da decisão jurídica.[6]

O standard da prova também evidencia que a verdade apurada no processo não é uma verdade absoluta. Conforme refere  González Lagier, “Presunción de Inocencia, Verdad y Objetividad”, in García Amado e Raúl Bonorino (coords.), Prueba Y Razonamiento Probatorio en Derecho, Debates sobre Abducción, 2014,  numa perspetiva cognoscitivista ou racional da prova,  «Entre prova e verdade existe uma conexão teleológica (a finalidade da prova é a averiguação da verdade de determinados enunciados) mas não existe um conexão concetual (dizer que um enunciado foi provado não é dizer que é verdadeiro, em termos absolutos, mas que parece verdadeiro à luz da informação disponível) (…)»
Na common law dominam dois standards de prova: o standard “evidence beyond a reasonable doubt” para o processo penal e o “preponderance of evidence” (more-likely-than-not), preponderância de prova, nos casos civis designadamente nos EUA.[7] A preponderância da prova não deve ser lida, precipitadamente, como verificada logo que uma parte logre produzir melhores provas que a contraparte, exigindo-se também que aquela versão dos factos seja também mais provável que a sua negação (cfr. infra.) Em certos casos civis, exige-se uma “clear and convincing evidence”, prova clara e convincente, também explicitada com recurso à expressão “much-more-likely-than-not”. É o que ocorre designadamente nos casos de restrição dos direitos parentais, de negligência profissional, em questões relacionadas com a cidadania e com o conteúdo de um testamento.[8] Em termos de conceção probabilística, o standard de preponderância da prova equivale a uma probabilidade superior a 0,5, o standard de prova clara e convincente equivale a uma probabilidade superior a 0,75 e o standard “evidence beyond a reasonable doubt” equivale a uma probabilidade superior a 0,90.[9]
No Reino Unido, adrian keane indica como standard comum dos casos de direito civil o “balance of probabilities”.[10] Segundo dá nota este autor, em diversas matérias cíveis tem sido exigido um standard mais elevado que nos casos comuns e, independentemente das matérias, também tem sido defendido que quanto mais improvável for o facto alegado, mais forte terá de ser a prova necessária a fixá-lo segundo o “balance of probabilities”. Abrangem-se designadamente as seguintes situações: a prova da intenção de uma parte mudar de domicílio tem de ser clara e inequívoca; os vícios da vontade na celebração do casamento têm de ser provados de forma forte, distinta e satisfatória; nos casos de abusos de crianças no âmbito do poder paternal, quanto mais séria ou improvável foi a alegação de abuso, mais forte terá de ser a prova quer do abuso quer da identidade do abusador; a imposição de tratamento médico pelo tribunal a um inimputável exige uma prova convincente de que o tratamento é medicamente necessário.
Na Alemanha, a doutrina discute os graus ou medidas da prova (Beweismaβ), afirmando-se que para que o juiz se considere convencido segundo a sua consciência, deve alcançar-se uma “verosimilitude objetiva”, e não uma “credibilidade aproximada”, o que equivale a uma “alta probabilidade” (hohe Wahrscheinlichkeit).[11] Tal medida de prova deve ser rebaixada designadamente em casos de difícil prova em que se exige apenas uma “verosimilitude predominante”. Como assinala jordi nieva fenoll, as frases construídas pela doutrina alemã em nada se diferenciam dos standards de prova anglo-saxónicos, sendo a sua finalidade a mesma.[12]
Em Itália, a doutrina e a jurisprudência afirmam que para a afirmação da responsabilidade civil é suficiente a “preponderanza dell’evidenza”, devendo seguir-se o critério do mais provável que não. No sector específico da causalidade civil, salvatore patti admite mesmo a formulação menos exigente da prevalência mínima.[13] Luigi comoglio refere que no que tange à correlação probabilística concreta entre o comportamento ilícito e o evento danoso, se deve seguir a regra da “normalidade causal”, segundo um critério definido como da “preponderanza dell’evidenza”, da probabilidade prevalecente ou do mais provável que não.[14]

Pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i)Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;[15]
(ii)Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.

Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.

Todavia, pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”. Pelo que para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica.[16]

Há, assim, um limite mínimo de probabilidade a partir do qual opera a probabilidade lógica prevalecente, que taruffo situa em 0,51. Há que esclarecer a forma de apresentação do grau de confirmação de hipóteses. Na metodologia proposta por este autor, cada prova concreta é valorável numa escala de 0 a 1 ( grau particular de confirmação). Por sua vez, a representação da valoração do conjunto da probabilidade da hipótese dever fazer-se numa escala de valores 0 → ∞, sem limite máximo (grau global de confirmação).[17] As duas escalas combinam-se para determinar a probabilidade do facto. Os números são aqui uma forma de expressar relações lógicas e não supõem medidas quantitativas de nada. Um grau de confirmação da hipótese superior a 0,50 deve considerar-se como o limite mínimo abaixo do qual não é razoável aceitar a hipótese como aceitável. Uma só prova clara e segura pode ultrapassar esse limite mínimo, podendo igualmente ser racional aceitar a hipótese confirmada por vários provas ditas indiretas convergentes, por exemplo.[18]

Apesar da pertinência de tal limite mínimo de probabilidade, taruffo logo ressalva que podem existir contextos em que seja sensato aplicar a probabilidade lógica prevalecente no seu estado puro, o que equivale a dizer, sem que se exija que a hipótese dotada de grau de probabilidade comparativamente mais alto seja também aceitável segundo o critério que opera quando está em jogo uma só hipótese ( ≥ 0,51). A aplicação do critério no seu estado puro poderá ser pertinente em casos em que não se exija a demonstração da aceitabilidade plena da hipótese, bastando algum elemento de confirmação suscetível de atribuir um mínimo de credibilidade a tal hipótese.[19]

De modo mais concretizado e também com o intuito de articular a probabilidade lógica com a regra do ónus da prova objetivo, vejamos em concreto como devem ser resolvidas várias situações.
A situação mais singela coloca-se quando se pretende saber se, partindo das provas disponíveis, o enunciado relativo ao facto x é verdadeiro (vx) ou é falso (fx). Se vx recebeu uma confirmação probatória forte, pode simultaneamente ocorrer que : a) fx não haja recebido confirmação; b) que fx haja recebido uma confirmação débil, ou que c) também fx haja recebido uma confirmação forte. Nas hipóteses a) e b), deve ser naturalmente escolhida vx segundo a probabilidade prevalecente. No caso c), haverá que comparar os respetivos graus de confirmação (qual a que recebeu maior apoio das provas disponíveis) e determinar se o mais elevado é o vx ou o fx.

