Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4863/18.5T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
PESSOA COLECTIVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A faculdade de redução da cláusula penal, concedida pelo art. 812.º CC (redução equitativa da cláusula penal), não é de conhecimento oficioso do tribunal, antes dependendo de pedido do devedor da indemnização nesse sentido.
2. Por conseguinte, para que o tribunal possa proceder à redução equitativa da cláusula penal, o devedor tem de alegar e provar factos integradores da sua manifesta excessividade, situação a analisar casuisticamente e de acordo com o tipo de cláusula estabelecida, sob pena de inutilização da sua própria função e da razão da sua existência.
3. A qualificação de uma determinada cláusula penal como manifestamente excessiva, por forma a que a se proceda à sua redução, assume-se como uma exceção de direito material, pois que o seu objetivo é modificar o direito do credor e, por essa via, obstar à procedência total do pedido.
4. As pessoas coletivas, mesmo as sociedades comerciais, são sujeitos ativos de direitos de personalidade ou estruturalmente idênticos, como sejam o direito ao bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade, podendo, por conseguinte, da sua violação, emergir o direito à compensação por danos não patrimoniais.
5. Há, no entanto, especificidades a ter em conta, pois a pessoa coletiva não tem dores nem sofre, além de que, a estruturação da nossa sociedade em bases personalistas leva a que não possa deixar de se reconhecer uma menor densidade ética dos valores imateriais ligados às sociedades comerciais em relação aos sujeitos particulares.
6. Por isso, no caso das pessoas coletivas, a fasquia relativa à gravidade merecedora da tutela do direito deve ser colocada a um nível mais elevado, mais exigente, do que sucede relativamente às pessoas singulares.
7. Essa gravidade terá de ser aferida em função da natureza da ofensa, do objeto social da pessoa coletiva e de outras circunstâncias reveladas pelo caso, de molde a considerar-se objetivamente idónea a refletir-se negativamente na vida societária, v.g. na potencialidade de obtenção do lucro, tratando-se de sociedades comerciais.
8. No caso de cumprimento defeituoso ou de não cumprimento parcial, o contraente pode recusar a sua prestação, enquanto a do outro não for retificada ou completada: é a chamada exceptio non rite adimpleti contratus.
9. Estando em causa o «mau cumprimento» de um contrato de empreitada, a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono de obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da coisa e exigido a sua eliminação.
10. É que o regime específico do contrato de empreitada, perante uma situação de cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a aquela exceção, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
11. Assim, naquele tipo contratual, a exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO:
C, S.A. intentou a presente ação declarativa de condenação contra G, Lda., alegando, em suma, que no dia 14 de julho de 2017 celebrou com a ré um contrato denominado «Contrato de Instalação e Manutenção de Infraestruturas e Aluguer de Materiais»[i], pelo qual esta se comprometeu a proceder à montagem, desmontagem e manutenção da infraestrutura necessária à realização do evento por aquela levada a cabo denominado “Aquasplash S”, pelo preço de € 180.000,00, a pagar pela autora nas seguintes condições:
a) € 90.000,00, no dia 28 de junho de 2017;
b) € 54.000,00, no dia 6 de julho de 2017;
c) € 36.000,00, no dia 19 de julho de 2017,
valores acrescidos do IVA à taxa legal.
O contrato não foi integralmente cumprido pela ré, o que causou à autora danos de natureza patrimonial e não patrimonial pelos quais pretende ser indemnizada.
Conclui pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 83.697,93, sendo:
- € 86.447,93, a título de danos patrimoniais; e
- € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais,
«acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal aplicável, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.»
*
A ré contestou, alegando, em suma, que foi a autora quem incumpriu as obrigações a que ficou adstrita no âmbito daquele contrato, razão pela qual o referido evento não teve o seu início na data inicialmente prevista.
Na data prevista para a inauguração do evento «a Ré tinha assegurado e cumprido com a montagem dos equipamentos e demais tarefas complementares» definidas por contrato entre as partes.
Além de contestar, a ré deduziu reconvenção contra a autora, alegando que esta não lhe pagou a última das parcelas do preço acordado, no referido valor de € 36.000,00, o qual, acrescido do IVA à taxa legal, perfaz a quantia de € 44.280,00.
Além disso, o não pagamento da referida quantia prejudicou a imagem da ré, causando-lhe danos não patrimoniais, pelos quais pretende ser indemnizada no montante de € 5.000,00.
Conclui pugnando para que:
a) a ação seja julgada improcedente, por não provada;
b) a reconvenção seja julgada procedente, por provada, condenando-se a autora a pagar-lhe a quantia de € 49.280,00, sendo:
- € 44.280,00, a título de danos patrimoniais;
- € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.
*
Em réplica, a autora respondeu à reconvenção, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido reconvencional.
*
Foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, decide-se:
- julgar a acção parcialmente procedente por provada, condenando-se a R. a pagar à A. € 15 697, 93, acrescidos de juros de mora desde a citação e
- julgar a reconvenção igualmente parcialmente procedente por parcialmente provada, condenando-se a A. a pagar à R. € 44 280, 00, acrescidos de juros de mora desde a notificação da reconvenção;
- operar a compensação, pelo que a R. tem a haver da A. € 28 582, 07 e
- absolver-se A. e R. do demais peticionado.»
*
A autora recorreu, na sequência do que foi proferido o acórdão datado de 11 de dezembro de 2019, que
a) anulou, por deficiência e obscuridade, a decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto;
b) determinou a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que fosse proferido despacho de aperfeiçoamento de determinados artigos da petição inicial.
*
Devolvidos os autos à 1.ª instância, e após subsequente tramitação, foi proferida nova sentença, cuja parte dispositiva é exatamente igual à da sentença anteriormente proferida e objeto de anulação.
*
Uma vez mais inconformada, veio a autora interpor o presente recurso, concluindo assim as respetivas alegações:
«1. A Recorrente intentou contra a ora Recorrida ação de condenação destinada a exigir o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, na sequência do Evento que teve lugar no dia 26.07.2017, denominado “Splash S”, tendo o Tribunal a quo julgado a ação parcialmente procedente por provada, condenando a Recorrida ao pagamento de € 15.697,93 (quinze mil seiscentos e noventa e sete euros e noventa e três cêntimos), acrescidos de juros de mora desde a citação; a reconvenção parcialmente procedente, condenando a Recorrente a pagar à Recorrida € 44.280,00 (quarenta e quatro mil duzentos e oitenta euros), acrescidos de juros de mora desde a notificação da reconvenção; e a operar a compensação, pelo que a Recorrida tem a haver da Recorrente € 28.582,07 (vinte e oito mil quinhentos e oitenta e dois euros e sete cêntimos), absolvendo as partes do demais peticionado.
2. O presente recurso versa sobre matéria de facto com reapreciação da prova gravada e matéria de Direito.
3. No que respeita à impugnação da matéria de facto, considera a Recorrente que deve ser alterada a resposta dada pelo Tribunal a quo os factos constantes das alíneas B,C, D, E,F, G, H edos pontos1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 10, 11e 21dos factos não provados.
4. Ora, no que respeita às faltas, atrasos e desconformidades do “splash pad” (alíneas B, C, D e ponto 2 dos factos não provados) entende a Recorrente que a resposta a este ponto deve seralterada comfundamento nos depoimentos prestados pelas testemunhas VR, RC, MM, NB e AM, assim como nos documentos 3 e 6 juntos com a petição inicial e documento 8 junto com a contestação.
5. No que ao pavimento diz respeito, ficou estabelecido que a calha deveria ser galvanizada com PVC laminada a quente e que a superfície do piso deveria ser em membrana de PVC e almofada macia. Pois na verdade estamos a falar de um equipamento que se destinava a crianças de 2 anos e para evitar quedas e acidentes era necessário que o piso fosse macio e não escorregadio.
6. Contudo, o que a Recorrida fez, foi apenas pintar o pavimento do “splash pad” com um spray azul, conforme doc. A no requerimento de aperfeiçoamento da petição inicial, e nestes termos o pavimento do “splash pad” colocado pela Ré não correspondia ao acordado entre as partes.
7. É ainda de referir que, no âmbito dos presentes autos, ficou provado que, “Ficou acordado entre as partes que todos os materiais e mão-de-obra que fossem necessários à prestação dos serviços seriam fornecidos pela R.”, conforme cláusula 6 do contrato celebrado entre as partes junto com a petição inicial como doc. 3 e ponto 10 dos factos provados da sentença recorrida.
8. Tendo ainda ficado provado que a “Ré seria responsável pela perfeita adequação dos serviços que prestasse e da adequação dos mesmos às particularidades e fins a que se destinam”, conforme ponto 14.1 dos factos provados da sentença recorrida.
9. Neste sentido, dúvidas não há que seria da responsabilidade da Ré providenciar pelos materiais e mão-de-obra do “splash pad”, assim como, de qualquer outro equipamento do evento.
10. Em consonância com os documentos referidos, as testemunhas VR, RC, MM, NB e M, em sede de audiência de julgamento atestaram que o pavimento era a cargo da Ré e que o mesmo não estava conforme o acordado entre as partes.
11. Mais se diga que, na missiva enviada pela Recorrente à ora Recorrida, datada de 09.08.2017, devidamente junta com a petição inicial sob documento 5, aquela refere, entre outros pontos, de que “6. O pavimento do “splash pad” não correspondia ao previsto. A C. S.A. viu-se forçada a encontrar uma solução de recurso que implicou elevados custos”, não tendo o mesmo documento sido impugnado por parte da Recorrida.
12. No que se refere aos equipamentos instalados do “splash pad” passado cerca de três dias tenham ficado avariados (ponto 4 dos factos não provados da decisão recorrida), tal facto deveria ter sido dado como provado em conformidade com o depoimento da testemunha RC.
13. Quanto às desconformidades relativas aos insufláveis e piscinas (Alíneas E, F e G dos factos considerados como não provados) deveria ter sido dado como provado que os insufláveis entregues pela Ré tinham 1,50 m quando deveriam ter 30 cm, o que consequentemente, fez com que o impacto dos utilizadores na água fosse superior ao pretendido, designadamente através do depoimento das testemunhas RC, MM e NB,
14. No que se refere aos velcros e costumas de nylon dos insufláveis (Alínea H dos factos não provados), tais factos deveriam ter sido dados como provados com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas VR, RC, MM e NB, e com base no documento 18 junto com a petição inicial e os documentos juntos com requerimento de 07.11.2018, com referência citius n.º 20812037.
15. Os insufláveis alugados e instalados pela Ré apresentavam defeitos relativamente aos velcros e às costuras de nylon, não se encontrando os mesmos protegidos, o que levou a que os mesmos causassem várias escoriações e queimaduras aos utilizadores.
16. Neste sentido, não pode ser outro entendimento se não que os velcros e as costuras de nylon dos insufláveis causassem escoriações e queimaduras aos utilizadores por não estarem protegidos com uma cobertura que impedisse o contacto direto com os fechos, em consonância com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente, as testemunhas MM, NB e RC, devendo ser alterada a resposta à alínea H dos factos não provados.
17. Quanto ao atraso dos equipamentos (Pontos 1, 3 e 21 dos factos não provados) ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, entende a Recorrente que foi feita prova bastante de que nenhum equipamento chegou ao recinto no dia 18 de julho, tendo o Tribunal a quo feito uma errada apreciação da prova produzida.
18. Ficou demonstrado conforme cláusula 9, n.º 1, do Contrato junto com a petição inicial sob doc. 3, que o Evento tinha data de início marcado para o dia 19 de julho de 2017, e para esse efeito, no dia 18 de julho, toda a infraestrutura teria que estar concluída e plenamente operacional, ficando acordado que a Recorrida teria que proceder à instalação de toda a infraestrutura referida no do n.º 2, da cláusula 3 e do Anexo II, do contrato junto com a petição inicial como doc. 3.
19. Todavia, a prova produzida foi no sentido de que o atraso da abertura do evento se deveu única e exclusivamente ao atraso da chegada e montagem dos equipamentos de que a Recorrida era responsável. De todos os equipamentos e não só do “splash pad”, conforme referiu VR, RC, NB, MM e M.
20. A prova testemunha foi unânime em concluir que no dia acordado, dia 18 de julho, nenhum dos equipados que a Autora tinha contratado à Ré tinham chegado ao recinto.
21. Face ao supra exposto, considerando a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como não provado os pontos 1, 3 e 21, pelo que deve ser alterada a resposta dada aos respetivos factos passando os mesmos a considerar-se como provados.
22. No que concerne ao ponto 6 dos factos não provados da decisão recorrida –, entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação do depoimento prestado pela testemunha MM, devendo o tribunal a quo ter dado como provado que a Recorrente teve uma penalização de € 28.000,00 pelo facto de a abertura ter atrasado uma semana, sendo essa a quantia que faziam numa semana, tendo em consideração que o bilhete para crianças era € 6,00 e os adultos € 9,00.
23. Quanto aos pontos 7, 8 e 10 dos factos não provados da decisão recorrida, entendeu a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida, mais concretamente, os documentos 3 e 14 juntos com a petição inicial e os depoimentos prestados pelas testemunhas RC, NB e MM.
24. E as testemunhas RC, NB e MM que referiram as despesas extra que a Recorrente teve que incorrer em consequência da conduta da ora Recorrida, designadamente, equipamentos para repor no “splash pad” e o pavimento deste equipamento, assim como, colchões para colocar nas piscinas devido à diferença entre os escorregas e as piscinas e, inclusive esses orçamentos foram pagos pela C. S.A..
25. Quanto ao ponto 11 dos factos não provados da decisão recorrida sempre se diga que não obstante o evento também se ter realizado no ano seguinte, com outro parceiro, não pode o Tribunal a quo pressupor que, a Autora por pertencer a um grupo multimédia não será suscetível de causar o dano invocado.
