Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7582/13.5TBCSC-A.L1-2
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLÁUSULA RESOLUTIVA
LIBERDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO. (da responsabilidade do relator).

1. Na cláusula resolutiva de um contrato de locação financeira não se pode convencionar outros factos para além dos enumerados na lei que operem a resolução que impliquem um simples incumprimento de uma obrigação de que não resulte uma situação de ruptura da relação contratual, atento ao principio da boa fé, ao critério geral do abuso do direito e ao disposto nos artºs 802º, nº 2, e 808º, nº 2, do CC.

2. Face a esta limitação à liberdade contratual que leva à desconsideração de tal cláusula “resolutiva” e ao afastamento da sua aplicação, se for caso disso restará avaliar da licitude da resolução entre outras causas resolutivas, nomeadamente a relacionada com a mora prevista no artº 808º, nº 1, do CC, por se ter convertida num não cumprimento definitivo por perda de interesse na prestação ou falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para o efeito.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório

A veio interpor esta providência cautelar de entrega judicial de bem imóvel, ao abrigo do disposto no artº 21º, nº1 do DL 149/95, de 24.07, contra B.

Pede à reqª a imediata entrega de imóvel, para tanto alegando que face ao seu reiterado incumprimento de pagamento das rendas, resolveu contrato de locação financeira referente a esse prédio celebrado com a reqª, não tendo ainda sido devolvido tal bem.

A reqª deduziu oposição, referindo que a resolução do contrato não operou por, sem culpa sua, não ter recebido a carta que lhe foi enviada com esse fim; o consequente cancelamento do registo é nulo; desconhecia até à data de entrada da oposição no âmbito de por si identificada providência a alegada carta de rectificação da carta de resolução; igualmente nunca recebeu a carta admonitória e não lhe foi conhecido qualquer prazo razoável para cessação da mora; e desde 21.08.2012 tem enviado sucessivas propostas de liquidação das suas obrigações as quais não foram objecto de qualquer resposta, bem como, nessa data, encontrava-se na posse da reqte uma proposta sobre a qual nunca se pronunciou.

Prestaram-se depoimentos e proferiu-se em 04.02.2014 decisão julgando-se procedente o procedimento, assim, ordenando-se a imediata entrega do bem.

Entretanto, tinham-se proferido os seguintes despachos em 22.01.2014 e em 27.01.2014, respectivamente:

 “A natureza e a finalidade dos presentes autos não cabem na previsão da norma do art.º 17.º, E, n.º1, relativa aos efeitos da decisão referida na alínea a) do n.º3 do art.º 17.º, do CIRE, pois que não se trata de acção para cobrança de dívida mas de procedimento cautelar para entrega de imóvel, vai indeferida a requerida suspensão.”; e

Não obstante a posição da requerente é entendimento deste Tribunal que a requerente sendo uma sociedade anónima, pode indicar quem está em condições de prestar depoimento de parte para além de que se considera que, apesar do fato de terem sido enviadas cartas a C como Presidente da Comissão Executiva, daí não infere que o mesmo tenha conhecimento de fatos sobre os quais irá depor ou tenha tido intervenção nos mesmos, pelo que, em face da credencial junta aos autos a fls. 452 e do despacho já proferido a admitir o depoimento de parte, admite-se que o depoimento de parte da requerente seja prestado através de D.”.

A reqª recorreu da sentença bem como da decisão que não decretou a suspensão da instância e da que admitiu o citado depoimento de parte, sendo que apenas o recurso quanto às duas primeiras decisões foi admitido pelo tribunal a quo, como apelação, a subir em separado, imediatamente e com efeito devolutivo.

Extraíram-se as seguintes conclusões, para o que agora interessa:

I. Vem o presente recurso de apelação interposto das seguintes decisões:

(…)

III. Decisão interlocutória que indeferiu a requerida suspensão da providência cautelar com fundamento no requerimento de processo especial de revitalização por banda da Requerida.

IV. Da decisão que ordenou a ora Apelante …, à “… imediata entrega judicial ao Requerente … do prédio urbano denominado “Vilas …”, Sito na Av. Marques ..., …, freguesia do …, concelho de …, descrito na 2ª Conservatória Registo Predial de ---Sob a ficha nº 2263/… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 173. da referida freguesia, a efectuar através de solicitador de execução a indicar pela secretaria”.

(…)

XXV. Do despacho interlocutório de indeferimento do pedido de suspensão da providência cautelar requerida com fundamento no disposto no artigo 17º- E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

(…)

XXXVIII. Nestes autos, o Requerente, aqui Apelado, requereu providência cautelar de entrega judicial de imóvel contra a Requerida, aqui Apelante.

XXXIX. São pressupostos da decretação de tal providência cautelar os constantes no artigo 21º do decreto-lei 149/95, de 24 de Junho na versão que lhe foi introduzida pelo decreto-lei 30/2008, de 25 de Fevereiro e, designadamente nos números um e dois do mencionado artigo, que prevêem o seguinte:

XL. “1 - Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efetuar por via eletrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente.

XLI. 2 - Com o requerimento, o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, excepto a do pedido de cancelamento do registo, ficando o tribunal obrigado à consulta do registo, a efetuar, sempre que as condições técnicas o permitam, por via eletrónica. “

XLII. Dois requisitos são essenciais para que a providência cautelar de entrega judicial de bem imóvel seja decretada, a saber: resolução do contrato com recusa de entrega e cancelamento do registo do contrato de locação financeira.

XLIII. Estes dois requisitos têm que ser sustentados em direitos exercidos pelo requerente, licitamente, porquanto não haja no nosso ordenamento jurídico proteção de direitos exercidos ilicitamente por quem se arroga a sua proteção.

XLIV. Donde concluir-se para já que, para que seja deferida a providência cautelar de entrega judicial de bem imóvel, necessário seria que o Apelado tivesse demonstrado dois factos: que resolveu licitamente o contrato de locação financeira com o nº 2025342 (fls. 25 a 47 dos autos) e que, simultaneamente promoveu o cancelamento do registo do contrato de locação financeira.

XLV. O que salvo melhor e mais douta opinião, o Requerente não logrou fazer!

XLVI. Ora, a decisão de que ora se recorre é proferida com base nos factos que se dão como provados sob os artigos 1 a 53, da Fundamentação de Facto, que aqui se reproduzem, por economia processual.

XLVII. Dos factos que a Meritíssima Juíza do Tribunal “ a quo” não poderia ter dado como provados, com base nos documentos e depoimentos das testemunhas e/ou depoimento de parte.

XLVIII. No artigo 23. dos factos dados como provados pela Meritíssima Juíza do Tribunal “ a quo”, diz que “No dia 25 de Maio de 2012 a requerente enviou à requerida a carta cuja cópia de mostra a fls. 60 com os seguintes dizeres “ tendo em consideração o facto de ainda Se encontrarem por pagar as rendas 61º, 62º, 63º, 64º, 65º e 66º temos de renda vencidas (…), vimos por este meio solicitar a V.ª Ex.ª que, no prazo de 8 dias úteis, procedam ao pagamento da quantia em atraso, acrescida de juros de mora contratuais”.

XLIX. A Requerente opôs-se alegando que não recebeu a mencionada carta, que o Apelado juntou ao seu requerimento inicial e que encontra a fls. 62 dos presentes autos.

L. O Apelado não invocou que a referida carta tivesse sido remetida sob registo e/ou aviso de recepção ou sequer juntou documentos que pudessem provar que assim tinha ocorrido.

LI. Também do depoimento da testemunha E e do depoimento de parte de D, resultou inelutavelmente que tal carta, a ter sido enviada, o foi por correio simples.

LII. Resultou ainda do depoimento das mesmas, acima transcrito que a carta em referência, a ter sido enviada, o foi para moradas não coincidentes quer com o que conta do contrato, quer com o que consta da certidão comercial da Apelante.

LIII. Ambas insistiram que a morada para a qual seriam enviadas as cartas era aquela que constava do contrato de locação financeira (fls. 25 a 41).

LIV. Do contrato junto a fls. 25 a 41 consta como morada da Apelante a Rua …, Lote 33, Quinta …, … e, como morada dos avalistas, a Rua das …, Vila 23, Quinta …, em ….

LV. OS documentos que se encontram juntos a fls 61 a 63 dos autos, referem respectivamente as seguintes moradas: Rua do …, nº 4, 5º Esq, 615-13 …, Avenida Marques .., nº 35, 2735-495 … e Rua …, nº 4, 5º Esqui, 615-13 ….

LVI. Dos depoimentos supra transcritos coadjuvados com os documentos juntos a fls, 25 a 41 e 61 a 63, pode concluir-se o seguinte:

LVII. O Apelado não provou que a sua declaração foi recebida pelo destinatário (cartas juntas a fls. 61 a 63).

LVIII. Demonstrou que enviou as cartas juntas a fls. 61 a 63 para moradas que não constavam do contrato, embora do eloquente depoimento da testemunha apresentada pelo próprio Apelado decorra que as cartas são sempre enviadas para as moradas constantes nos contratos mas e que, por outro lado, a interpelação são sempre enviada para as moradas que constam na base de dados do banco enquanto o cliente as não alterar, porque o requerente não o poderá fazer por sua iniciativa.

LIX. Esta é uma contradição inconciliável entre si.

LX. Não obstante o que fica acima referido, entendeu a Meritíssima juíza do Tribunal “ a quo” dar como provado o constante no facto 23. já transcrito e , paralelamente dá como não provado sob o facto nº 4 que a Requerida nunca recebeu a carta admonitória para pagamento das rendas vencidas”.