Se vx recebeu uma confirmação probatória débil (v.g. porque os indícios são vagos, as presunções não são concordantes ou as provas são divergentes e contraditórias), pode simultaneamente ocorrer que: a) que fx haja recebido uma confirmação forte; b) que fx haja recebido também uma confirmação débil ou que c) fx não haja recebido confirmação. Na hipótese a), a escolha racional será escolher fx na medida em que recebeu uma confirmação probatória relativamente maior. No caso b) nenhuma das hipóteses opostas recebeu uma confirmação probatória relativamente maior e no caso c) nenhuma das hipóteses recebeu uma confirmação adequada. Estas situações de incerteza não permitem que se determine a verdade ou a falsidade do enunciado de facto x. Perante este estado de incerteza ou outro em que a verdade de um enunciado não receba uma adequada confirmação, a decisão só pode ser adotada mediante a aplicação da regra do ónus da prova objetivo.[20] 

No caso em apreço, recapitulando, cremos que a confluência das presunções judiciais com a prova testemunhal prestada confirmam, com um grau de probabilidade lógica não inferior a 0,65 (grau global de confirmação), que: «A atual rede de clientes dos produtos das Rés no Arquipélago dos Açores compreende, pelo menos, 998 clientes que faziam parte da rede de distribuição que a Autora havia estabelecido para os produtos das Rés até à cessação do contrato», alterando-se o facto provado sob 48 em conformidade.

Facto provado sob 56
Na sentença deu-se como provado que «Em julho de 2004 que a Autora estava em condições para libertar esses stocks
Pretende a Autora que tal facto seja alterado, passando a constar que: «Após a cessação do contrato, e certamente em setembro de 2003, a Autora estava já em condições de libertar os produtos que estavam ainda na sua posse ou sob o seu controlo

Na sentença, o facto provado sob 56 mereceu a seguinte fundamentação:
«Sobre os factos que ficaram a constar das alíneas 52) a 55) também não houve nenhuma divergência na prova testemunhal produzida, pois todas as pessoas diretamente ouvidas sobre esses factos foram unânimes em aceitar como verdadeiro o dado por provado. A divergência probatória verificou-se apenas quanto à matéria da alínea 56) que, no entanto, foi objeto de prova positiva por parte da testemunha Javier S.C..., Diretor Técnico da ... de Espanha, produzido em rogatória e transcrito a fls. 861 (mas tem de se reconhecer que é um depoimento atabalhoado e algo incompreensível nesta parte), e das testemunhas Emanuel V. J.F..., Miguel J.L.S... (cf. fls. 836 a 842 e 888 a 901), ... Miguel ... .... Todos estes depoimentos foram muito genéricos, imprecisos e evasivos. A testemunha António P.J.M.P... é que foi particularmente relevante, porque acompanhou o processo de encerramento do contrato e de cálculo do custo de armazenamento, reconhecendo que houve dificuldades de apuramento dos stocks nos primeiros 3 meses e depois foi uma “questão de logística”. Por seu turno, a testemunha José M.C. ..., Diretor do Sistema de Qualidade das R.R. para a Europa Ocidental, que acompanhou o processo de encerramento do contrato dos autos da parte destas, também referiu que houve demora no processo de recolha de stocks e que o procedimento de recolha também foi arrastado pela circunstância do processo ter sido tratado em conjunto com o encerramento de igual contrato com o distribuidor da Madeira, que era também titular do capital social da A., o que atrasou a inventariação. Esta testemunha também reconheceu que em Setembro de 2003 já tinha o relatório de stock em fábrica facultado pela A. (o que parece estar em coerência com o depoimento da testemunha António P...), mas referiu que ainda faltavam os retornáveis espalhados pelos postos de venda, tendo mencionado também que o processo de inventariação de retornáveis, avaliação e destruição decorreu até maio ou junho de 2004. A testemunha Sérgio R.S..., também inquirida a estes factos demonstrou distanciamento relativamente aos mesmos, de que não teria conhecimento efetivo. Do conjunto desta prova resulta que de facto houve demora no processo de recolha do material em causa, não sendo de crer que no final de julho de 2003, logo no término do contrato, a A. já tivesse todo o stock recolhido, inventariado e avaliado. Também resulta demonstrado que em Setembro de 2003 já haveria um primeiro inventário facultado pela A. às R.R., mas não ficou claro que tal fosse um inventário definitivo, com base no qual se pudesse encerrar definitivamente o processo com a recolha de todo o material que as R.R. teriam de “recomprar”. Pelo que, só poderemos ter por certo que o procedimento de inventariação, avaliação e recolhe ficou concluído em julho de 2004

Sustenta a Autora que o tribunal laborou em erro porquanto, nos termos da fundamentação citada, considerou que deviam ser entregues pela Autora também os produtos retornáveis( i.e., as garrafas de vidro vazias) que estavam espalhadas pelos vários pontos de venda, sendo que estas não são stock.

No seu sentido comum, stock é a quantidade de mercadorias em armazém, existências – cf. Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2013, p. 1493. Nessa medida, à primeira vista, os produtos retornáveis (= garrafas vazias) não integram o stock.

Contudo, o facto 56 tem de articular-se com os precedentes factos 54 e 55 ( e  estes não mereceram reparo das partes em sede de recurso), sendo que , nos termos do facto provado sob 54 :«As Rés obrigaram-se a comprar todos os produtos e embalagens em stock». Esta menção a embalagens em stock reporta-se – como é bom de ver – a embalagens vazias pois, sendo ainda cheias, caímos na primeira categoria: produtos.

Nesta medida, os factos provados sob 54 e 56 são coerentes, primando a respetiva fundamentação em primeira instância pela clareza e exaustividade, em termos de não merecer qualquer reparo.

Improcede, nesta parte, a apelação.

O facto não provado sob a alínea C).
O tribunal de primeira instância deu como não provado que: “A Autora não recebeu qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato com as Rés pelos clientes por si angariados, relativamente aos produtos da Coca-Cola

Sustenta a Autora que deve ser dado com provado o facto 67 com o seguinte teor: «A Autora não recebeu qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato com as Rés pelos clientes por si angariados, relativamente aos produtos da Coca-Cola.»

Nas suas contra-alegações, as Rés concordaram com a posição da Autora quanto a este facto ( fls. 1425), afirmando nas conclusões que: «(…) considerando a prova testemunhal consensual produzida pelas testemunhas, as Apeladas entendem que a Apelante não recebeu qualquer retribuição após a cessação da relação com as Apeladas por contratos celebrados após aquele montante» ( conclusão W).