26. De facto, desde o momento em que a Recorrente anunciou na sua página oficial do Facebook https://www.facebook.com/pg/splashs/reviews/ de que foi alvo de vários comentários depreciativos por parte de vários clientes. O mesmo aconteceu durante todo o evento, em que foram vários os clientes que escreveram no livro de reclamações, conforme alegado em sede de petição inicial, designadamente nos artigos 144.º a 148.º, e documento junto pela Recorrente com requerimento de 07.11.2018.
27. Na verdade, o Tribunal a quo considerou como provado que desde a abertura do evento houve reclamações feitas por utilizadores e que algumas dessas reclamações chegaram ao conhecimento do público através das redes sociais, conforme pontos 37 e 38 dos factos considerados provados da sentença recorrida.
28. Em sede de audiência de julgamento, as testemunhas VR, RC e MM confirmaram o efeito negativo que a conduta da Recorrida causou na esfera jurídica da ora Recorrente, tendo sido alvo de reclamações e criticas durante todo o evento, bem como, terem sido publicados comentários negativos nas redes sociais.
29. Face ao supra exposto, considerando a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como não provado o ponto 11, pelo que deve ser alterada a resposta dada ao respetivo facto passando o mesmo a considerar-se como provado.
30. No que se refere à impugnação quanto à matéria de direito, o Tribunal a quo entendeu, de forma errada, que deveria operar a cláusula penal para o atraso na abertura do parque, circunscrevendo, porém, a mora da Recorrida, aos dias 24 e 25 de julho de 2019, ou seja, em apenas 2 dias. Tendo ficado amplamente provado que a mora na abertura do parque foi de 8 dias.
31. As partes, livremente, de mútuo acordo, de boa-fé, e no âmbito da sua autonomia privada, decidiram convencionar uma cláusula penal por cada dia de atraso, não podendo o Tribunal a quo reduzir o valor de tal cláusula penal nos moldes em que o fez, sem qualquer fundamentação, sendo certo que esta não é manifestamente excessiva.
32. Para que o Tribunal possa interferir no caso de uma pena que considere excessiva, o devedor deve solicitar a sua redução, seja de maneira indireta, seja de forma mediata, demonstrando o seu descontentamento para com o elevado valor da pena, contestando. O que não aconteceu no caso em apreço.
33. Assim o defende Pinto Monteiro in “Cláusula Penal e Indemnização”, página 734 e Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária”, pág. 275, nota 501, in fine, o qual refere que “julgamos melhor solução dizer que o juiz não pode reduzir a pena convencionada oficiosamente, sob pena de estar a julgar ultra petitum”.
34. O n.º 1 do artigo 812º do Código Civil prescreve que “a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal”, mas isso não significa que tal operação possa ser realizada de ex officio (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 7949/2008-1, data17.02.2009, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2016-03-03, Processo n.º 11709/15.4T8PRT.P1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.1998, 09.1999 e de 05.12.2002).
35. Neste sentido, não podia o Tribunal a quo oficiosamente reduzir a cláusula penal estipulada pelas partes, conforme o fez, violando assim, a disposição prevista no artigo 812.º, do C.C.
36. O Tribunal a quo violou o número 4, do artigo 604.º, do Código de Processo Civil ao não ter fundamentado os critérios que levaram à redução da cláusula penal com base na equidade, dos € 5.000,00 diários para € 1.000,00 diários, o que correspondeu a uma redução abrupta de 80 % do seu valor.
37. Deve o tribunal ad quem revogar esta parte da sentença e, em conformidade, condenar a Recorrida ao pagamento da cláusula penal no valor diário de € 5.000,00, por referência a 8 dias de mora, no valor total de € 40.000,00, pela proporcionalidade e equidade da mesma, e por falta de fundamentação da sentença na sua redução, nos termos do disposto no número 4, do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
38. De facto, quando é convencionada uma cláusula penal não há que averiguar se o credor sofreu ou não prejuízos e muito menos qual o seu montante, em caso afirmativo. Pois, a previsão de cláusulas penais tem a vantagem prática de liquidação antecipada e convencional dos prejuízos que resultariam do não cumprimento, evitando indagação e prova dos mesmos, evitando as dificuldades inerentes ao processo de avaliação da indemnização.
39. A cláusula penal de natureza moratória, plasmada no n.º 1, da cláusula 11.ª do contrato em causa, pode-se cumular com a indemnização pelo cumprimento defeituoso, conforme doutrinariamente aceite, tendo em conta a letra do n.º 1, do artigo 811.º, do Código Civil.
40. A Recorrente alegou e peticionou ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, não havendo duplicações de indemnizações como entendeu o tribunal a quo.
41. As partes previram, no n.º 2 da cláusula 11.ª do contrato, que as uniam, que em caso de cumprimento defeituoso a Recorrente tinha direito a receber da Recorrida uma indemnização que ascendia ao valor de € 250.000,00.
42. Tendo sido prevista uma cláusula penal para as situações de cumprimento defeituoso, e considerando a sentença recorrida que houve cumprimento defeituoso, a ora Recorrente estava dispensada do ónus da prova da demonstração dos prejuízos, bastando a sua invocação, o que se verificou. Ainda assim, a Recorrente demonstrou cabalmente, através da produção de prova testemunhal, que teve prejuízos, pelo que deveria o Tribunal a quo ter concluído que a Recorrente teria o legítimo direito de receber a quantia peticionada, a título de prejuízos, em cumprimento do disposto no número 2, da cláusula 11.ª do contrato de empreitada celebrado.
43. Podendo a Recorrente cumular o valor da indemnização pela mora, com o valor da indemnização pelo cumprimento defeituoso, no valor de € 28.600,00, deve a sentença recorrida seja revogada nesta parte, para os devidos efeitos legais, por violação do regime do número 1, do artigo 811.º, do Código Civil.
44. Por outro lado, entendeu o tribunal a quo que a Recorrente não deveria ser indemnizada na quantia de € 30.000,00, relativa a danos não patrimoniais, pela circunstância de a mora da Recorrida se ter cingido, apenas, a 2 dias.
45. Todavia, a Recorrente, enquanto pessoa coletiva, tem direito ao bom nome e ao crédito por parte das pessoas coletivas, dada a proteção legal que lhe é concedida pelos artigos 484º do Código Civil e 187º do Código Penal.
46. Os utilizadores do parque “Aquasplash S” divulgaram junto das redes sociais o seu descontentamento com a experiência tida no mesmo, tecendo comentários negativos sobre a mesma, conforme considerou o tribunal a quo. Atendendo à ampla divulgação da rede social Facebook, onde os comentários negativos foram publicados, e o seu alargado número de utilizadores, resulta, a imagem da ora Recorrente foi significativamente abalada.
47. A indemnização peticionada no valor de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais é equilibrada e equitativa para os prejuízos que esta teve do seu bom nome, imagem e reputação no mercado e junto dos seus clientes, nos termos supracitados.
48. Deve o tribunal ad quem revogar a parte da sentença do tribunal a quo que absolveu a Recorrida do pagamento de uma indemnização à Recorrente, no valor de € 30.000,00 a título de danos morais, e condenar a Recorrida no pagamento de tal indemnização, acrescida de juros de mora legais, até ao integral pagamento, por incorreta aplicação do regime do artigo 496.º, do Código Civil.
49. Entendeu, ainda, o tribunal a quo que a Recorrida deverá liquidar a quantia de € 36.000,00 relativa à última prestação do contrato celebrado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, no valor de € 8.280,00 (oito mil, duzentos e oitenta euros), no valor total de € 44.280,00.
50. O valor global do contrato era de € 180.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, no total de € 221.400,00, o qual seria pago pela Recorrente através de três pagamentos: € 90.000, acrescido de IVA; € 54.000, acrescido de IVA e € 36.000, acrescido de IVA. A Recorrente procedeu aos dois primeiros pagamentos perante a Recorrida, no valor total de € 177.120,00, IVA incluído, o que equivale a 80 % do valor do contrato de empreitada.
51. Quando se verifica cumprimento defeituoso da prestação, como se verificou no caso sub judice, a parte fiel, neste caso a ora Recorrente, tem direito à redução da sua contraprestação, no caso em concreto, redução do preço acordado entre as partes em litígio, conforme o número 1, do artigo 802.º do Código Civil.
52. É este o entendimento unânime da jurisprudência e doutrina dos tribunais superiores portugueses. A redução da contraprestação, nos casos de cumprimento defeituoso, deve assentar em critérios de equidade.
53. A Recorrente não liquidou o valor de € 44.280,00, correspondente a 20% do valor global da empreitada, em exercício do seu direito de redução à contraprestação a que inicialmente estava adstrita, por cumprimento defeituoso desta segunda, e recorrendo aos critérios da equidade a que está vinculada.
54. É legalmente inexigível que a Recorrida receba o valor total do contrato, quando o tribunal a quo entendeu que a sua prestação foi realizada de forma defeituosa, sob pena da violação do sinalagma, do equilíbrio e da justiça material que alumia o tipo contratual celebrado entre as partes.
55. O não pagamento da quantia de € 44.280,00 pela Recorrente à Recorrida não funciona, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, como uma exceção dilatória material, por verificação de exceção de não cumprimento, nos termos do disposto no artigo 428.º do Código Civil, mas sim como uma verdadeira exceção perentória extintiva do direito por direito da primeira à redução da contraprestação por cumprimento defeituoso, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 802.º, do Código Civil e dos n.ºs 1 e 3, do artigo 576.º, do Código de Processo Civil.
56. Deve o tribunal ad quem revogar a parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento à Requerida da quantia de € 44.280,00, acrescida de juros de mora comerciais, pela circunstância de a mesma não ser devida, e por violação do regime legal previsto no número 1, do artigo 802.º, do Código Civil.
57. Entendeu o tribunal a quo que deve operar a compensação, nos termos do disposto nos artigos 847.º e seguintes do Código Civil, em virtude de a Recorrente ser titular de um crédito de € 15.697,93 perante a Recorrida e de esta ter também um crédito perante a Recorrente no valor de e € 44.280,00.
58. O alegado crédito da titularidade da Recorrida, no valor de € 44.280,00 não é devido pela Recorrente, em virtude de ter operado uma exceção perentória extintiva, que terá de ser reconhecida pelo tribunal ad quem.
59. Inexistindo qualquer direito de crédito na esfera jurídica da Recorrida que possa ser objeto de compensação, não poderá haver lugar à aplicação do instituto da compensação.
60. Deve o tribunal ad quem revogar a parte da sentença proferido pelo tribunal a quo que ordenou que a compensação de créditos operasse, em virtude de não se encontrarem preenchidos os seus pressupostos de aplicação, nos termos do disposto nos artigos 847.º e seguintes do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito, (...), deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida.
Pois só se assim se fará a costumada Justiça!»
*
A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.
*
II - ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
a) se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
b) se a ré deve ser condenada a indemnizar a autora no montante de € 40.000,00, a título de cláusula penal;
c) se a ré deve ser condenada a indemnizar a autora a título de danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, em que montante;
d) se a autora deve ser absolvida do pedido reconvencional contra si deduzido pela ré, correspondente valor da última tranche do preço acordado, acrescido do respetivo IVA.
*
III - FUNDAMENTOS:
3.1 - De facto:
3.1.1 – A primeira instância considerou provado que:
«1 – A A. dedica-se, assinaladamente[ii], à actividade de comunicação social, designadamente televisão e radiodifusão e à edição, electrónica ou não, publicação, comercialização e distribuição de publicações periódicas e não periódicas; à comercialização de material editorial, pré-impressão e acabamento gráfico; a recolha e distribuição de notícias, comentários e imagens através de qualquer suporte.
2 – A Ré dedica-se, assinaladamente, à importação, exportação, representação, exploração e comércio de todo o equipamento temático, de diversão, lazer e turismo, parques infantis, mobiliário urbano, veículos ecológicos e turísticos.
3 – De acordo com o número 4 da cláusula 6 do Contrato, a Ré obrigou-se a ter “no recinto, durante o Horário do Evento, Técnicos de manutenção, em permanência, para garantir o bom funcionamento dos Equipamentos e dar resposta a qualquer necessidade assinalada pela Autora em número e com know-how suficiente de modo a permitir a execução diligente das funções de manutenção.”
3-A[iii] - No âmbito da sua actividade, a A. planeou a realização de um evento, denominado “Aquasplash S”, entre 19 de Julho e 19 de Setembro, a realizar no S, contando com actividades típicas de Verão, a disponibilizar aos visitantes.
4 – O evento foi publicitado no jornal “Correio da Manhã”, no canal televisivo CMTV, na revista “Sábado”, nos jornais “Record”, Destak e Jornal de Negócios e noutros órgãos de comunicação social, conforme link que se encontra disponível em https://nit.pt/out-of-town/back-in-town/aqua-splash-S-as-primeiras-imagens-do-parqueaquatico-do-S.
5 – A A. criou um site, que se encontra disponível em www.splashs.pt.
6 – Em 14 de Julho de 2017, A. e Ré acordaram no que denominaram de Contrato de Instalação e Manutenção de Infraestrutura e Aluguer de Materiais, em que estabeleceram as condições de montagem, desmontagem e de manutenção da infraestrutura necessária para a realização do evento.
7 – Ficou acordado entre as partes que, pela prestação de serviços e aluguer de objectos previstos no contrato, a A. pagaria à Ré o valor de € 180.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
8 – O referido valor deveria ser pago em três prestações, conforme a seguinte tabela:
DATA (2017)                QUANTIA (ACRESCIDA DE IVA) €
28 de Junho                           90.000
6 de Julho                               54.000
19 de Julho                            36.000
Total                                     180.000 (cláusula 5 n.º 2).
9 – Tal como consta dos considerandos do contrato, o evento tinha como data de início o dia 19 de Julho de 2017.
