Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
254/20.6PFAMD.L1-5
Relator: PAULO BARRETO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AGRAVADA
PENA
PENA ACESSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: - O crime de violência doméstica visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças, estando em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano.
- Razões de prevenção geral estão presentes nesta pena, pois importa alertar os potenciais delinquentes para as penas e, deste modo, tentar evitar que outros homens (maridos, companheiros, namorados e filhos) repitam este exemplo assim como cumpre também atender à prevenção especial, na medida em que o arguido tem de ser alertado para a gravidade do seu comportamento, de modo a corrigir-se, evitando-se assim futuros actos de delinquência. São, assim, altíssimas, as razões de prevenção, quer especial, quer geral, subjacentes à pena concreta em apreciação.
- Ponderando ainda, no caso, o grau de ilicitude do facto, acentuado, o modo de execução já que a atitude insidiosa do arguido, as consequências muito graves na saúde da ofendida, a intensidade do dolo muito elevada, os sentimentos manifestados no cometimento do crime atento o comportamento egoístico e socialmente desajustado, os motivos e fins determinantes, já que o arguido, ao agir da forma descrita, actuou com o propósito concretizado de molestar fisicamente a vítima, a condição pessoal, social e económica do arguido, a conduta anterior e posterior ao facto, o facto de não ter revelado qualquer arrependimento,  os antecedentes criminais, sem se vislumbrarem particulares atenuantes, o juízo de censura justifica uma pena acima da fixada pelo tribunal a quo, sendo justa e adequada a pena de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses uma vez que os factos são graves, traiçoeiros e muito violentos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
No Juiz … do Juízo Central Criminal de ….., Tribunal Judicial da Comarca de …..., foi proferido acórdão a condenar o arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica, pp. pela alínea b) do n.º 1 e pelos n.os 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal e pelo n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 3 (três) anos de prisão; na pena acessória de proibição de contactos com a assistente BB pelo período de 3 (três) anos, cujo cumprimento deve ser fiscalizado por meios de controlo à distância; na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 3 (três) anos; e em arbitrar oficiosamente à assistente BB a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), condenando o arguido a pagá-la.
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Inconformada, a assistente interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:
“ 1. A ora recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida na parte relativa à medida concreta da pena de prisão aplicada ao Arguido, a qual, salvo o devido respeito, não faz uma correta aplicação da Lei subsumível aos factos provados.
2. Do Acórdão do STJ de 22/01/2015, no processo 520/13.7PHLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando Cláudia Santos: “Através da operação de determinação da medida da pena em sentido amplo o Tribunal chegar a uma decisão contrária à pretensão manifestada pelo assistente no processo e que ofenda o seu concreto interesse na justeza da punição (...), dessa decisão deverá o assistente ter a faculdade de recorrer de forma autónoma.”
3. No douto Acórdão, decidiu o Tribunal, condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, pp. pela alínea b) do n.º 1 e pelos n.º 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal e pelo n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro: na pena de 3 (três) anos de prisão”, assentando aqui a discordância relativamente ao Douto Acórdão na medida concreta da pena de prisão aplicada ao Arguido, aspeto este que se considera mal apreciado e decidido pelo Tribunal a quo, com violação do disposto nos artigos 40º, 71º, 75.º, 76.º e 77º do Código Penal.
4. A pena aplicada não espelha a culpa do Arguido e não teve em conta as necessidades de prevenção, devendo ser fixada em medida mais elevada, tudo de acordo com o disposto no artigo 71º, nº1 do Código Penal.
5. Factualmente, aduz-se que foi conferida credibilidade à versão do arguido em detrimento da versão da assistente, aqui recorrente, no que respeita a que tal relação de namoro terminou em data anterior à dos factos, mas que ainda assim se concebendo, haveria por parte da assistente confiança necessária para se deslocar a casa do seu agressor e com este manter relações sexuais.
6. Confiança essa que colocou a recorrente numa situação de especial vulnerabilidade e indefensibilidade, “de olhos vendados”, esperando receber uma surpresa, e sem que nada o fizesse antever fosse agredida com um objeto vulgarmente conhecido por moca.
7. Encontra-se preenchido o crime de violência doméstica na medida em que o arguido atentou contra a saúde, integridade física e psíquica, e ainda da dignidade da recorrente, num quadro relacional de proximidade, comportamento esse que é punido com pena de prisão num mínimo de um ano e num máximo de cinco anos.
8. Tal crime tendo sido praticado com recurso a uso de arma (moca), permite agravamento de 1/3 na medida concreta da pena, nos seus limites mínimo e máximo.
9. Outra agravante vem igualmente prevista no artigo 75.º do Código Penal, considerando a situação da condenação anterior (de crime da mesma natureza), condenação essa que não exerceu qualquer efeito útil pedagógico ou dissuasor quanto à prática destes crimes.
10. A intervenção da recorrente, sendo embora legitimada pela ofensa a bens jurídicos individuais, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, que atua junto da sociedade e sobre o agente infrator.