Há que relevar o acordo das partes ( cf. Artigo 607º, nº4, do Código de Processo Civil )e, simplificando, dar como provado  o factos 67 com  o seguinte teor: «67 - A Autora não recebeu qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato com as Rés pelos clientes por si angariados, relativamente aos produtos da Coca-Cola

Os factos provados sob 62 e 63
O tribunal de primeira instância deu como provado o facto 62 com o seguinte teor: «O volume de vendas da A. de produtos das R.R. foi de valor não concretamente apurado relativamente aos anos de 1998 a 2001, mas não inferiores a €5.000.000,00 por ano, sendo que relativamente a 2002 foram apuradas vendas de €5.608.458,00 e em 2003 €2.461.642,00, dos quais €2.363.173,00 são valores faturados até 31 de Julho – (Por referência ao 19º da base instrutória).»

Deu ainda como provado o facto 63 com a seguinte redação:
«63) A tais volumes anuais de vendas apenas se logrou estimar correspondem as seguintes margens de lucro da A. relativamente aos anos de 2002 e de 2003, e este só até 31 de julho:
Ano de 2002               Até 31/7/2003

Vendas brutas                                    5.608.458                  2.363.173
Descontos incluídos nas faturas        557.311                      189.470
Total faturado                                    5.051.148                   2.173.703
Descontos não incluídos nas faturas   311.484                    107.976
Vendas líquidas                                  4.739.663                   2.065.727
CMV                                                   3.873.291                   1.649.947
Margem                                             866.372                      415.780
– (Por referência ao 20º da base instrutória)».

As Rés peticionam que a matéria de facto vertida nos pontos 62 e 63 seja excluída da matéria de facto provada ( fls. 1471 v), devendo ser considerada como não provada ( fls. 37 v. das alegações).

As Rés assentam a pretensão em três ordens de argumentos:
(i)Inexistência de qualquer suporte documental relativo aos volumes de vendas e margens líquidas de lucro de 1998 a 2001, três dos últimos cinco anos de vigência do contrato, sendo a perícia omissa quanto àqueles exercícios;
(ii)As vendas brutas realizadas em 2002 e em sete meses de exercício de 2003 foram apuradas pelos peritos sob reserva das limitações por desacordo e reservas de limitação de âmbito levantadas em sede de certificação de contas da apelada por parte dos seus revisores oficiais de contas, alertando os peritos para a falta de fiabilidade dos números e contas da apelada;
(iii)A prova testemunhal não logrou igualmente fazer prova dos valores brutos de vendas e dos valores de margens líquidas obtidas pela Autora nos últimos cinco anos de vigência do contrato.

Apreciando.

Em sede de fundamentação da sentença, a prova dos factos nos. 62 e 63 mereceu a seguinte motivação:
«Mesmo com todas as reservas que foram explicitadas no relatório pericial de fls. 552 a 571 e esclarecimentos de fls. 619 a 626, foi essencialmente com base nos mesmos que relevámos os factos que ficaram provados nas alíneas 62) e 63) dos factos provados, sendo que relativamente ao primeiro deles, e quanto ao volume de vendas anual dos anos de 1998 a 2001, julgámos estar em condições de admitir o valor mínimo de €5.000.000,00 anuais, quer pela sua coerência com os números contabilisticamente apurados para o ano de 2002, quer porque, não sendo possível ter a mesma certeza contabilística relativa aos anos anteriores, em face das reservas iniciais do ROC, a sua revisão das contas relativas a 2002 e 2003 faz admitir a possibilidade dos valores apurados em anos anteriores poderem ter alguma correspondência com a realidade. Assim, mesmo sem a certeza matemática da verificação contabilística, em função do padrão de atividade da Autora, que foi confirmado pelas testemunhas Rui F. D. ... de M..., ... Miguel ... ... e António P.J.M.P..., este último diretor financeiro da Autora, tudo nos leva a crer que o valor mínimo anual considerado é de aceitar.»

Quanto ao argumento enunciado sob (i), é certo que os Srs. Peritos enunciaram no relatório e esclarecimentos limitações quanto ao objeto da sua atividade, afirmando designadamente que «Os peritos chamam a atenção para o facto de os cálculos acima partirem de premissas cuja validação não é possível e, ainda, para o facto de as demonstrações financeiras de 2002 terem sido objeto de uma reserva por limitação de âmbito quanto aos valores dos descontos, abatimentos e vendas.» ( fls. 558), questão que foi desenvolvida nos esclarecimentos prestados a fls. 623-624.

Todavia, há que ter presente que as reservas,  a que se reportam os peritos, na certificação legal de contas são elaboradas na ótica da regularidade fiscal e contabilística da empresa, questão diversa dos fluxos económicos e transação reais da mesma. Como é natural, os Srs. Peritos incidiram o seu labor sobre a documentação contabilística, sendo que esta não esgota os meios de apuramento das transações reais da empresa/Autora. Conforme se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 19.12.2012, Henrique Antunes, 31156/10,
«O Código Comercial não esclarece se um comerciante pode invocar outros meios de prova contra o que constar da sua escrita.
Na falta de disposição especial a este respeito vale a regra geral da lei civil, que decide em sentido afirmativo (artº 380º do Código Civil).

Este regime vincula a duas conclusões: a escrita, ainda que regularmente arrumada, não tem força probatória plena, já que à outra parte e ao próprio comerciante é lícito invocar outros meios de prova em contrário; a desarrumação da escrituração não torna processual ou materialmente proibida – e, portanto, ilícita – a invocação de quaisquer outros meios de prova, e, correspondentemente, qualquer insusceptibilidade de valoração, pelo tribunal, destes outros meios de prova, que, por isso, podem servir de fundamento à respetiva decisão.

A perícia à escrituração da recorrida tornou patente a sua desconformidade com o quadro regulativo aplicável – divergência que, como é comum, surge ordenada pelo propósito punível de subtração à obrigação de imposto.

Mas sejam quais forem as consequências no plano penal, contraordenacional ou tributário, essa ilicitude é, no plano da prova, falha de consequências.»

Ora, apesar das limitações da escrita comercial da Autora, os Srs. Peritos sentiram-se habilitados e lograram apurar valores objetivos relativos a 2002 e 2003. Conforme resulta da fundamentação feita na sentença , esses valores apurados de 2002 permitem inferir os valores dos anos anteriores por «coerência com os números contabilisticamente apurados para o ano de 2002», ou seja, opera aqui o indício comparativo tendo como factos-base os valores de 2002 e 2003.[21]

As testemunhas inquiridas também depuseram no sentido de confirmar um valor de vendas na ordem de grandeza dada como apurada. Note-se que o volume anual de vendas constitui uma realidade que é objeto de sucessivas apreciações e menções para quem trabalha neste tipo de sociedades, quer pela sua relevância no âmbito da atividade quer pela pertinência de tais números para a existência de prémios e outras gratificações extra aos funcionários (os famigerados objetivos). Isto é, trata-se de um valor que é ,efetivamente, analisado por quem trabalha e lida com este tipo de empresas. Nessa medida, os depoimentos prestados não podem nem devem ser descartados. Assim: a testemunha António P.J.M.P... reportou-se a vendas “à volta de 6 milhões de euros” antes e depois de 2002 ( depoimento extratado a fls. 1480-1481); Fernando D. ... de M... (funcionário da Autora entre 1992 e 2002, altura em que desempenhava as funções de diretor de logística) referiu vendas dos produtos Coca-Cola  “à volta de seis milhões”, repetidamente, reportando-se a um “negócio muito estável” ( depoimento extratado a fls. 1480 v – 1483); ... ... ... também referiu vendas na ordem dos seis milhões ( depoimento extratado a fls. 1493-1484); Roberto S.C.G..., diretor de marketing, também situou o volume de vendas de produtos das Rés em seis milhões ( depoimento extratado a fls. 1484-1485).