10 – Ficou acordado entre as partes que todos os materiais e mão-de-obra que fossem necessários à prestação dos serviços seriam fornecidos pela Ré (cláusula 6.ª).
11 – A Ré elaborou o respectivo Plano de Trabalhos, prevendo que cada uma das tarefas ficasse concluída em data anterior à da abertura do evento, conforme e-mail enviado pela Ré em 3 de Julho de 2017 (art. 4. da P.I.).
12 – Ficou estabelecido que a Ré teria no recinto, durante o horário do evento, técnicos de manutenção, em permanência, para garantir o bom funcionamento dos equipamentos e dar resposta a qualquer necessidade assinalada pela A., em número e com know-how suficiente de modo a permitir a execução diligente das funções de manutenção (cláusula 6 n.º 4).
13 – Na Cláusula 11, sob a epígrafe “PENALIDADES”, foi estipulado que:
“1. Caso o Plano de Trabalhos não se encontre totalmente concluído e a infraestrutura necessária à realização do Evento completamente operacional, ou a Desmontagem não seja realizada até 25 de Setembro de 2017, e sem prejuízo do direito à resolução do Contrato, a C. S.A. poderá aplicar à G. LDA. uma penalidade no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), por cada dia de atraso, até à data da finalização dos Serviços, sendo estes devidos até à comunicação da resolução do Contrato por parte da C. S.A. ou ii) à conclusão do Plano de Trabalhos.
2. Em caso de execução defeituosa das obrigações resultantes do presente Contrato para a G. LDA., em particular, de modo a que tal contenda com o normal funcionamento do EVENTO, obriga-se a G. LDA. a proceder ao pagamento de 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) à C. S.A., a título de indemnização, sem prejuízo da responsabilidade pelo dano excedente.
3. Em caso de incumprimento definitivo, a G. LDA. obriga-se ao pagamento da quantia de € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) à C. S.A., a título de indemnização, sem prejuízo da responsabilidade pelo dano excedente.”
14 – A. e Ré acordaram que esta última seria responsável pelo seguinte:
“1. Pela perfeita adequação dos Serviços que prestasse e da adequação dos mesmos às particularidades e fins a que se destinam.
2. Por qualquer indemnização que a A. tivesse de pagar a terceiros e por quaisquer pedidos, processos, danos, custos, perdas e despesas em que incorresse, na medida em que tal resultasse de negligência, incumprimento ou cumprimento defeituoso a si imputável, de qualquer das obrigações assumidas no contrato.
3. Por todos os actos e omissões, dos quais pudessem resultar prejuízos para a A. ou para terceiros, praticados através da acção ou omissão pelos seus funcionários e colaboradores, incluindo os elementos da equipa técnica, ainda que tais actos ou omissões sejam dolosa ou negligentemente praticados contra ordens ou instruções que a Ré lhes tivesse transmitido, no âmbito dos poderes de autoridade e direcção que sobre os mesmos exerce (cláusula 13).»
15 – Em relação aos equipamentos, os mesmos deveriam ser alugados pela Ré à A., ficando a Ré responsável pela instalação e por garantir a sua operacionalidade no dia 18 de Julho de 2017, bem como por assegurar que os mesmos seriam retirados do recinto aquando da desmontagem, que teria de estar concluída, no máximo, até ao dia 25 de Setembro (cláusulas 8 e 9).
16 – A. e Ré estipularam que se no dia 18 de Julho de 2017 o plano de trabalhos não se encontrasse inteiramente concluído, ou se a sua conclusão não fosse de modo a que se realizasse o evento nos termos previstos, estaria a Ré em incumprimento, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, podendo a A. resolver o contrato, considerando-se que existia uma perda de interesse por parte da A. na prestação. (cláusula 10).
17 – A A. remeteu uma carta à Ré, datada de 9 de Agosto de 2017, em que pede a conclusão da instalação dos equipamentos e eliminação de todos os defeitos existentes na obra.
18 – A pedido da A., a Ré enviou um documento onde reuniu as fichas técnicas de todos os equipamentos do evento.
19 – A abertura do recinto do evento teve lugar em 26 de Julho de 2017.
20 – A A. enviou à Ré o escrito datado de 14-8-2017, em que, assinaladamente, pede à Ré que esta proceda à eliminação de defeitos alegadamente verificados no parque aquático.
21 – A A. solicitou que a Ré corrigisse os invocados defeitos especificados na missiva, no prazo de 5 dias úteis após a recepção da mesma, sob pena de encerrar o parque aquático e agir judicialmente contra a Ré para reaver os valores pagos e ser ressarcida dos danos causados.
22 – A A. enviou e-mails à Ré, solicitando que esta encontrasse uma solução para corrigir os equipamentos, alegando que vários utilizadores dos mesmos tinham ficado magoados.
23 – Em 15 de Agosto de 2017, a Ré respondeu à A., via e-mail (...), alegando, assinaladamente:
- que a proposta inicial era de € 185.000, 00, e não de € 180.000, 00, e que este valor final foi imposto pela A., justificando para o efeito que a Ré iria ser compensada no futuro;
- que tudo teria de ser formalizado, no limite, até meados de Maio, uma vez que os equipamentos se esgotam nessa altura do ano;
- que o fornecedor dos equipamentos está sito no Canadá, e que devido a um atraso imputável à A., a Ré foi obrigada a efectuar uma importação directa na modalidade compra, ao invés de ter feito na modalidade aluguer, como estava inicialmente acordado;
- que, devido ao atraso da A., os equipamentos tiveram de ser transportados via aérea, ao contrário daquilo que costuma ser feito pela Ré, uma vez que costuma efectuar os transportes por via marítima;
- que o valor do investimento só em equipamento foi superior a € 500.000,00;
- que o valor do transporte aéreo China-Madrid e Madrid-Lisboa ascendeu a € 80.000,00;
- que apenas aceitaram fazer este negócio com a promessa da A. de que todos os eventos da A. teriam a Ré como parceira preferencial e que o evento “Aquasplash S” seria o primeiro de muitos;
- que a A. prometeu dar uma ajuda financeira face aos custos gastos pela Ré no transporte aéreo;
- que a A. tinha conhecimento de que a equipa técnica da Ré só estaria disponível para trabalhos até ao final do mês de Junho e que quando se adjudicou a proposta para o dia 29 de Junho, sabia a A. que a Ré teria de improvisar uma equipa técnica;
- que no dia 19 de Julho, mesmo que a Ré tivesse os equipamentos todos montados no local do evento, a A. não reunia quaisquer condições para a abertura ao público;
- que os equipamentos correspondem à proposta acordada, nomeadamente a profundidade das piscinas (65cm para as piscinas insufláveis e 1,32m para as piscinas com estrutura metálica);
- que caso não recebesse o pagamento do restante da proposta, no valor de € 36.000,00, não iria conseguir pagar o remanescente aos fornecedores dos equipamentos e serviços, nem continuar a pagar a manutenção necessária do parque.
24 – Em 4 de Setembro de 2017, a Ré enviou um SMS à A., em que consta que, caso não fosse feito o pagamento dos € 36.000,00 em falta, os trabalhos iriam ser suspensos a partir do dia seguinte.
25 – A A. respondeu ao SMS em 5 de Setembro de 2017, através de um novo SMS:
“Bom dia, estranhamos o pedido que nos está a ser feito para o pagamento da referida quantia uma vez que decorrido mais de um mês da data da abertura do recinto, muitos dos equipamentos contratados não foram ainda sequer colocados. Em relação aos fornecedores do recinto e pelas conversas que temos tido com eles no local, em momento algum nos foi manifestado qualquer descontentamento ou desagrado. Assim sendo, aguardaremos pela colocação dos equipamentos em falta e só depois procederemos ao pagamento da quantia em dívida até porque foi assim que ficou acordado entre nós.”
26 – Em 26 de Setembro de 2017, o evento terminou e o parque foi encerrado.
27 – Em 18 de Julho de 2017 o “splash pad” não se mostrava integralmente instalado, nem estava completo.
28 – Os equipamentos do “splash pad” foram entregues com menos equipamentos do que os acordados.
29 – A A. colocou alguns equipamentos no “splash pad” e chuveiros, bem como colchões para minimizar as quedas dos insufláveis, não se tendo apurado os respectivos valores.
30 – A A. suportou despesas com produtos para análise do estado da água e com produtos para o seu tratamento, no valor de € 923,79 e € 1.788,89, respectivamente.
31 – A A. contratou pessoas para proceder à manutenção, tendo pago salários no valor de € 2.160,00, bem como pessoas para proceder ao tratamento de águas e custos inerentes, no valor de € 6.519,00.
32 – A A. suportou custos com reparações de insufláveis, no valor de € 1.691,25 e de furos nas piscinas, no valor de € 615,00.
33 – Desde a abertura do evento que houve reclamações feitas por utilizadores.
34 – Algumas dessas reclamações chegaram ao conhecimento do público através das redes sociais.
35 – A planificação do projecto do recinto, estrutura, logística e organização e o respectivo licenciamento estava a cargo da A..
36 – A electricidade foi ligada, conforme previsto, no dia 18 de Julho.
37 – A sinalética apenas poderia ser colocada depois da instalação dos equipamentos por parte da Ré.
38 – Em 26-7-2017 faltava parte da sinalética.
39 – Em 21-8-2017, a A. encerrou o recinto por um dia.
40 – A Ré pintou o pavimento do “splash pad” com tinta de água.
41 – Volvidos alguns dias sobre a instalação do “splash pad”, os canhões de água deixaram de deitar água na zona em que era suposto que o fizessem, por os gatilhos estarem partidos e canhões deixaram de estar presos.
3.1.2 – (...) e não provado que:
«1 – A. e Ré tivessem acordado:
a) que o material do pavimento do “splash pad” devesse ser com calha galvanizada com PVC, laminada a quente e que a superfície do piso deveria ser em membrana de PVC e almofada macia;
b) que devesse ser construído um piso de piscina não escorregadio;
2 – A Ré se tenha limitado a pintar o pavimento do “splash pad” com um spray de tinta de água, mas apenas que o fez, conforme consta dos factos assentes, e não no sentido de que deveria ter feito algo mais ou algo diverso;
3 – Em 18 de Julho de 2017 as obras referentes ao pavimento não tivessem sido iniciadas;
4 – A. e Ré tivessem acordado que os insufláveis deveriam ficar a cerca de 30/40 cm de altura das piscinas;
5 – Os insufláveis tenham sido entregues com cerca de 150 cm de altura das piscinas;
6 – Face à maior distância entre os escorregas e as piscinas, o impacto dos utilizadores na água fosse superior e que tenha conduzido a acidentes;
7 – Os velcros e costuras de nylon dos insufláveis causassem escoriações e queimaduras aos utilizadores por não estarem protegidos com uma cobertura que impedisse o contacto direito com os fechos;
8 – Em 18 de Junho faltasse chegar e montar equipamentos, para lá do que consta relativamente ao “splash pad”;
9 – O pavimento do “splash pad” não correspondesse ao previsto;
10 – Em 26 de Julho faltassem lonas para colocar por baixo das piscinas;
11 – Os equipamentos instalados do “splash pad” passados cerca de três dias tenham ficado avariados;
12 – A Ré não dispusesse de pessoas suficientes para montar os equipamentos;
13 – Por força da actuação da Ré a A. tenha tido perdas de bilheteira, no montante aproximado de € 28.600,00 (valor correspondente à diferença da média da primeira semana da bilheteira do evento com a média da última semana);
14 – O fornecimento e colocação do pavimento do “splash pad” no valor de € 17.500,00 coubesse à Ré;
15 – O pavimento do “splash pad” tivesse tido um custo de € 17.500,00, que os chuveiros para o “splash pad” tivessem tido um custo de € 3.800,00 e que os colchões para minimizar as quedas dos insufláveis cuja altura era superior ao previsto tivessem tido um custo de € 7.850,00[iv];
16 – Coubesse à A. fornecer e colocar os colchões, mas sim que estes se tornaram necessários para minimizar as quedas dos insufláveis, por a altura dos insufláveis ser superior à prevista;
17 – Tenham sido necessários 600 m2 de relvite para colocar na base das caixas das piscinas, tendo em conta que as medidas das piscinas instaladas eram inferiores ao que fora indicado nos desenhos técnicos, no valor de € 3.600,00;
18 – A Ré tenha gerado uma situação que afectou a imagem de seriedade, o prestígio, a credibilidade e a reputação da A. junto da opinião pública;
19 – A A. não tenha assegurado tempestivamente a colocação de um ponto de electricidade de abastecimento do recinto para o dia 19-7-2017;
20 – (...) tal tenha ocasionado que não fosse possível obter a ligação dos motores e bombas das piscinas e dos insufláveis;
21 – A A. não tenha assegurado tempestivamente o fornecimento de água no recinto;
22 – A A. não tenha assegurado tempestivamente a colocação de sinalética junto aos equipamentos;
23 – Em 22 de Julho a A. ainda estivesse a instruir documentação para obter o licenciamento do recinto junto do Município do S;
24 – Em 21-8-2017 a A. tenha encerrado o recinto com o fito de suprir as falhas;
25 – A omissão de pagamento de € 36.000,00 pela A. à Ré tenha ocasionado que esta última deixasse de cumprir pagamentos junto dos seus fornecedores;
26 – Essa omissão de pagamentos tenha posto em causa o bom nome, a imagem e a reputação da Ré;
27 – Em 26-7-2017 estivessem em falta nadadores salvadores, sinalética, baias de segurança na parte eléctrica do recinto, acondicionamento dos quadros eléctricos e botões de emergência;
28 – No dia 18 de Julho não tivesse chegado nenhum dos equipamentos, a saber:
a) duas piscinas portáteis (30mx15mx1,320m) com obstáculos: Rainbow inflatable water slide (20,00x15,00x0,65m);
b) piscinas portáteis (20,00x15,00x0,65m); - uma piscina (20,00x15,00x0,65m);
c) duas piscinas (15,00x10x00x0,65m);
d) três insufláveis: Rainbow inflatable water slide (20,00x15,00x0,65m); Sea world inflatable waters lide (9,00x8,00x7,50m); Dolphin inflatable water slide (8,00x7,00x7,50m); - “splash pad” – 500 m2; - diversões para as 4x piscinas Inflatable Pool (6,00x8,00x0,65m).»
