Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30/19.9YHLSB.L1-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PROCESSO
RECURSO
MARCAS
IMITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O n.º 1 do art. 627.º do Código de Processo Civil, ao estabelecer que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, associa o objecto do recurso a um momento (o da prolação da decisão impugnada) e a um contexto técnico e lógico (o existente por ocasião dessa prolação); daqui brota que os recursos devem incidir sobre decisões e quadros fácticos cristalizados, sob pena de se estar a reponderar não o contexto da decisão mas qualquer outra realidade ou aparência instáveis e sempre distintas do quadro decisório;

II. É relevante, em sede de ponderação da imitação de marca alheia, a noção de similitude de intervenções económicas, serviços e produtos;

III. Essa similitude existe quando, em ambos os casos, os bens produzidos são alimentos (ainda que afunilados numa receita monolítica no que tange ao produto de uma das partes), os serviços oferecidos correspondem à sua confecção e fornecimento e as duas actividades económicas se inserem no sector alimentar;

IV. Para o efeito de destruir a possibilidade de o conjunto de palavras anterior funcionar como marca, relevaria o facto de a mesma se mostrar desprovida de qualquer sinal distintivo;

V. Sendo absoluta a sobreposição vocabular e unívocos e unificadores os sentidos da expressão escolhida, nenhum grafismo poderia salvar a pretensão e afastar a identidade;

VI. A operação de rectificação referida no art. 614.º do Código de Processo Civil constitui tarefa do órgão que tenha cometido o lapso, podendo a mesma ser assumida oficiosamente ou mediante requerimento das partes; em caso de recurso, a rectificação apenas pode ter lugar antes dele subir.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção em matéria de Propriedade Intelectual e de Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

*

I.RELATÓRIO

                 
TELE PIZZA, S.A.U, com os sinais identificativos constantes dos autos, «notificada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) da decisão de recusa do registo da marca nacional n.º 600707, requerido em 23 de abril de 2018», veio, «nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 39.º, do n.º 1 do artigo 40.º e do n.º 1 do artigo 41.º do Código da Propriedade Industrial (Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março), apresentar recurso judicial da decisão (…) referida».

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:


Tele Pizza, S.A.U., com sede na Avenida Isla Graciosa, 7, Parque Industrial La marina, S. Sebastián de los reyes, 28703 Madrid, Espanha (adiante também designada ‘recorrente’) veio, ao abrigo do disposto no artigo 39º e seguintes do Código da Propriedade Industrial (CPI), interpor recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que recusou o registo da marca nacional nº 600707

(Imagem removida)

para assinalar designadamente ‘pizas’ na classe 30, pedindo que seja revogado o dito despacho do INPI de 13.11.2018, publicado no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) de 29.11.2018, e concedido o mencionado registo.
Alegou, em síntese, que inexistem semelhanças susceptíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão entre o sinal registando e a marca nacional nº 512845 ALMA PORTUGUESA, registada com anterioridade por SC…, residente na Rua …, s/n, Quinta …, Fontanelas, …-… São João das Lampas (adiante também designada ‘recorrida’) para assinalar designadamente ‘serviços de restauração’ na classe 43, ou afinidade entre os ditos produtos e serviços, pelo que não deveria o correspondente registo ter sido recusado com base em tal marca prioritária, contrariamente ao entendimento sufragado no despacho recorrido. Cumprido o artigo 43º do CPI, o INPI remeteu, a título devolutivo, o processo administrativo.
Citada a parte contrária, nos termos e para os efeitos do artigo 44º do CPI, não se pronunciou.

Foi realizado o saneamento do processo, tendo sido fixada a matéria de facto provada. Acto contínuo, foi proferida sentença que decretou:

Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, nega-se provimento ao recurso interposto por Tele Pizza, S.A.U. e, em consequência, mantém-se a decisão do INPI de 13.11.2018, publicada no BPI de 29.11.2018, que recusou o registo da marca nacional nº 600707

(Imagem removida)

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por TELE PIZZA, S.A.U., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
1)- Deve ser concedido o registo da marca n.º 600707, porquanto a marca prioritária (marca nacional registada com o n.º 512845) foi objeto de declaração de caducidade, não se colocando mais a questão da sua prioridade e do conflito entre as duas marcas.

2)- Com efeito, o INPI proferiu, em 11 de setembro de 2019, decisão de declaração de caducidade da marca nacional n.º 512845 (‘Alma Portuguesa’).