Por outro lado, os factos provados sob 62 e 63 inferem-se também de outros factos indiciários provados na sentença, havendo por esta via uma corroboração periférica dos factos 62 e 63. Com efeito, estão provados os seguintes factos:
«66) O preço do custo das latas era demasiado elevado para a A. as poder colocar junto dos consumidores, pelo que as R.R. fixaram um desconto em função das unidades compradas, que não figurava na fatura de compra das latas, mas era concedido mensal ou trimestralmente, através de notas de débito que a A. enviava às R.R. ou a outras empresas do grupo Coca-Cola – (Por referência ao 23º da base instrutória);
67) Esses descontos foram os seguintes:
-Em 1998: € 246.048,00;
-Em 1999: € 209.077,00;
-Em 2000: € 178.136,00;
-Em 2001: € 124.180,00;
-Em 2002: € 151.779,00;
-Em 2003 € 137.734,00 – (Por referência ao 24º da base instrutória)

Daqui deriva que, no âmbito da relação contratual, as Rés fixaram um desconto das latas “em função das unidades compradas”, o qual era concedido à Autora em notas de débito. Como é bom de ver, o desconto em causa varia proporcionalmente em função do número efetivo de latas vendidas. Ora, em 2002 esse desconto foi de € 151.779 para um universo de vendas de € 5.608.458.  Fazendo a média do desconto nos anos de 1998 a 2001, obtemos  valor de € 189.360,25. Logo, mantendo-se a relação de proporcionalidade ( nada havendo em desabono disso), tal significa que,  entre 1998 e 2001, o volume de vendas foi mesmo superior ao apurado em 2002. Desta forma, se houvesse algo a corrigir na resposta dada ao facto 62 seria para aumentar o valor e não para diminuir os valores.

Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto quanto aos factos provados sob 62 e 63.

Resumindo:
a.É alterada a redação do facto 35 para: «Nos anos de 1997 e 2003,  as Rés investiram no mercado do arquipélago dos Açores a quantia total de € 1.091.585,11 na promoção dos seus produtos»
b.O facto 48 passa a ter a seguinte redação: «A atual rede de clientes dos produtos das Rés no Arquipélago dos Açores compreende, pelo menos, 1330 clientes que faziam parte da rede de distribuição que a Autora havia estabelecido para os produtos das Rés até à cessação do contrato»,
c.É aditado o facto provado : «67 - A Autora não recebeu qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato com as Rés pelos clientes por si angariados, relativamente aos produtos da Coca-Cola
d.Mantém-se incólumes os factos provados sob 56, 62, 63.

Erro de julgamento quanto ao montante da indemnização de clientela

Na sentença impugnada, foi fixado o montante da indemnização de clientela em duzentos mil euros, arrazoando-se que: «Em face do exposto, considerando que o Art. 34º do Dec. Lei 178/86 de 3/7 apela essencialmente à aplicação de regras de equidade, partindo de certo volume de vendas médio relativo aos últimos 5 anos de vigência de contrato e ponderando que as R.R. repartem os benefícios do mercado açoriano com a Refecom e não terão ficado com a totalidade da clientela angariada pela A., julgamos adequado fixar em €200.000,00 a indemnização de clientela.»

A Autora insurge-se contra tal valor, pretendendo que seja fixado um valor superior muito próximo dos € 980.000 (artigo 141 das alegações). Para tal, enuncia essencialmente os seguintes argumentos:
1.A Autora deixará de receber retribuições que, nos últimos cinco anos, rondaram a média de € 980.000;
2.Foi a atividade de distribuição e promoção da Autora que permitiu que o produto  comercializado pelas Rés passasse a ser consumido e reconhecido nas nove ilhas do arquipélago dos Açores;
3.A atividade das Rés continua a beneficiar, e muito, da atividade desenvolvida pela Autora para a venda dos seus produtos neste território;
4.O contrato durou mais de dezoito anos;
5.A rede de clientes angariada pela Autora para os produtos das Rés cobre todo o território do Arquipélago dos Açores;
6.Em virtude da atividade da Autora, as Rés conquistaram um novo mercado para os seus produtos onde ele anteriormente não existia;
7.A Autora foi o “homem da primeira hora”;
8.Apesar da suposta notoriedade da marca Coca-Cola, em 1985, tal marca era apenas consumida na base militar das Lages;
9.O facto da Ré ter contratado outro distribuidor não pode assumir qualquer relevância para efeitos de fixação de indemnização;
10.Não pode ser relevado, ao contrário do que se fez na sentença impugnada, o facto de as  Rés não terem ficado com a totalidade da clientela angariada pela Autora ( cf. facto 48).
Numa primeira análise do argumentário da Autora, verificamos o seguinte.
A média das retribuições de € 980.000 está expressamente aludida na sentença impugnada em termos que não merecem reparo, articulando os factos 62, 63, 66, 67.

Em relação aos argumentos 2, 5 a 8, o que se logrou provar de relevante foi que:
26) Antes da celebração do contrato entre a A. e as R.R., os produtos das R.R. apenas chegavam com regularidade à base militar norte americana das Lages, não havendo agentes ou distribuidores diretamente contratados para o efeito pelas R.R. para o Arquipélago dos Açores – (Por referência ao 7º da base instrutória);
27) Antes do início da relação comercial entre A. e R., no Arquipélago dos Açores e para a população em geral, excetuado o pessoal que trabalhava na base militar das Lages, praticamente só eram consumidos os refrigerantes produzidos pela A. – (Por referência ao 8º da base instrutória);
28) A rede de clientes que a A. criou para os produtos por si comercializados, aí se incluindo os produtos das R.R., cobria praticamente todo o Arquipélago dos Açores – (Por referência ao 9º da base instrutória);
30) Os produtos das Rés só se estabeleceram com regularidade no mercado do Arquipélago dos Açores, após o acordo estabelecido com a Autora para a distribuição dos mesmos;
31) A atividade de distribuição e promoção dos produtos das R.R. lavada a cabo pela A. permitiu e facilitou que os mesmos passassem a aí ser conhecidos e consumidos, de modo crescente, relativamente à data de início da execução do contrato – (Por referência ao 13º da base instrutória).