LXI. Determina o nº 1 do artigo 224º do Código Civil Sob a epígrafe Eficácia da Declaração Negocial: “ A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz quando chega ao seu poder ou é dele conhecido …”

LXII. Não restam quaisquer dúvidas que o facto nº 23. tem que ser considerado como não provado e daí extraídas as seguintes conclusões jurídicas necessárias, a saber:

LXIII. Não é concedido pela Requerida à Requerente qualquer prazo para a cessação da mora.

LXIV. O artigo 808º do código civil determina, sob a epígrafe Perda do Interesse ou Recusa do Cumprimento que: “1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.

LXV. Isto é, no que ao caso concreto interessa, uma vez que não foi invocado qualquer desinteresse objectivo do credor, aqui Apelado no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pela Apelante, aquele só pode resolver legalmente o contrato de locação financeira com o número 2025342, desde que, previamente a tal resolução, tivesse concedido prazo razoável (que não seria certamente o prazo de 8 dias constante na cópia que o Apelado junto a fls. 61 a 63 dos autos), para o pagamento das quantias em atraso, fundamento da sua constituição em mora, o que não fez!

LXVI. Pelo que é ilícita a resolução do contrato de locação financeira assim operada, não podendo por via desse facto, produzir quaisquer efeitos, designadamente a eventual entrega do imóvel.

LXVII. A este propósito, transcreve-se parcialmente o Sumário do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº 7580/05.2TBVNG.P1.SI.

LXVIII. “2. O incumprimento definitivo restringe-se a quatro situações: recusa de cumprimento (“repudiation of a contract” ou “riffuto di adimpieri”); termo essencial (prazo fatal); cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretractibilidade); perda do interesse na prestação. (…)

LXIX. 8. Para transformar a mora em incumprimento definitivo é necessária uma interpelação com fixação de prazo peremptório razoável para cumprimento da obrigação, cominada expressamente, se não acatada, com o não cumprimento.”

LXX. OS argumentos que têm vindo a ser expendidos para se demonstrar que o facto constante do número 23 não poderia considerar-se provado, valem como argumentos para defender que também os artigos 24 a 26 não poderiam, com base na prova produzida considerar-se provados.

LXXI. A Meritíssima juíza dá também como provados nos artigos 27 a 32 da fundamentação de facto, sinteticamente com fundamento no seguinte:

LXXII. Que nos dias 7 de Agosto de 2012 e 17 de Outubro de 2012, o Apelado enviou cartas de resolução à Apelante, ambas registadas com avisos de receção e ambas devolvidas por não reclamadas, sendo que se dão aqui, por economia processual, por reproduzidos os já mencionados artigos 27 a 32 da fundamentação de facto.

LXXIII. Mais uma vez a Meritíssima Juíza do Tribunal “ a quo” não reflete juridicamente sobre o facto de saber, se a referidas cartas foram recebidas pela Apelante e, caso não tenham sido, se esse facto ocorreu por culpa sua.

LXXIV. Não basta que o declarante alegue que enviou, por carta registada com aviso de receção uma declaração ao seu destinatário; é-lhe exigível demonstrar que essa declaração chegou ao conhecimento do seu destinatário.

LXXV. Mais, cabe ao Apelado, ou melhor, cabia ao Apelado, caso as referidas cartas não tivessem sido recebidas pela Apelante, alegar factos que demonstrassem que o não conhecimento daquelas duas declarações, decorria de culpa sua, isto é de culpa da Apelante.

LXXVI. Não são alegados quaisquer factos nesse sentido, pelo que nada pode ser decidido quanto a uma eventual culpa do destinatário aqui Apelante no não conhecimento do teor daquelas cartas.

LXXVII. Com efeito e face ao estatuído no artigo 224º do CC é ao Apelado que cabe demonstrar que remeteu tal carta através de correio registado com aviso de receção e que, caso a mesma não seja recebida, tal facto resultou de culpa da Apelante.

LXXVIII. E, apenas neste caso, caberia ao Apelante demonstrar que a falta de conhecimento daquelas comunicações não decorria de culpa sua, tudo nos termos do disposto no artigo 224º e dos artigos 342º e 344º, todos do Código Civil.

LXXIX. Ora, embora a Meritíssima Juiz do Tribunal “ a quo” apenas dê como provado o envio das referidas cartas, registadas e com avisos de receção, extrai conclusões jurídicas deste facto, apenas possíveis, caso a prova se tivesse reconduzida à efetiva receção das mesmas pela Apelante e/ou a falta da sua receção por culpa sua.

LXXX. Isto é, para que se possa atribuir efeito jurídicos a uma declaração não recebida pelo destinatário, é necessário alegar e demonstrar factos que demonstrem que as cartas não foram recebidas por culpa do seu destinatário, o que no modesto entendimento da Apelante o Apelado não logrou fazer, designadamente porque sequer alegou os factos que pudessem consubstanciar culpa da Apelante no não recebimento da comunicação.

LXXXI. Do mesmo modo o facto constante no artigo 33. da fundamentação factual não pode, por rigor jurídico, estar descrito nos termos em que a Meritíssima Juíza do Tribunal “ a quo” o fez.

LXXXII. De facto, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 21º do decreto-lei 149/95, de 24 de Junho na versão que lhe foi introduzida pelo decreto-lei 30/2008, de 25 de Fevereiro, o Juiz deve, sempre que as condições electrónicas o permitam verificar se o requisito legal imposto do cancelamento do registo se encontra verificado.

LXXXIII. Ora, no caso em apreço, e de acordo com a certidão permanente com o código de acesso nº PP-0857-89321-110504-002263, a Meritíssima Juíza do Tribunal “ a quo” deveria ter dado como provado que:

LXXXIV. Se encontra registada sob a anotação pela AP 1327 de 2013/11/18 relativa à AP 56 e 2007/03/28 (locação financeira) que invoca a falsidade dos documentos que deram origem ao registo efectuado pela AP 2917 de 2012/11/16 (cancelamento do contrato de locação financeira) e,

LXXXV. Sendo que esta anotação foi oficiosamente comunicada ao MP para averiguação da nulidade do registo.

LXXXVI. Isto é, não se pode concluir do registo predial constante da certidão permanente do prédio objeto dos presentes autos, que o registo se encontre da locação financeira se encontre cancelado.

LXXXVII. OS factos constantes nos números 34 e 35, teriam que ser interpretados com a alegada ilicitude da resolução do contrato por banda do Apelado e com o facto provado sob o artigo 40.

LXXXVIII. Sem prejuízo do que já ficou dito quanto ao facto da Apelante não ter recebido a carta de resolução datada de 7 de Agosto de 2012, senão por mensagem de correio eletrónico e tudo porquanto, contrariamente ao entendimento da Meritíssima Juíza do Tribunal “ a quo”, se entenda que a simples junção de uma carta registada com aviso de receção devolvida ao remetente, não é prova bastante de que a Apelante recebeu a comunicação nela inserta, da referida mensagem (teor transcrito no facto 40) decorre que o Apelado exigiu da Apelante o pagamento da quantia de € 6.132.807,00 (seis milhões cento e trinta e dois mil e oitocentos e sete euros), que esta obviamente não tinha como pagar.

LXXXIX. Mais, embora a Meritíssima Juíza do Tribunal “ a quo” dê como não provado que o Apelado não tivesse respondido às diversas propostas de regularização da dívida (facto 5 dado como não) fê-lo ao arrepio das mais elementares regras processuais do ónus da prova.

XC. Neste caso concreto, a Apelante demonstrou quer documentalmente, quer inclusivamente através do próprio depoimento de parte, que remeteu diversas propostas para regularização da faseada das suas obrigações para com o Apelado.

XCI. No contrato de locação financeira celebrado, a Sede Social da Sociedade é efectivamente a Rua …, Lote 33, Quinta ….

XCII. Porém, o Apelado já teria, alegadamente enviado em 7 de Agosto de 2012, uma carta para a Avenida Marques …, nº 35, em … e em 17 de Outubro de 2012, uma carta para a Rua de …, nº 80, … – documentos a fls 65 e 66 dos autos.

XCIII. Donde se possa concluir, primeiro que a sede social da sociedade não era já naquela morada, e, consequentemente tal carta, não pudesse ter sido recebida pela Apelante.

XCIV. Mais também a morada constante do contrato de locação financeira como sendo a morada dos accionistas e avalistas do contrato, não corresponde àquela para a qual terão sido, alegadamente enviadas, as cartas de recusa de propostas formuladas pela Apelante ao Apelado.

XCV. Razão pela qual, no modesto entendimento da Apelante o facto constante do nº 5. dos factos não provados, não pudesse ter sido assim considerado, sendo que dever-se-ia ter sempre retirado uma consequência jurídica do facto das cartas, a terem sido enviadas, o que se desconhece nos autos, para a morada que a parte terá confessado, não poderem produzir qualquer prova por não corresponder à morada da sede social da sociedade ou sequer à morada de residência dos seus accionistas.

XCVI. E, em articulação com as diferentes propostas que foram sendo apresentadas pela Apelante e que se encontram aliás confessadas pelo próprio Apelado com as ausências de resposta, conclui que a Apelante não pagou qualquer montante até à presente data (facto 34. dos factos provados).

XCVII. Também o facto constante do artigo 37 não pode, no entendimento da Apelante, considerar-se como provado.

XCVIII. Com efeito, dá-se como provado que o Apelado remete os documentos de fls. 67 a 69 à Apelante e avalistas.

XCIX. Não é dado como provado o facto essencial que era o de que, quer a Apelante, quer os avalistas receberam os referidos documentos.