11. A assistente tem legitimidade para interpor o recurso quando tem interesse em agir, o que se afigura, no que respeita à sua reação quanto a uma decisão frugal relativa ao crime pelo qual se constituiu assistente, entendendo-se nesta aceção, que está perante uma decisão divergente do seu interesse próprio, que frustra as suas expectativas, no que diz respeito em concreto à resposta punitiva que é dada em relação ao ilícito de que foi vítima.
12. Nesta senda, a recorrente defende-se através de um direito de reagir contra uma decisão que frustra a sua expectativa e tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não é favorável às suas expectativas, uma decisão que não é consentânea com a proteção dos bens jurídicos, lesados com a prática do crime.
13. Considerando os factos provados acima enunciados e concatenando-os com o elevado grau de ilicitude, a história de vida do arguido, culpa, antecedentes, e as suas características pessoais “imaturidade e fraca capacidade em gerir situações geradoras de maior stress, recorrendo a mecanismos mais básicos de defesa/sobrevivência”, a par com as necessidades de prevenção geral situadas num grau elevado já que é um crime frequente e que desperta clamor junto da comunidade, entende a Recorrente, salvo o devido respeito, que no caso sub judice o Tribunal não podia condenar o Arguido em pena inferior a 5 anos.
14. Nessa parte, o douto acórdão deve ser alterado em conformidade ao disposto nos artigos 40º, 71º, 75.º, 76.º e 77º do Código Penal.
15. Uma vez que a pena aplicada não espelha a culpa do Arguido e não teve em conta as necessidades de prevenção.
16. O douto acórdão não teve em conta para a determinação da medida concreta da pena o facto de o Arguido cometer um ilícito subsumível ao crime p.p. artigo 152.º do CP, com o recurso ao uso de arma, o que permitia o agravamento da pena num terço nos seus limites mínimo e máximo.
17. De igual forma, por em 07-11-2014, o arguido ter sido preso e condenado numa pena de cinco anos de prisão, por crime praticado contra a ex companheira, tendo saído em 19-12-2017, em liberdade condicional, tendo a pena sido declarada extinta, com efeitos a 07/11/2019.
18. O arguido voltou a praticar crimes contra bens de natureza pessoalíssima, decorrido nem 1 ano após sob a extinção de pena (e menos de 5 anos desde a sua libertação), o que nos termos e para os efeitos dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal permite a sua condenação como reincidente: o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado num terço (…), não podendo a agravação exceder a medida da pena mais grave aplicada na condenação anterior.
19. Deveria ter sido em conta o elevadíssimo grau de ilicitude dos factos; a especial perversidade demonstrada; as especiais circunstâncias nas quais os factos se desenrolaram (efeito-surpresa), ao elevadíssimo grau de culpa; ao modo de execução; aos sentimentos (frieza, indiferença) que o Arguido demonstrou; as consequências dos factos; as elevadas exigências de prevenção especial; e as elevadíssimas exigências de prevenção geral.
20. Tendo em conta a natureza e gravidade dos factos praticados pelo Arguido, bem como a personalidade deste, amplamente demonstrados no Douto Acórdão, bem como todos os fatores e circunstâncias previstos nos artigos 40º e 71º do Código Penal, que influem na medida concreta da pena, entendemos que o tribunal a quo, ao punir o Arguido com a pena de TRÊS anos de prisão, pela prática do crime de violência doméstica, violou o disposto nas supra referidas normas legais, na medida em que não deu satisfação ao que naquelas normas o legislador considerou como sendo, por um lado, os fins das penas e, por outro, as circunstâncias determinantes para a sua medida concreta.
21. Devidamente ponderados os factos, a culpa, a personalidade do Arguido e as necessidades prementes de prevenção, quer geral, quer especial, de acordo com os artigos 71º, nº 1 e 77º, nº 1, ambos do Código Penal, e tendo em conta a moldura abstrata da pena em causa nos presentes autos entendemos que será justa e adequada a aplicação de uma pena ao Arguido, que se fixe nos 5 anos de prisão, porque só uma pena desta dimensão responde satisfatoriamente às necessidades de prevenção geral e especial, não ultrapassando, por outro lado, a medida da sua culpa.
22. Quanto às razões de prevenção geral são elevadíssimas e inscritas na necessidade de dar confiança entre cidadãos e impor respeito pela Lei na penalização intensa de uma vulgarização de atos que relativizam a violência “entre quatro paredes”, como se a integridade física e mental entre pessoas de relação próxima, que se pretende de afeto, fosse um bem descartável.
23. Quanto às razões de prevenção especial, o Arguido é uma pessoa com cerca de 30 anos, pelo que as exigências de prevenção, na vertente da socialização, se fazem sentir, aqui, com elevada intensidade, é pessoa com fraca resistência à frustração ou contrariedades, existindo o risco de recidiva quanto a atos semelhantes.
24. O Arguido demonstra uma total indiferença perante o sucedido.
25. Ponderada toda a prova produzida nos autos e os factos dados como provados, o peso das agravantes sobreleva em muito o das atenuantes, que no caso, inexistem.
26. É necessário que a pena aplicada contribua para uma mudança na vida do Arguido no sentido de lhe fazer sentir a obrigação de respeitar o próximo, a Vida e até a si próprio, que o reabilite para a vida em comunidade.