*
3.2 – Do mérito do recurso:
3.2.1 – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
3.2.1.1 – Os enunciados descritos supra sob os pontos 1., als. a) e b), 2, 3 e 9, dos factos não provados:
Considera a recorrente que os mencionados enunciados, considerados não provados na sentença recorrida, devem ser considerados provados.
A veracidade dos enunciados descritos em a) e b) do ponto 1 dos factos não provados resulta demonstrada:
a) pelo teor do documento junto com a contestação sob o n.º 8, da autoria da ré, traduzido a fls. 604 ss.. Nesse documento é referido expressamente o seguinte: «Galeria galvanizada como PVC laminado a quente, membrana de PVC para a superfície do pavimento e tapete macio (material macio).»
b) pelo teor dos depoimentos das testemunhas:
- RC. Exerce funções de diretora de projetos na C-Eventos há cerca de três anos e meio; não interveio nas negociações que conduziram à celebração do contrato, mas foi a pessoa que, em representação da autora, assumiu no terreno a responsabilidade do evento “Aquasplash S”, o qual acompanhou desde a data da sua abertura ao público até ao momento do seu encerramento.
- VR. Trabalha para a autora há cerca de 9 anos, exercendo funções de diretora de operações; participou, em representação da autora, em reuniões com a ré e outras entidades envolvidas no projeto “Aquasplash S”, com vista à definição da estrutura do evento.
- MM. Exerce funções de gestora de projetos na autora; foi a responsável pela definição do conceito referente ao evento “Aquasplash S”, assim como pela sua implementação e execução; foi a pessoa que, em representação da autora, contactou e contratou a ré para a execução de trabalhos no evento, tendo concretizado aquilo que efetivamente foi acordado entre ambas.
- NB. É sócio-gerente da sociedade “U”; esclareceu a intervenção da “U” no evento “Aquasplash S”.
Os depoimentos das referidas testemunhas, analisados conjugada e criticamente, entre si e no confronto com o documento também acima indicado, permitem concluir pela veracidade dos referidos enunciados, tendo resultado do depoimento da testemunha NB que foi a sua empresa, a “U”, que procedeu à adaptação do pavimento do Splach Pad.
Assim, procede, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, passando os enunciados descritos sob as als. a) e b) do ponto 1 dos factos não provados, a ter a seguinte redação:
- Autora e ré acordaram que o material do pavimento do “splash pad” conteria uma calha galvanizada com PVC, laminada a quente;
- (...) e que a superfície do piso deveria ser em membrana de PVC e tapete macia;
- (…) e que o piso do “splash pad” seria construído com um material não escorregadio.
Quanto ao enunciado descrito sob o ponto 2. dos factos não provados:
A sentença recorrida considerou não provado que «A Ré se tenha limitado a pintar o pavimento do “splash pad” com um spray de tinta de água, mas apenas que o fez, conforme consta dos factos assentes, e não no sentido de que deveria ter feito algo mais ou algo diverso.»
Os enunciados fáticos, provados e não provados, devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratarem com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica.
Na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz deve usar uma metodologia que permita uma fácil apreensão da realidade que considera demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, deve determinar, sem margem para dúvidas o desfecho da ação.
Não é, manifestamente, o caso do enunciado acabado de transcrever.
Resultou dos depoimentos das testemunhas RC, VR, MM e NB, atrás identificadas, assim como do depoimento da testemunha AM (é empregado de uma empresa denominada “FV”, subcontratada pela ré para a execução de determinadas tarefas no “Aquasplash S”; foi colocado no “Aquasplash S” a mando da “FV” para a execução de determinadas tarefas; no entanto, no decurso do evento, foi também contratado pela autora para a execução de tarefas adicionais, além daquelas que lhe tinham sido incumbidas pela “FV”; esteve presente no “Aquasplash S” diariamente, durante todo o período em que decorreu o evento), que a ré se limitou a pintar o pavimento do “splash pad” com um spray de tinta de água.
Consequentemente, considera-se provado que:
- «A ré limitou-se a pintar o pavimento do “splash pad” com um spray de tinta de água azul.»
Os depoimentos das testemunhas RC, VR, MM, NB e AM, analisados conjugada e criticamente, revelam que, efetivamente, em 18 de julho de 2017, as obras referentes ao pavimento do “splash pad” ainda não tinham sido iniciadas.
Por isso, considera-se provado que:
- «Em 18 de Julho de 2017, as obras referentes ao pavimento do “splash pad” ainda não tinham sido iniciadas.»
Os depoimentos das mesmas testemunhas, analisados conjugada e criticamente, demonstram igualmente que o pavimento do “splash pad” não correspondia ao previsto.
Assim, considera-se provado que:
- «O pavimento do “splash pad” não correspondia ao previsto.»
3.2.1.2 – Quanto aos enunciados descritos supra sob os pontos 4, 5 e 6 dos factos não provados:
A análise conjugada e crítica dos depoimentos das testemunhas RC, NB, MM e AM, demonstra inequivocamente que os insufláveis foram colocados a uma altura das piscinas superior à que era devida, o que levou a que a autora tivesse de adquirir colchões, que colocou entre a parte final dos insufláveis e as piscinas, de modo a amortecer as quedas dos utilizadores dos equipamentos.
Não resultou provado, no entanto, que uma vez adotado pela autora o descrito procedimento, tivesse ocorrido qualquer acidente derivado da queda dos insufláveis para as piscinas.
Assim, considera-se provado que:
- «Autora e ré acordaram que os insufláveis deveriam ficar a cerca de 30/40 cms de altura das piscinas»;
- «Os insufláveis foram colocados a uma altura de cerca de 150 cms das piscinas»;
- «(...) o que fez com que a autora tivesse adquirido colchões, que colocou entre as extremidades dos escorregas e as piscinas, de modo a evitar a força do impacto dos utilizadores na água»;
- «(...) e assim evitar a ocorrência de acidentes».
3.2.1.3 – Quanto ao enunciado descrito supra sob o ponto 7 dos factos não provados:
A análise conjugada e critica dos documentos de fls. 180-181 e dos depoimentos das testemunhas VR, RC, NB, MM e AM, revela à saciedade a veracidade de tal enunciado.
A testemunha NB afirmou mesmo ter presenciado várias reclamações e queixas de diversos utentes do parque, consistentes em arranhões, escoriações e queimaduras, provocadas pelos velcros e costuras de nylon dos insufláveis; a sua empresa, a “U”, tinha em permanência no parque, diariamente, uma equipa de duas pessoas; num determinado dia, só na parte da manhã, foram recebidas 10 reclamações de pessoas que haviam sofrido sequelas físicas daquele tipo. A testemunha RC confirmou igualmente tal tipo de ocorrências, as quais lhe foram reportadas durante o período de duração do evento. O mesmo foi afirmado pela testemunha MM, que igualmente confirmou que lhe foram reportadas diversas ocorrências devidas a arranhões, escoriações e queimaduras provocadas pelos velcros e costuras de nylon dos insufláveis. No mesmo sentido apontou o depoimento da testemunha AM, que, estando no parque todos os dias, afirmou que havia sistematicamente pessoais arranhadas e esfoladas, pelos motivos indicados.
Assim, considera-se provado o seguinte:
- «Os velcros e costuras de nylon dos insufláveis causaram escoriações e queimaduras aos utilizadores por não estarem protegidos com uma cobertura que impedisse o contacto direito com os fechos.»
3.2.1.4 – Quanto aos enunciados descritos supra sob os pontos 8, 10 e 28 dos factos não provados:
A veracidade de tais enunciados resulta demonstrada pela análise conjugada e crítica dos depoimentos das testemunhas RC, NB, MM e AM. A testemunha NB, depois de afirmar que a participação da sua empresa, a “U”, no evento, teve início antes da instalação dos equipamentos, confirmou que o “Aquasplash S” não abriu na data inicialmente prevista, a 19 de julho de 2017, mas uma semana depois, precisamente porque os equipamentos chegaram tarde, nomeadamente as piscinas; isto apesar de, no que à autora competia, tudo estar preparado para a abertura naquela primeira data; confirmou, inclusivamente, que foi a sua empresa que adaptou o chão por baixo das piscinas. A testemunha MM afirmou que no dia 17 de julho de 2017 recebeu um telefonema da parte da ré, a transmitir-lhe a impossibilidade de abertura do parque no dia 19 de julho de 2017, pelo facto de os equipamentos ainda não terem chegado, pois vinham de fora. Foi, então, deferida a abertura do evento para o dia 26 de junho de 2017, sendo que, nessa semana, os equipamentos foram chegando, com exceção do Spalsh Pad. A testemunha AM confirmou igualmente o atraso na chegada dos equipamentos.
Assim, considera-se provado que:
- «no dia 18 de junho de 2017, além do “splash pad”, faltavam chegar e montar outros equipamentos»;
- «naquela data não tinham chegado:
a) duas piscinas portáteis (30mx15mx1,320m) com obstáculos: Rainbow inflatable water slide (20,00x15,00x0,65m);
b) piscinas portáteis (20,00x15,00x0,65m); - uma piscina (20,00x15,00x0,65m);
c) duas piscinas (15,00x10x00x0,65m);
d) três insufláveis: Rainbow inflatable water slide (20,00x15,00x0,65m); Sea world inflatable waters lide (9,00x8,00x7,50m); Dolphin inflatable water slide (8,00x7,00x7,50m); - “splash pad” – 500 m2; - diversões para as 4x piscinas Inflatable Pool (6,00x8,00x0,65m)»;
- «no dia 26 de Julho faltavam lonas para colocar por baixo das piscinas.»
3.2.1.5 – Quanto ao enunciado descrito supra sob o ponto 13 dos factos não provados:
O facto de a abertura ao público do “Aquasplash S” ter ocorrido uma semana depois da data inicialmente prevista, deve ser imputado à ré.
É evidente, resulta das regras da experiência, que o facto de um evento, cuja entrada é paga, abrir ao público uma semana depois da data inicialmente para o efeito, causa perdas de bilheteira ao respetivo promotor ou organizador.
Isso mesmo ocorreu, necessariamente, no caso presente, o que, aliás, foi confirmado pela testemunha MM, que afirmou que essa perda de bilheteira se traduziu num prejuízo de cerca de € 28.000,00. Trata-se, no entanto, de um valor que não assenta em qualquer base sólida de sustentação, limitando-se a testemunha a afirmar que ele representa um cálculo médio semanal reportado ao tempo em que o “Aquasplash S” esteve aberto; desconhece-se qual foi a receita global de bilheteira durante o período de funcionamento do parque.
Assim, considera-se provado o seguinte:
- «Em consequência de a abertura do “Aquasplash S” ao público ter ocorrido uma semana depois da data inicialmente prevista para o efeito, a autora sofreu perdas de bilheteira em montante não concretamente apurado.»
3.2.1.6 – Quanto aos enunciados descritos supra sob os pontos 14, 15 e 17 dos factos não provados:
A veracidade de tais enunciados resulta da análise conjugada do documento junto com a petição inicial sob o n.º 14 (fls. 68 v.º), um “Orçamento de Extras” apresentado pela “U” à autora, e do depoimento da testemunha NB, que confirmou ter a sua empresa realizado os serviços extras descritos em tais enunciados, e os respetivos valores.
Assim, considera-se provado que:
- «O pavimento do “splash pad”, cuja instalação incumbência cabia à ré, foi colocado pela “Unsports” e teve um custo para a ré de € 17.500,00»;
- «Com a aquisição e montagem de chuveiros para o “splash pad”, a autora pagou à “U” a quantia de € 3.800,00»;
- «(...) e com a aquisição dos colchões para minimizar as quedas dos insufláveis para as piscinas, a autora pagou à “U” a quantia de € 7.850,00»;
- «(...) e com a aquisição de 600 m2 de relvite, necessários para colocação na base das caixas das piscinas instaladas, por as medidas destas serem às indicadas nos desenhos técnicos, a autora pagou à “U” a quantia de € 3.600,00».
3.2.1.7 – Quanto ao enunciado descrito supra sob os pontos 18 dos factos não provados:
Tem o seguinte teor:
«A Ré tenha gerado uma situação que afectou a imagem de seriedade, o prestígio, a credibilidade e a reputação da A. junto da opinião pública.»
Trata-se de matéria conclusiva!
Dispunha o n.º 4 do art. 646º do CPC/95-96, que «têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.»
É uma disposição que o legislador processual civil de 2013 não manteve, pelo menos em termos de correspondência direta, na disciplina homóloga do CPC/2013.
Naquela disposição não estava contemplada a circunstância de se tratar de matéria de natureza vaga, genérica e conclusiva.
No entanto, foi-se consolidando na jurisprudência dos tribunais superiores, por se ter admitido que assume feição de recorte jurídico, a operação de escrutinar se determinada proposição de facto tem ou não natureza conclusiva, o entendimento de que apesar de o n.º 4 do art. 646º do CPC/95-96, não contemplar, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, o mesmo era aplicável, analogicamente, a situações em que estivesse em causa um facto de tal natureza, o qual, em retas contas, é reconduzível à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integrasse no thema decidendum[v].
Na afirmativa, a proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo, por isso, ser expurgada[vi].
Perante isto, não restando dúvidas que a proposição acima transcrita constitui matéria conclusiva, há que expurgá-la, considerando-a não escrita.
