Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
638/10.8TBCLD-A.L1-1
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: 1. Pretendendo o recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, cumpre-lhe observar as exigências que constam das alíneas a) e b) do nº 1 e dos nºs 2 e 4 do artigo 685º-B do Cód. Proc. Civ., constituindo a respectiva omissão motivo para rejeitar o recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2. Ou seja, o recorrente deve: i) identificar os concretos pontos de facto sobre os quais pretende que a Relação se pronuncie; ii) explicar porque razão a 1ª instância os julgou incorrectamente e indicar o modo como, na sua perspectiva, deveriam ter sido/ser julgados; iii) especificar os concretos meios probatórios que alicerçam a sua posição.
3. Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (artigo 1411º nº 1 do Cód. Proc. Civ.).
4. Tratando-se da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a existência de circunstâncias supervenientes à fixação do respectivo regime e que tornem necessário alterar o que tiver ficado estabelecido permite a qualquer dos progenitores requerer nova regulação (artigo 182º nº 1 da LTM).
5. Tratar-se-á, então de circunstâncias que afectem significativamente o primitivo equilíbrio, impondo a uma das partes um sacrifício injustificado. O que, em casos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, deve ser sempre aferido recorrendo ao interesse do menor (artigos 180º da LTM e 1905º do Cód. Civ.).
6. Tratando-se de factos constitutivos do direito de quem pretende prevalecer-se da alteração (artigo 342º nº 1 do Cód. Civ.), a ele cabe a demonstração da verificação daquelas circunstâncias e contra ele há-de ser resolvida a dúvida existente (artigo 516º do Cód. Proc. Civ.). Sem esquecer-se, contudo, os poderes oficiosos do artigo 1409º nº 2 do Cód. Proc. Civ..
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
F.S. comunicou ao tribunal que P.S., mãe de suas filhas C.S. e A.S., nada lhe comunicava sobre as filhas e as deixava com frequência sozinhas em casa. Mais manifestou a sua discordância por dispor apenas de dois fins-de-semana por mês para estar com as filhas e pelo montante fixado a título de alimentos para elas, já que não pode pagar os 300,00€ fixados por causa da crise. Concluiu pedindo que todas essas irregularidades fossem corrigidas.
Considerando que estava em causa a alteração das responsabilidades parentais, o tribunal mandou citar a requerida para alegar o que tivesse por conveniente.
Veio ela, então, dizer, em síntese, o seguinte: nunca deixa as menores sozinhas; só fala com o requerente em caso de necessidade, porque ele a insulta e ameaça; o requerente passa com as filhas muito mais do que dois fins-de-semana por mês, até porque a requerida não levanta obstáculos a esses contactos; quem não cumpre os horários para ir buscar e levar as filhas é o requerente, que, aliás, aparece várias vezes alcoolizado; o requerente tem um nível de vida acima da média e pode pagar a pensão de alimentos fixada; todavia, deixou de a pagar há dois meses, o mesmo acontecendo com a comparticipação para as despesas de saúde e escolares das menores; aliás, o requerente nunca actualizou o valor da pensão.
No âmbito da conferência de pais, foi alcançado o acordo dos mesmos no tocante ao regime de visitas, logo homologado por sentença.
Não houve, porém, consenso quanto à pensão de alimentos, pelo que as partes foram notificadas para alegar, igualmente sendo pedidos relatórios sociais.
A requerida apresentou alegações.
Foram juntos os solicitados relatórios sociais.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sem produção de prova, uma vez que a requerida prescindiu da inquirição das testemunhas arroladas.
Foi, então, proferida sentença que julgou improcedente a alteração da pensão de alimentos, por não ter sido feita prova de que o requerente vira diminuídos os seus rendimentos e/ou aumentadas as suas despesas ou de que as necessidades das menores decresceram.
Dessa sentença o requerente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
(...)
A requerida e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, defendendo a confirmação da sentença.
*
São os seguintes os factos que a sentença considerou provados:
1. Por sentença transitada em julgado, foi homologado o acordo alcançado em conferência de interessados realizada em 13.5.10, foi determinado que as menores C.S. e A.S. ficariam a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais, quanto às questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores, tendo sido fixado a cargo do progenitor uma prestação de alimentos no valor de 150,00€ mensais, respeitante a cada uma das menores, sendo que este suportaria, ainda, metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares e de actividades extracurriculares.