C. O Apelante não alegou ou demonstrou por qualquer meio que a referidas cartas tivessem sido enviadas sob registo, com ou sem aviso de recepção.

CI. Ao que acresce que,

CII. No documento junto a fls. 67 e endereçado à Apelante, datado de 26 de Dezembro de 2012, isto é, alegadamente enviado posteriormente à segunda carta remetida pelo Apelado à Apelante para resolução do contrato de locação financeira (a fls. 66 dos autos), consta como morada da Apelante a seguinte: Rua …, Lote 33, Quinta ….

CIII. Nos documentos juntos a fls 68 e 69, a morada que consta como sendo a correspondente à dos accionistas é a seguinte: Rua de …, Lote 72, …, a qual como já foi dito é diferente da morada que consta no contrato de locação financeira, a fls 5 a 47 dos autos e também diferente da morada que consta dos documentos que se encontram juntos a fls. 61 e 63.

CIV. Desde logo, para que se prove o envio de um documento não basta a junção de uma fotocópia de uma carta aos autos, assim o cria a Apelante até à leitura desta sentença.

CV. Por outro lado, uma comunicação, para que seja do conhecimento do destinatário, tem, pelo menos, que ser endereçada para uma morada correcta, que será a constante do contrato ou dos seus eventuais aditamentos ou a constante na certidão de registo comercial da sociedade.

CVI. Não pode, por razões de segurança jurídica, entender-se que a comunicação chega ao conhecimento do seu destinatário por via telepática, que é em bom rigor, o que é provado nos presentes autos.

CVII. Donde concluir-se, com base em todos os documentos juntos e dos depoimentos já transcritos, que a Apelante tem estado na posse do imóvel, a fruir do mesmo, porque entende que o presente contrato de locação financeira não pode considerar-se licitamente resolvido e que, por outro lado, não pagou até hoje qualquer quantia, porquanto o Apelado apenas aceite o tudo ou o nada, isto é,

CVIII. Aceita pagamentos no pressuposto de que o contrato se encontra resolvido.

CIX. Ora, na verdade, a Apelante sente e sabe que o Apelado tem agido neste processo, no pressuposto e com o convencimento que só os poderosos têm: não negoceia, envia, alegadamente as cartas para comunicações importantes sem registos e para moradas erradas, não repete o envio de cartas quando estas vêm devolvidas por não reclamadas, tudo como a Apelante tem vindo a compreender ao longo desta já morosa batalha jurídica, porque o entendimento moral e não legal que os julgadores têm vindo a fazer, é o de que, quem não paga as suas obrigações, merece ficar desapossado dos bens locados!

CX. Sucede que aos julgadores não é pedido que pensem como cidadãos comuns, imbuídos de emoções e princípios básicos.

CXI. É-lhes outrossim pedido, com a coragem e imparcialidade que o julgador deve ter que, analisados os factos e comportamentos vertidos nos autos ou carreados pelas partes, decidam de acordo com a lei vigente no país e com os princípios jurídicos subjacentes.

CXII. A Apelante, antes mesmo de ser notificada da presente providência cautelar já requerera providência cautelar de suspensão da resolução do contrato de locação financeira em referência, da qual foi interposto recurso de apelação para esse Tribunal e se encontra, actualmente, pendente de decisão (processo nº …-B, 4ª Vara Cível de Lisboa) (facto provado sob o nº 50).

CXIII. Mais, em Outubro de 2013, instaurou acção declarativa contra o aqui Apelante que corre termos pela …Vara Cível de Lisboa, sob o processo nº …, cuja petição inicial faz parte integrante do presente processo a fls. 131 a 231. (facto provado sob o artigo 49).

CXIV. A Apelante não paga porque efectivamente não tem como pagar a quantia aproximada de €6.000.000,00 (seis milhões de euros), mas tem, caso o Apelado o tivesse aceite, quem a auxiliasse a pagar a quantia em dívida à presente data, tal como aliás resulta do pedido de prestação de caução formulado.

CXV. No caso em apreço, resultou inquestionavelmente provado que a Apelante não recebeu a carta admonitória junta a fls 62 dos autos.

CXVI. Resulta também que, ainda que tivesse recibo, o prazo indicado de 8 dias, seria sempre um prazo inadequado ao pagamento da quantia que aí terá sido, alegadamente peticionado.

CXVII. Mais, resulta também que o contrato de locação financeira porque ilicitamente resolvido, não pode conduzir à procedência da presente providência cautelar.

CXVIII. Concluindo como conclui a decisão final, viola o disposto nos artigos 224º, 808º e 436º, todos do Código Civil.

Por fim, além do mais, manifesta-se pretensão para que se decrete a improcedência da providência cautelar.

A apelada respondeu, assim concluindo;

(…)

47. Ademais, cumpre referir que a aqui Requerida /Devedora tem como objecto social: … .

48. Tendo a sua sede social na Rua de ..., nº 80, ..., freguesia de ..., Concelho de ... e Distrito de Lisboa – vide Certidão Permanente com Código de acesso: 4251-4321-1372.

(…)

58. Ademais cumpre referir que exercício da sua actividade bancária o Recorrido celebrou com a Recorrente um contrato de Locação Financeira Imobiliária, celebrado em 24.11.2006, posteriormente alterado em 22.05.2007 e 23.02.2010 – Contrato n.º 2025342 – relativamente ao prédio urbano denominado “...”, sito na Av. Marques ..., ..., freguesia do ..., concelho de ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n.º 2263/... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 173 da referida freguesia, adquirido pelo Requerente naquela mesma data e para esse efeito.

59. No âmbito do referido contrato, a Recorrente comprometeu-se a pagar mensalmente ao Recorrido a renda atinente ao aludido Contrato de Locação Financeira Imobiliária.

60. Sucede que a Recorrente, deixou de efectuar os pagamentos das rendas mensais a que encontrava obrigada nos termos do Contrato de Locação Financeira Imobiliária, designadamente, a renda (n.º 61) que se venceu em 20.11.2011 e as subsequentes, todas elas vencidas aos dias 20 de cada mês.

61. Aliás, o não pagamento desde esta data foi assumidamente confessado pela Recorrente ao abrigo das disposições conjugadas do art. 567º do CPC com o art. 358º do Código Civil.

62. Encontrando-se pois, por demais provado e até confessado, o incumprimento por parte da Recorrente.

63. Nessa sequência, em 25.05.2012, foi pelo Recorrido enviada à Recorrente (neste particular para a morada constante na última alteração ao contrato - i.e. Av. Marques ..., nº 35, Villa São Paulo, ... – que corresponde ao domicílio constante da Recorrente na petição inicial da acção declarativa por si intentada) e seus administradores cartas, mediante as quais os interpelou para o pagamento das rendas em atraso e vencidas desde o dia 20.11.2011 e que, naquela data, ascendiam ao total de € 81.266,50, já com juros de mora incluídos à data de 25.05.2012.

64. Atento o exposto, e mantendo-se o incumprimento da Recorrente, abriu-se ao Recorrido o direito de aplicar o previsto na cláusula quarta das Condições Particulares do Contrato e cláusula décima terceira das Condições Gerais do Contrato, ou seja, a resolução do contrato.

65. As mencionadas cartas enviadas pelo Recorrido não tiveram resposta da Recorrente e respectivos avalistas no sentido de a dívida ter sido paga.

66. E, em 07.08.2013 e em 17.10.2012, o ora Recorrido enviou à Recorrente carta registada com aviso de recepção, mediante a qual comunicou que o contrato de locação financeira terminava, assim como, indicou que se encontravam em dívida as rendas 61ª a 70ª, vencidas e não pagas no montante de € 129.504,25, a que acresciam os respectivos juros de mora.

67. Mais, em 26.12.2012, o ora Recorrido enviou à Recorrente e avalistas, cartas na qual reiterou que o contrato se encontrava vencido atendendo ao incumprimento no pagamento das rendas, assim como, deu conhecimento à ora Recorrente e avalistas que havia sido preenchida a livrança caução pelo montante de € 1.801.731,64 (um milhão, oitocentos e um mil, setecentos e trinta e um euros e sessenta e quatro cêntimos) e que a mesma se encontrava a pagamento até 18.01.2013.

68. Tudo isto não olvidando todas as reuniões ocorridas entre a Recorrida e os representantes da Recorrente melhor descritas na sentença objecto de recurso, onde foi sempre comunicado o incumprimento do aludido contrato de locação financeira imobiliária e a resolução do mesmo após a expedição de tais missivas.

69. Ou seja, por direito, operou-se, conforme comunicações efectuadas à Recorrente, a resolução do contrato de locação financeira n.º 2025342, em virtude da verificação do seu incumprimento definitivo e foi preenchida a Livrança.

70. Também estas cartas não tiveram qualquer resposta da Recorrente e Avalistas no sentido da dívida ter sido paga.

71. Assim, é a Recorrente devedora, relativamente ao contrato ora em apreço do montante de € 1.801.731,64 (um milhão, oitocentos e um mil, setecentos e trinta e um euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescido de juros moratórios à taxa legal desde a data de vencimento da aludida livrança.

72. Em cumprimento das supra identificadas cartas remetidas em 07.08.2012 e 17.10.2012 e 26.12.2012 e nos termos do disposto nas Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira, deveria então a Recorrente ter de restituir imediatamente o imóvel dado em locação e pago à Recorrida as rendas vencidas e não pagas, indemnização prevista na cláusula vigésima, número três, alínea b) das condições gerais, acrescidas dos respectivos juros de mora e de todos os encargos suportados pela Locadora.