27. Com o devido respeito, uma pena de 3 anos de prisão não cumpre essa aspiração, por não ter a virtualidade de poder ser vista pela comunidade como uma séria advertência contra a prática de atos tão graves como o dos autos, em particular, quando se atenta de uma forma tão violenta contra a integridade física, in extremis contra a vida, mostrando-se essa pena desajustada face à gravidade dos factos e à personalidade atual do Arguido.
28. Em relação à assistente, a pena fixada não deixa de ser “uma desconsideração que tem conduzido ao efeito perverso de transformar um tipo protector ou especialmente protector da vítima, num tipo que, na aplicação que dele fazemos, acaba por beneficiar o infractor” (cit. Ana Barata Brito, in “O crime de violência doméstica: notas sobre a prática judiciária”, 2014).
Assim, deverá ser aplicada ao Arguido pena de prisão efetiva de 5 anos de prisão, dada a enorme gravidade dos factos, a personalidade do Arguido, considerando as agravantes, a imperiosa e inadiável necessidade de sancionar e atuar sob um comportamento ilícito num quadro de relação especial entre o arguido e a vítima, a fundamentar a culpa agravada e a especial censurabilidade e perversidade do facto, também demonstrada pela forma como foi praticado e pelas lesões que provocou.
30. Por maioria de razão, no âmbito das penas acessórias e do disposto no n.º 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal, deverá ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima que deve ser fixada em igual período (5 anos).
31. Admitindo-se a possibilidade do Arguido continuar a constituir uma ameaça para a assistente, aqui Recorrente, bem como a insistência dos comportamentos delituosos daquele, porque não foi este um evento isolado na vida do Arguido, tem-se pois como necessária, a medida de proibição de contactos com recurso a meios de fiscalização à distância, bem como, a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência numa lógica de reinserção e reintegração individuo na comunidade sem que veja nos comportamentos violentos um escape ou resposta ao stress ou frustração.
32. Por todo o exposto, o douto Acórdão deve ser parcialmente alterado em conformidade, devendo ser revogado e substituído por outro que, dê provimento ao presente recurso: a. condenando o Arguido a uma pena de prisão efetiva que se fixe nos 5 anos de prisão; b. condenando o Arguido na pena acessória de proibição de contactos com a assistente por igual período”.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, oferecendo as seguintes conclusões:
“ I. A assistente, ora recorrente, fundamenta a sua discordância relativamente ao acórdão condenatório, única e exclusivamente, no que concerne à medida concreta das penas, principal e acessória, sustentando que ambas deverão ser fixadas em cinco anos (de prisão e de proibição de contactos).
II. Não põe em crise a matéria de facto dada como provada na sentença condenatória, para a qual integralmente se remete, nem a respetiva qualificação jurídica.
III. Não se olvida que refere, quer na motivação quer nas conclusões do recurso (designadamente no ponto 16), que "o douto acórdão não teve em conta para a determinação da medida concreta da pena o facto de o arguido cometer um ilícito subsumível ao crime p. p. artigo 152.º do CP, com o recurso ao uso de arma, o que permitia o agravamento da pena num terço nos seus limites mínimo e máximo"; porém, tal circunstância foi expressamente tida em consideração como resulta da simples leitura de múltiplos excertos do acórdão condenatório ínsitos quer na sua fundamentação quer no seu dispositivo.
IV. O tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessa­vam em sede de graduação das penas (principal e acessória), sendo avaliada a conduta do argui­do em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, designadamente as intensas exigências de prevenção geral e especial, o grau muito elevado de ilicitude dos factos praticados, o dolo direto, a personalidade do arguido e os seus antecedentes criminais.
V. Valorados os fatores apontados no acórdão recorrido para a determinação da medida das penas (principal e acessória), haverá de concluir-se que estas não se situam num patamar inferior à culpa do arguido, correspondem ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e revelam-se adequadas a satisfazer a sua função de socialização.
VI. Pelo exposto, o acórdão recorrido não merece qualquer censura pois bem ajuizou da prova produzida em audiência, fazendo uma correta qualificação dos factos e uma adequada ponderação dos fatores de determinação da medida concreta das penas (principal e acessória), e não padece de qualquer vício”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da manutenção do decidido.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.
Proferido o despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II - A) Factos Provados
Do despacho de pronúncia
1. O arguido e a assistente BB iniciaram entre si um relacionamento amoroso em data não concretamente determinada mas que se situa no mês de Agosto de 2019.
2. No dia 29 de Abril de 2020, cerca das 09:00 horas, BB deslocou-se a casa do arguido (sita na Rua ……., …..), sendo que, por volta das 12:00 horas, este disse-lhe que tinha um colar para lhe oferecer e que tinha de lhe vendar os olhos.
3. Nessa sequência e como BB acedeu, o arguido pediu-lhe que se sentasse numa cadeira da sala, vendou-lhe os olhos com uma t-shirt e disse-lhe que ia à casa-de-banho.
4. Decorridos poucos minutos, o arguido, munido de um objecto em madeira, com 29 cm de comprimento, com uma extremidade arredondada, contendo várias tachas metálicas pregadas para um maior impacto, voltou para junto de BB e começou a desferir-lhe, com o mencionado objecto, pancadas na cabeça.