2. O progenitor trabalha como ortodontologista, sendo responsável pela C., nas C.R… .
3. No ano de 2011, o progenitor declarou um rendimento de 6.583,50€.
4. O progenitor encontrou-se de baixa entre 31.3.12 e 29.4.12.
5. As menores encontram-se a estudar.
6. A progenitora das menores aufere mensalmente a quantia de 606,99€, como empregada de restauração
7. A progenitora das menores despende mensalmente a quantia de 250,00€ para pagamento de empréstimo bancário para aquisição de habitação.
8. Em Setembro de 2012, a progenitora das menores despendeu a quantia de 10,15€ com água.
9. Em Outubro de 2012, a progenitora das menores despendeu a quantia de 60,35€ com electricidade.
10. Em Maio de 2012, a progenitora das menores despendeu a quantia de 46,00€ com gás.
*
I - A primeira questão a abordar prende-se com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
(...)
Prossegue o apelante, no ponto d. (que deveria corresponder ao nº 8) das suas alegações, entendendo que os factos que mencionou ou são “do conhecimento geral, isto é notórios” ou estão provados por documentos, “por exemplo, mediante atestado médico, recibos de renda de casa, de luz e água”, mais acrescentando as despesas com o seu sustento e com a compra dos materiais para o exercício da sua profissão.
Sucede que se a crise que hoje vivemos pode ser considerada notória, já os reflexos da mesma na situação económica e financeira de cada pessoa estão longe de poder dispensar a respectiva prova. Sendo igualmente notório que qualquer pessoa tem gastos com o seu sustento, já o não é o montante desses gastos e, muito menos, o custo dos materiais referidos. Por outro lado, não consta deste Apenso A qualquer atestado médico, sendo certo que o apelante nem sequer esclarece a que processo terá sido junto.
Em resumo, o apelante entende que deveriam ter sido considerados provados factos que não alegou – alguns dos quais, aliás, não suficientemente concretizados – e relativamente aos quais ou não invoca qualquer meio de prova ou invoca meio probatório que não identifica minimamente ou invoca meios probatórios que não constam deste Apenso.
Importa, consequentemente, rejeitar o recurso no que à impugnação da decisão sobre a matéria de facto respeita.

II - A segunda questão a tratar respeita aos pressupostos de que depende a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (artigo 1411º nº 1 do Cód. Proc. Civ.).
Tratando-se da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a existência de circunstâncias supervenientes à fixação do respectivo regime e que tornem necessário alterar o que tiver ficado estabelecido permite a qualquer dos progenitores requerer nova regulação (artigo 182º nº 1 da LTM).
Mesmo em sede de jurisdição contenciosa, o montante dos alimentos fixados pode ser alterado se as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem (artigo 2012º do Cód. Civ.).
Atendendo à possibilidade de as condições de vida que determinam certas decisões variarem ao longo do tempo, a lei abre, neste tipo de casos, uma brecha aos princípios da estabilidade e imutabilidade do caso julgado – embora sem prejuízo dos efeitos já produzidos – por forma a repor o equilíbrio e justiça do caso concreto.
Ainda assim, só se justifica a quebra daqueles princípios se as circunstâncias supervenientes forem de tal ordem que afectem significativamente o primitivo equilíbrio, impondo a uma das partes um sacrifício injustificado. O que, em casos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, deve ser sempre aferido recorrendo ao interesse do menor (artigos 180º da LTM e 1905º do Cód. Civ.).
A conclusão de que as circunstâncias são supervenientes e de que justificam a alteração do anteriormente fixado implica, naturalmente, o cotejo entre a situação existente à data em que ocorreu tal fixação e aquela que se verifica no momento em que é pedida a alteração (sem prejuízo, como é bom de ver, do previsto quanto a articulados supervenientes e do disposto no artigo 663º do Cód. Proc. Civ.).
Tratando-se de factos constitutivos do direito de quem pretende prevalecer-se da alteração (artigo 342º nº 1 do Cód. Civ.), a ele cabe a demonstração da verificação daquelas circunstâncias e contra ele há-de ser resolvida a dúvida existente (artigo 516º do Cód. Proc. Civ.). Sem esquecer-se, contudo, os poderes oficiosos do artigo 1409º nº 2 do Cód. Proc. Civ..
No caso em análise, é manifesto que a factualidade demonstrada não permite concluir pela verificação do circunstancialismo necessário à pretendida alteração, tal como decidiu a sentença.
*
Por todo o exposto, acordamos em, rejeitando o recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, julgar improcedente a apelação, mantendo, consequentemente, a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 11 de Junho de 2013
Maria da Graça Araújo
José Augusto Ramos
João Ramos de Sousa