Deste conjunto de factos resulta que a Autora atuou, de facto, como o “homem da primeira hora” no lançamento e crescimento dos produtos das Rés no mercado dos Açores.

No que tange ao benefício auferido pelas Rés em resultado da atividade da Autora (argumentos 3, 9 e 10), o que se apurou foi que:
32) As R.R., na medida em que lograram vender os seus produtos, beneficiam da atividade de distribuição da A. desde julho de 1985 – (Por referência ao 14º da base instrutória);
47) As R.R. continuam a vender os seus produtos no Arquipélago dos Açores, tendo substituído a A., como distribuidora, por uma empresa, a Refecom Açores – Sociedade Unipessoal, detida em 100% pela Refrige, S.A. – (Al. V) dos factos assentes);
48)A atual rede de clientes dos produtos das Rés no Arquipélago dos Açores compreende, pelo menos, 1330 clientes que faziam parte da rede de distribuição que a Autora havia estabelecido para os produtos das Rés até à cessação do contrato;
51) As R.R. beneficiaram do contributo que a atividade da A. deu para a fidelização de clientela e, através do novo distribuidor, a Refecom, da transferência da sua força de vendas para manter o abastecimento dos seus produtos no mercado do Arquipélago dos Açores – (Por referência ao 18º da base instrutória).

A circunstância dos produtos das Rés não serem vendidos diretamente pelas Rés nos Açores mas por uma nova distribuidora não releva, de facto, na fixação da indemnização. Conforme refere António Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, p. 154, «(…) não se exige que seja o próprio principal a explorar diretamente o mercado, podendo conseguir esses benefícios através de outro agente, de um concessionário, de uma filial, etc. O que interesse é que o principal fique em condições de continuar a usufruir da atividade do agente , ainda que só indiretamente, através de outros intermediários – exceto se provar que deixa em absoluto de poder aproveitar-se de tal clientela, por ter cessado a sua atividade ou mudado de ramo (…)».

Finalmente, quanto ao argumento enunciado sob 4, está evidenciado que o contrato durou entre 14.7.1985 e 31.7.2003.

Por sua vez, as Rés – em sede de recurso subordinado – pugnam pela sua absolvição do pedido, aduzindo a seguinte ordem de argumentos. Em primeiro lugar, os argumentos já analisados a propósito da pretendida e malograda alteração dos factos provados sob 62 e 63. Nesta parte, remetemos para  a análise já feita supra. Em segundo lugar, sustentam que para ser possível efetuar o cálculo da indemnização de clientela era essencial que a Autora alegasse e demonstrasse o lucro líquido dos últimos cinco anos , sendo insuficiente o apuramento de margens brutas. Esta objeção das Rés não colhe porquanto as remunerações do agente a atender para efeitos de cálculo, nos termos do Artigo 34º do Decreto-lei nº 178/86, devem ser tomadas pelo seu valor bruto, ou seja, sem dedução de quaisquer despesas ou impostos suportados pelo agente – cf. FERREIRA PINTO, Contratos de Distribuição, Da Tutela do Distribuidor Integrado em Face da Cessação do Vínculo, 2013, p. 664; LUIS MENEZES LEITÃO, A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, Almedina,  p. 69.

Nos termos do Artigo 34º do Decreto-lei nº  178/86, de 13 de Abril, “A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor”.

A propósito do cômputo da indemnização de clientela, refere LUIS MENEZES LEITÃO,  A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, Almedina,  pp. 65/66, que
«Desta norma resulta simultaneamente um vector de remissão para a equidade, e a determinação de um limite máximo de indemnização, não podendo a avaliação equitativa ultrapassar esse limite. No entanto, a remissão para a equidade não pode extravasar os pressupostos referidos no artigo 33º, nº1, dos quais resultará um valor bruto de indemnização (…), ao qual é aplicável o limite máximo referido, só podendo o agente receber o menor dos dois valores.

Dos pressupostos referidos no art. 33º, nº1, resulta que a indemnização de clientela deve ser calculada com base quer no cômputo das perdas sofridas pelo agente em resultado da extinção do contrato [alínea c)], quer na avaliação dos benefícios que o principal continua a auferir em resultado dessa atividade [alínea b)], devendo ser equitativamente fixada entre esses dois valores. O cálculo aponta assim para uma prognose, quer dos benefícios auferidos pelo principal, quer das perdas sofridas pelo agente.»
FERREIRA PINTO, Contratos de Distribuição, Da Tutela do Distribuidor Integrado em Face da Cessação do Vínculo, 2013, pp. 661-663,  afirma que:
 «(…) nessa vasta maioria de casos, o valor dos benefícios futuros do principal corresponderá, pelo menos prima facie, ao montante global das comissões que o agente deixou de receber, em virtude da cessação do contrato. Como é evidente, tudo isto não equivale a preconizar a tabelarização da compensação a atribuir ao agente, nem está em causa a desconsideração de quaisquer elementos, de facto ou de direito, que apresentem relevância para a fixação concreta do objeto da correspondente obrigação, mormente em sede de avaliação "ex aequo et bono". Trata-se, apenas, de encontrar uma base segura e minimamente objetiva (e objetivável) para o exigentíssimo juízo prudencial requerido pela aplicação dos requisitos da figura.
(…) as normas que consagram um limite à indemnização de clientela (art. 17/2/b, da Diretiva, e art. 34 da LCS) não estabelecem critérios de aferição do respetivo montante, pelo que a determinação deste último não deve ser feito "a partir" dessa fronteira. Esta só intervém quando o valor-base da indemnização, apurado nos termos expostos, a supere, passando então a constituir o quantum da compensação devida ao agente; na hipótese inversa, deverá ser-lhe adjudicado aquele valor-base.»
O TJUE tem enfatizado que, com vista a uma interpretação mais uniforme do artigo 17º da Diretiva, deverão ser seguidas as instruções do relatório referente à aplicação do Artigo 17º da Diretiva . Assim, no Acórdão C-465/04 de 23.3.2006, Honyvem, afirmou tal Tribunal:
«(…) há que referir que, embora o regime instituído pelo artigo 17.º da diretiva seja imperativo e fixe um quadro (acórdão Ingmar, já referido, n.º 21), não fornece, no entanto, indicações detalhadas no que respeita ao método de cálculo da indemnização por cessação do contrato. / Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que, dentro desse quadro, os Estados-Membros podem exercer a sua margem de apreciação quanto à escolha dos métodos de cálculo da indemnização (acórdão Ingmar, já referido, n.º 21). A Comissão submeteu ao Conselho, tal como era obrigada por força do artigo 17.º, n.º 6, da diretiva, o relatório referente à aplicação do artigo 17.º da diretiva do Conselho relativa à coordenação do direito dos Estados-Membros sobre os agentes comerciais, apresentado pela Comissão em 23 de Julho de 1996 [COM(96) 364 final]. Este relatório fornece informações detalhadas no que respeita ao cálculo efetivo da indemnização e visa facilitar uma interpretação mais uniforme deste artigo 17º.»
O TJUE pronunciou-se no mesmo sentido no Acórdão de 26.3.2009 C-348/07 , Turgay Semen, considerando nº 22.
O modelo preconizado pelo TJUE, por referência ao relatório do Conselho, é o modelo alemão. Na síntese de Ferreira Pinto, Op. Cit.,pp. 659-660, os trâmites de tal modelo são os seguintes:
«Partindo do princípio de que os benefícios (futuros) do principal correspondem, pelo menos, ao montante das comissões que o agente deixa de auferir, em consequência da extinção do contrato, relativamente às operações que aquele continuará a realizar com clientes estáveis, angariados ou intensificados pelo agente (caberá às partes, quando nisso tiverem interesse, demonstrar o contrário), o cálculo é geralmente realizado com base no montante total das comissões que este recebeu nos últimos 12 meses de duração do vínculo. Apenas são consideradas, para o efeito, as comissões relativas à atividade promocional propriamente dita, excluindo-se, portanto, as chamadas comissões administrativas [compreendem as relativas à cobrança de créditos, à assunção da convenção “del credere”, à gestão de sotcks e de reclamações de clientes – cf. Op. Cit., p. 624] e também as comissões indiretas, exceto se disserem respeito a clientes junto dos quais o agente tenha desenvolvido uma concreta atividade promocional. Segue-se a determinação do período de tempo por que, expectavelmente, o principal irá manter relações negociais com os clientes acima referidos ( o que, naturalmente, depende de diversos fatores, variando, como regra, os períodos considerados entre os 3 e os 5 anos) e apura-se o valor total das comissões perdidas pelo agente, relativamente aos negócios que o principal irá celebrar com tais clientes, fazendo intervir a taxa de migração anual de clientela que se revê adequada ao sector de negócios em causa. Avaliam-se, então, as circunstâncias do caso concreto que, em termos de equidade, se mostrem suscetíveis de fazer variar (para cima ou para baixo) o montante apurado, e realiza-se o desconto financeiro (“Abzinsung”), de modo a determinar o valor atual de montantes que só no futuro seriam devidos ao agente. Faz-se, por último, o confronto do valor bruto da indemnização (“Rohausgleich”), assim determinado com o limite máximo estabelecido na lei.»