5. Nessa sequência e em virtude da conduta descrita em 4., o objecto aí descrito partiu-se.
6. Ainda assim, o arguido, com o referido objecto, continuou a desferir um número indeterminado de pancadas na face de BB.
7. A determinada altura, quando BB estava a conseguir libertar-se, a dirigir-se para a janela e a gritar por socorro, o arguido, disso se apercebendo, desferiu-lhe um empurrão.
8. BB conseguiu segurar-se.
9. Acto contínuo, o arguido deslocou-se para a cozinha, tendo ligado para a sua mãe a dizer que a assistente o tinha ameaçado com uma faca.
10. Em consequência da conduta descrita nos pontos n.º 4 e n.º 6, BB sofreu fortes dores e duas feridas incisas, na cabeça e na face, bem como uma pequena hemorragia incontrolável.
11. O arguido conhecia as características e natureza proibida do objecto referido no ponto n.º 4 e quis utilizá-lo, como utilizou, como arma de agressão.
12. O arguido, ao agir da forma descrita, actuou com o propósito concretizado de molestar fisicamente BB.
13. Agiu em todas as condutas de forma livre, deliberada e consciente, bem as sabendo proibidas e punidas por lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Da contestação
14. À data dos factos referidos nos pontos n.os 2 a 10., o arguido e BB apenas mantinham entre si relações sexuais quando a progenitora não se encontrava na casa onde aquele habitava.
15. O objecto referido no ponto n.º 4 encontrava-se em cima de caixotes no corredor da habitação referida no ponto n.º 2.
Mais se provou
16. Antes dos factos referidos nos pontos n.os 2 a 10, o arguido e BB chegaram a viver juntos.
17. O relacionamento mencionado no ponto n.º 1 terminou em data não apurada do mês de Março de 2020.
18. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.º 2 a 10, BB sentiu-se traumatizada e evitou sair de casa nos dias seguintes.
Condições de vida e antecedentes criminais
19. O arguido é filho único do casal parental, mas tem irmãos mais velhos, fruto de anteriores relacionamentos dos progenitores. O seu processo de desenvolvimento decorreu nos primeiros anos de vida no seio do agregado de origem – composto pelos progenitores – cuja dinâmica era disfuncional e pautada por comportamentos agressivos manifestados pelo progenitor para com a progenitora e com registo de episódios de violência doméstica.
20. Aos 10 anos de idade do arguido, a progenitora abandonou o lar na sequência de um episódio de violência doméstica e viveu temporariamente em casa de amigos. Após o restabelecimento de nova relação conjugal por parte da progenitora, o arguido voltou a coabitar com esta e com o padrasto. Não obstante esta relação ter sido descrita com uma dinâmica equilibrada e coesa, terminou há cerca de quatro anos.
21. O arguido sempre usufruiu de condições de subsistência favoráveis enquanto coabitou com o padrasto.
22. O arguido registou algumas reprovações no seu percurso por dificuldades de relacionamento interpessoal com os pares, sendo desde cedo descrito como um jovem introvertido, reservado e solitário. Vítima de agressões por parte de outros jovens, o arguido chegou a ser internado em unidade hospitalar (em estado de inconsciência/coma), tendo aquelas tido repercussões negativas na sua auto-imagem e na sua auto-estima.
23. Frequentou o segundo ano (de três) do curso profissional de …... com equivalência ao 12.º ano, no âmbito do qual era visto como um jovem calmo e educado, adequado e cumpridor.
24. Criado sob uma dinâmica controladora e protectora por parte da progenitora, o arguido parece ter desenvolvido uma ligação de dependência afectiva com aquela e que terá condicionado a aquisição de algumas competências, nomeadamente de autonomia/emocionais, maturidade, responsabilidade e assertividade.
25. Estabeleceu a primeira relação significativa (com a duração de quatro meses) com CC, contra quem veio a praticar um crime de homicídio na forma tentada.
26. Na sequência deste relacionamento afectivo, o arguido passou a consumir aditivamente haxixe, desistiu do curso profissional que frequentava e abandonou o posto de trabalho onde tinha realizado estágio profissional.
27. Em 19 de Dezembro de 2017 foi colocado em liberdade condicional (cujo termo ocorreu em 7 de Novembro de 2019), tendo aderido ao acompanhamento efectuado pela DGRSP nesse âmbito; na fase final da medida passou a adoptar um discurso de confronto e dificuldade em aceitar as orientações do técnico de reinserção social, dificultando a supervisão das regras de conduta impostas e aparentando estar sob efeito de estupefacientes.
28. À data da prisão, o arguido encontrava-se desempregado desde Dezembro de 2019, depois de ter trabalhado cerca de seis/sete meses num …... nos …... e de ter trabalhado cerca de dois meses no …... mas também deixou este posto de trabalho.
29. O relacionamento com BB é descrito pelo arguido como instável e conflituoso em virtude dos consumos abusivos de bebidas alcoólicas por parte da mesma e pelas suas características de personalidade.
30. Reconheceu que tem especial interesse em estabelecer relacionamentos amorosos com mulheres mais velhas e que se identificou com a história de vida de BB; desvalorizou o seu próprio consumo de estupefacientes, bem como as suas características pessoais como factores que estiveram subjacentes aos seus contactos com o sistema de justiça, considerando-se uma vítima daquela.
