Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6549/13.8TDLSB-A.L1-3
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
PROMOÇÃO DO PROCESSO PELO MP
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Segundo o princípio do acusatório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da CRP, deve existir uma rígida separação entre a entidade que promove o processo penal e que fixa faticamente o seu objeto com vista a sua submissão a julgamento (Ministério Público), e a entidade que, de forma equidistante, imparcial e sem comprometimento quer com a acusação, quer com a defesa, julga esse mesmo objeto (os Tribunais).

Assim, e para efeitos da densificação do conceito de “falta de promoção do processo pelo Ministério Público” dever-se-á entender que apenas haverá lugar àquela falta quando, no plano da legitimidade, não seja esta magistratura a promovê-lo, nomeadamente através da abertura do competente inquérito, ou quando não seja este a deduzir a acusação que lhe compete, designadamente quando estejam em causa crimes de natureza pública ou semipública.

Para que se possa afirmar que o MP investigou factos e que não se pronunciou sobre os mesmos, que constituiriam ou não os crimes denunciados sobre os quais o MP não acusou, terá que constar do Despacho que no decurso do Inquérito foram efetivamente recolhidos indícios da sua prática e que o MP não acusou, em violação expressa das suas funções.

É sobre factos que incide a atividade investigatória e não sobre a qualificação jurídica que lhes atribui o queixoso ou denunciante, e o MP deduz acusação sobre os factos que investigou e sobre os quais entendeu existirem indícios suficientes da sua prática e dos respetivos autores qualificando-os juridicamente.

Não é a qualificação jurídica de uma qualquer denúncia ou queixa que limita e define a atividade do MP mas sim o resultado da sua investigação

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
 
Por despacho judicial de 28 de novembro de 2020, foi pelo declarada “a nulidade do acto processual de encerramento do inquérito, por falta de promoção do processo, cfr. art. 119º, al. b), do C.P.P., bem como os trâmites subsequentes dele dependentes” tendo-se determinado “a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público competentes, com vista a que aquela possa ser sanada.