73. Não obstante ser sua obrigação nos termos do referido Contrato de Locação Financeira Mobiliário, a Recorrente não só não pagou quaisquer dos montantes que lhe eram devidos – ainda que titulados por Livrança –, como não procedeu, voluntariamente, à entrega do imóvel locado ao Recorrido, único e exclusivo proprietária, atento o contrato de locação celebrado.

74. Encontrava-se, pois, a Recorrente de forma contínua e abusiva a usar e a fruir do imóvel locado em seu proveito, não pagando as rendas relativas à Locação Financeira celebrada, apesar de esta ter atingido o seu termo por via da resolução.

75. Sabendo que a essa posse e ocupação era ilegítima e não titulada.

76. Estando, por conseguinte, a Recorrida, legítima proprietária, impedida de usar, fruir e dispor do imóvel livremente, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação financeira.

77. Sendo que tal constituiu uma lesão grave e irreparável do seu direito de propriedade, sendo certo que o Recorrida é o legítimo proprietário do imóvel locado.

78. Atento todo o exposto, de forma alguma ocorreu uma resolução ilícita do contrato de locação financeira em apreço, sendo certo que a Recorrente ocupou de forma ilegítima um imóvel durante um ano e meio, sem pagar qualquer renda, não obstante as diversas interpelações efectuadas pelo Recorrido.

79. Bem sabendo a Recorrente que celebrou um contrato de locação financeira imobiliária e que teria que pagar as rendas respeitantes a este contrato.

80. As propostas da Recorrente foram sempre numa perspectiva de resolução de todo o seu passivo e que foram sempre de forma directa e inequívoca rejeitadas pelo Recorrido, quer por escrito quer presencialmente.

81. Pelo que bem decidiu este tribunal em decretar a providência cautelar intentada, devendo tal sentença manter-se atenta a argumentação vertida na mesma, bem como a que se deixa aqui exarada, fazendo a Recorrente um reprovável uso do direito para ocupar de forma ilegítima um imóvel que não é de sua propriedade, que nada paga para ter o gozo do mesmo e, ainda por cima, tirar proveitos e dividendos, com arrendamentos para celebração de casamentos com estrangeiros (embora explorados por outra sociedade do grupo, atento o objecto social da Recorrente).

82. Encontrando-se pois, por demais provado e até confessado, o incumprimento por parte da Recorrente.

83. Que se quisesse cumprir com o contrato aqui em apreço apenas teria que efectuar o pagamento das respectivas rendas para o NIB indicado no contrato aqui em apreço, número de identificação bancária este que foi sempre mencionado nas sucessivas facturas enviadas para o Recorrente e que é mesmo que foi por si utilizado para liquidar as rendas que efectivamente foram pagas.

84. Importa ainda referir que a cartas de resolução do contrato de locação imobiliária com o n.º 2025342, cumpriram todos os requisitos vertidos no art. 17º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/06, nas redacções dadas pelos Decreto-Lei n.º 265/97, de 2/10 e Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25/02, tendo tal missiva sido remetida para o domicílio convencionado e para o legal da Recorrente – vide contrato de locação financeira ora em apreço e posteriores aditamentos e CRC da sociedade Recorrente juntos aos presentes autos.

85. Com efeito, todas as comunicações escritas dirigidas à sociedade Recorrente foram remetidas por cartas registadas com aviso de recepção, no estrito cumprimento do disposto dos artigo 432º e 436º do Código Civil, e que foram tidas como boas para a conservatória do registo predial que procedeu ao cancelamento do registo de locação financeira ora em apreço – vide certidão predial permanente com o código de acesso: PP-0857-89321-110504-002263.

86. Em momento alguma a resolução do contrato de locação financeira aqui em apreço ocorreu através de mensagem de correio electrónico.

87. Tal afirmação constitui pura efabulação que a realidade dos documentos juntos com aos autos não consentem.

88. Como flui do cotejo dos mesmos a resolução foi efectuada em estrita obediência a todas as regras consagradas no Decreto-Lei 149/95 de 24 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 265/97 de 2 de Outubro e, pelo Decreto-Lei 30/2008 de 25 de Fevereiro.

89. Ademais, toda a jurisprudência citada pela Apelante reporta-se a casos de incumprimento no âmbito de contratos promessa de compra e venda, situação absolutamente distinta dos autos, atenta a especificidade dos contratos de Locação financeira, cuja regulamentação e protecção consta de diploma especial.

90. Sendo certo que todas as transcrições da testemunha E e D plasmadas no recurso a que se responde apresentam-se descontextualizadas e adulteradas quanto ao seu conteúdo e substância.

91. E que o depoimento da testemunha Jaime … nada de relevante ou de importante acrescentou aos presentes autos, ficando-se apenas a saber que gosta muito da sua filha e genro, que são os administradores da Recorrente, e que a actividade arrendamentos para celebração de casamentos com estrangeiros está a ser exercida por uma sociedade distinta da requerente (….), atendendo a que a Recorrente ter todas as suas contas penhoradas e o seu objecto social não permitir realizar tais negócios.

92. Mais, esta testemunha confessou os diversos incumprimentos da sociedade Recorrente para com o A, o que sempre legitimaria a resolução do contrato de locação em apreço atento o aditamento efectuado ao mesmo em 23.02.2010 (Cláusula Cross Default).

Pugnou a final pela procedência do decidido.

Efectuado o exame preliminar, sendo a instância de recurso julgada extinta relativamente ao citado primeiro despacho, e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Deve conhecer-se da impugnação da decisão da matéria de facto, da não resolução do contrato pela apelada e, consequentemente, da não verificação dos requisitos da providência requerida.

Fundamentação

Considerou-se provada a seguinte matéria:

1. A sociedade …, S.A. fundiu-se com sociedade …., mediante fusão por incorporação conforme resulta da Menção Insc. 22, Ap. 28/20081230 - v.g. Certidão da Conservatória do Registo Comercial do Lisboa publicada on-line no site www.portaldaempresa.pt, sob epígrafe “Certidão Permanente” com o código de acesso 1073-8571-3428.

2. Mediante a fusão a que se alude, operou-se a transmissão para a sociedade incorporante, de todo o activo e passivo da incorporada, assumindo aquela a posição contratual em todos os contratos em que a incorporada é, presentemente, parte, como no caso em apreço, razão pela qual o ora Requerente ... é parte legítima para apresentar a presente Providência Cautelar de Entrega Judicial, como segue.

3. O REQUERENTE é uma sociedade comercial sob a forma anónima, que se dedica à actividade bancária.

4. No exercício da sua actividade, celebrou o REQUERENTE com a REQUERIDA o Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º 2025342 (cfr. DOCS. 2 a 4, juntos pela requerente).

5. Mediante o referido o Contrato de Locação Financeira Imobiliária, o REQUERENTE deu em locação à REQUERIDA o seguinte imóvel: Prédio urbano denominado “...”, sito na Av. Marques ..., ..., freguesia do ..., concelho de ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n.º 2263/... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 173 da referida freguesia (cfr. DOCS. 2, a 4 supra).

6. Nos termos do Contrato de locação financeira, o REQUERENTE obrigou-se a proporcionar à REQUERIDA o uso e fruição da fracção locada – que, efectivamente, proporcionou doc. de fls. 25 e ss).

7. O valor da aquisição do mesmo imóvel foi de 5.039.648,22, sendo que o valor para obras fixado no contrato foi de €370.000,00; o IMI de €302.378,89, e outros impostos e despesas de €54.096,48, num total de €5.776.123,59 (doc. de fls. 25 e ss).

8. O prazo de duração do contrato foi estipulado em 20 anos (doc. de fls. 25 e ss).

9. No âmbito do referido contrato a requerida comprometeu-se a pagar 240 rendas mensais sendo a primeira no valor de €1.300.000,00 e as restantes 17 rendas no valor de €18.000,00 cada uma e 222 no valor de €26.175,62 cada uma (doc. de fls. 25 e ss).

10. Os pagamentos seriam efectuados por débito da conta da locatária n.º 000… a crédito da conta da locadora n.º 000… (doc. de fls. 25 e ss).

11. Ficou estipulado na cláusula 13.ª do contrato que “Um. Para além de outros casos previstos na lei e no contrato, este poderá ser resolvido por iniciativa da locadora, havendo incumprimento definitivo pela locatária, de qualquer das suas cláusulas.

12. Dois: considera-se que existe incumprimento definitivo quando a locatária se apresentar em mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a sessenta dias.

13. Três: em caso de resolução do contrato a locadora tem direito à restituição imediata do imóvel por parte da locatária, livre de ónus ou encargos e a conservar as rendas vencidas e pagas e, ainda:

a) a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos juros de mora devidos bem como de todos os encargos suportados pela locadora, por força da resolução do contrato.

b) a receber uma indemnização a título de perdas e danos de montante igual a trinta por cento da soma das rendas vincendas e do valor residual, sem prejuízo da integral reparação de todos os prejuízos causados (…)”(doc. de fls. 25 e ss).

14. Ficou ainda estipulado na cláusula 14.ª n.º seis “que em caso de mora na restituição do imóvel, a locatária fica obrigada a pagar à locadora uma quantia igual ao dobro da última renda, por cada mês ou fracção em que estiver em mora” (doc. de fls. 25 e ss).

15. A aquisição do aludido prédio a favor da REQUERENTE foi registada, conforme se retira da respectiva certidão predial, sob a apresentação n.º AP. 55 de 2007/03/28 e do AVERB. - AP. 4777 de 2009/10/12 (cfr. DOC. 5 junto pela requerente).