31. Em termos de projectos futuros e dado que a sua experiência ao nível dos relacionamentos amorosos não tem sido positiva, pretende não voltar a ter relacionamentos com mulheres durante um ano e só mais tarde, ter filhos mas fora de qualquer relacionamento afectivo, evitando assim relacionamentos conflituosos.
32. No plano laboral pretende dedicar-se à …..., referindo que já tem investimentos efectuados e que pretende adquirir uma habitação no …..., com vista a prosseguir esta actividade com maior rentabilidade.
33. Em termos pessoais pretende investir no corpo, nomeadamente no seu aspecto físico e efectuar tatuagens.
34. Em termos familiares, mantém o apoio afectivo e logístico dos progenitores, ambos reformados e a residir nas respectivas habitações. O progenitor tem 70 anos de idade e coabita com um filho. A progenitora tem 68 anos, é reformada e tem problemas de saúde do foro oncológico, sendo com esta que o arguido pretende voltar a coabitar.
35. O arguido revela algumas dificuldades ao nível emocional e relacional, evidenciando imaturidade e fraca capacidade em gerir situações geradoras de maior stress, recorrendo a mecanismos mais básicos de defesa/sobrevivência.
36. O arguido tem uma inteligência normal comparativamente reduzida e traços ansiosos e impulsivos.
37. O arguido assume uma atitude de vitimização e de auto-comiseração. Recorre à desvalorização da vítima e não faz qualquer reflexão crítica sobre os factos.
38. No EP, esteve envolvido em conflitos com outros reclusos e, por esse motivo, foi mudado de ala prisional. Foi alvo de sanção disciplinar por posse de um telemóvel. Dedica parte do seu tempo a realizar massagens a outros reclusos que apresentam problemas musculares. Recebe a visita regular do progenitor e da progenitora (actualmente impedida de o fazer por ter sido alvo de intervenção cirúrgica) que lhe prestam apoio afectivo e logístico.
39. Em termos clínicos, o arguido toma medicação (benzodiazepinas) para se manter mais calmo e para dormir.
40. O arguido é tido por pessoas que com ele convivem com uma pessoa calma, respeitadora, disponível e preocupado com a mãe.
41. O arguido sofreu já a seguinte condenação:
a. Por acórdão proferido no processo n.º 1983/14….. do Juízo Central Criminal de …... (Juiz …...) a 15 de Julho de 2015 e transitado em julgado em 4 de Janeiro de 2016, foi condenado pela prática, em Junho de 2014, de um crime de homicídio na forma tentada na pena de 5 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva a 7 de Novembro de 2019;
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II – B) Factos não provados
- Até aos factos referidos nos pontos n.º 2 a 10, o arguido viveu sempre na habitação referida no ponto n.º 2 e BB na habitação sita na Praceta ……, …...
- Na ocasião referida no ponto n.º 2, o arguido disse que tinha uma surpresa.
- O arguido agiu da forma descrita no ponto n.º 7, com o objectivo de atirar BB pela janela aí aludida.
- O arguido apercebeu-se que, enquanto o mesmo estava na cozinha ao telefone, BB tinha logrado abandonar a residência e foi no seu encalço, detendo a sua marcha no hall do prédio por se ter apercebido da presença de agentes da PSP.
- O arguido tinha consigo objecto descrito no ponto n.º 4 e n.º 6;
- Em virtude dos factos descritos nos pontos n.os 4 a 6, BB sofreu fractura do osso parietal;
- As lesões referidas no ponto n.º 11 não ocorreram em virtude dos factos mencionados nos pontos n.º 4 e n.º 6;
- O arguido foi previamente atingido por BB.
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III – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
O recurso tem os seguintes fundamentos: (i) medida da pena de prisão; (ii) medida da pena acessória de proibição de contactos.
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IV – Fundamentação
 (Da medida da pena)
Não se conforma a recorrente com a pena de prisão aplicada ao arguido, sustentando uma pena de prisão efectiva de 5 anos.
O tribunal a quo motivou a pena concreta do seguinte modo:
“Na definição da pena concreta a aplicar, apela-se, em primeiro lugar, ao critério da culpa do agente (n.º 2 do artigo 40.º e n.º 1 do artigo 71.º, ambos do Código Penal), no preciso sentido que tem enquanto elemento constitutivo do tipo de crime, uma vez que este “(...) é o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada, sendo em função de considerações de prevenção - geral de reintegração e especial de socialização” – que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena”.
Por outro lado, paralelamente, consideram-se as exigências preventivas ligadas ao facto (parte final do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal), respeitantes às necessidades de tutela dos bens jurídicos no caso concreto e às expectativas refractárias da comunidade (enquanto fundamento da pena, cfr. n.º 1 do artigo 40.º) e aos pontos de vista de prevenção especial de socialização.
Para o efeito, há que atender às circunstâncias modificativas comuns (i.e. não integrantes do tipo de crime – n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal) decorrente do caso dos autos como factores relevantes para a determinação daqueles conceitos.