3)- A Recorrente apenas foi notificada dessa decisão do INPI no dia 07 de outubro de 2019 e a mesma decisão apenas foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial de 08 de outubro de 2019, mas os respetivos efeitos retrotraem-se à data do pedido de apresentação de caducidade (n.º 8 do art. 268.º do CPI), concretamente, ao dia 7 de maio de 2019.

4)- Por essa razão, apenas em sede de Recurso de Apelação se encontra a Recorrente em condições de proceder à junção da decisão do INPI sobre o pedido de declaração de caducidade da marca prioritária, o que faz nos termos do disposto nos arts. 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC, aplicável ex vi art. 45.º, n.º 1 do CPI – Cfr. documento anexo.

5)- Independentemente de ter a marca prioritária caducada, não concorda a Recorrente com a decisão do Tribunal a quo no que concerne à conclusão de existência de imitação da marca prioritária, conclusão essa de que também recorre, por mero dever de patrocínio.

6)- Com relação ao julgamento feito pelo Tribunal a quo relativamente à confundibilidade das duas marcas, entende a Recorrente que o mesmo foi errado.

7)- Assim, para o Tribunal a quo, bastou a afinidade entre os produtos/serviços e o facto da marca registanda englobar o elemento verbal da marca prioritária para concluir pela confundibilidade e, consequentemente, pela imitação da marca prioritária

8)- No entanto, deveria o Tribunal a quo ter considerado o público-alvo das diferentes marcas (ou dos produtos e serviços por elas protegidos) de forma a poder concluir sobre o seu grau de atenção e determinar se o mesmo possibilitava a distinção das duas marcas facilmente, sem ter de recorrer a um exame atento ou confronto ou se, contrariamente, o risco de erro ou associação era elevado para o público-alvo sem recorrer a esse exame atento ou confronto.

9)- O Tribunal da Propriedade Intelectual também não considerou o grau de distinção da marca prioritária, o que é imperativo para uma correta aferição da força da prioridade atribuída à marca precisamente para se poder decidir sobre a existência ou não de imitação da mesma.

10)- Caso tivesse feito uma avaliação com a profundidade exigível, teria esse Tribunal concluído que a marca prioritária é uma marca fraca pelo facto de ser composta por uma expressão comummente utilizada na língua portuguesa (‘Alma Portuguesa’) para ilustrar a qualidade ou o sentimento imbuído em tudo aquilo que é Português.

11)- A composição da marca prioritária por essa expressão – não incluindo qualquer palavra ou expressão alusiva aos serviços protegidos - implica necessariamente a pouca capacidade distintiva da mesma e, consequentemente, essa fraqueza na sua prioridade.

12)- Acresce que o consumidor-alvo de cada uma das marcas nunca iria confundir um eventual restaurante designado “Alma Portuguesa” com uma pizza vendida pela empresa Telepizza e servida nos seus estabelecimentos ou através de serviços de take-away, uma vez que a mesma sempre seria apresentada em associação com a marca Telepizza e no contexto dos seus serviços.

13)- Dir-se-á, também, que o sinal da marca registanda “Pizza Alma Portuguesa” não iria confundir o consumidor, o qual não iria associar essa marca com a marca prioritária por, além de aludir ao produto protegido (através do vocábulo ‘Pizza’), incluir um elemento figurativo, com o desenho de uma pizza.

14)- Assim, deverá a sentença produzida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual ser substituída por outra que reconheça a inexistência de imitação da marca prioritária pela marca registanda e admita o registo da última.

15)- Finalmente, a sentença produzida pelo Tribunal a quo padece também de erro (que se presume de escrita ou mero lapso), no que se refere ao ponto 1 da matéria de facto dada como provada e elencada na secção “III – Fundamentação”, já que a marca prioritária corresponde à marca nacional registada com o n.º 512845 e não à marca aí referida.

16)- Por tanto, deverá a sentença ser corrigida também quanto a essa menção.

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:

1.– Face à prolação, em 11 de Setembro de 2019, de decisão de declaração de caducidade da marca nacional n.º 512845 (‘Alma Portuguesa’), notificada à Recorrente em 07 de Outubro de 2019, deve ser considerado procedente o recurso interposto perante o Tribunal da Propriedade Industrial?