16. Comprometeu-se, ainda, o REQUERENTE a vender o dito imóvel à REQUERIDA, se este o pretendesse, posto que o Contrato fosse integralmente cumprido, mediante o pagamento do valor residual correspondente a 2% do valor do contrato, conforme Ponto IV das Condições Particulares do Contrato e cláusula 16º Condições Gerais do Contrato, ambas constantes do DOC. 2 supra e posteriores alterações ao referido contrato – vide DOCS. 3 e 4 supra.

17. No dia 23.02.2010 foi efectuado um aditamento ao contrato de locação financeira aditando as clausulas X e XI, estipulando aquela que “locador e locatária acordam em considerar como causa objectiva de perda do interesse contratual na manutenção de vigência do presente contrato, o incumprimento temporário ou definitivo, pela locatária de qualquer uma das obrigações que para si resultam de quaisquer outros contratos celebrados ou a celebrar entre ambos, tendo o locador o direito de resolver este ou qualquer contrato entre ambos celebrado, caso a locatária não faça cessar a situação de incumprimento em que se encontra no prazo que lhe fora dado pelo locador para o efeito”. ( cfr. doc. de fls. 44 e ss).

18. No dia 22-05.2007 foi efectuado um outro aditamento ao contrato de locação financeira, tendo as partes acordado um aumento do financiamento no montante de €330.000,00 ( cfr. doc. de fls. 51 e ss).

19. Em virtude desse financiamento o montante total do contrato de locação financeira ficou fixado em €6.096.123,59.

20. Sucede que a REQUERIDA deixou de efectuar os pagamentos a que se encontrava obrigada, relativos às rendas vencidas após a celebração do Contrato de Locação Financeira Imobiliária, a partir da renda nº 61, que se venceu em 20.11.2011, e as subsequentes.

21. a partir da referida data, 20.11.2011, a Requerida deixou de pagar à REQUERENTE as rendas nºs 61º a 70º, devidas no âmbito do Contrato de Locação Financeira (Doc. 2), todas elas vencidas aos dias vinte dos meses que mediaram entre Novembro de 2011 e Agosto de 2012.

22. Por tal facto, e mantendo-se o incumprimento da REQUERIDA, abriu-se à REQUERENTE o direito de resolver o Contrato, nos termos do disposto nos n.º 1 e 3 da Cláusula 13ª das suas Condições Gerais.

23. No dia 25 de Maio de 2012 a requerente enviou à requerida a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 60 com os seguintes dizeres “ tendo em consideração o facto de ainda se encontrarem por pagar as rendas 61.º, 62.º, 63.º, 64.º, 65.º, e 66.º temos de renda vencidas em 20.11.2011, 20.12.2011, 10.01.2012, 20.02.2012, 20.03.2012, 20.04.2012, 20.05.2012 a contribuição autárquica e respectivas despesas, vencidas em 24.04.2012, 24-04-2012, no valor total de €81.226,50 (juros de mora incluídos à data de 25-05-2012) devidas por força do contrato de locação financeira imobiliária referido em epigrafe, vimos por este meio solicitar a V.ª Ex.ª que, no prazo de 8 dias úteis, procedam ao pagamento da quantia em atraso, acrescida dos juros de mora contratuais.

Se decorrido tal prazo, o pagamento não se encontrar feito faremos valer contenciosamente os nossos direitos, aplicando o previsto na cláusula 13.ª das Condições Gerais do contrato em causa"

24. A carta foi enviada pela requerente para a morada da Avenida Marques ... – Villa São Paulo, n.º 35, … … ..., correspondente localização do imóvel locado.

25. No dia 25 de Maio de 2012 a requerente enviou a Miguel …, para a morada sita na Rua do ..., n.º4, 5.º Esq.º 2615-213 ..., a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 61 com os seguintes dizeres “ vimos dar-lhe conhecimento do conteúdo da carta enviada nesta data para o locatário em referência, cuja cópia se anexa.

Como é do conhecimento de V. Exas. temos em nosso poder uma livrança, avalizada por V. Exa para garantia do cumprimento do contrato referido em epígrafe, bem como a autorização para o seu preenchimento.

Assim, se a quantia em dívida não for paga no prazo referido na carta que anexamos, informamos V. Exa que iremos preencher e apresentar essa livrança a pagamento preenchida de acordo com a referida autorização e nos termos da cláusula 13.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária”.

26. No dia 25 de Maio de 2012 a requerente enviou a Cláudia Rodrigues Gonçalves Guarita Gameiro, a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 63 com os seguintes dizeres “ vimos dar-lhe conhecimento do conteúdo da carta enviada nesta data para o locatário em referência, cuja cópia se anexa.

Como é do conhecimento de V. Exas temos em nosso poder uma livrança, avalizada por V. Exa para garantia do cumprimento do contrato referido em epígrafe, bem como a autorização para o seu preenchimento.

Assim, se a quantia em dívida não for paga no prazo referido na carta que anexamos, informamos V. Exa que iremos preencher e apresentar essa livrança a pagamento preenchida de acordo com a referida autorização e nos termos da cláusula 13.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária”.

27. No dia 07.08.2012 a requerente enviou à requerida a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 65 com os seguintes dizeres “ Assunto: Resolução do contrato de locação financeira imobiliária n.º 2025342, referente ao prédio urbano, que corresponde a uma casa de habitação com cave, rés-do-chão, primeiro andar e águas furtadas, com área coberta de 387 m2, dependências com 56 m2 e logradouro com 2.107 m2, denominado “...”, sito na Avenida Marques ..., … ..., freguesia do ..., concelho de ..., sob o n.º 2263, da mencionada freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo 173”.

Encontrando-se o contrato em referência em mora superior a 60 dias, por força do não pagamento das rendas 61.º, 62.º, 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º temos de renda vencidas em 20.11.2011, 20.12.2011, 10.01.2012, 20.02.2012, 20.03.2012, 20.04.2012, 20.05.2012, 20.06.212, 20.07.2012 a contribuição autárquica e respectivas despesas, vencidas em 24.04.2012, 24-04-2012, no valor total de €100.086,98 acrescida de juros de mora consideramos o contrato resolvido ao abrigo da cláusula 13.ª das Condições Gerais do supracitado contrato.

Uma das consequências da resolução do contrato de locação financeira consiste na restituição imediata, e em bom estado de conservação, livre e devoluto do imóvel à locadora.

Assim, informamos V. Exa que, até ao próximo dia 20.08.2012 devem V. Exas ter o imóvel livre para nos ser entregue, bem como as respectivas chaves”.

28. A carta registada com AR foi enviada pela requerente para a Avenida Marques ... – Villa São Paulo, n.º 35 … do ..., … ..., correspondente localização do imóvel locado.

29. A carta veio devolvida com a menção de não reclamada.

30. No dia 17.10.2012 a requerente enviou à requerida a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 66 referindo que a mesma “Anula e substitui a carta de 07 de Agosto de 2012” e com os seguintes dizeres “Resolução do contrato de locação financeira imobiliária n.º 2025342, referente ao prédio urbano, que corresponde a uma casa de habitação com cave, rés-do-chão, primeiro andar e águas furtadas, com área coberta de 387 m2, dependências com 56 m2 e logradouro com 2.107 m2, denominado “...”, sito na Avenida Marques ..., S. .. do ..., freguesia do ..., concelho de ..., sob o n.º 2263, da mencionada freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo 173”.

Encontrando-se o contrato em referência em mora superior a 60 dias, por força do não pagamento das rendas 61.º, 62.º, 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º e 70.ª temos de renda vencidas em 20.11.2011, 20.12.2011, 10.01.2012, 20.02.2012, 20.03.2012, 20.04.2012, 20.05.2012, 20.06.212, 20.07.2012 20-08-2013 a contribuição autárquica e respectivas despesas, vencidas em 24.04.2012, 24-04-2012, 26-09-2012 no valor total de €129.504,25 acrescida de juros de mora consideramos o contrato resolvido ao abrigo da cláusula 13.ª das Condições Gerais do supracitado contrato.

Uma das consequências da resolução do contrato de locação financeira consiste na restituição imediata, e em bom estado de conservação, livre e devoluto do imóvel à locadora.

Assim, informamos V. Exa que, até ao próximo dia 29.10.2012 devem V. Exas ter o imóvel livre para nos ser entregue, bem como as respectivas chaves”.

31. A carta registada com AR foi enviada pela requerente para a morada respeitante à sede actual da requerida sita na Rua de ..., n.º 80, 2750-217 ....

32. A carta veio devolvida com a menção de não reclamada.

33. Na certidão da conservatória do registo predial em vigor, relativa à fracção em apreço, inexiste qualquer ónus inscrito ou pendente a favor da REQUERIDA, nomeadamente a aludida locação financeira entretanto cancelada.

34. No entanto, a REQUERIDA permaneceu em incumprimento, não procedendo, até à presente data, à regularização da dívida.

35. Dívida esta, composta pelo capital e juros devidos no âmbito das rendas vencidas e não pagas (acrescidas de IVA); por 30% da indemnização devida prevista na Cláusula 13ª do mencionado Contrato nas suas Condições Gerais, no montante total de € 1.801.731,64 (um milhão, oitocentos e um mil, setecentos e trinta e um euros e sessenta e quatro cêntimos).

36. Em cumprimento de tal missiva e nos termos do disposto no n.º 3 da Cláusula 13ª e f) da Cláusula 12ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira, deveria então a REQUERIDA:

a) Restituir imediatamente à REQUERENTE o imóvel dado em locação (conforme Docs. 2 a 4 supra juntos);

b) Pagar à REQUERENTE as rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora e outros valores;

c) Pagar à REQUERENTE a indemnização aí mencionada.