Aplicando, liminarmente, esta metodologia com intuito exploratório temos o seguinte.

Nos últimos doze meses de duração do contrato, a Autora teve comissões que totalizaram € 977.743,25 ( € 415.780 de sete meses em 2013 + € 360.988 proporcional de cinco meses de 2002 + 137.734 do facto 67 + € 63.241,25 do proporcional de cinco meses de 2012). A matéria de facto é omissa quanto ao período expectável pelo qual as Rés prosseguirão o negócio nos Açores bem como sobre a taxa de migração de clientes. Note-se que não é de prever uma taxa de fidelidade reduzida dos clientes deste tipo de bebidas pelo que este fator nunca seria  pertinente . Não podemos, pois, aplicar tais fatores.

Como circunstâncias do caso suscetíveis de se refletir na variação para baixo do valor referido temos, em primeiro lugar, a notoriedade da marca Coca-Cola pertencente às Rés – cf. facto 34. A marca Coca-Cola é uma das marcas mais conhecidas em todo o mundo, senão mesmo a mais conhecida.[22] A notoriedade da marca ... constitui, de per si, um facto notório (Artigo 412º, nº1, do Código de Processo Civil). A especial força atrativa da marca diminuiu a relevância e mérito da angariação de clientes feita pela Autora. A força atrativa da marca justifica um desconto de 40%, passando o valor para € 586.645,95.  Por outro lado, há que relevar também o investimento feito pelas Rés entre 1997 e 2003,no mercado dos Açores, no valor de € 1.091.585,11 (facto 35), numa média anual de cerca de € 60.643. Este valor anual, por referência às remunerações do último ano, justifica um desconto adicional de 6%, passando o valor para € 551.447,2. Haverá também que valorar negativamente os factos provados sob 41 e 42( não realização de investimentos requeridos pelas Rés) com uma percentagem de 10%, passando o valor de referência a ser de € 496.302,48.Não colhe pertinência a aplicação da taxa de desconto financeiro ( de juros) porquanto não se atendeu a comissões que seriam recebidas no futuro.

No que respeita a fatores a ponderar para a subida do valor indemnizatório, realçam-se os referidos sob os factos 26 a 28, 30, 31, ou seja, o facto da Autora ter desempenhado o relevante papel de “homem da primeira hora”.

Quanto aos benefícios que as Rés continuarão a auferir em resultado da atividade da Autora, partindo do número de clientes que transitaram (998 – facto 48) com o número de clientes existentes em 2002, ano em que a Autora teve uma margem de € 866.372 (facto 63), concluímos que esses benefícios não serão inferiores a € 433.186.[23]

Aplicando a metodologia proposta por Menezes Leitão, temos que a indemnização se deveria fixar entre os € 496.302,48 e os € 433.186.

Em sede de indemnização de clientela, a equidade «é o critério de decisão que se destina a aferir do equilíbrio patrimonial da relação havida entre as partes, partindo-se da premissa de que ela continuará a projetar os seus efeitos no futuro e de que estes se podem traduzir em vantagens para o principal, decorrentes de atribuições efetuadas pelo agente” – cf. Ferreira Pinto, Op. Cit., pg. 612. Segundo este autor, a equidade converte-se «no fator preponderante de quantificação do montante a outorga, servindo até, algumas vezes ,para colmatar as deficiências manifestadas a respeito da alegação e prova dos restantes pressupostos e assumindo destarte o papel de fundamento único da pretensão do agente, ao invés de constituir um instrumento de modelação desse montante em função das circunstâncias concretas do caso» - Op. Cit., pp. 668-669.

A equidade enquanto parâmetro de atuação do julgador, deve ser “tomada aqui na aceção de realização da justiça abstrata no caso concreto, o que, em regra, envolve uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjetiva do julgador” – RODRIGUES BASTOS, Das leis, sua interpretação e aplicação, segundo o Código Civil  de 1966, Lisboa, 1967, p. 28.  “O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda. E o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei.” – ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, Código Civil Anotado, I Vol., 4ª ed., pp. 54/55.