Ante a eliminação da norma contida no n.º 4 do art. 646º do CPC/1995-96, vem-se entendendo poder manter-se o mesmo entendimento das coisas interpretando, a contrario sensu, o atual n.º 4 do art. 607º, do CPC/2013, segundo o qual, «na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados (...)»[vii].
Assim, expurga-se da fundamentação de facto, o enunciado descrito sob o ponto 18. dos factos não provados.
*
Descrição da matéria de facto definitivamente assente para efeitos do subsequente enquadramento jurídico:
Considerando as alterações efetuadas na decisão do tribunal a quo sobre a matéria facto, por uma questão de clareza, passa a descrever-se, para efeitos de subsequente enquadramento jurídico, a factualidade que se considera definitivamente provada e não provada:
Factos provados:
«1. A autora dedica-se à atividade de comunicação social, designadamente televisão e radiodifusão, e à edição, eletrónica ou não, publicação, comercialização e distribuição de publicações periódicas e não periódicas, à comercialização de material editorial, pré-impressão e acabamento gráfico, à recolha e distribuição de notícias, comentários e imagens através de qualquer suporte.
2. A ré dedica-se à importação, exportação, representação, exploração e comércio de todo o equipamento temático, de diversão, lazer e turismo, parques infantis, mobiliário urbano, veículos ecológicos e turísticos.
3. No âmbito da sua atividade, a autora planeou a realização de um evento, denominado “Aquasplash S”, a realizar entre 19 de Julho e 19 de Setembro, no S, contando com atividades típicas de Verão, a disponibilizar aos visitantes.
4. O evento foi publicitado no jornal “Correio da Manhã”, no canal televisivo CMTV, na revista “Sábado”, nos jornais “Record”, Destak e Jornal de Negócios e noutros órgãos de comunicação social, conforme link que se encontra disponível em https://nit.pt/out-of-town/back-in-town/aqua-splash-S-as-primeiras-imagens-do-parqueaquatico-do-S.
5. A autora criou um site dedicado ao evento, que se encontra disponível em www.splashs.pt.
6. Em 14 de Julho de 2017, autora e ré acordaram no que denominaram de Contrato de Instalação e Manutenção de Infraestrutura e Aluguer de Materiais, em que estabeleceram as condições de montagem, desmontagem e de manutenção da infraestrutura necessária para a realização do evento.
7. A ré comprometeu-se “a ter no Recinto, durante o Horário do Evento, Técnicos de manutenção, em permanência, para garantir o bom funcionamento dos Equipamentos e dar resposta a qualquer necessidade assinalada pela Autora em número e com know-how suficiente de modo a permitir a execução diligente das funções de manutenção.”
8. Pela prestação de serviços e aluguer de objetos previstos no Contrato, a autora comprometeu-se a pagar à ré o valor de € 180.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
9. O referido valor deveria ser pago em três prestações, conforme a seguinte tabela:
DATA (2017)                QUANTIA (ACRESCIDA DE IVA) €
28 de Junho                           90.000
6 de Julho                               54.000
19 de Julho                            36.000
Total                                     180.000 (cláusula 5 n.º 2).
10. O evento tinha como data prevista para o seu início, o dia 19 de julho de 2017.
11. A ré comprometeu-se a fornecer todos os materiais e mão-de-obra que fossem necessários à prestação dos serviços objeto   do contrato.
12. A ré elaborou o respetivo Plano de Trabalhos, prevendo que cada uma das tarefas ficasse concluída em data anterior à da abertura do evento, conforme e-mail enviado pela Ré em 3 de julho de 2017.
13. A cláusula 11.ª do contrato, com a epígrafe “PENALIDADES”, tem a seguinte redação:
“1. Caso o Plano de Trabalhos não se encontre totalmente concluído e a infraestrutura necessária à realização do Evento completamente operacional, ou a Desmontagem não seja realizada até 25 de Setembro de 2017, e sem prejuízo do direito    à resolução do Contrato, a C. S.A. poderá aplicar à G. LDA. uma penalidade no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), por cada dia de atraso, até à data da finalização dos Serviços, sendo estes devidos até à comunicação da resolução do Contrato por parte da C. S.A. ou ii) à conclusão do Plano de Trabalhos.
2. Em caso de execução defeituosa das obrigações resultantes do presente Contrato para a G. LDA., em particular, de modo a que tal contenda com o normal funcionamento do EVENTO, obriga-se a G. LDA. a proceder ao pagamento de 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) à C. S.A., a título de indemnização, sem prejuízo da responsabilidade pelo dano excedente.
3. Em caso de incumprimento definitivo, a G. LDA. obriga-se ao pagamento da quantia de € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) à C. S.A., a título de indemnização, sem prejuízo da responsabilidade pelo dano excedente.”
14. A. e Ré acordaram que esta última seria responsável pelo seguinte:
“1. Pela perfeita adequação dos Serviços que prestasse e da adequação dos mesmos às particularidades e fins a que se destinam.
2. Por qualquer indemnização que a A. tivesse de pagar a terceiros e por quaisquer pedidos, processos, danos, custos, perdas e despesas em que incorresse, na medida em que tal resultasse de negligência, incumprimento ou cumprimento defeituoso a si imputável, de qualquer das obrigações assumidas.
3. Por todos os actos e omissões, dos quais pudessem resultar prejuízos para a A. ou para terceiros, praticados através da acção ou omissão pelos seus funcionários e colaboradores, incluindo os elementos da equipa técnica, ainda que tais actos ou omissões sejam dolosa ou negligentemente praticados contra ordens ou instruções que a Ré lhes tivesse transmitido, no âmbito dos poderes de autoridade e direcção que sobre os mesmos exerce.”
15. Autora e ré acordaram que os equipamentos seriam alugados pela ré à autora, ficando aquela responsável pela instalação e por garantir a sua operacionalidade no dia 18 de julho de 2017;
16. (...) bem como por assegurar que os mesmos seriam retirados do recinto aquando da desmontagem, a qual teria de estar concluída, no máximo, até ao dia 25 de setembro.
17. Autora e ré estipularam que se no dia 18 de Julho de 2017 o plano de trabalhos não se encontrasse inteiramente concluído, ou se a sua conclusão não fosse de modo a que se realizasse o evento nos termos previstos, estaria a ré “em incumprimento, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, podendo a autora resolver o contrato, considerando-se que existia uma perda de interesse    por parte da autora na prestação.
18. A autora remeteu uma carta à Ré, datada de 9 de Agosto de 2017, em que pede a conclusão da instalação dos equipamentos e eliminação de todos os defeitos existentes na obra.
19. A pedido da autora, a ré enviou um documento onde reuniu as fichas técnicas de todos os equipamentos do evento.
20. A abertura do recinto do evento teve lugar em 26 de julho de 2017.
21. Nessa data faltava parte da sinalética.
22. (...) e faltavam lonas para colocar por baixo das piscinas.
23. A autora enviou à ré o escrito datado de 14-8-2017, em que lhe solicita que proceda à eliminação de defeitos alegadamente verificados no parque aquático.
24. A autora solicitou à ré que corrigisse os defeitos especificados na missiva, no prazo de 5 dias úteis após a receção da mesma,       sob pena de encerrar o parque aquático e agir judicialmente contra a Ré para reaver os valores pagos e ser ressarcida dos danos causados.
25. A autora enviou e-mails à ré, solicitando que esta encontrasse uma solução para corrigir os equipamentos, alegando que vários utilizadores dos mesmos tinham ficado magoados.
26. Em 15 de Agosto de 2017, a Ré respondeu à A., via e-mail (...), alegando que:
- a proposta inicial era de € 185.000, 00, e não de € 180.000, 00, e que este valor final foi imposto pela autora, justificando para o efeito que a Ré iria ser compensada no futuro;
- tudo teria de ser formalizado, no limite, até meados de Maio, uma vez que os equipamentos se esgotam nessa altura do ano;
- o fornecedor dos equipamentos está sito no Canadá, e que devido a um atraso imputável à A., a Ré foi obrigada a efetuar uma importação direta na modalidade compra, ao invés de ter feito na modalidade aluguer, como estava inicialmente          acordado;
- devido ao atraso da A., os equipamentos tiveram de ser transportados via aérea, ao contrário daquilo que costuma ser feito pela Ré, uma vez que costuma efetuar os transportes por via marítima;
- o valor do investimento só em equipamento foi superior a € 500.000,00;
- o valor do transporte aéreo China-Madrid e Madrid-Lisboa ascendeu a € 80.000,00;
- apenas aceitaram fazer este negócio com a promessa da A. de que todos os eventos da A. teriam a Ré como parceira preferencial e que o evento “Aquasplash S” seria o primeiro de muitos;
- a A. prometeu dar uma ajuda financeira face aos custos gastos pela Ré no transporte aéreo;
- a A. tinha conhecimento de que a equipa técnica da Ré só estaria disponível para trabalhos até ao final do mês de Junho e que quando se adjudicou a proposta para o dia 29 de Junho, sabia a A. que a Ré teria de improvisar uma equipa técnica;
- no dia 19 de Julho, mesmo que a Ré tivesse os equipamentos todos montados no local do evento, a A. não reunia quaisquer condições para a abertura ao público;
- os equipamentos correspondem à proposta acordada, nomeadamente a profundidade das piscinas (65cm para as piscinas insufláveis e 1,32m para as piscinas com estrutura          metálica);
- caso não recebesse o pagamento do restante da proposta, no valor de € 36.000,00, não iria conseguir pagar o remanescente aos fornecedores dos equipamentos e serviços, nem continuar a pagar a manutenção necessária do parque.
27. Em 4 de Setembro de 2017, a ré enviou um SMS à autora, em que consta que, caso não fosse feito o pagamento dos € 36.000,00 em falta, os trabalhos iriam ser suspensos a partir do dia seguinte.
28. A autora respondeu ao SMS em 5 de setembro de 2017, através de um novo SMS com o seguinte teor:
“Bom dia, estranhamos o pedido que nos está a ser feito para o pagamento da referida quantia uma vez que decorrido mais de um mês da data da abertura do recinto, muitos dos equipamentos contratados não foram ainda sequer colocados. Em relação aos fornecedores do recinto e pelas conversas que temos tido com eles no local, em momento algum nos foi manifestado qualquer descontentamento ou desagrado. Assim sendo, aguardaremos pela colocação dos equipamentos em falta e só depois procederemos ao pagamento da quantia em dívida até porque foi assim que ficou acordado entre nós.”
29. Em 26 de Setembro de 2017, o evento terminou e o parque foi encerrado.
30. No dia 18 de julho de 2017, as obras referentes ao pavimento do “splash pad” ainda não tinham sido iniciadas.
31. (...) pelo que o mesmo não se encontrava instalado.
32. Naquela data, além do “splash pad”, faltavam chegar e montar outros equipamentos, entre eles:
a) duas piscinas portáteis (30mx15mx1,320m) com obstáculos: Rainbow inflatable water slide (20,00x15,00x0,65m);
b) piscinas portáteis (20,00x15,00x0,65m); - uma piscina (20,00x15,00x0,65m);
c) duas piscinas (15,00x10x00x0,65m);
d) três insufláveis: Rainbow inflatable water slide (20,00x15,00x0,65m); Sea world inflatable waters lide (9,00x8,00x7,50m); Dolphin inflatable water slide (8,00x7,00x7,50m); - “splash pad” – 500 m2; - diversões para as 4x piscinas Inflatable Pool (6,00x8,00x0,65m);
33. Os equipamentos do “splash pad” foram entregues com menos elementos que os acordados.
34. (...) razão pela qual a autora colocou alguns equipamentos no “splash pad”;
35. (...) assim como chuveiros.
36. Autora e ré acordaram que o material do pavimento do “splash pad” conteria uma calha galvanizada com PVC, laminada a quente;
37. (...) e que a superfície do piso deveria ser em membrana de PVC e tapete macia;
38. (…) e que o piso do “splash pad” seria construído com um material não escorregadio.
39. A ré limitou-se a pintar o pavimento do “splash pad” com um spray contendo tinta de água azul.
40. (...) não correspondendo, por isso, ao previsto.
41. Volvidos alguns dias sobre a instalação do “splash pad”, os canhões de água deixaram de deitar água na zona em que era suposto que o fizessem, por os gatilhos estarem partidos e canhões deixaram de estar presos.
42. Autora e ré acordaram que os insufláveis deveriam ficar a cerca de 30/40 cms de altura das piscinas;
43. No entanto, foram colocados a uma altura de cerca de 150 cms das piscinas;
44. (...) o que fez com que a autora tivesse adquirido colchões, que colocou entre as extremidades dos escorregas insufláveis e as piscinas, de modo a minimizar o impacto da queda dos utilizadores na água;
45. (...) e assim evitar a ocorrência de acidentes.
46. Os velcros e costuras de nylon dos insufláveis causaram escoriações e queimaduras aos utilizadores por não estarem protegidos com uma cobertura que impedisse o contacto direito com os fechos
47. (...) o que deu azo a reclamações por parte de utilizadores desde a abertura do evento;
48. Algumas dessas reclamações chegaram ao conhecimento do público através das redes sociais.
49. A autora suportou despesas com produtos para análise do estado da água e com produtos para o seu tratamento, no valor   de € 923,79 e € 1.788,89, respetivamente.
50. A autora contratou pessoas para proceder à manutenção, tendo pago salários no valor de € 2.160,00, bem como pessoas para proceder ao tratamento de águas e custos inerentes, no valor de € 6.519,00.
51. A autora suportou custos com reparações de insufláveis, no valor de € 1.691,25 e de furos nas piscinas, no valor de € 615,00.
52. A planificação do projeto do recinto, estrutura, logística e organização e o respetivo licenciamento estava a cargo da autora.