Assim, pondera-se em concreto o seguinte:
- Tendo em conta o cariz inexpectável das agressões perpetradas pelo arguido, o facto de a assistente, por iniciativa daquele, estar de olhos vendados e a seriedade das consequências sofridas, o grau de ilicitude da conduta reputa-se como muito elevado;
- Demonstrou-se que o arguido agiu com dolo directo (n.º 1 do artigo 14.º do Código Penal), logo bastante intenso;
- Da história de vida do arguido respiga-se uma infância marcada por comportamentos agressivos do progenitor, a existência de reprovações, a frequência do 12.º ano, a existência de uma ligação de dependência afectiva com a progenitora (o que terá condicionado a aquisição de maturidade, responsabilidade e assertividade), a existência de uma prévia relação afectiva (tendo vindo a ser condenado pela prática de um crime contra a pessoa com quem a mantinha), a dependência aditiva (que manteve em liberdade condicional) e a existência de hábitos de trabalho.
- O arguido desvaloriza o seu próprio consumo de estupefacientes, bem como as suas características pessoais como factores que estiveram subjacentes aos seus contactos com o sistema de justiça, considerando-se uma vítima; recorre à desvalorização da vítima e não faz qualquer reflexão crítica sobre os factos.
- Pretende não voltar a ter relacionamentos com mulheres durante um ano, e só mais tarde, ter filhos mas fora de qualquer relacionamento afectivo, evitando assim relacionamentos conflituosos; projecta dedicar-se à …... e adquirir uma habitação no …..., com vista a prosseguir esta actividade com maior rentabilidade.
- Mantém o apoio afectivo e logístico dos progenitores.
- O arguido revela algumas dificuldades ao nível emocional e relacional, evidenciando imaturidade e fraca capacidade em gerir situações geradoras de maior stress, recorrendo a mecanismos mais básicos de defesa/sobrevivência.
- O arguido tem uma inteligência normal comparativamente reduzida e traços ansiosos e impulsivos.
- No estabelecimento prisional, esteve envolvido em conflitos com outros reclusos e, por esse motivo, foi mudado de ala prisional; foi alvo de sanção disciplinar por posse de um telemóvel.
- O arguido é tido por pessoas que com ele convivem com uma pessoa calma, respeitadora, disponível e preocupado com a mãe.
As exigências de prevenção geral são assaz elevadas dada a frequência com que o crime de violência doméstica ocorre na área desta comarca. Ademais, as exigências de prevenção geral são, ainda, acrescidas, pela crescente consciencialização comunitária dos fenómenos de violência de género e pela ressonância fortemente negativa que adquiriram na nossa sociedade.
Ponderando conjugadamente todos estes elementos, têm-se por ajustadas e adequadas às circunstâncias do caso concreto a aplicação da pena de 3 (três) anos de prisão”.
O tribunal a quo concluiu que a pena do crime de violência doméstica agravado nos citados termos é de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses – crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1. Al. b), do Código Penal, agravado pela utilização de arma proibida, ao abrigo da alínea d) dos n.ºs 1 e 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
E refere ainda o tribunal a quo que “pese embora se pudesse, perfunctoriamente, concluir pela reunião dos pressupostos formais da reincidência (artigo 75.º do Código Penal), não foram alegados/demonstrados os respectivos pressupostos materiais, o que sempre inviabilizaria a ponderação desse fundamento de agravação”.
Efectivamente, para a condenação por reincidência, o art.º 75.º, do Código Penal, exige não apenas pressupostos formais (o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime, mas também um pressuposto material: que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.
Ora, como bem se refere no acórdão recorrido, não foi sequer alegada e, por isso, muito menos demonstrada, a matéria relativa a este pressuposto material, o que afasta a reincidência (que não é automática).
Aqui chegados, vejamos, então, na perspectiva desta Relação qual a justa pena para o arguido.
Razões de prevenção geral estão presentes nesta pena, pois importa alertar os potenciais delinquentes para as penas e, deste modo, tentar evitar que outros homens (maridos, companheiros, namorados e filhos) repitam este exemplo. Cumpre também atender à prevenção especial, na medida em que o arguido tem de ser alertado para a gravidade do seu comportamento, de modo a corrigir-se, evitando-se assim futuros actos de delinquência. São, assim, altíssimas, as razões de prevenção, quer especial, quer geral, subjacentes à pena concreta em apreciação.
Importa ainda ponderar, no caso em apreço:
- O grau de ilicitude do facto – Que é acentuado, pois a conduta do arguido reflecte desvalor em relação à ordem jurídica, nomeadamente porque estamos perante uma mulher indefesa ante um homem cruel, e porque este homem tratou a vítima de modo injusto e absolutamente desajustado;
- O modo de execução – A atitude insidiosa do arguido: pediu à vítima que se sentasse numa cadeira da sala, vendou-lhe os olhos com uma t-shirt e disse-lhe que ia à casa-de-banho; decorridos poucos minutos, munido de um objecto em madeira, com 29 cm de comprimento, com uma extremidade arredondada, contendo várias tachas metálicas pregadas para um maior impacto, voltou para junto de BB e começou a desferir-lhe, com o mencionado objecto, pancadas na cabeça, até o objecto partir; ainda assim, o arguido, com o referido objecto, continuou a desferir um número indeterminado de pancadas na face de BB.