Nas palavras de MENEZES CORDEIRO, “A decisão segundo a equidade”, in O Direito, Ano 122º, 1990, I, pp. 272-273, o julgamento de equidade, pese embora o maior empirismo e intuição que apresenta, será “(...) em última análise, sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objetivas”, proposições essas que estarão na base de qualquer convencibilidade da própria decisão de equidade e que o próprio Direito permite conhecer. E continua: ” É, assim, possível fazer apelo ao razoável, ao equilíbrio entre as partes e à justa repartição de encargos. De modo paralelo, afastar-se-ão os obstáculos formais ou os argumentos hábeis mas, predominantemente, técnico-jurídicos, procurando antes ponderar os interesses globais das partes.”

Julgar segundo a equidade implica, de acordo com a especificidade do caso concreto, suprir a parcial falta de factos com os princípios gerais de justiça e os ditames da consciência do julgador, sem que se chegue a um livre arbítrio – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.7.97, Sousa Inês, BMJ nº 469, p. 524.

Ponderando tudo o longamente exposto - com especial consideração pela metodologia proposta pelo TJUE, pelos benefícios futuros apurados das Rés, pelo papel de “homem da primeira hora” da Autora - entendemos que o valor da indemnização deverá ser fixado em € 500.000.

A taxa de juros aplicável e o início da sua contagem
Na petição inicial, a Autora reclamou o pagamento de juros embora não tenha indicado expressamente que os juros que reclamava eram à taxa dos juros comerciais. Essa ilação alcança-se a contrario porquanto o valor de juros reclamado sob b) do petitório (€ 116.100) não corresponde ao valor dos juros civis que seriam, no caso , de apenas € 48.007,38

Nos termos do Art. 102º do Código Comercial,

Artigo 102.º
Obrigação de juros
Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os atos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
-1.º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
-2.º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil.
-3.º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
-4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de sete pontos percentuais, sem prejuízo do parágrafo seguinte.
-5º No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto-lei nº 62/2013, de 10 de maio, a taxa de juro referida no parágrafo terceiro não poderá ser inferior ao valor da taxa de juto aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos percentuais.

Este regime aplica-se ao caso em apreço porquanto, conforme refere Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, pp. 237-238, «(…) o regime em referência é aplicável ao vencimento de todos os tipos de juros legais e juros convencionais sem taxa: ou seja, a taxa supletiva fixada ao abrigo dos §3 e § 4 do art. 102º do CCom vigorará relativamente a todos as obrigações pecuniárias emergentes de créditos/débitos contratuais de empresários singulares ou coletivos relativamente às quais a lei determine (ou as partes convencionem, omitindo, contudo, o respetivo quantitativo ou percentual,) a contagem de todo o tipo de juros, sejam eles moratórios ou compensatórios.» 
          
Porém, como bem objetam as Rés, os juros comerciais sobre a indemnização de clientela apenas se contam a partir da data da sentença. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.4.2012, Olindo Geraldes, 4224/07,
«A obrigação, embora sendo certa, é ilíquida, quando ainda não está determinada quantitativamente, o que pode suceder, por exemplo, em certos casos respeitantes à obrigação de indemnização.
No caso dos autos, trata-se da indemnização de clientela, pela cessação do contrato de distribuição atípico, a qual, em conformidade com o disposto no art. 34.º do DL n.º 178/86, de 3 de julho, é “fixada em termos equitativos”, embora sujeita a um limite máximo abstratamente definido.
Neste contexto, a quantificação da indemnização de clientela concretiza-se apenas com a sentença, tornando-se assim líquida no momento da sua prolação, independentemente do seu trânsito em julgado. A partir da data da sentença, porque a obrigação de indemnização se tornou líquida, foi fixada a mora do devedor, começando a partir daí a contagem dos juros moratórios, nomeadamente nos termos da primeira parte do n.º 3 do art. 805.º do CC.
A indemnização de clientela, resultando da simples cessação do contrato de distribuição atípico, não pode ser atribuída a um facto ilícito, não apurado, e, por isso, para o efeito de determinação da mora, não é aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 805.º do CC.
Nesta conformidade, os juros de mora apenas se podem contar a partir da data da sentença (…)»
No mesmo sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.3.2013, Fernanda Isabel Pereira, 1090/07 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.3.2004, Araújo Barros, 04B545.

A indemnização pela armazenagem dos produtos em stock
Na sentença impugnada foi julgado improcedente o pedido de condenação das Rés no pagamento de uma indemnização de € 9.314 a título de custos de armazenagem .

Em fundamentação de tal dispositivo, discorreu assim o tribunal:
« A A. reclamou ainda o pagamento duma indemnização de €9.314,00 a título de custos de armazenagem, com fundamento no facto das R.R., com a cessação do contrato, ficaram obrigadas a recomprar o stock de produto que a A. tinha em armazém e que ficou impedida de comercializar, devendo aquelas, por isso, proceder ao seu levantamento imediato. Mas como o não fizeram com a celeridade devida, tal importou na ocupação de espaço em armazém, com custos para a A. cujo ressarcimento a mesma pretende, por se reportar a atraso imputável às R.R..
Sucede que, não se provou que o atraso no levantamento do material em causa se devesse a factos exclusivamente imputáveis às R.R., pois o que resultou da prova foi que o processo de recolha de material, inventariação e avaliação prolongou-se no tempo e a A. apenas ficou em condições definitivas de libertar os stocks em julho de 2004, precisamente quando foi concluído o contrato pelo qual as R.R. liquidaram os valores devidos à A. pela recompra. Nessa medida, nada devem as R.R. à A., improcedendo nesta parte o seu pedido

A Autora  pretende que a sentença seja revogada nessa parte, condenando-se as Rés a pagar uma indemnização no montante de € 9.302,40.
O pedido agora reiterado pela Autora  tinha como pressuposto necessário a alteração do facto provado sob 56, pretensão em que a Autora sucumbiu, consoante visto supra.
Assim sendo, nenhum reparo merece a decisão da primeira instância neste circunspecto, a qual deve ser mantida.

DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:

I.Revoga-se a sentença da primeira instância na parte em que condenou as Rés a pagar à Autora uma indemnização de clientela de duzentos mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% contados de 26.7.2004 até integral pagamento;
II.Condena-se as Rés a pagar à Autora uma indemnização de clientela no valor de quinhentos mil euros, acrescida de juros de mora à taxa dos juros comerciais com início em 21.12.2015 e até integral pagamento;
III.No mais, mantém-se a sentença de primeira instância.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.