52. A eletricidade foi ligada, conforme previsto, no dia 18 de julho de 2017.
54. A sinalética apenas poderia ser colocada depois da instalação dos equipamentos por parte da ré.
55. Em 21-8-2017, a autora encerrou o recinto por um dia.
56. Em consequência de a abertura do “Aquasplash S” ao público ter ocorrido uma semana depois da data inicialmente prevista para o efeito, a autora sofreu perdas de bilheteira em montante não concretamente apurado.
57. O pavimento do “splash pad”, cuja instalação incumbência cabia à ré, foi colocado pela “U” e teve um custo para a ré de € 17.500,00;
58. Com a aquisição e montagem de chuveiros para o “splash pad”, a autora pagou à “U” a quantia de € 3.800,00;
59. (...) e com a aquisição dos colchões para minimizar as quedas dos insufláveis para as piscinas, a autora pagou à “U” a quantia de € 7.850,00;
60. (...) e com a aquisição de 600 m2 de relvite, necessários para colocação na base das caixas das piscinas instaladas, por as medidas destas serem às indicadas nos desenhos técnicos, a autora pagou à “U” a quantia de € 3.600,00.»
Factos não provados:
«1. Os equipamentos instalados do “splash pad” ficaram avariados cerca de três dias após a sua instalação;
2. A ré não dispunha de pessoas suficientes para montar os equipamentos;
3. Cabia à autora fornecer e colocar os colchões que se tornaram necessários para minimizar as quedas dos insufláveis;
4. A autora não assegurou tempestivamente a colocação de um ponto de eletricidade de abastecimento do recinto para o dia 19 de julho de 2017;
5. (...) o que fez com que não fosse possível ligar os motores e bombas das piscinas e dos insufláveis;
6. A autora não assegurou tempestivamente o fornecimento de água no recinto;
7. A autora não assegurou tempestivamente a colocação de sinalética junto aos equipamentos;
8. Em 22 de julho de 2017 a autora ainda estava a instruir documentação para obter o licenciamento do recinto junto do Município do S;
9. Em 21 de agosto de 2017 a autora encerrou o recinto com o fito de suprir as falhas;
10. A omissão de pagamento de € 36.000,00 pela autora à ré fez com que esta última deixasse de cumprir pagamentos junto dos seus fornecedores;
11. (...) o que pôs em causa o bom nome, a imagem e a reputação da ré;
12. Em 26 de julho de 2017 estavam em falta nadadores salvadores, sinalética, baias de segurança na parte elétrica do recinto, acondicionamento dos quadros elétricos e botões de emergência.»
*
3.2.2 – Enquadramento jurídico:
Fixada definitivamente a matéria de facto provada e não provada, importa agora decidir as questões elencadas em II. b) a d) deste acórdão.
3.2.1 – Da questão da cláusula penal:
O n.º 1 da cláusula 11.ª do contrato, com a epígrafe “PENALIDADES”, tem a seguinte redação:
“1. Caso o Plano de Trabalhos não se encontre totalmente concluído e a infraestrutura necessária à realização do Evento completamente operacional, ou a Desmontagem não seja realizada até 25 de Setembro de 2017, e sem prejuízo do direito    à resolução do Contrato, a C. S.A. poderá aplicar à G. LDA. uma penalidade no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), por cada dia de atraso, até à data da finalização dos Serviços, sendo estes devidos até à comunicação da resolução do Contrato por parte da C. S.A. ou ii) à conclusão do Plano de Trabalhos.”
Está provado que o evento tinha como data prevista para o seu início, o dia 19 de julho de 2017 (10. dos factos provados).
No entanto, a abertura do recinto do evento apenas teve lugar no dia 26 de julho de 2017 (19. dos factos provados).
Resulta inequivocamente da matéria de facto provada que o atraso na abertura do evento ao público deve ser imputado à ré.
A cláusula contratual acima transcrita configura, sem margem para quaisquer dúvidas, a natureza de cláusula penal.
A cláusula penal resulta de um acordo das partes, no âmbito do princípio da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização[viii].
Está regulamentada no Código Civil[ix] nos termos dos arts. 810.º a 812.º.
Reveste, tradicionalmente, duas modalidades:
- compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento;
- moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento.
Em função do escopo visado pelos contraentes, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória.
A dupla função que a cláusula penal é normalmente chamada a exercer, no sistema da relação obrigacional, é explicitada por Antunes Varela do seguinte modo:
«Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional.
A cláusula penal é, nesses casos, um plus em relação à indemnização normal, para que o devedor, com receio da sua aplicação, seja menos tentado a faltar ao incumprimento.
A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal.
E só assim se explica, aliás, o apelativo especial (penal) da cláusula, bem como a outra designação sinonímica (pena convencional) (...) que os autores usam na sua denominação.
Por outro lado, a cláusula pena visa amiudadas vezes facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível.
Assim sucede, com alguma frequência, quando os danos previsíveis a acautelar sejam muitos e de cálculo moroso, quando os prejuízos sejam, por natureza, de difícil avaliação ou quando sejam mesmo de carácter não patrimonial.»[x].
Calvão da Silva também define a cláusula penal como «a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória.»[xi]. E refere, ainda, que «dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer (sic) que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.
No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto (…) o que significa que o devedor, vinculado à cláusula penal, não será obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor com o seu incumprimento ou cumprimento não pontual, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente e negocialmente através daquela, sempre que não tenha sido pactuada a ressarcibilidade do dano excedente (art. 811º-2).»[xii].
A segunda função (a coercitiva) constitui um «poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação», já que «o carácter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito. Esta maior onerosidade do incumprimento é de natureza a incitar o devedor a realizar a prestação devida, dada a ameaça de sanção que sobre si recai em caso de inadimplemento e, assim, reforça e garante realmente a obrigação principal, exercendo pressão sobre o devedor no sentido do seu cumprimento.»[xiii].
Pinto Monteiro, por sua vez, distingue três tipos de cláusulas penais, dependendo do objetivo a que se propõem e do modo como atuam.
São elas:
a) as que fixam antecipadamente o montante da indemnização. Têm escopo meramente indemnizatório, e consistem numa fixação antecipada da indemnização, por razões de segurança jurídica, evitando o alea através da liquidação convencional prévia dos danos, que substitui a indemnização. Trata-se, no entanto, de uma cláusula que:
- não evita a necessidade da prova da existência de danos por parte do credor;
- nem sequer importa a inversão do ónus da prova quanto a esse facto, pois apenas resolve o problema do cálculo do montante desses danos.
São aquelas a que alude o art. 810.º/1 CC.
b) as puramente compulsórias. São cláusulas penais autónomas em relação à indemnização, acrescendo a esta. Têm um intuito de mero constrangimento ao cumprimento da obrigação, que não indemnizatório. Nessa medida, a pena estipulada é devida pelo facto do incumprimento, independentemente da existência ou não de danos.
c) as cláusulas penais em sentido estrito. São cláusulas penais que, não se quedando por uma função meramente indemnizatória, perfilam-se como uma alternativa à indemnização. O credor poderá optar pela pena, que não acresce à indemnização, antes a substituindo[xiv].
No caso concreto está em causa uma sanção penal moratória.
A propósito da cláusula penal o tribunal a quo verteu na sentença recorrida o seguinte:
«A primeira questão que se impõe consiste em determinar se há fundamento para aplicação da cláusula penal. Só no caso de esta ser accionável existirá fundamento para avaliar respectiva redução caso se entenda que esta é excessiva.
O art.º 812.º/1 do C.C. permite a redução da cláusula penal pelo tribunal, com recurso à equidade, naqueles casos em que se revele manifestamente excessiva, sendo nula qualquer estipulação em contrário.
Neste juízo equitativo devem relevar “o interesse legítimo do credor na prestação (e não apenas o seu interesse patrimonial), o grau de culpa do devedor, a situação patrimonial deste (…) - cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol II, 4.ª ed, p. 81.
No ac. do STJ, de 5-12-2002 (in http://www.dgsi.pt), referem-se também a natureza e condições da gestação do contrato, a circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão, as causas do não cumprimento da obrigação, o prejuízo sofrido pelo credor, considerando-se que a intervenção judicial apenas deverá ter lugar em casos-limite de manifesta ou ostensiva excessividade, desproporção ou onerosidade, em ordem a não saírem frustrados os objectivos do instituto.
Também no ac. da R.L. de 19-10-2006 (in http://www.dgsi.pt/) se conclui que o juiz só pode concluir pelo carácter manifestamente excessivo após ponderar uma série de factores à luz do caso concreto, tendo em conta a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor, as vantagens que para este resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal.
Deve apelar-se ao quadro negocial, o que significa que a valoração a fazer deverá ter como referência, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior de todo o regulamento contratual genericamente predisposto (ac. do S.T.J. de 12-06-2007).
No caso sub judice, recorde-se que o contrato foi celebrado apenas em 14 de Julho de 2017, ainda que do faseamento dos pagamentos constasse o dia 28 de Junho para a entrega da quantia correspondente à primeira tranche e o dia 6 de Julho para a segunda tranche. Por seu turno, o plano de trabalhos data de 3 de Julho. Isto quando a abertura do parque aquático estava agendada para o dia 19 de Julho.
O e-mail enviado pela R. à A. em 15 de Agosto de 2017, ainda que lido com o distanciamento inerente à circunstância de ter origem numa das partes, enuncia as queixas da R. e, sobretudo, o contexto negocial.
Para além da chamada de atenção inicial de que a proposta teria sido de € 185 000, 00, e não de € 180 000, 00, e que este valor final foi imposto pela A., menciona-se, com especial relevo para a análise da fase pré-contratual:
- que tudo teria de ter sido formalizado, no limite, até meados de Maio, uma vez que os equipamentos se esgotam nessa altura do ano;
- que o fornecedor dos equipamentos é do Canadá, e que devido a um atraso imputável à A., a R. foi obrigada a efectuar uma importação directa na modalidade compra, ao invés de ter feito na modalidade aluguer, como estava inicialmente acordado;
- que, devido ao atraso da A., os equipamentos tiveram de ser transportados via aérea, ao contrário daquilo que costuma ser feito pela R., uma vez que costuma efectuar os transportes por via marítima;
- que o valor do investimento só em equipamento foi superior a € 500 000, 00;
- que o valor do transporte aéreo China-Madrid e Madrid-Lisboa ascendeu a € 80 000,00;
- que apenas aceitaram fazer este negócio com a promessa da A. de que todos os eventos da A. teriam a R. como parceira preferencial e que o evento “Aquasplash S” seria o primeiro de muitos;
- que a A. prometeu dar uma ajuda financeira face aos custos da R. no transporte aéreo. O doc. 1 junto com a contestação, com e-mail introdutório datado de 3-3-2017, da G. Lda., para MM, da “C. S.A.”, permite comprovar que a proposta da A. é daquela data.
A adjudicação, todavia, ocorre em 21 de Junho de 2017, conforme e-mail da A. para a R., que consubstancia o doc. 6 da contestação a fls. 118.
Em e-mail de 27 de Junho de 2017 (doc. 6.1, a fls. 118 verso), lê-se: na sequência do v/ pedido de adiamento do pagamento inicial a 3 de Julho, informamos:
a - são necessárias 2 semanas para a chegada do material após pagamento aos n/ parceiros (fornecedores). É a data contratual que eles indicam, pelo que não podemos avançar com outra, embora tentemos sempre pressionar, obviamente
b - sendo a v/ transferência 3/7, recebendo a G. Lda. a 4/7, o parceiro receberá a 05/07 (quarta feira)
c - A chegada do material ao S será até ao dia 19/07
d - Considerando que teremos tudo preparado para receber os equipamentos, temos 3 a 3 dias para montagens, enchimento e acerto de qualidade da água proveniente dos depósitos dos bombeiros, o que nos deixa mais algumas preocupações);
e - Será a abertura a 22 ou 23 de Julho.
Deixamos ao v/ critério.
Para abertura a 15/07 combinada ontem, já estávamos a contar com o pagamento inicial ontem, para pagar hoje, os fornecedores recebiam amanhã 28/06 e o material chegaria até 4.ª feira 12/07, o que já estávamos a forçar para que chegasse entre o 10 e 11/07 (1 ou 2 dias antes) para as restantes manobras, acertadas hoje em reunião conjunta com a U.
O 2.º pagamento de 30% seria com o início das obras, ou seja, esta 4.ª ou 5.ª feira 29/6 para reforço aos parceiros também.
O 3.º e último pagamento com o pleno funcionamento e na abertura do Parque. Actualmente já estamos em “derrapagem”…
Daqui se retira que em 27 de Junho, sendo que o pagamento da primeira tranche estava previsto para o dia 28 de Junho, a R. falava já em adiamento da data de abertura, em função do atraso no pagamento, para 23 de Julho.
Facilmente se retira que as condições do evento foram tardiamente fixadas. Aliás, o próprio contrato foi firmado dias antes da data prevista para a abertura. Em sede de réplica, a A. nada objecta ao atraso invocado no pagamento da primeira prestação, que daria origem, em cadeia, à recepção tardia dos equipamentos. A R. chama explicitamente a atenção para tal circunstância. Apontando a R. para o retardamento da abertura até dia 23 de Julho, o que é facilmente equacionável, e não sendo a R. obrigada a financiar o evento da A. a suas expensas, aplicando-se aqui, no limite, a excepção de não cumprimento do contrato (art.º 428.º/1 do C.C.), ao menos até ao dia 23 de Julho, inexiste fundamento para aplicação de cláusula penal.
Restam-nos os dias 24 e 25 de Julho. A quantia de € 5 000, 00 diários afigura-se-nos, todavia, manifestamente excessiva, quer pelo contexto negocial já avançado, quer pelos montantes em causa. Ponderando, todavia, que a R. se atrasou efectivamente na conclusão dos trabalhos, entende-se como justa e equitativa a aplicação de uma sanção diária de € 1 000, 00 por cada dia de atraso, num total de € 2 000, 00.»
