Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GRAÇA ARAÚJO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REQUISITOS REJEIÇÃO DE RECURSO MEIOS DE PROVA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA | ||
Sumário: | 1. Pretendendo o recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, cumpre-lhe observar as exigências que constam das alíneas a) e b) do nº 1 e dos nºs 2 e 4 do artigo 685º-B do Cód. Proc. Civ., constituindo a respectiva omissão motivo para rejeitar o recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 2. Ou seja, o recorrente deve: i) identificar os concretos pontos de facto sobre os quais pretende que a Relação se pronuncie; ii) explicar porque razão a 1ª instância os julgou incorrectamente e indicar o modo como, na sua perspectiva, deveriam ter sido/ser julgados; iii) especificar os concretos meios probatórios que alicerçam a sua posição. 3. Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (artigo 1411º nº 1 do Cód. Proc. Civ.). 4. Tratando-se da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a existência de circunstâncias supervenientes à fixação do respectivo regime e que tornem necessário alterar o que tiver ficado estabelecido permite a qualquer dos progenitores requerer nova regulação (artigo 182º nº 1 da LTM). 5. Tratar-se-á, então de circunstâncias que afectem significativamente o primitivo equilíbrio, impondo a uma das partes um sacrifício injustificado. O que, em casos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, deve ser sempre aferido recorrendo ao interesse do menor (artigos 180º da LTM e 1905º do Cód. Civ.). 6. Tratando-se de factos constitutivos do direito de quem pretende prevalecer-se da alteração (artigo 342º nº 1 do Cód. Civ.), a ele cabe a demonstração da verificação daquelas circunstâncias e contra ele há-de ser resolvida a dúvida existente (artigo 516º do Cód. Proc. Civ.). Sem esquecer-se, contudo, os poderes oficiosos do artigo 1409º nº 2 do Cód. Proc. Civ.. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: F.S. comunicou ao tribunal que P.S., mãe de suas filhas C.S. e A.S., nada lhe comunicava sobre as filhas e as deixava com frequência sozinhas em casa. Mais manifestou a sua discordância por dispor apenas de dois fins-de-semana por mês para estar com as filhas e pelo montante fixado a título de alimentos para elas, já que não pode pagar os 300,00€ fixados por causa da crise. Concluiu pedindo que todas essas irregularidades fossem corrigidas. Considerando que estava em causa a alteração das responsabilidades parentais, o tribunal mandou citar a requerida para alegar o que tivesse por conveniente. Veio ela, então, dizer, em síntese, o seguinte: nunca deixa as menores sozinhas; só fala com o requerente em caso de necessidade, porque ele a insulta e ameaça; o requerente passa com as filhas muito mais do que dois fins-de-semana por mês, até porque a requerida não levanta obstáculos a esses contactos; quem não cumpre os horários para ir buscar e levar as filhas é o requerente, que, aliás, aparece várias vezes alcoolizado; o requerente tem um nível de vida acima da média e pode pagar a pensão de alimentos fixada; todavia, deixou de a pagar há dois meses, o mesmo acontecendo com a comparticipação para as despesas de saúde e escolares das menores; aliás, o requerente nunca actualizou o valor da pensão. No âmbito da conferência de pais, foi alcançado o acordo dos mesmos no tocante ao regime de visitas, logo homologado por sentença. Não houve, porém, consenso quanto à pensão de alimentos, pelo que as partes foram notificadas para alegar, igualmente sendo pedidos relatórios sociais. A requerida apresentou alegações. Foram juntos os solicitados relatórios sociais. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sem produção de prova, uma vez que a requerida prescindiu da inquirição das testemunhas arroladas. Foi, então, proferida sentença que julgou improcedente a alteração da pensão de alimentos, por não ter sido feita prova de que o requerente vira diminuídos os seus rendimentos e/ou aumentadas as suas despesas ou de que as necessidades das menores decresceram. Dessa sentença o requerente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: (...) A requerida e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, defendendo a confirmação da sentença. * São os seguintes os factos que a sentença considerou provados: 1. Por sentença transitada em julgado, foi homologado o acordo alcançado em conferência de interessados realizada em 13.5.10, foi determinado que as menores C.S. e A.S. ficariam a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais, quanto às questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores, tendo sido fixado a cargo do progenitor uma prestação de alimentos no valor de 150,00€ mensais, respeitante a cada uma das menores, sendo que este suportaria, ainda, metade das despesas médicas, medicamentosas, escolares e de actividades extracurriculares. 