37. Foram, ainda, remetidas comunicações a alertar que, face à factualidade supra descrita, a REQUERENTE iria proceder ao preenchimento da livrança subscrita pela REQUERIDA (avalizada por Miguel … e Cláudia …), que titulava o referido Contrato, conforme DOCS. 11 a 13 de fls. 67 a 69.

38. Facto que se veio a verificar, tendo a REQUERENTE preenchido a Livrança no valor em dívida de € 1.801.731,64 (um milhão, oitocentos e um mil, setecentos e trinta e um euros e sessenta e quatro cêntimos), com data de vencimento 18.01.2013, a qual, na data do seu vencimento não foi paga, nem posteriormente, por qualquer dos obrigados cambiários (cfr. DOC. 14 junto a fls. 70).

39. nos termos da Cláusula 13ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira junto como DOC. 2 supra, bem como, do Pacto de Preenchimento patente nas Condições Particulares do referido contrato (cfr. DOC de fls. 72), foi pela REQUERIDA prestado o consentimento de forma expressa e irrevogável para tal preenchimento e apresentação a pagamento.

40. No dia 21.08.2012 a requerida recebe da requerente uma mensagem de correio electrónico, além do mais, com o seguinte teor “de acordo com as cartas em anexo, remetidas por este banco, encontram-se resolvidos por incumprimento os contratos de locação imobiliária números 1806586 e 2025342, pelo que os montantes totais em dívida ascendem a: CTT LSG IMOB n.º 1806586 €1.311.408,00 e CTT LSG IMOB n.º 2025342 €6.132.807,00 (…) Assim, informamos que têm até a próximo dia 28.08.2010 para procederem à regularização da dívida, findo o qual iremos intentar acionamento judicial” (cfr. fls. 113).

41. Até à presente data, não obstante ser sua obrigação, a REQUERIDA não só não pagou quaisquer dos montantes que lhe eram devidos – ainda que titulados por Livrança –, como não procedeu à entrega do imóvel locada ao abrigo do Contrato de Locação Financeira Imobiliária - junto como DOC. 2 supra - à Requerente, única e exclusiva proprietária da mesma, conforme se extrai da cópia da certidão supra junta sob DOC. 5 supra.

42. nos termos do n.º 2 do artigo 17º Decreto-Lei n.º 30/2008 de 25/02, foi apresentado, junto da competente Conservatória do Registo Predial o pedido de cancelamento do registo da locação financeira inscrita a favor da REQUERIDA por incumprimento contratual, conforme DOC. 5 supra, e que já se encontra realizado.

43. Encontra-se, a REQUERIDA de forma contínua a fruir o imóvel locado em seu proveito, não pagando as rendas relativas à Locação Financeira celebrada.

44. Sabendo que a sua posse e ocupação é ilegítima e não titulada.

45. Estando, por conseguinte, a REQUERENTE, legítima proprietária, impedida de usar, fruir e dispor do prédio livremente, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação financeira.

46. Entre a requerente e a requerida foram estabelecidas as comunicações electrónicas juntas a fls. 113 a 115.

47. A requerida apresentou na Conservatória do Registo Predial de ... o requerimento junto a fls. 109 a 112.

48. Miguel … e Cláudia … foram declarados insolventes por sentença proferida no processo … do 2.º Juízo Cível deste Tribunal (fls. 356 e 357).

49. Correm termos pela … Vara cível do Tribunal de Lisboa a acção declarativa proposta pelos Miguel …, Cláudia … e a requerida contra a requerente, cuja cópia da petição inicial se mostra junta a fls. 131 a 231 e a que coube o n.º 1715/13.9tvlsb.

50. No apenso B) do processo referido no ponto que antecede em que aqui requerida deduziu pedido de suspensão da resolução relativa ao contrato de locação financeira dos autos foi proferida a decisão pela … Vara Cível do Tribunal de Lisboa junta a fls. 406 a 427 que julgou a mesma improcedente.

51. Os Administradores da requerida … e Miguel … enviaram em 31.10.2013 a …., Presidente da Comissão Executiva da requerente uma carta cujo teor consta de fls. 431 a 434 e que foi recebida a 05.11.2013 por José .. do Banco requerente.

52. A requerida tem realizado obras no imóvel objecto do contrato de locação financeira que à data do contrato de locação financeira estava em estado inabitável, encontrando-se actualmente em bom estado de conservação.

53. No âmbito do processo especial de revitalização requerido pela requerida foi nomeado Administrador Judicial Provisório Dr.º Rui … (fls. 464 e 465).

Posto isto.

A discordância da recorrente relativamente à decisão sobre a matéria de facto incide sobre a que foi dada como assente sob os nºs 23 a 26, 33 e 37 que entende como não provada ou, no caso da penúltima, com outra redacção, e à que se considerou como não provada sob o nº 5, pretendendo-a provada.

A matéria do nº 33 entende, pois, que deveria ser dada como provada nos seguintes termos: “Se encontra registada sob a anotação pela AP 1327 de 2013/11/18 relativa à AP 56 e 2007/03/28 (locação financeira) que invoca a falsidade dos documentos que deram origem ao registo efectuado pela AP 2917 de 2012/11/16 (cancelamento do contrato de locação financeira) e, sendo que esta anotação foi oficiosamente comunicada ao MP para averiguação da nulidade do registo”.

É o seguinte o teor desses números:

23. No dia 25 de Maio de 2012 a requerente enviou à requerida a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 60 com os seguintes dizeres “ tendo em consideração o facto de ainda se encontrarem por pagar as rendas 61.º, 62.º, 63.º, 64.º, 65.º, e 66.º termos de renda vencidas em 20.11.2011, 20.12.2011, 10.01.2012, 20.02.2012, 20.03.2012, 20.04.2012, 20.05.2012 a contribuição autárquica e respectivas despesas, vencidas em 24.04.2012, 24-04-2012, no valor total de €81.226,50 (juros de mora incluídos à data de 25-05-2012) devidas por força do contrato de locação financeira imobiliária referido em epigrafe, vimos por este meio solicitar a V.ª Ex.ª que, no prazo de 8 dias úteis, procedam ao pagamento da quantia em atraso, acrescida dos juros de mora contratuais.

Se decorrido tal prazo, o pagamento não se encontrar feito faremos valer contenciosamente os nossos direitos, aplicando o previsto na cláusula 13.ª das Condições Gerais do contrato em causa"

24. A carta foi enviada pela requerente para a morada da Avenida Marques ... – Villa São Paulo, n.º 35, …do ..., … ..., correspondente localização do imóvel locado.

25. No dia 25 de Maio de 2012 a requerente enviou a Miguel …, para a morada sita na Rua do ..., n.º4, 5.º Esq.º … ..., a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 61 com os seguintes dizeres “ vimos dar-lhe conhecimento do conteúdo da carta enviada nesta data para o locatário em referência, cuja cópia se anexa.

Como é do conhecimento de V. Exas. temos em nosso poder uma livrança, avalizada por V. Exa para garantia do cumprimento do contrato referido em epígrafe, bem como a autorização para o seu preenchimento.

Assim, se a quantia em dívida não for paga no prazo referido na carta que anexamos, informamos V. Exa que iremos preencher e apresentar essa livrança a pagamento preenchida de acordo com a referida autorização e nos termos da cláusula 13.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária”.

26. No dia 25 de Maio de 2012 a requerente enviou a Cláudia … a carta cuja cópia de mostra junta a fls. 63 com os seguintes dizeres “ vimos dar-lhe conhecimento do conteúdo da carta enviada nesta data para o locatário em referência, cuja cópia se anexa.

Como é do conhecimento de V. Exas temos em nosso poder uma livrança, avalizada por V. Exa para garantia do cumprimento do contrato referido em epígrafe, bem como a autorização para o seu preenchimento.

Assim, se a quantia em dívida não for paga no prazo referido na carta que anexamos, informamos V. Exa que iremos preencher e apresentar essa livrança a pagamento preenchida de acordo com a referida autorização e nos termos da cláusula 13.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária”.

33. Na certidão da conservatória do registo predial em vigor, relativa à fracção em apreço, inexiste qualquer ónus inscrito ou pendente a favor da REQUERIDA, nomeadamente a aludida locação financeira entretanto cancelada.

37. Foram, ainda, remetidas comunicações a alertar que, face à factualidade supra descrita, a REQUERENTE iria proceder ao preenchimento da livrança subscrita pela REQUERIDA (avalizada por Miguel … e Cláudia …), que titulava o referido Contrato, conforme DOCS. 11 a 13 de fls. 67 a 69.

5. O requerente não responde a propostas para liquidação das obrigações apresentadas pela requerida.

O tribunal a quo fundamentou-se no seguinte:

 “Motivação da Decisão de Facto

O tribunal assentou a sua convicção na análise critica e conjugada dos depoimentos testemunhais prestados em audiência de discussão e julgamento e da prova documental junta aos autos, articulada com a posição da R. na oposição, que não contestou o contrato celebrado, os aditamentos e o incumprimento do mesmo, e de acordo com as regras da experiência comum e juízos de normalidade.

*

Concretizando.

O Tribunal teve as declarações da requerente na pessoa do seu legal representante …, que trabalha para o … desde há 32 anos, que explicou todo o desenrolar de acontecimentos desde a altura em que ocorreu o incumprimento, as comunicações havidas entre as partes, a carta interpelativa, as cartas resolutivas, as propostas da requerida que foram recusadas, bem como as reuniões havidas entre as partes, e as pessoas nelas presentes (13.07.201, 27.11.2012), tendo o seu depoimento porque credível e esclarecedor relevado para prova dos pontos 20 a 47 e 51.