Não é possível concordar com tal entendimento.
Conforme já afirmado, resulta da matéria de facto provada que a ré foi a única responsável pelo atraso na abertura do evento ao público.
Acresce que a faculdade de redução da cláusula penal, concedida pelo art. 812.º CC (redução equitativa da cláusula penal), não é de conhecimento oficioso, antes dependendo de pedido do devedor da indemnização nesse sentido[xv].
No dizer de João Calvão da Silva, «a decisiva condição legal da intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva, - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra de excesso extraordinário, enorme, que salte aos olhos. Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si», explicando, logo a seguir que «na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deixará de atender à natureza e condições de formação do contrato”, bem como “à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económico-social, os seus interesses legítimos patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo do credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, senão mesmo determinante); ao carácter forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório. É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concret, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal (...).»[xvi].
Por conseguinte, para que o tribunal possa proceder à redução equitativa da cláusula penal nos termos do art. 812º CC, o devedor tem de alegar e provar factos integradores desse excesso manifesto, o qual será analisado casuisticamente e de acordo com o tipo de cláusula estabelecida.
Daqui resulta que a qualificação de uma determinada cláusula penal como manifestamente excessiva, por forma a que a se proceda à sua redução, se assume como uma exceção de direito material, já que o seu objetivo é modificar o direito do credor, e, por essa via, obstar à procedência total do pedido.
Por isso, a redução equitativa prevista no art. 812º CC está dependente da alegação dos factos respetivos, só podendo o juiz intervir quando for solicitado para tal pelo devedor e se reconheça que a cláusula é manifestamente excessiva, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência.
Tal como se afirma no Ac. do S.T.J. de 24.04.2012, citado pelo Ac. da R.C. de 13.02.2015, Proc. n.º 288/12.4TTGRD-A.C1 (Jorge Manuel Loureiro), in www.dgsi.pt, «(...) considerando que a cláusula penal não é independente da indemnização, antes fixa a indemnização exigível, mesmo a cláusula penal, manifestamente excessiva, não pode ser reduzida, oficiosamente, pelo Tribunal, consoante decorre do preceituado pelo artigo 812º, nº 1, do CC, sob pena de violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum», devendo antes a sua redução ser solicitada pelo devedor interessado, por via de acção ou de reconvenção, ou de defesa por excepção, a deduzir na contestação, mas não, apenas, na fase de alegações, uma vez que para os negócios usurários, em geral, se prescreve o regime da anulabilidade e não o da nulidade, atento o disposto pelo artigo 282º, não se justificando, assim, a redução oficiosa, em face do regime legal da anulabilidade, que apenas é invocável pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, com base no preceituado pelo artigo 287º, ambos do CC.
No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente, excessiva, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.»
Significa isto, pois, que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art. 812.º não é de carácter oficioso, estando dependente de pedido nesse sentido formulado pelo devedor da indemnização.
Em suma: a redução de cláusula penal ao abrigo do disposto no art. 812.º CC é um poder que o juiz não pode exercer oficiosamente, necessitando de ser pedida pelo devedor interessado, através da alegação dos factos integradores da exceção em causa.
Não se vislumbra, tal como afirmado pela autora, que a ré tenha invocado, nomeadamente em sede de contestação, a manifesta excessividade da cláusula penal, pelo que não podia o tribunal conhecer de tal questão.
Entre o dia 19 e o dia 25 de julho de 2017 decorreram 7 dias e não 8, pelo que, a título de cláusula penal moratória assiste à autora o direito a ser indemnizada pela ré no montante de € 35.000,00 (7 dias x € 5.000,00 = € 35.000,00).
3.2.2 – Da questão da indemnização por danos não patrimoniais:
Dispõe o n.º 1 do art. 496.º CC que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», acrescentando o n.º 4, 1.ª parte, que «o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (...).»
Na esteira do que vem sendo o entendimento largamente maioritário da doutrina e da jurisprudência, consideramos que as pessoas coletivas, mesmo as sociedades comerciais, são sujeitos ativos de direitos de personalidade ou estruturalmente idênticos, como sejam o direito ao bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade, podendo, por conseguinte, da sua violação, emergir o direito à compensação por danos não patrimoniais[xvii].
Há, no entanto, especificidades a ter em conta.
É que a pessoa coletiva não tem dores nem sofre!
A pessoa coletiva não tem dores, não sofre, e aí por diante.
Além disso, a estruturação da nossa sociedade em bases personalistas[xviii]  leva a que não possa deixar de se reconhecer «a menor densidade ética dos valores imateriais ligados às sociedades comerciais em relação aos sujeitos particulares…»[xix].
Por isso, no caso das pessoas coletivas, a fasquia relativa à gravidade merecedora da tutela do direito deve ser colocada a um nível mais elevado, mais exigente, do que sucede relativamente às pessoas singulares[xx].
Essa gravidade terá de ser aferida em função da natureza da ofensa, do objeto social da pessoa coletiva e de outras circunstâncias reveladas pelo caso, e de molde a considerar-se objetivamente idónea a refletir-se negativamente na vida societária, v.g. na potencialidade de obtenção do lucro, tratando-se de sociedades comerciais[xxi], como é o caso da autora, ora recorrente.
Conforme está demonstrado em 1. dos factos provados a autora, ora recorrente, «dedica-se à atividade de comunicação social, designadamente televisão e radiodifusão, e à edição, eletrónica ou não, publicação, comercialização e distribuição de publicações periódicas e não periódicas, à comercialização de material editorial, pré-impressão e acabamento gráfico, à recolha e distribuição de notícias, comentários e imagens através de qualquer suporte.»
Perante aquele que é o objeto social da recorrente, não se vê que o descrito cumprimento defeituoso do contrato por parte da ré assumisse gravidade suficiente de molde a poder considerar-se violador do direito daquela ao seu bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade.
Seja como for, não ficaram provados, e nem se nos afigura que tenham sido alegados, factos concretos que permitam concluir pela existência de danos não patrimoniais indemnizáveis na esfera jurídica da recorrente.
Impunha-se a alegação e prova, pela autora, de factos concretos demonstrativos de que o cumprimento defeituoso do contrato pela ré afetou a sua imagem de seriedade, o seu prestígio, a sua credibilidade e a sua reputação junto da opinião pública, e que essa afetação, à luz daquele que é o seu objeto social, lhe causou danos relevantes, isto é, danos graves, pois, como se viu resultar do art. 496.º, n.º 1 CC, o juiz, na fixação da indemnização, deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Para haver lugar a indemnização por danos não patrimoniais não basta a alegação e mesmo a prova da afetação da imagem de seriedade, do prestígio, da credibilidade e da reputação junto da opinião pública, antes sendo necessária a alegação e prova, através de concretos factos jurídicos, do seguinte:
- em que é que se traduziu exatamente a afetação da imagem de seriedade da autora;
- (...) e seu do prestígio;
- (...) e da sua credibilidade; e
- (...) da sua reputação.
 junto da opinião pública.
Não há, assim, lugar a indemnização por danos não patrimoniais, improcedendo, por isso, nesta parte, o recurso interposto pela autora.
3.2.2 – Da questão do pagamento da última tranche do preço:
Consta da sentença recorrida o seguinte:
«No que diz respeito ao valor da prestação em falta, a terceira, está em causa a excepção de não pagamento. Entendeu a A. que existindo atrasos e cumprimento inexacto da R., poderia obstar ao pagamento. Na realidade, entende-se que poderia sobrestar, mas já não que possa obstar àquele.
A excepção de não cumprimento do contrato ou de cumprimento defeituoso do contrato constitui uma excepção material dilatória, porque o demandado não recusa ao demandante o direito que alega, apenas pretendendo um efeito dilatório, isto é, realizar a sua prestação no momento em que o demandante realizar a prestação a que está obrigado. O exercício da excepção de incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação só é legítimo se não contrariar os ditames da boa fé, sendo de arredar face a uma falta pouco significativa da contraparte, ou então conduzir a boa fé à redução de tal exercício em termos proporcionais à parte ainda não executada pelo contraente faltoso (ac. da R.C. de 27-9-2005).
A excepção de contrato não cumprido tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou sem, pelo menos, oferecer o cumprimento simultâneo. É, pois, uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega. O exercício da excepção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente. Apenas o neutraliza ou, melhor, apenas o paralisa temporariamente. A excepção mostra-se assim como um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição. Traduz-se esse direito em que o excipiens poderá legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora. É, assim, lícita neste caso a recusa do cumprimento, o que impede a aplicação do regime de mora (artigo 804º e seguintes) e, naturalmente, o do incumprimento definitivo (artigo 808º), mesmo que tenha havido interpelação da outra parte. Se as duas obrigações forem puras, a excepção de não cumprimento é, assim, sempre invocável, nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (artigo 428º, n.º 2) (Abrantes, José João, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento, pp. 127 e ss.).
Finda, porém, que está a execução do contrato, ficando a R. obrigada a indemnizar a A., quer pelo atraso que lhe é imputável numa justa medida adequada à sua culpa, quer por tudo aquilo em que a A. se lhe substituiu, inexiste fundamento para que a A. não seja condenada a pagar o montante em falta. De outra forma, a A. ver-se-ia duplamente beneficiada. Não pagaria o preço e seria indemnizada.
Nestes termos, o pedido de condenação da A. a pagar à A. € 36 000, 00 referentes à terceira prestação acordada e € 8 280, 00 de IVA deve ser julgado procedente.»
A recorrente alega o seguinte:
«A Recorrente procedeu aos dois primeiros pagamentos perante a Recorrida, no valor total de € 177.120,00, IVA incluído.
Assim sendo, a Recorrente pagou à Recorrida 80 % do valor do contrato de empreitada celebrado.
Acontece, porém, que os restantes 20 % do valor contrato inicialmente previsto, isto é, a quantia de € 44.280,00 nunca poderá ser considerada devida pela Recorrente à Recorrida, uma vez que, conforme resulta provado na sentença de que se recorre, houve cumprimento defeituoso na prestação.
Caso contrário, não poderia ter havido lugar a responsabilidade civil obrigacional da Recorrida, como aqui se verificou, com a subsequente presunção de culpa e condenação desta ao pagamento de indemnização no valor de € 15.697,93, à Recorrente.
Ora, quando se verifica cumprimento defeituoso da prestação, como se verificou no caso sub judice, a parte fiel, neste caso a ora Recorrente, tem direito à redução da sua contraprestação, no caso em concreto, redução do preço acordado entre as partes em litígio.
Esta é a solução legal que resulta do regime do número 1, do artigo 802.º do Código Civil, que o credor, no caso em litígio, a ora Recorrente, tem direito a exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo, neste caso o direito à sua contraprestação.
Como ensinava Antunes Varela, num parecer presente na Coletânea de Jurisprudência IV, p. 33: "(..) O que é justo e o que está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no artigo 428.º e noutras disposições do Código Civil, é que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respetiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual (…)”.
Com igual entendimento veja-se, o que lapidarmente é referido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de maio de 1995, relativo ao processo: 0093081, que aqui citamos: “(…) O cumprimento defeituoso, para além de poder fundamentar direito a indemnização, é causa da redução de contraprestação (…)”.
Mais recentemente, veja-se o acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 16 de junho de 2011, relativo ao processo 298370/09.7YIPRT.L1-2, aqui citado: “(…). No âmbito de um contrato de prestação de serviços inominado, a efectivação defeituosa da obrigação de uma das partes terá como contrapartida, à falta de outros elementos, a redução da contraprestação de acordo com a equidade (…)”. A redução da contraprestação, nos casos de cumprimento defeituoso, deve assentar em critérios de equidade.
Deste modo, a Recorrente não liquidou o valor de € 44.280,00, correspondente a 20% do valor global da empreitada celebrada entre as partes, em exercício do seu direito de redução à contraprestação a que inicialmente estava adstrita, por cumprimento defeituoso desta segunda, e recorrendo aos critérios da equidade a que está vinculada.
A redução da contraprestação operada pela Recorrente é equitativa, não sendo legalmente exigível que a Recorrida receba o valor total do contrato, quando se mostrou globalmente que a suaprestação foi realizada deforma defeituosa, sob pena daviolação do sinalagma,do equilíbrio e da justiça material que alumia o tipo contratual celebrado entre as partes.
Assim sendo, o não pagamento da quantia de € 44.280,00 pela Recorrente à Recorrida não funciona, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, como uma exceção dilatória material, por verificação de exceção de não cumprimento, nos termos do disposto no artigo 428.º do Código Civil, mas sim como uma verdadeira exceção perentória extintiva do direito por direito da primeira à redução da contraprestação por cumprimento defeituoso, nos termos do disposto no número 1, do artigo 802.º, do Código Civil e dos número 1 e 3, do artigo 576.º, do Código de Processo Civil.»
No entanto, logo na petição inicial alega a autora:
«(...) a Autora invocou novamente a exceção do não cumprimento conforme prevista no artigo 418.º, n.º 1, do Código Civil[xxii].
De referir que, jamais seria lícita a invocação da Ré de que a falta de pagamento da última fração do preço a impedia de corrigir os defeitos dos equipamentos, uma vez que estes se verificam em virtude de cumprimento defeituoso, o qual é a si imputável.
Isto é, se a Ré não cumpriu com a sua prestação, não podia, de modo algum, exigir o remanescente do preço, e muito menos assacar à Autora a responsabilidade por não ter corrigido os defeitos.
Neste sentido, apenas quando a Ré corrigisse comprovadamente os defeitos verificados é que a Autora procederia ao pagamento do remanescente do preço.»
Parece evidente que, desde o início, está em causa para a autora, a exceção de não cumprimento do contrato a que alude o art. 428.º, n.º 1 CC.
Dispõe o mencionado preceito que «se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.»