2.– O Tribunal «a quo» deveria ter considerado, na sua decisão, o público-alvo das diferentes marcas (ou dos produtos e serviços por elas protegidos) e o grau de distinção da marca prioritária para concluir pela pouca capacidade distintiva da marca anterior e pela impossibilidade de confusão, designadamente face ao uso do vocábulo «Pizza» e à inclusão de um elemento figurativo com o desenho de uma «pizza»?

3.– Face ao referido nas alegações de recurso, deverá ser ordenada a correcção de erro de escrita ou mero lapso «no que se refere ao ponto 1 da matéria de facto dada como provada e elencada na secção “III – Fundamentação”, já que a marca prioritária corresponde à marca nacional registada com o n.º 512845 e não à marca aí referida»?

II.FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

Vem provado que:

1.– A recorrida é titular do registo de marca nacional nº 558063 ALMA PORTUGUESA, solicitado em 15.04.2013 e concedido em 12.07.2013 para assinalar ‘alojamento temporário de casas de férias; aluguer de alojamento temporário; aluguer de alojamento temporário de casas de férias e apartamentos; aluguer de alojamento temporário nomeadamente de vilas e bungalows; aluguer de salas de reunião; aluguer de quartos para habitação temporária; cafeterias; casas de turismo; disponibilização de alojamento temporário para hóspedes; disponibilização de alojamento temporário em colónias de férias; disponibilização de alojamento em hotéis e motéis; disponibilização de informação on-line sobre reservas de alojamento em férias; disponibilização de informação sobre alojamento temporário via internet; disponibilização de informação sobre serviços de alojamento temporário; organização e fornecimento de alojamento temporário; reserva de alojamento temporário; restaurantes; restaurantes de self-service; restaurantes para turistas; serviços de bar; serviços de bares e bistro; serviços de cafetaria e restaurantes; serviços de casas de chá; serviços de fast-food take-away; serviços de hotel, restauração, café e bar; serviços de taverna; snack-bares’ na classe 43 da Classificação de Nice;

2.– Em 23.04.2018, Telepizza Portugal – Comércio de Produtos Alimentares,

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S.A. requereu junto do INPI o registo da marca nacional (mista) nº 600707

para assinalar “piza; piza fresca; pizas; pizas congeladas; pizas conservadas; pizas não cozidas; pizas [preparadas]; pizas refrigeradas; pizzas; refeições preparadas de piza; refeições preparadas sob a forma de pizas” na classe 30 da Classificação de Nice, nos termos constantes de fls. 17-19 dos autos, que se dão por reproduzidos.

3.- Por despacho de 31.07.2018, o INPI recusou provisoriamente o mencionado pedido de registo de marca nacional nº 600707 (ponto 2 do presente enunciado de factos) com fundamento em imitação da marca nacional nº 512845 ALMA PORTUGUESA, nos termos constantes de fls. 20-21v dos autos, que se dão por reproduzidos.

4.- Em 30.08.2018, a requerente Telepizza Portugal – Comércio de Produtos Alimentares, S.A. respondeu ao despacho de recusa provisória do INPI, invocando a caducidade por falta de uso da marca considerada obstativa, e ainda as diferenças gráficas e figurativas entre os sinais e ausência de afinidade entre os produtos e serviços por eles respectivamente assinalados, nos termos constantes de fls. 42-52 dos autos, que se dão por reproduzidos.

5.- Por decisão de 13.11.2018, publicado no BPI de 29.11.2018, o INPI recusou definitivamente o registo de marca nº 600707,

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com fundamento no artigo 239º, nº 1, al. a) do CPI, por considerar ser susceptível de induzir em erro ou favorecer associação com a mencionada marca prioritária nº 512845 ALMA PORTUGUESA (ponto 1 do presente enunciado de factos), nos termos constantes de fls. 22-25 dos autos, que se dão por reproduzidos.

6.- Em 20.11.2018, a recorrente requereu junto do INPI a transmissão a seu favor do mencionado pedido de registo de marca nº 600707 (ponto 2 do presente enunciado de factos), cfr. contrato de cessão a seu favor do respectivo requerente Telepizza Portugal – Comércio de Produtos Alimentares, S.A. datado de 15.11.2018, nos termos constantes de fls. 26-26 dos autos que se dão por reproduzidos.

Fundamentação de Direito

1.– Face à prolação, em 11 de Setembro de 2019, de decisão de declaração de caducidade da marca nacional n.º 512845 (‘Alma Portuguesa’), notificada à Recorrente em 07 de Outubro de 2019, deve ser considerado procedente o recurso interposto perante o Tribunal da Propriedade Industrial?