- As consequências na saúde da ofendida – Em consequência da conduta do arguido, BB sofreu fortes dores e duas feridas incisas, na cabeça e na face, bem como uma pequena hemorragia incontrolável.
- A intensidade do dolo – É superior a intensidade do dolo porque há uma vontade clara e deliberada em ofender física uma mulher a quem tinha uma ligação afectiva, não desconhecendo o arguido que a ofendida merece a dignidade que se reconhece a qualquer pessoa humana e que não pode ser violentada;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime – Comportamento egoístico e socialmente desajustado;
- Os motivos e fins determinantes – Ficou demonstrado que o arguido, ao agir da forma descrita, actuou com o propósito concretizado de molestar fisicamente BB;
- A condição pessoal, social e económica do arguido – O arguido é filho único do casal parental, mas tem irmãos mais velhos, fruto de anteriores relacionamentos dos progenitores. O seu processo de desenvolvimento decorreu nos primeiros anos de vida no seio do agregado de origem – composto pelos progenitores – cuja dinâmica era disfuncional e pautada por comportamentos agressivos manifestados pelo progenitor para com a progenitora e com registo de episódios de violência doméstica; aos 10 anos de idade do arguido, a progenitora abandonou o lar na sequência de um episódio de violência doméstica e viveu temporariamente em casa de amigos. Após o restabelecimento de nova relação conjugal por parte da progenitora, o arguido voltou a coabitar com esta e com o padrasto. Não obstante esta relação ter sido descrita com uma dinâmica equilibrada e coesa, terminou há cerca de quatro anos; O arguido sempre usufruiu de condições de subsistência favoráveis enquanto coabitou com o padrasto; O arguido registou algumas reprovações no seu percurso por dificuldades de relacionamento interpessoal com os pares, sendo desde cedo descrito como um jovem introvertido, reservado e solitário. Vítima de agressões por parte de outros jovens, o arguido chegou a ser internado em unidade hospitalar (em estado de inconsciência/coma), tendo aquelas tido repercussões negativas na sua auto-imagem e na sua auto-estima; Frequentou o segundo ano (de três) do curso profissional de …... com equivalência ao 12.º ano, no âmbito do qual era visto como um jovem calmo e educado, adequado e cumpridor; Criado sob uma dinâmica controladora e protectora por parte da progenitora, o arguido parece ter desenvolvido uma ligação de dependência afectiva com aquela e que terá condicionado a aquisição de algumas competências, nomeadamente de autonomia/emocionais, maturidade, responsabilidade e assertividade; Estabeleceu a primeira relação significativa (com a duração de quatro meses) com CC, contra quem veio a praticar um crime de homicídio na forma tentada; Na sequência deste relacionamento afectivo, o arguido passou a consumir aditivamente haxixe, desistiu do curso profissional que frequentava e abandonou o posto de trabalho onde tinha realizado estágio profissional; Em 19 de Dezembro de 2017 foi colocado em liberdade condicional (cujo termo ocorreu em 7 de Novembro de 2019), tendo aderido ao acompanhamento efectuado pela DGRSP nesse âmbito; na fase final da medida passou a adoptar um discurso de confronto e dificuldade em aceitar as orientações do técnico de reinserção social, dificultando a supervisão das regras de conduta impostas e aparentando estar sob efeito de estupefacientes; À data da prisão, o arguido encontrava-se desempregado desde Dezembro de 2019, depois de ter trabalhado cerca de seis/sete meses num ...... nos ...... e de ter trabalhado cerca de dois meses no ...... mas também deixou este posto de trabalho; O relacionamento com BB é descrito pelo arguido como instável e conflituoso em virtude dos consumos abusivos de bebidas alcoólicas por parte da mesma e pelas suas características de personalidade; Reconheceu que tem especial interesse em estabelecer relacionamentos amorosos com mulheres mais velhas e que se identificou com a história de vida de BB; desvalorizou o seu próprio consumo de estupefacientes, bem como as suas características pessoais como factores que estiveram subjacentes aos seus contactos com o sistema de justiça, considerando-se uma vítima daquela; Em termos de projectos futuros e dado que a sua experiência ao nível dos relacionamentos amorosos não tem sido positiva, pretende não voltar a ter relacionamentos com mulheres durante um ano e só mais tarde, ter filhos mas fora de qualquer relacionamento afectivo, evitando assim relacionamentos conflituosos; No plano laboral pretende dedicar-se à ……, referindo que já tem investimentos efectuados e que pretende adquirir uma habitação no …..., com vista a prosseguir esta actividade com maior rentabilidade; Em termos pessoais pretende investir no corpo, nomeadamente no seu aspecto físico e efectuar tatuagens; Em termos familiares, mantém o apoio afectivo e logístico dos progenitores, ambos reformados e a residir nas respectivas habitações. O progenitor tem 70 anos de idade e coabita com um filho. A progenitora tem 68 anos, é reformada e tem problemas de saúde do foro oncológico, sendo com esta que o arguido pretende voltar a coabitar; O arguido revela algumas dificuldades ao nível emocional e relacional, evidenciando imaturidade e fraca capacidade em gerir situações geradoras de maior stress, recorrendo a mecanismos mais básicos de defesa/sobrevivência; O arguido tem uma inteligência normal comparativamente reduzida e traços ansiosos e impulsivos; O arguido assume uma atitude de vitimização e de auto-comiseração. Recorre à desvalorização da vítima e não faz qualquer reflexão crítica sobre os factos; No EP, esteve envolvido em conflitos com outros reclusos e, por esse motivo, foi mudado de ala prisional. Foi alvo de sanção disciplinar por posse de um telemóvel. Dedica parte do seu tempo a realizar massagens a outros reclusos que apresentam problemas musculares. Recebe a visita regular do progenitor e da progenitora (actualmente impedida de o fazer por ter sido alvo de intervenção cirúrgica) que lhe prestam apoio afectivo e logístico; Em termos clínicos, o arguido toma medicação (benzodiazepinas) para se manter mais calmo e para dormir; O arguido é tido por pessoas que com ele convivem com uma pessoa calma, respeitadora, disponível e preocupado com a mãe.