A testemunha Sara …, bancária trabalhando para a requerente desde há 16 anos e na recuperação de créditos há 5 anos, a qual explicou que os processos da requerida transitaram para a recuperação em Maio, sendo que incumprimento vinha já de Novembro de 2011, tendo explicado as cartas que foram enviada, explicando ainda porque foi enviada uma segunda carta de resolução, explicando ainda todo o desenrolar de acontecimentos na sequência do incumprimento, os montantes em dívida, bem como a não entrega do imóvel, testemunha cujo que foi relevante para prova dos pontos 20 a 47 dos factos provados, depondo de forma esclarecedora e credível quanto aos mesmos.

A testemunha Jaime …, pai da Cláudia …, e genro do Miguel …, administradores da requerida, que explicou as razões do incumprimento, bem como o negócio que está a ser desenvolvido no imóvel locado, bem como a existência de propostas de acordo com o requerente e as obras efectuadas no locado, que depôs a toda a matéria e cujo depoimento porque esclarecedor e credível, fundou a resposta aos pontos dos factos provados 21, 40, 43 a 46, 52 e 53.

A testemunha José …, sócio de Cláudia … na empresa … que faz parte do grupo de obrigações da sócia Cláudia, e por isso teve conhecimento de propostas feitas pela requerida ao requerente, bem como de reuniões entre as partes, depondo de forma clara e precisa merecendo a credibilidade do Tribunal tendo o seu depoimento sido relevante fundou a resposta aos pontos dos factos provados 21, 40, 43 a 46, 52 e 53.

Da prova documental assumiu especial relevância:

(…)

O doc junto a fls. 60 para prova do ponto 23 e 24 dos factos provados.

O doc junto a fls. 61 para prova do ponto 25 dos factos provados.

O doc junto a fls. 63 para prova do ponto 26 dos factos provados.

(…)

O doc junto a fls.58 e 59 para prova do ponto 33, 42 e 45 dos factos provados.

O doc junto a fls. 67 a 72 para prova do ponto 37 a 39 e 41 dos factos provados.

(…)

No que concerne aos factos dados como não provados tal ficou a dever-se a não ter sido feita qualquer prova sobre os mesmos que alicerçasse a convicção positiva do tribunal.

Com efeito, a prova testemunhal produzida pela requerida foi insuficiente para demonstrar tal.”.

Nesta fundamentação, formalmente não se vislumbra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição. As partes também nada referiram a propósito.

Discorda-se da matéria contante nos nºs 23 a 26, para que não se dê como provada, por a recorrente se ter oposto a que tivesse recebido a carta aí referida, assim como na medida do que foi deposto por E, a qual trabalha para a apelada na “unidade das empresas” na recuperação de créditos, e Maria … (depoimento de parte), que tem poderes de representação da apelada designadamente para propostas contratuais, escrituras, cheques, conciliações e do teor do contrato em causa nos autos relativamente a moradas que aí constam e das cartas de fls 186 a 190.

Daí que a apelada, segundo a impugnante, não provou que a sua declaração foi recebida pelos destinatários por as cartas terem sido enviadas para moradas que não constavam no contrato.

No que concerne à matéria do nº 33 pretende-se outra redacção em virtude da certidão de registo predial referente ao prédio. 

Quanto à do nº 37 visto que dela não decorre que quer a apelante, quer os avalistas receberam os documentos que aí se mencionam, não bastando para o que se deu como provado a junção de uma fotocópia de cartas aos autos.

No que respeita à do nº 5, pretende-se ver assente uma vez que nesse sentido apontam prova documental e a dos ditos depoimentos, assim como de Jaime …, pai da administradora e sogro do administrador da recorrente, pela qual se infere que se remeteram propostas para regularização faseada das obrigações.

A alteração da decisão sobre a matéria de facto impõe-se quando a prova produzida impuser decisão diversa (artº 662º, nº 1, do CPC).

Procedendo à reapreciação da prova, pela audição e análise documental afigura-se-nos que o tribunal substantivamente também fez a apreciação da prova de forma criteriosa, nada permitindo concluir que houve qualquer erro na apreciação da prova.

Assim é.

A matéria dos nºs 23 a 26 e 37.

Se a questão é a de que não se provou que tanto a apelante como os avalistas em termos estritamente materiais receberam as comunicações aludidas nesses números que lhes respeitam e, consequentemente, que do seu teor tomaram conhecimento, efectivamente tal não se pode deduzir directamente da matéria desses números. Não sendo coadjuvado com outro tipo de alegação e elementos probatórios que o corrobore, o ter-se enviado uma carta por via postal simples não surte a conclusão indefectível de que o destinatário recebeu a declaração que a comporta.

Para além disto, a prova documental e oral que a recorrente invocou antes unicamente permitem demonstrar o que se deu como assente, sendo anódina para pretensão inversa. 

Como tal ainda, a discussão nesta oportunidade sobre se esta matéria permite, ou não as conclusões de direito que se extraíram na sentença é alheia e extravasa a averiguação da própria literalidade dos números ora em causa.

A matéria do nº 33.

Sem que nesta sede devam concorrer questões de direito alheias à averiguação da materialidade dos factos dir-se-á que na respectiva redacção se quis sobretudo referir que a inscrição da locação financeira foi cancelada, independentemente de qualquer outra vicissitude, de resto aflorada no nº 47 da matéria assente, que sempre poderá será relevada se não consistir em questão prejudicada pela resolução de outras e, assim, estritamente necessária à boa decisão da causa.

Por isto e face ao teor de fls 553 a 555 será de manter a respectiva redacção.    

A matéria do nº 5.

Efectivamente à matéria de que a apelada não respondeu a propostas para liquidação das obrigações apresentadas pela recorrente não se produziu qualquer prova documental ou oral que a demonstrasse cabalmente.

Questão para essa matéria não era, assim, a de saber se foram enviadas propostas de regularização faseada de obrigações. Isso era um pressuposto certo.

E do conjunto dos depoimentos que foram invocados, com maior importância para o de D, antes resulta, apesar de algumas indefinições mas que não prejudicaram o essencial da compreensão da temática, que foram respondidas pela apelada propostas da apelante designadamente inseridas em reuniões para o efeito, sendo recusadas ou sugerindo-se alternativas e dando-se, por isso, conhecimento, inclusivamente via postal, ainda que se possa depois questionar se foi devidamente endereçada. 

Aliás, de marcante também, a testemunha Jaime … mencionou que agiu como conselheiro da sua filha e genro, administradores da recorrente, em propostas que se apresentaram à recorrida e, por seu turno, numa reunião entre ambas as partes pela apelada foi pedida à apelante “que elaborassem um plano de pagamentos …para regularizarem de uma forma sistemática e de acordo com as possibilidades deles…”, o que não deixava de revelar interesse da apelada na via negocial receptiva a propostas de solução. Ademais que teve a possibilidade de “conhecer a situação, quer da empresa, quer do resultado que tinham dado nas propostas anteriores, quer da possibilidade que eles teriam de aumentar as receitas …”. Contudo, afigura-se-nos, também o seu depoimento revelou certas fragilidades ao incidirem concretamente sobre a falta de respostas a outras propostas da recorrente em que colaborou, se bem que ainda revelasse respostas da apelada de só aceitar “uma proposta global para todas as coisas …”, tudo se podendo resumir a um conflito de interesses insolúvel em que antecipadamente já saberia da posição da recorrida.

Nestes termos, quanto a este número, outra não poderia ser a decisão do tribunal a quo face também ao disposto no artº 516º do CPC (cfr ainda artº 346º do CC).   

Assim, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mantendo-se sem qualquer modificação nos termos antes descritos, sem prejuízo de se entender igualmente que matéria de teor conclusivo como a do nº 44 no plano factual valerá apenas o que se concluir no plano de direito sobre se encontra resolvido o contrato.

Quanto a este item o que sobreleva é saber se a declaração da recorrente de resolução do contrato de locação financeira, não havendo aqui dissídio sobre esta realidade contratual, em si era capaz de a operar validamente e se a sua comunicação à recorrente foi eficaz.

A primeira questão acaba também por se encontrar colocada nas conclusões do recurso, pois invoca-se que não foi concedido qualquer prazo para a cessação da mora, sem que se distinga qualquer comunicação das que os autos se reportam que aludem à resolução do contrato e que alegadamente não chegou ao conhecimento da recorrente sem culpa sua.

É sabido que o contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes nos termos gerais com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte (artº 17º, nº 1 do DL 149/95 de 24.06). 

Segundo o regime geral a resolução do contrato pode ser fundada na lei ou em convenção (artº 432º, nº 1 do CC), mediante declaração à outra parte (artº 436º, nº 1 do CC).

No caso de incumprimento temporário (rectius, mora) o contrato pode ser resolvido quando se converta num não cumprimento definitivo por perda de interesse na prestação ou falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para o efeito, ou se a mesma se tornou impossível por causa imputável ao devedor (artºs 801º e 802º, nº 2, 804º e 808º do CC).

Nessa interpelação para se cumprir em prazo razoável, para além de se dever determinar com precisão as prestações e modalidades de adimplemento, o período para o respectivo exercício igualmente deve ser declarado com a própria advertência da resolução, sendo certo que na avaliação desse prazo perante a economia e finalidade do contrato é que se considerará se é uma dilação razoável, em vista de uma derradeira possibilidade de o manter.

Ainda será admissível a resolução, desde logo havendo incumprimento definitivo, quando o devedor declara ao credor que não quer cumprir a prestação ainda com interesse para este ou existam outros factos que revelem essa vontade.