A invocação que levou à definição da presente questão assenta em elementos fácticos que não constam da matéria de facto demonstrada sendo que não foi dado cumprimento ao disposto no  art. 640.º do Código de Processo Civil relativamente a qualquer alteração da fundamentação fáctica em que se pretendesse sustentar a pretensão.

Por outro lado, importa ter presente que o n.º 1 do  art. 627.º do Código de Processo Civil, ao estabelecer que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, associa o objecto do recurso a um momento (o da prolação da decisão impugnada) e a um contexto técnico e lógico (o existente por ocasião dessa prolação). Tal significa que os recursos devem incidir sobre decisões e quadros fácticos cristalizados, sob pena de se estar a reponderar não o contexto da decisão mas qualquer outra realidade ou aparência instáveis e sempre distintas do quadro decisório. Seria, até, desleal para com o órgão decisor anterior que assim não fosse. As impugnações judiciais não curam do futuro das decisões judiciais mas do seu presente.

Na situação em apreço, a Recorrente tentou atacar a sentença recorrida, proferida em 12.09.2019, com base num facto do qual nem ela teve conhecimento antes de 07.10.2019.

Num tal quadro, torna-se manifesto não ter qualquer sentido técnico a argumentação que gerou a questão sob análise e a pretensão formulada. O Tribunal não podia atender a facto não alegado nos autos nem conhecido à data da elaboração da sentença.

É flagrantemente negativa a resposta à pergunta em apreço.

2.– O Tribunal «a quo» deveria ter considerado, na sua decisão, o público-alvo das diferentes marcas (ou dos produtos e serviços por elas protegidos) e o grau de distinção da marca prioritária para concluir pela pouca capacidade distintiva da marca anterior e pela impossibilidade de confusão, designadamente face ao uso do vocábulo «Pizza» e à inclusão de um elemento figurativo com o desenho de uma «pizza»?

A marca verbal «ALMA PORTUGUESA», previamente registada para assinalar, designadamente, «restaurantes; restaurantes de self-service; restaurantes para turistas; serviços de bar; (…) serviços de cafetaria e restaurantes; serviços de casas de chá; serviços de fast-food take-away; (...) restauração, café e bar; serviços de taverna; snack-bares» na classe 43 da Classificação de Nice, não partilha a classe da mesma classificação da marca nacional mista que pretende assinalar «piza; piza fresca; pizas; pizas congeladas; pizas conservadas; pizas não cozidas; pizas [preparadas]; pizas refrigeradas; pizzas; refeições preparadas de piza; refeições preparadas sob a forma de pizas» (classe 30).

Porém, partilha intervenções económicas, serviços e produtos. Em ambos os casos, os bens produzidos são alimentos (ainda que afunilados numa receita monolítica no que tange ao produto da Recorrente), os serviços correspondem à sua confecção e fornecimento. No que tange à intervenção económica, é manifesto que as actividades económicas se inserem, ambas, no sector alimentar.

Esta concorrência de objectos não surge afastada se percorrermos o caminho proposto no recurso. Não é pela abordagem do público alvo que se afasta a coincidência. Nos dois domínios, são consumidores aqueles que buscam alimentos cozinhados colocados no mercado à margem do processo de confecção individual ou auto-preparação. O facto de a Recorrente fornecer apenas o resultado de um só tipo de receita alimentar não determina que os seus clientes apenas consumam «pizza», nem a genérica menção a «restaurantes» ou as demais da classe 43 afastam a possibilidade de a receita italiana poder ser vista como produto a servir nesses espaços ou, ainda, nada inculca que  o sucesso de um restaurante que usasse a denominação «alma portuguesa» não pudesse funcionar como  elemento impulsionador das vendas de uma qualquer nova «pizza» ou linha de produtos desse jaez. Nada se extrai dos autos que permita concluir estarmos perante dois tipos de consumidores tão apartados e especializados que nunca os mesmos veriam qualquer afinidade entre a marca anterior e a registranda.

Não se aceita a tentativa incongruente de referir de forma relevante para as finalidades do recurso que a expressão anteriormente registada não tem capacidade distintiva quando vista na perspectiva da titular do registo anterior e já a possui se ponderada a partir do ângulo dos interesses da Recorrente. Afinal, existe ou não elemento distintivo e, se o mesmo inexiste, por que pleiteia a Recorrente pela sua concessão? Por que razão serve para a distinção pretendida pela Recorrente e não para a visada pela titular anterior?