- A conduta anterior e posterior ao facto – O arguido sofreu já a seguinte condenação: Por acórdão proferido no processo n.º 1983/14….. do Juízo Central Criminal de …... (Juiz …...) a 15 de Julho de 2015 e transitado em julgado em 4 de Janeiro de 2016, foi condenado pela prática, em Junho de 2014, de um crime de homicídio na forma tentada na pena de 5 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva a 7 de Novembro de 2019.
Acresce que em julgamento o arguido não revelou qualquer arrependimento (apenas prestou declarações após a conclusão da produção de prova oferecida no despacho de pronúncia e negou os factos vertidos no despacho de pronúncia). Vd. Ac STJ de 21-06-2007, proc.° 07P2042, Relator: Cons. SIMAS SANTOS, in www.dgsi.pt:" Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância".
Por conseguinte, temos como agravantes: (i) as necessidades de prevenção geral e especial; (ii) a intensidade da culpa e o grau da ilicitude; (iii) os sentimentos manifestados e os fins determinantes; (iv) as consequências na saúde da ofendida; (v) a ausência de arrependimento relevante; e (vi) os antecedentes criminais. Não vislumbramos particulares atenuantes.
Já há muito temos o entendimento (cfr. acórdãos de 07.12.2010, processo n.º 224/05.4GCTVD.L1-5, e de 27.10.2020, processo n.º 188/19.7PLSNT.L1-5, por nós relatado) que o crime de violência doméstica visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano. Situação que claramente resulta dos factos considerados provados.
Dizer ainda que passaram setenta e três anos – 10.12.1948 - da proclamação pelas Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que reconhece: (i) todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos; dotados de razão e de consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade (artº 1º); (ii) todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção de sexo (artº 2º); (iii) todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (artº 3º); e (iv) ninguém será submetido a tortura nem a pena de morte ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (artº 4º).
Ora, como resulta da ponderação efectuada sobre a medida da pena, o juízo de censura justifica uma pena acima da fixada pelo tribunal a quo, sendo justa e adequada a pena de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, assim se julgando parcialmente procedente o recurso. Os factos são graves, traiçoeiros e muito violentos.
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(da medida da pena acessória de proibição de contactos)
O tribunal a quo motivou do seguinte a pena acessória de proibição de contactos:
“Nos termos do disposto no n.º 4 e no n.º 5 do artigo 152.º do Código Penal, nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por técnicos de controlo à distância.
A aplicação de qualquer uma das penas em causa não é automática, antes dependendo da verificação de terminados pressupostos.
Os pressupostos da pena acessória de proibição de contactos estão necessariamente relacionados com a possibilidade de o agente do crime continuar a constituir uma ameaça para a ofendida.
Atento o risco de o arguido, uma vez em liberdade, vir a contactar a ofendida e tendo em conta a persistência dos comportamentos delituosos daquele, a gravidade dos factos em apreciação e atendendo aos princípios da adequação e da proporcionalidade, é de lhe aplicar a pena acessória de proibição de contactos com a vítima pelo período de 3 (três) anos, cujo cumprimento deve ser fiscalizado por meios de controlo à distância (n.º 5 do mesmo preceito)”.
Dispõe o art.º 152.º, n.º 4, do Código Penal, que, nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
Ora, tendo em conta que o arguido cumprirá uma pena de prisão de 4 anos e 6 meses e que urge evitar que possa contactar e perturbar a vítima, por qualquer meio, importa alargar a medida desta pena acessória para 5 (cinco) anos, assim se garantido que, mesmo depois de cumprida a pena de prisão, teremos um período razoável e, esperamos suficiente, para dissuadir o arguido, já em liberdade, de voltar a importunar a vítima.
Procede integralmente este fundamento do recurso.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, em condenar o arguido na pena de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, pela prática do crime de violência doméstica agravado pela utilização de arma proibida, e, bem assim, na pena acessória de 5 (cinco) anos de proibição de contactos com a vítima, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância.
Sem custas.

Lisboa, 26 de Outubro de 2021
Paulo Barreto
Manuel Advínculo Sequeira