Conforme refere Vaz Serra, «a redação deste preceito legal é pouco rigorosa «pois o que a excepção supõe é que um dos contraentes não esteja obrigado, pela Lei ou pelo contrato, a cumprir a obrigação antes do outro: se não estiver, pode ela, sendo-lhe exigida a prestação, recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação ou lhe não for oferecido o cumprimento simultâneo desta. Por conseguinte, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes, dado poder sê-lo pelo contraente cuja prestação deve ser feita depois da do outro contraente, apenas não podendo ser aposta pelo contraente que devia cumprir primeiro.»[xxiii].
É, pois, possível fazer funcionar a exceção de não cumprimento do contrato, ainda que haja vencimentos diferentes das prestações, mas nas circunstâncias referenciadas por Vaz Serra, o que se nos afigura inteiramente correto.
Por outro lado, quer a jurisprudência, quer a doutrina sustentam que também no caso de cumprimento defeituoso ou de não cumprimento parcial o contraente pode recusar a sua prestação, enquanto a outra não for retificada ou completada. É a chamada exceptio non rite adimpleti contratus.
Conforme salienta José João Batista[xxiv], «para o direito comum, a exceptio non rite adimpleti contractus não era mais do que uma simples variante ou modalidade do género representado pela excepção de inadimplência, significando ser esta aplicável, não só perante a inexecução total do contrato, mas também perante a sua execução parcial ou defeituosa: o demandado podia recusar a sua prestação até que a contraprestação fosse cumprida ou rectificada nos termos devidos.
Com efeito, a inexecução das obrigações pode resultar não só do devedor nada fazer para realizar a sua prestação, mas também de ela ser realizada de forma quantitativa ou qualitativamente deficitária, isto é, de o ser apenas parcialmente ou de ser mal executada. De várias disposições legais é possível inferir com segurança o facto de um contrato só se reputar cumprido quando o está em todas as suas cláusulas, isto é, quando está pontualmente cumprido. Assim, por exemplo, o art. 406º/1 afirma que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos previstos na lei”. Por outro lado, o art. 762º/1 tem subjacente a noção de cumprimento como “a realização da prestação debitória”, nos termos em que a mesma tiver sido estipulada (…).
Levanta-se, pois a questão de saber em que termos o exercício do nosso direito de defesa é legitimado pelo cumprimento inexacto da obrigação, que se dá quando, chegado o prazo para a sua execução, a prestação é efectivada em termos não correspondentes à conduta devida[xxv].
Abrange tal conceito, não só os casos em que essa prestação é quantitativamente insuficiente (cumprimento parcial), como os casos incluídos na forma sui generis de violação do dever de prestar a que a doutrina alemã, desde Staub, tem chamado violação positiva do contrato ou, mais correctamente, violação positiva do crédito e a que outros preferem chamar mau cumprimento ou cumprimento defeituoso. Entre estes segundos contam-se tanto as hipóteses de prestação defeituosa, isto é, aquelas em que a prestação é mal executada (do ponto de vista qualitativo), como aquelas em que o devedor a executa bem, deixando todavia de cumprir algum dever acessórios de conduta[xxvi]-[xxvii].
De uma forma geral, pode dizer-se que há mau cumprimento da obrigação sempre que a qualidade da prestação ou qualquer outra circunstância relevante do ponto de vista do interesse do credor não tenha sido respeitada, isto é, sempre que o devedor execute materialmente sem que com isso cumpra a obrigação a que está a adstrito, porque o interesse do credor fica afectado em termos essenciais: a prestação é materialmente realizada, mas não o é nas condições acordadas, devidas.»[xxviii].
Antunes Varela refere que, «o que é justo e o que está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no art. 428º e noutras disposições mais do Código Civil, é que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual.»[xxix].
No caso concreto, a ré efetuou um “mau cumprimento” da obrigação a que estava adstrita para com a autora.
Sucede que a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono de obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da coisa e exigido a sua eliminação.
O regime específico do contrato de empreitada, perante uma situação de cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a exceção do não cumprimento, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts. 1221.º, 1222.º e 1223.º CC, ou seja:
- o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos;
- o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados;
- o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato; e
- o direito à indemnização, nos termos gerais.
No Ac. do S.T.J. de 10.12.2009, Proc. n.º 163/02.0TBVCD.S1 (Serra Baptista) in www.dgsi.pt, decidiu-se que a exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida «após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem», pela parte a quem aproveita, que com ela visa paralisar temporariamente a pretensão da contraparte, sob pena de não poder operar validamente.
Conforme refere Romano Martinez, «no que tange ao contrato de empreitada, esta excepção é sobremaneira importante. Normalmente o dono da obra pode excepcionar o pagamento do preço se este se vence depois ou concomitantemente com a entrega da obra, mas é frequente estipular-se uma remuneração parcelar, com vencimentos periódicos anteriores à aceitação da obra. Nestes casos levanta-se a questão da admissibilidade de “exceptio” perante uma execução defeituosa. Tendo em conta o disposto nos arts. 429º e 781, a resposta deve ser afirmativa.
De facto, o art. 429º estabelece a possibilidade de aquele que está obrigado a cumprir em primeiro lugar invocar a excepção de não cum­primento, desde que se verifiquem os pressupostos dos arts. 780º ss. Ora, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa a perda do benefício do prazo (art. 781º). No caso da empreitada não se pode dizer, verdadeiramente, que a realização da obra seja feita a prestações; trata-se de um contrato de execução prolongada; mas, quanto a este ponto, a empreitada assemelha-se a um contrato em que o cumprimento é realizado de forma continuada ou periódica. Por outro lado, se o empreiteiro executa a obra com deficiências, designadamente em desrespeito do plano, estar­-se-á, pelo menos, perante um incumprimento de parte da prestação e, nessa medida, tem de ser facultado ao dono da obra o recurso à excep­ção de não cumprimento.
A “exceptio non rite adimpleti contractus” poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como tam­bém exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos “circa rem”. No caso de ser exigida a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização pode não se estar, verdadeiramente, perante a figura da “exceptio” se o montante retido for igual ao da pretensão exigida; pois, no primeiro caso, a parte do preço que se retém não era devida e, no segundo, o credor, me­diante o recurso à compensação (arts. 847° ss.), extingue a dívida do preço. Porém, se o credor desconhece as repercussões do defeito no valor da coisa ou os danos causados, pode excepcionar o pagamento do preço em montante superior ao que se vier a apurar ser devido, e, des­de que a diferença não seja exorbitante, não há responsabilidade.
Para que o comprador ou o dono da obra se torne credor de qual­quer dos direitos referidos no parágrafo anterior, não basta que os defeitos tenham sido denunciados; torna-se necessário que o devedor fique ciente da pretensão (ou pretensões) a que está adstrito. Nestes termos, após o credor ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a “exceptio”.
Esclareceu-se anteriormente que a excepção de não cumprimento exacto do contrato pode ser usada com respeito a uma indemnização por danos “circa rem”, ficando, por conseguinte, excluído o recurso a esta figura no caso de estarem em causa danos “extra rem”. De facto, a excepção de não cumprimento só se justifica com respeito a obrigações que se encontrem entre si numa relação sinalagmática (art. 428º, nº 1); e a indemnização por danos “extra rem”, sendo delitual, não se pode considerar como correspectiva do pagamento do preço. Todavia, nada obsta a que seja invocada a compensação (arts. 847º ss.).»[xxx].
No caso concreto, na sequência do peticionado pela autora, a ré está condenada a pagar-lhe a quantia de € 48.697,93, a título de indemnização por danos “circa rem”, em consequência do «mau cumprimento» do contrato.
Tal quantia terá de ser compensada, nos termos do art. 847.º, n.ºs 1 e 2 CC, com o montante de € 36.000,00, correspondente à terceira parcela do prazo, acrescido do IVA à taxa legal, o que perfaz o montante de € 44.280,00.
É que, tal como se refere na sentença recorrida, e bem, «de outra forma, a A. ver-se-ia duplamente beneficiada. Não pagaria o preço e seria indemnizada.».
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto pela autora.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes da 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência que deliberam:
a) condenar a ré/apelada a pagar à autora/apelante a quantia de € 48.697,93 (quarenta e oito mil seiscentos e noventa e sete euros e noventa e três cêntimos);
b) operar a compensação do crédito da autora sobre a ré referido em a), com o crédito desta sobre aquela, no montante de € 44.280,00 (quarenta e quatro mil e duzentos e oitenta euros);
c) condenar, a final, a ré/apelada a pagar à autora/apelante a quantia de € 4.417,93 (quatro mil quatrocentos e dezassete euros e noventa e três cêntimos), a que acrescem juros de mora, vencidos desde a citação daquela, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, até efetivo e integral pagamento.
d) em manter, no mais, a sentença recorrida.
Custas da apelação, na vertente de custas de parte, a cargo de apelante e apelada, na proporção de 50%, nos termos dos arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, do CPC.

Lisboa, 10 de maio de 2022
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
_______________________________________________________
[i] Doravante referido apenas como “Contrato”.
[ii] Não se compreende, salvo o devido respeito, a razão de ser da utilização, neste como noutros enunciados de facto, da expressão «assinaladamente».
[iii] A sentença recorrida enumera dois pontos de facto provados sob o n.º 3.
[iv] Trata-se de um enunciado que comporta três factos jurídicos.
[v] Cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 23.09.2008, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1 (Cons. Bravo Serra), in www.dgsi.pt.
[vi] Cfr. Ac. do S.T.J. de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1 (Cons. Fernandes da Silva), in www.dgsi.pt. 
[vii] Cfr. o Aresto do S.T.J. citado na nota anterior.
[viii] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª Edição, Revista e Atualizada, p. 75.­
[ix] Doravante referido apenas por “CC”.
[x] Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7.ª Edição, pp. 139-140.
[xi] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª Edição, Almedina, 2002, pp. 247-248.
[xii] Cumprimento cit., p. 248.
[xiii] Cumprimento cit., p. 250.
[xiv] Cfr. António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Coleção Teses, Almedina, 1990, pp. 577 ss.
[xv] Cfr. o Ac. desta Relação e Secção de 01.12.2015, Proc. n.º 668/13.2TBFUN.L1-7 (Dina Monteiro), in www.dgsi.pt.
[xvi] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª Edição, Almedina, 2002, p. 274-275.
[xvii] Cfr. neste sentido, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo III, 2004, pp. 103 ss., Maria Veloso, Cadernos de Direito Privado, n.º 18, p. 29, Pedro Dias, O Dano Moral, p. 39 e, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 12.2.2008, Proc. n.º 07A4618 e de 12.9.2013, Proc. n.º 372/08.9TBBCL.G1.S1, citados no Ac. do S.T.J. de 09.07.2014, Proc. n.º 366/12.0TVLSB.S1, in www.dgsi.pt.
[xviii] Cfr. o art. 2.º da Constituição da República Portuguesa.
[xix] Cfr. Maria Veloso, Cadernos cit., p. 44.
[xx] Cfr. o citado Ac. do S.T.J. de 09.07.2014.
[xxi] Cfr. o Ac. da R.G. de 17.12.2018, Proc. n.º 4592/15.1T8VNF.G1 (Heitor Gonçalves), in www.dgsi.pt.
[xxii] Trata-se de um manifesto lapso de escrita, pois, como é evidente, a autora pretendia escrever “artigo 418.º, n.º 1, do Código Civil».
[xxiii] R.L.J., ano 105.º, p. 283,
[xxiv] A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Almedina, pp. 92 ss.
[xxv] O autor a nos vimos reportando, Ob. Cit., pág. 94, nota 93, cita por sua vez Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, p. 440, que chama a atenção para o facto de que apenas se pode falar de cumprimento inexato se «à luz do bom senso e de critérios de normalidade social, ele ainda possa ser aproximado do comportamento devido. Quando tal não sucede, há pura e simplesmente, incumprimento.»
[xxvi] Ainda o mesmo Autor, na Obra que vimos citando, p. 95, nota 96, refere: «É com efeito, sabido que, por força das regras da boa fé, o correcto cumprimento da obrigação pode envolver a necessidade de observância de múltiplos deveres de conduta.
Estes deveres tanto recaem sobre o devedor, como afectam o credor. Podem surgir antes (ou independentemente) de se ter constituído a relação obrigacional de onde decorre (ou viria a decorrer) o dever de prestação (cfr. art. 227º/1) e podem inclusivamente nascer ou perdurar para além da extinção dessa relação (deveres pós-eficazes). A sua inobservância pode dar lugar a um cumprimento defeituoso, obrigando o devedor a reparar os danos dai resultantes. Foi, aliás, a inclusão desses deveres na relação contratual que contribuiu em larga medida para ampliar a figura doutrinária do mau cumprimento.»
[xxvii] Já antes, p. 42, nota 8, o mesmo Autor escrevia: «Das prestações secundárias há que distinguir uma outra figura, os chamados deveres acessórios de conduta, que, não respeitando directamente, nem à preparação, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas.
Citando Menezes Cordeiro, Violação Positiva do Contrato, in Revista da Ordem dos Advogados, 1981, p. 131, dir-se-á que “dada a necessidade jurídica de actuar as obrigações de boa fé – art. 762º, nº 2, do Código Civil – o vínculo obrigacional não se esgota na execução pura da prestação: antes impendem sobre o devedor toda uma série de deveres acessórios destinados a proporcionar ao credor o bem que o direito lhe confere”. Pelo que, contrariamente ao que se passa com as prestações secundárias, o dever acessório se inscreve no conteúdo da própria obrigação, e o seu não cumprimento deve ser equiparado, para todos os efeitos, ao mau cumprimento desta (cfr. ROA, 1981, cit., p. 144).»
[xxviii] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[xxix] Em Parecer publicado na Coletânea de Jurisprudência, Ano XII, 1977, Tomo IV, p. 33.
[xxx] Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 2001, pp. 293-295.