Inconformado veio o MP apresentar o presente recurso cujas motivações concluiu do seguinte modo:
1. O presente recurso tem como objecto o douto despacho judicial datado de 28.11.2020, o qual veio declarar a nulidade do acto processual de encerramento do inquérito, ao abrigo do disposto no artigo 119.º, alínea b) do Código de Processo Penal, e determinar a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público para efeitos de sanação, por ter considerado existir “falta de promoção” a propósito dos crimes de falsificação de documento e de favorecimento de credores e ainda quanto à denunciada sociedade “I....... – Ind.... A...., S.A.”
2. Impunha-se, todavia, ao Tribunal a quo a recepção da acusação deduzida nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 311.º do Código de Processo Penal, uma vez que o objecto do processo foi integralmente consumido pelo despacho de encerramento do inquérito consubstanciado na mencionada acusação.
3. A decisão ora recorrida não se encontra em conformidade com as normas legais aplicáveis ao caso concreto, tendo procedido a uma incorrecta interpretação e aplicação do direito, violando, desta forma, as normas constantes nos artigos 32.º, n.º 5 e 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 48.º, 53.º, n.º 2, alínea b), 119.º, alínea b), 262.º, 276.º, n.º 1, 283.º, n.ºs 1 e 3 alínea c), e 311.º do Código de Processo Penal.
4. Da conjugação dos artigos 219.º da CRP, 4.º, n.º 1, alíneas d) e e) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, e 48.º, 53.º e 262.º e 263.º do Código de Processo Penal, resulta que o Ministério Público é o titular do exercício da acção penal, competindo-lhe promover o processo penal, com as limitações dos artigos 49.º, a 52.º e, em especial, receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes, dirigir o inquérito, deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento.
5. Segundo o princípio do acusatório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da CRP, deve existir uma rígida separação entre a entidade que promove o processo penal e que fixa faticamente o seu objecto com vista a sua submissão a julgamento (Ministério Público), e a entidade que, de forma equidistante, imparcial e sem comprometimento quer com a acusação, quer com a defesa, julga esse mesmo objecto (os Tribunais).
6. Assim, e para efeitos da densificação do conceito de “falta de promoção do processo pelo Ministério Público” (artigo 119.º alínea b) do Código de Processo Penal), dever-se-á entender que apenas haverá lugar àquela falta quando, no plano da legitimidade, não seja esta magistratura a promovê-lo, nomeadamente através da abertura do competente inquérito, ou quando não seja este a deduzir a acusação que lhe compete, designadamente quando estejam em causa crimes de natureza pública ou semipública.
7. No caso dos autos, não se afigura admissível qualificar as situações invocadas no despacho recorrido como uma nulidade insanável, nomeadamente a prevista no artigo 119.º, alínea b) do Código de Processo Penal, uma vez que a abertura do inquérito foi realizada pelo Ministério Público, foi encetada uma investigação pelo Ministério Público, e foi deduzida uma acusação pelo Ministério Público, tendo todos os factos investigados sido apreciados e posteriormente carreados para a acusação através da subsunção ao crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível, pelos artigos 22º, 23º, 217º, n. 1, e 218º, n. 2, al. a) do Código Penal, e ao crime de insolvência dolosa, previsto e punível pelo artigo 227.º, n. 1º, al. b), e n. 3, do Código Penal .
8. Neste sentido, e tendo o Ministério Público apreciado toda a factualidade que constituía o objecto do processo e subsumido a mesma ao crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível, pelos artigos 22º, 23º, 217º, n. 1, e 218º, n. 2, al. a) do Código Penal, e ao crime de insolvência dolosa, previsto e punível pelo artigo 227.º, n. 1º, al. b), e n. 3, do Código Penal, impunha-se a recepção da acusação nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, e a emissão de despacho nos termos dos artigos 312.º 313.º do Código de Processo Penal, o que não sucedeu.
9. Quanto à denunciada Sociedade “I........ – Ind... A..., SA”, não tendo o Ministério Público, aquando do encerramento do inquérito, tomado posição expressa quanto a esta, o que é um facto, ainda assim, inexiste a avançada nulidade insanável prevista no art. 119º, al. b), do C.P.P., por alegada “omissão de pronúncia”.
10. Sempre se dirá que, indiciam os autos que a suspeita Sociedade “I........ – Ind... A..., SA”, foi declarada insolvente, por sentença proferida em 03.03.2015, transitada em julgado, em 02.11.2015, e da investigação que foi realizada não foi possível identificar os legais representantes da aludida Sociedade “I........ – Ind... A..., SA”, por forma a, eventualmente, constitui-la arguida no âmbito deste inquérito e levá-la, se fosse esse o entendimento do Ministério Público, a julgamento.
11. Queremos, então, dizer com isto que não há qualquer falta de promoção do Ministério Público quanto à Sociedade “I........ – Ind... A..., SA”, porquanto não tinha como a constituir arguida e eventualmente acusar, por impossibilidade de ser representada em juízo.
12. Mas adita-se, que se não fosse o supra exposto o resultante dos autos, sempre se diria que se realmente tivesse ocorrido “omissão” por parte do Ministério Público quanto à  suspeita Sociedade “I........ – Ind... A..., SA”, sempre seria quanto a eventuais diligencias que pudessem reputar-se essenciais, e cairíamos, salvo melhor entendimento, no âmbito das nulidades dependentes de arguida – artigo 120º, n. 2º, al. d) do CPP-, e por esta razão nunca poderia ser oficiosamente apreciada pelo Tribunal a quo, já em fase do artigo 311.º do CPP, fase processual em que se encontravam os autos quando apresentados ao Tribunal a quo, atento o preceituado no artigo 120, n. 3º, al. c) do citado preceito legal.
13. No caso em apreço, embora a Denunciante tenha apresentado queixa crime contra a sociedade “I........ – Ind... A..., SA”, assumindo assim esta a qualidade de suspeita, certo é que aquando do recebimento do despacho de encerramento do inquérito, a Denunciante nada arguiu e conformou-se com a actuação do Ministério Público.
14. Até se aceita, que seria boa técnica o Ministério Público, aquando do encerramento do inquérito, tomar posição expressa quanto a todos os “crimes/qualificações jurídicas” e “suspeitos” avançados pelo denunciante. E, se tivesse ocorrido isto mesmo, no caso concreto, certamente, este recurso não existia!
15. Porém, em abono da verdade, sempre se dirá que, legalmente, não cabe ao Ministério Público afastar qualificações jurídicas, mas tão só apreciar toda a factualidade e a esta dar o devido enquadramento jurídico, e acaso tenha constituído suspeitos arguidos, aí sim tomar posição expressa quanto a esses arguidos.
16. E, no caso concreto, o Ministério Público fê-lo, assim cumprindo a Lei!
17. O Tribunal a quo, ao ter invocado e declarado a nulidade do artigo 119.º alínea d) do Código de Processo Penal, nos termos em que o fez, e com as consequências que dela poderiam decorrer, acabou por se imiscuir na actividade investigatória e decisória da definição do objecto do processo do Ministério Público, o que não se afigura aceitável e tolerável à luz do princípio do acusatório.
18. Para além disso, a nulidade invocada pelo Tribunal a quo não integra no âmbito de aplicação do artigo 311.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, uma vez que as nulidades ali previstas estão delimitadas às que “obstem à apreciação do mérito da causa” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18.02.2012 (Fernando Monterroso) e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.09.2018 (José Adriano)).
19. Em todo o caso, e ao contrário do que se afirma no douto despacho recorrido, o Ministério Público não deixou de se pronunciar, no despacho de encerramento do inquérito, sobre a totalidade do seu objecto, nem sobre a responsabilidade criminal dos arguidos, tendo vertido na acusação toda a factualidade relevante para o seu encerramento.
20. Ao qualificar os factos investigados no processo como crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível, pelos artigos 22º, 23º, 217º, n. 1, e 218º, n. 2, al. a) do Código Penal, e crime de insolvência dolosa, previsto e punível pelo artigo 227.º, n. 1º, al. b), e n. 3, do Código Penal, o que fez enquanto o único titular da acção penal e ao abrigo da sua autonomia constitucionalmente consagrada, o Ministério Público, excluiu, implicitamente, da sujeição a julgamento, as demais qualificações jurídicas feitas pela Denunciante.
21. Assim, e tendo o objecto do processo sido integralmente consumido pelo despacho de encerramento de inquérito deduzido pelo Ministério Público, em caso algum se poderia ter concluído por qualquer omissão de pronúncia.
22. Em conclusão, e pelos motivos expostos, ao declarar a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea b) do Código de Processo Penal, e ao determinar a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público, a fim de a mesma ser sanada, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 32.º, n.º 5 e 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea b), 119.º, alínea b), 262.º, 276.º, n.º 1, 283.º, n.ºs 1 e 3 alínea c), e 311.º do Código de Processo Penal.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que receba a acusação pública deduzida nestes autos, devendo os arguidos PR...... e IGI – I.... G.... I...., Lda., ser submetidos a julgamento pela prática pelo 1º arguido, em concurso real, e em co-autoria, de um crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível, pelos artigos 22º, 23º, 217º, n. 1, e 218º, n. 2, al. a) do Código Penal, e de um crime de insolvência dolosa, previsto e punível pelo artigo 227.º, n. 1º, al. b), e n. 3, do Código Penal, e pela 2ª arguida, em co-autoria, de um crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível, pelos artigos 22º, 23º, 217º, n. 1, e 218º, n. 2, al. a) do Código Penal.
 