2. O progenitor trabalha como ortodontologista, sendo responsável pela C., nas C.R… . 3. No ano de 2011, o progenitor declarou um rendimento de 6.583,50€. 4. O progenitor encontrou-se de baixa entre 31.3.12 e 29.4.12. 5. As menores encontram-se a estudar. 6. A progenitora das menores aufere mensalmente a quantia de 606,99€, como empregada de restauração 7. A progenitora das menores despende mensalmente a quantia de 250,00€ para pagamento de empréstimo bancário para aquisição de habitação. 8. Em Setembro de 2012, a progenitora das menores despendeu a quantia de 10,15€ com água. 9. Em Outubro de 2012, a progenitora das menores despendeu a quantia de 60,35€ com electricidade. 10. Em Maio de 2012, a progenitora das menores despendeu a quantia de 46,00€ com gás. * I - A primeira questão a abordar prende-se com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. (...) Prossegue o apelante, no ponto d. (que deveria corresponder ao nº 8) das suas alegações, entendendo que os factos que mencionou ou são “do conhecimento geral, isto é notórios” ou estão provados por documentos, “por exemplo, mediante atestado médico, recibos de renda de casa, de luz e água”, mais acrescentando as despesas com o seu sustento e com a compra dos materiais para o exercício da sua profissão. Sucede que se a crise que hoje vivemos pode ser considerada notória, já os reflexos da mesma na situação económica e financeira de cada pessoa estão longe de poder dispensar a respectiva prova. Sendo igualmente notório que qualquer pessoa tem gastos com o seu sustento, já o não é o montante desses gastos e, muito menos, o custo dos materiais referidos. Por outro lado, não consta deste Apenso A qualquer atestado médico, sendo certo que o apelante nem sequer esclarece a que processo terá sido junto. Em resumo, o apelante entende que deveriam ter sido considerados provados factos que não alegou – alguns dos quais, aliás, não suficientemente concretizados – e relativamente aos quais ou não invoca qualquer meio de prova ou invoca meio probatório que não identifica minimamente ou invoca meios probatórios que não constam deste Apenso. Importa, consequentemente, rejeitar o recurso no que à impugnação da decisão sobre a matéria de facto respeita. II - A segunda questão a tratar respeita aos pressupostos de que depende a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais. Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (artigo 1411º nº 1 do Cód. Proc. Civ.). Tratando-se da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a existência de circunstâncias supervenientes à fixação do respectivo regime e que tornem necessário alterar o que tiver ficado estabelecido permite a qualquer dos progenitores requerer nova regulação (artigo 182º nº 1 da LTM). Mesmo em sede de jurisdição contenciosa, o montante dos alimentos fixados pode ser alterado se as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem (artigo 2012º do Cód. Civ.). Atendendo à possibilidade de as condições de vida que determinam certas decisões variarem ao longo do tempo, a lei abre, neste tipo de casos, uma brecha aos princípios da estabilidade e imutabilidade do caso julgado – embora sem prejuízo dos efeitos já produzidos – por forma a repor o equilíbrio e justiça do caso concreto. Ainda assim, só se justifica a quebra daqueles princípios se as circunstâncias supervenientes forem de tal ordem que afectem significativamente o primitivo equilíbrio, impondo a uma das partes um sacrifício injustificado. O que, em casos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, deve ser sempre aferido recorrendo ao interesse do menor (artigos 180º da LTM e 1905º do Cód. Civ.). A conclusão de que as circunstâncias são supervenientes e de que justificam a alteração do anteriormente fixado implica, naturalmente, o cotejo entre a situação existente à data em que ocorreu tal fixação e aquela que se verifica no momento em que é pedida a alteração (sem prejuízo, como é bom de ver, do previsto quanto a articulados supervenientes e do disposto no artigo 663º do Cód. Proc. Civ.). Tratando-se de factos constitutivos do direito de quem pretende prevalecer-se da alteração (artigo 342º nº 1 do Cód. Civ.), a ele cabe a demonstração da verificação daquelas circunstâncias e contra ele há-de ser resolvida a dúvida existente (artigo 516º do Cód. Proc. Civ.). Sem esquecer-se, contudo, os poderes oficiosos do artigo 1409º nº 2 do Cód. Proc. Civ.. No caso em análise, é manifesto que a factualidade demonstrada não permite concluir pela verificação do circunstancialismo necessário à pretendida alteração, tal como decidiu a sentença. * Por todo o exposto, acordamos em, rejeitando o recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, julgar improcedente a apelação, mantendo, consequentemente, a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 11 de Junho de 2013 Maria da Graça Araújo José Augusto Ramos João Ramos de Sousa |