Mais, sempre importa referir a inocuidade do argumento numa perspectiva estritamente técnica já que só relevaria, para o efeito de destruir a possibilidade de o conjunto de palavras anterior funcionar como marca, o facto de a mesma se revelar desprovida de qualquer sinal distintivo – cf. al. a) do n.º 1 do  art. 209.º do Código da Propriedade Industrial na versão anterior à actualmente vigente, que é a aplicável nos presentes autos – o que, manifestamente, não ocorre nem foi alegado.

«Alma portuguesa» revela uma construção assente em duas palavras combinadas, logo uma estrutura complexa, referindo um sentido claro, perceptível, denunciador de um estado de espírito, hábitos, costumes arraigados, tradição, receituário longevo, identidade colectiva e, até, elementos de agregação de um povo. Estamos muito longe de uma referência de semântica simplificada, mono-vocabular, por demais genérica e não identificativa dos sentidos envolvidos.

De tal forma a menção se apresenta delimitadora de referentes específicos e economicamente relevantes que nem uma empresa com sede no estrangeiro ficou imune ao potencial relevo comercial do apelo àqueles factores de identidade nacional lusitana enquanto elementos de atracção do consumidor.

Existe, «in casu», absoluta sobreposição vocabular pelo que nem sequer é admissível debate sobre o distinto significado dos signos.
Sob um quadro tão unívoco e unificador de sentidos, nenhum grafismo poderia salvar a pretensão e afastar a identidade. Menos tal poderia ocorrer apontando os sinais, por um lado, comida (área da marca anterior) e, por outro, grafismos antigos, reveladores de tradição e capazes de atrair saudosismos, factores de identificação colectiva e mecanismos de memória já emergentes das palavras usadas. Na ilustração assumida, nada mais se disse do que os vocábulos e a inserção nas classes de Nice apontavam.

É insofismável a possibilidade de confusão.

Preenchem-se as fattispecies de verificação cumulativa enunciadas no n.º 1 do  art. 245.º do Código da Propriedade Industrial.

A inserção em classes distintas não afasta a afinidade – cf. al b) do n.º 2 dos mesmos artigo e Código.

Estamos face ao uso de denominação de fantasia que fazia parte de marca alheia anteriormente registada, para os efeitos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.

Bem entenderam o INPI e a Instância anterior existir fundamento de recuso do registo de marca porquanto se preencheu, de forma flagrante, a previsão constante da al. a) do n.º 1 do  art. 239.º do encadeado normativo sob referência.

É claramente negativa a resposta que se impõe dar à questão sob ponderação.

3.- Face ao referido nas alegações de recurso deverá ser ordenada a correcção de erro de escrita ou mero lapso, «no que se refere ao ponto 1 da matéria de facto dada como provada e elencada na secção “III – Fundamentação”, já que a marca prioritária corresponde à marca nacional registada com o n.º 512845 e não à marca aí referida»?

A pretensão em apreço, apesar de se reportar à matéria de facto fixada, não  assentou na convicção da incorrecção do julgamento fáctico, para os efeitos do disposto na al. a) do n.º 1 do  art. 640.º do Código de Processo Civil.

A confirmar o surgimento da questão à margem do regime emergente desse preceito, temos que também não foi dado cumprimento ao estatuído nas als. b) e c) do mesmo número.

Tratando-se pedido de rectificação de erros, como parece ser o caso, é aplicável o disposto no  art. 614.º do mencionado Código, impondo-se o cumprimento do aí definido, nos prazos aí fixados. A operação de rectificação definida na norma constitui tarefa do órgão que tenha praticado o lapso, podendo a mesma ser assumida oficiosamente ou mediante requerimento das partes. Em caso de recurso, a rectificação apenas pode ter lugar antes dele subir.

Temos assim que a Recorrente, apesar de representada por Ex.mo profissional do foro, alegou com base em flagrante desfocagem técnica já que a questão da rectificação não devia ser dirigida a este Tribunal de Recurso. A pretensão não foi formulada na sede própria e descurou o tempo próprio para a prática do acto despoletador da intervenção aparentemente pretendida.

O manifesto desacerto do pretendido e a simplicidade da questão dispensam mais dilatadas considerações.

Responde-se negativamente ao perguntado.
  
III.DECISÃO

Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Apelante.
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Lisboa, 17.12.2019


Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa (1.ª Adjunta)
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira (2.º Adjunto)