V. Exas. farão, porém, a costumada e esperada Justiça.
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O recurso foi devidamente recebido.
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O Sr. PGA junto desta Relação emitiu o parecer que se reproduz, pugnando pela improcedência do recurso:

Parecer
Vem a Senhora Magistrada do Ministério Público interpor recurso do douto Despacho, datado de 28.11.2020, que declarou “a nulidade do ato processual de encerramento do inquérito, por falta de promoção do processo, cfr. Art. 119o, al. b), do CPP, bem como os trâmites subsequentes dele dependentes” e determinou “a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público competentes, com vista a que aquela possa ser sanada ”
Sumariamente, a douta Decisão em crise apresenta como fundamento o facto de o Ministério Público, no Despacho de encerramento do inquérito, não se pronunciar quanto à existência ou inexistência de indícios suficientes da prática, pelos agentes, dos denunciados crimes.
Para o Mmo. Juiz a quo, o Ministério Público tinha obrigação de tomar posição nos termos do disposto nos arts. 48°, 262° e 276°, n° 1, todos do CPP; razão pela qual, não o fazendo, incorreu em omissão de pronúncia, a qual configura a nulidade a que se refere a al. b) do n° 2 do art. 119°, do CPP, a qual determina a invalidade do Despacho de encerramento do inquérito e dos termos subsequentes.
O tema em análise foi detalhadamente analisado pela Magistrada do Ministério Público em 1ª instância na sua douta e competente peça recursória, na qual refuta consistentemente e fundamentadamente a argumentação expendida em sede da mencionada Decisão.
Com efeito, a nosso ver e salvo melhor, o Ministério Público pronunciou-se sobre a totalidade do objeto do inquérito, constando da acusação toda a factualidade relevante para o encerramento do mesmo.
Salvo o devido respeito por diversa posição, o Tribunal a quo, ao ter declarado a nulidade prevista no citado art. 119°. al. d) do CPP, procedeu a uma intromissão na atividade  investigatória e decisória quanto à definição do objeto do processo.
Pelo exposto, aderindo à motivação apresentada pelo Ministério Público, entendemos dever ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o douto Despacho recorrido.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2 do CPP, nada tendo sido dito.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II- O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP1 sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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Tendo em conta as conclusões apresentadas há que analisar e decidir no presente recurso:
- Se se verifica nulidade do acto processual de encerramento do inquérito, por falta de promoção do processo por parte do MP.
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A decisão recorrida é do seguinte teor:
O Ministério Público deduziu acusação contra PR...... e “IGI –
I.... G.... I...., Lda.”, melhor identificados em fls. 924, por entender existirem indícios suficientes da prática:
i) em co-autoria e na forma tentada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, al. a), todos do C.P.; e