Ou se a prestação está sujeita a um termo essencial, absoluto, em que o facto de ela não ter sido realizada no tempo previsto implica imediatamente o não cumprimento definitivo pela perda do seu interesse para o credor e o consequente direito à declaração da resolução.

Ou ainda, admitido pelo citado artº 432º, se as partes estabeleceram no contrato a chamada cláusula resolutiva expressa, ou seja, se as partes estipularam que ambas ou uma delas tem o direito de resolver o contrato se ocorrer certo e determinado facto, como a inadimplência de uma específica obrigação.

Contudo, é de recordar, que embora as partes possam convencionar outros factos para além dos enumerados na lei para fazerem operar a resolução, não podem é ligar esse direito a um simples incumprimento de uma obrigação de que não resulte uma situação de ruptura da relação contratual, atento ao principio da boa fé (artº 762º, nº 2 do CC), ao critério geral do abuso do direito (artº 334º do CC) e ao disposto nos artºs 802º, nº 2, e 808º, nº 2, do CC, pelo que não deve admitir-se a resolução se, nesses termos, o incumprimento for insignificante ou tiver escassa importância (Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 1990, 234 e segs).

A par destas considerações, J. Calvão da Silva (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, Separata do Vol XXX do Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 322) ainda refere que “… as partes não podem dar à cláusula resolutiva expressa um conteúdo meramente genérico …” e “… quando se limitem a fazer uma mera referência genérica, em branco, à violação de (qualquer uma das) obrigações nascentes do contrato, a estipulação não passará de uma cláusula de estilo …, já que não houve uma prévia vontade contratual (bilateral) que de facto valorasse especificamente a gravidade da inadimplência”.

O contrato foi celebrado em 24.11.2006.

O incumprimento respeita à falta de pagamento de rendas vencidas primeiro desde 20.11.20122 a 20.08.2012 (10 rendas) e respectivas despesas no dito contrato, no valor total de 129.504,25€.

Segundo esse contrato, o valor da aquisição do imóvel foi de 5.039.648,22€, sendo que o valor para obras fixado de 370.000,00€, o IMI de 302.378,89€, e outros impostos e despesas de 54.096,48€, num total de 5.776.123,59€.

O prazo de duração do contrato foi estipulado em 20 anos e a requerida comprometeu-se a pagar 240 rendas mensais: a primeira no valor de 1.300.000,00€ e seguintes 17 no valor de 18.000,00€ cada uma e 222 no valor de 26.175,62€ cada uma.

No dia 22.05.2007 foi efectuado um aditamento ao contrato de locação financeira, tendo as partes acordado nomeadamente um aumento do financiamento no montante de 330.000,00€. Em virtude disso o montante total do contrato de locação financeira ficou fixado em 6.096.123,59€

Do contrato consta cláusula com teor resolutivo.

Ficou estipulado na cláusula 13ª das condições gerais que “Para além de outros casos previstos na lei e no contrato, este poderá ser resolvido por iniciativa da locadora, havendo incumprimento definitivo pela locatária, de qualquer das suas cláusulas” e “considera-se que existe incumprimento definitivo quando a locatária se apresentar em mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a sessenta dias”.

Num outro aditamento ao contrato, celebrado em 23.02.2010, na cláusula X, condições particulares, denominada “outras cláusulas de resolução do contrato”, estipulou-se que “locador e locatária acordam em considerar como causa objectiva de perda do interesse contratual na manutenção de vigência do presente contrato, o incumprimento temporário ou definitivo, pela locatária de qualquer uma das obrigações que para si resultam de quaisquer outros contratos celebrados ou a celebrar entre ambos, tendo o locador o direito de resolver este ou qualquer contrato entre ambos celebrado, caso a locatária não faça cessar a situação de incumprimento em que se encontra no prazo que lhe fora dado pelo locador para o efeito”.

Ou seja, da economia do contrato e do seu aditamento quanto a cláusulas resolutivas no segundo temos uma situação de resolução ainda mais limitadora para a recorrida e potenciadora de um maior desequilíbrio jurídico e financeiro entre, designadamente, a obrigação de concessão do gozo do imóvel e as obrigações de pagamento das rendas e de realização de obras.

Mesmo que se ponderem essas cláusulas no confronto com o valor do contrato e o valor global das rendas em dívida até sessenta dias antes das cartas de 25.05.2012, 07.08.2012 e 17.10.2012 constantes da matéria assente.

Reflectem, pois, flagrante o desequilíbrio económico dos interesses das partes em conflito e, não sugerindo situação de ruptura da relação contratual que justifique serem os respectivos pressupostos ligados a incumprimento definitivo, que tivesse havido, como se anteviu, “prévia vontade contratual (bilateral) que de facto valorasse especificamente a gravidade da inadimplência”.

Repare-se que o DL 285/2001, de 03.11 revogou (artº 5º), além do mais, o artº 16º do citado DL 149/95, o qual previa que a mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a 60 dias permitia ao locador resolver o contrato, salvo convenção em contrário do locatário e, mesmo assim, este preceito previa uma válvula de segurança ao prescrever que o locatário poderia precludir esse direito à resolução em certas condições no prazo de oito dias contados da notificação do locador da resolução do contrato.

Nestes termos, no caso concreto deve-se concluir que existe uma limitação à liberdade contratual que leva à desconsideração de tais cláusulas “resolutivas” e ao afastamento da sua aplicação.

Daí, sem mais e independentemente da questão de se considerarem, ou não recebidas, a importância das ditas cartas é nula na medida dessas cláusulas.  

Assim sendo restará analisá-las, entre as causas resolutivas acima enunciadas e face aos factos dados como assentes, na óptica da condição resolutiva relacionada com a mora prevista no artº 808º, nº 1, do CC, por se ter convertida num não cumprimento definitivo por perda de interesse na prestação ou por falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para o efeito.

Não se demonstra que a recorrida tivesse perdido interesse (que seria apreciado objectivamente, nos termos do nº 2 do artº 808º do CC) em que a recorrente cumprisse as suas obrigações.

Quanto ao prazo de pagamento das rendas em atraso qualquer uma dessas cartas não foi concebida para a fixação de tal prazo.

Inclusivamente a primeira. Invoca um prazo (oito dias) sem a intenção de considerar pelo seu simples decurso o incumprimento definitivo do contrato nos termos do artº 808º, nº 1, do CC, na medida em que ao fixá-lo, não usando a expressão resolução, somente o faz para advertir que vai fazer operar a aludida cláusula 13ª.

O que as outras duas cartas confirmam ao considerarem já resolvido o contrato com base nessa cláusula e não no prazo fixado anteriormente.

Pelo que nem haverá que fazer o raciocínio sobre a sua razoabilidade à luz desse preceito.

Sem necessidade de qualquer outro tipo de considerações a resolução do contrato não operou e, por isso, este não se deve considerar extinto.

Mesmo que assim não fosse, não ficou ainda provado que efectivamente a recorrente tivesse recepcionada a primeira carta.

E tinha a recorrida o ónus para a sua demonstração (artº 342º, nº 1 do CC).

Essa carta não foi endereçada sequer para a sede da recorrida sendo-o antes para a morada do prédio em causa e que era a indicada como domicilio da recorrente no último aditamento ao contrato (23.02.2010).

O referido ónus mantendo-se para a recorrida, as cartas para os administradores/avalistas dando conhecimento do conteúdo dessa carta não foram enviadas para morada indicada no contrato nem para as indicadas no pacto social da requerida quanto a eles. E não lhes foram remetidas na qualidade pessoal e simultaneamente na de representantes legais da recorrida.

No contrato não se estabeleceu qualquer cláusula obrigando a que as comunicações entre a recorrida e a recorrente e avalistas fossem efectuadas para certo e determinado domicilio.

Na medida em que a segunda carta foi anulada e substituída pela terceira interessa-nos agora esta carta.

Mas a mesma enquanto interpelação admonitória, se enviada para o domicílio da sede da recorrente do que se podia concluir que apesar de ter sido devolvida por não ser reclamada devia ser dada como recepcionada, atento ao disposto no artº 224º, nº 2, do CC, não teria de qualquer modo relevância.

 Assim sendo não se encontra preenchido o primeiro requisito de que dependeria a procedência desta providência prevista no artº 21º, nº 1, do DL 149/95 pelo qual “Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido do cancelamento do registo da locação financeira, a efectuar por via electrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao Tribunal providência cautelar consistente na entrega imediata ao requerente”.

O que implica que se julgue o recurso procedente e se revogue a sentença por ser improcedente a providência.

Sumário, da única responsabilidade do relator.

1- Na cláusula resolutiva de um contrato de locação financeira não se pode convencionar outros factos para além dos enumerados na lei que operem a resolução que impliquem um simples incumprimento de uma obrigação de que não resulte uma situação de ruptura da relação contratual, atento ao principio da boa fé, ao critério geral do abuso do direito e ao disposto nos artºs 802º, nº 2, e 808º, nº 2, do CC.

2- Face a esta limitação à liberdade contratual que leva à desconsideração de tal cláusula “resolutiva” e ao afastamento da sua aplicação, se for caso disso restará avaliar da licitude da resolução entre outras causas resolutivas, nomeadamente a relacionada com a mora prevista no artº 808º, nº 1, do CC, por se ter convertida num não cumprimento definitivo por perda de interesse na prestação ou falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para o efeito.

Decisão.

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, sendo improcedente a resolução revoga-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 23.10.2014

Eduardo José Oliveira Azevedo

Olindo Santos Geraldes

Lúcia de Sousa