Lisboa, 25.10.2016



(Luís Filipe Pires de Sousa)                                 
(Carla Câmara)                                  
(Maria do Rosário Morgado)



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
[3]Cf., mais desenvolvidamente, o nosso Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2012, p. 210.
[4]Cfr. Jordi Ferrer Beltrán, La Valoración Racional de la Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2007, p. 143.
[5]Ronald Allen, “Los Estándares de Prueba y los Limites del Análisis Jurídico”, in Cármen Vázquez (ed.), Estándares de Prueba y Prueba Científica, Marcial Pons, Madrid, 2013, p. 49.
Historicamente, a enunciação desta regra foi atribuída a W. Blackstone que, em 1769, terá dito:”For the law holds, that is better ten guilty persons escape, than that one innocent suffer.” apud Nieva Fenoll, La Duda en el Proceso Penal, Marcial Pons, Madrid, 2013, p. 66.
[6]Danilo Knijnik, “Os Standards do Convencimento Judicial: Paradigmas Para o Seu Possível Controle”, acessível em www.abdpc.org.br , pp. 18-19.
[7]O standard da preponderância da prova funciona , ou aparenta funcionar, tendo em vista minimizar erros e maximizar a correção, distribuindo o risco de erro de forma mais ou menos equitativa entre as partes (qualquer das partes podem apresentar a hipótese menos provável e a decisão pode ser errónea) – cfr. Michael Pardo, “Estándares de Prueba y Teoría de la Prueba”, in Carmen Vásquez (ed.), Estándares de Prueba y Prueba Científica, Marcial Pons, Madrid, 2013, p. 103.
O standardbeyond a reasonable doubt” é objeto de larga discussão, havendo apenas acordo na asserção de que o mesmo não equivale a “além de toda a sombra de dúvida” na medida em que, nessa eventualidade, seria necessário descartar por completo qualquer outra versão dos factos distinta da inculpatória, o que não ocorre porquanto se admite - comummente - que o standardbeyond a reasonable doubt” permite a existência de outras hipóteses possíveis apesar de improváveis – cfr. Fernández López, “La Valoración de Pruebas Personales y el Estándar de la Duda Razonable”, http://www.uv.es/cefd/15/fernandez.pdf.
[8]Cfr. Susan Haack, “El Probabilismo Jurídico: Una Disensión Epistemológica”, in Carmen Vásquez (ed.), Estándares de Prueba y Prueba Científica, Marcial Pons, Madrid, 2013, p. 69. Esta autora enfatiza que os standards de prova, mais do que instruir o julgador sobre o grau de confiança que a sociedade crê que ele deve ter sobre a verdade dos factos, reportam-se à qualidade das provas produzidas, ao grau de crença (“warrant”) avalizado pelas provas, o que é uma questão diversa da crença suscitada no julgador (p. 72). Em suma, o que está em causa não é o grau de confiança do julgador mas sim o que é razoável crer à luz das provas produzidas (p. 75). O grau de apoio outorgado pelas provas depende do contributo que estas deem para a integração explicativa das provas-mais-a-conclusão, isto é, de quanto consigam encaixar as provas e a conclusão juntas num relato explicativo (p. 79).
No resumo de kevin m. clermont, “Standards of Proof in Japan and the United States”, Law School Working Paper Series, 2003, Paper 5,http://lsr.nellco.org/cornell/clsops/papers/5, acedido em 8.10.2008, pp. 6-7, os três standards constituem uma inevitabilidade psicológica:” The only sound and defensible hypotheses are that the trier, or triers, of facts can find what (a) probably has happened, or (b) what highly probably has happened, or (c) what almost certainly has happened. No other hypotheses are defensible or can be justified by experience and knowlegde.” Fundamentando a pertinência do standard da probabilidade prevalente, realça este autor que “(…) the preponderance standard is optimal given two conditions that are very plausible. The first condition is that an error in favor or the plaintiff is neither more undesirable nor less desirable than an  error in favor of the defendant, or that a dollar mistakenly paid by the defendant ( a false positive) is just as costly as a dollar mistakenly uncompensated to the plaintiff ( a false negative). The second condition is that the goal is to minimize the sum of expected coasts from these two types or error, that is, the system wants to keep the amounts suffered mistakenly to a minimum. Under these conditions, the preponderance standard performs better than any other standard of proof.” (pp. 7-8). No fundo, a primeira condição referida significa que haverá uma simetria ou indiferença no impacto do erro, isto é, será igualmente desaconselhável beneficiar o autor à custa do Réu como vice-versa.
[9]Michael Pardo, “Estándares de Prueba y Teoría de la Prueba”, in Carmen Vásquez (ed.), Estándares de Prueba y Prueba Científica, Marcial Pons, Madrid, 2013, p. 111.
Veja-se o que será dito infra a propósito da forma de apresentação do grau de confirmação de hipóteses.
[10]Adrian Kean  et al.,  The Modern Law of Evidence, 8ª Ed.,  Oxford University Press, 2010, pp. 106-111.
[11]Michele Taruffo,“Rethinking the sandards of proof”, in American Journal or Comparative Law, 51, 2003, p.6.
[12]La Valoración de la Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2010, p. 92.
[13]Salvatore Patti, Le Prove, Parte Generale, Giuffrè Editore, 2010, p. 232.
[14]Le Prove Civili, Utet Giuridica, Torino, 2010, p. 159.
[15]Cfr. Rivera Morales, La Prueba: Un Análisis Racional y Práctico, Marcial Pons, Madrid, 2011, pp. 307-308.
[16]Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, p. 138.
[17]Refere luigi lombardo, La Prova Giudiziale, Contributo alla Teoria del Giudizio di Fatto nel Processo, Giuffrè Editore, 1999, p. 521, que o grau particular de confirmação, em princípio, é fixado de uma vez por todas e não muda durante o processo. Pelo contrário, o grau global de confirmação é uma noção essencialmente dinâmica na medida em que representa o nível do status cognitivo do juiz, o seu grau de convencimento, que se desenvolve à medida que se dispõe de novos elementos de prova. Deste modo, se uma hipótese está já amplamente confirmada, será baixo o grau particular de confirmação decorrente de uma nova prova; diversamente, será mais elevado se a hipótese ainda não está confirmada por alguma prova ou se foram já produzidas provas que confirmam a hipótese contraposta (provas conflituantes). Ou seja, o grau particular de confirmação que cada prova singular é idónea a conferir à hipótese decresce à medida que se reúnem provas convergentes e, em sentido oposto, cresce progressivamente em presença de provas divergentes.
[18]Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, Madrid, 2002, pp. 277-278, 295-298.
[19] Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, Madrid, 2002, p. 302.
[20]Cfr. Michele Taruffo, Simplemente la Verdad, El Juez y la Construcción de los Hechos, Marcial Pons, Madrid, 2010, pp. 250-252.
[21]Cf. o nosso Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2012, p. 217.
[22]Segundo um estudo de 2009, tal marca é a que tem maior reputação e notoriedade no mundo – cf. http://www.meiosepublicidade.pt/2009/03/coca-cola-lidera-ranking-de-notoriedade-e-reputacao/.
[23]Aplicando-se aqui uma regra de três simples.