                                                 
1 Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263); 
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”,       vol.             III,              p.                335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de  Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.  
 
ii) pelo primeiro, em autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo art. 227º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do C.P., após o que remeteu o processo à distribuição, para julgamento.
Todavia, compulsados os autos, verifica-se que o inquérito padece de nulidade insanável, da qual importa conhecer oficiosamente.
Com efeito, o presente processo teve origem na queixa de fls. 2 e ss., nos termos da qual a ora assistente “NCG Banco, S.A.”, veio dar conhecimento da prática, por “I........ – I... A..., S.A.” e desconhecidos, de:
i) um crime de burla qualificada;
ii) um crime de falsificação de documento;
iii) um crime de insolvência dolosa; e
iv) um crime de favorecimento de credores.
Foi, assim, por referência à alegada prática daqueles ilícitos criminais que Ministério Público desencadeou as necessárias diligências de investigação.
Sucede que, findo o inquérito, aquele não se pronunciou acerca do desfecho das investigações quanto à prática dos denunciados crimes de falsificação de documento e de favorecimento de credores.
De facto, o despacho de encerramento de inquérito, proferido ao abrigo do disposto no art. 276º, n.º 1, do C.P.P., é absolutamente omisso quanto à (in)existência de indícios suficientes da prática, pelos agentes identificados, dos referidos ilícitos criminais.
Ora, conforme afirma o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/6/2015 (processo n.º 4508/10.1T3AMD.L1-5, consultável em www.dgsi.pt):
“III – Tendo durante o inquérito sido investigados factos susceptíveis de integrar a prática de determinados crimes, impõe-se que o MP, nesta parte, aquando do despacho de encerramento do inquérito se pronuncie pela acusação ou arquivamento (total ou parcial) quanto aos mesmos.”
Nada dizendo a propósito dos crimes de falsificação de documento e de favorecimento de credores – relativamente aos quais tinha obrigação de tomar posição, cfr. arts. 48º, 262º e 276º, n.º 1, todos do C.P.P. – incorreu o Ministério Público em omissão de pronúncia, a qual configura “nulidade insanável, de conhecimento oficioso, prevista na alínea b) do n.° 2 do artigo 119.º do CPP, que determina a invalidade do despacho de encerramento do inquérito e dos termos subsequentes” (cfr. acórdão supracitado).
*

Por outro lado, não obstante a sociedade “I........ – Ind.... A...., S.A.” ter sido alvo de denúncia e ter sido considerada suspeita da prática dos factos em investigação, do referido despacho de encerramento nada consta quanto à sua (não) participação nos mesmos.
Com efeito, na queixa de fls. 2 e ss., por força da qual o Ministério Público adquiriu notícia dos ilícitos em apreço, aquela é expressamente indicada, pela assistente, como uma das autoras dos crimes denunciados.
Acresce que, ainda que não tenha sido constituída como arguida, a referida sociedade assumiu a qualidade de suspeita nos presentes autos, o que, aliás, resulta patente do teor do despacho de fls. 861, nos termos do qual o Ministério Público determina que se remeta ao processo n.º 622/13.0TBCTX:
“i. Informação que neste inquérito se investiga a prática dos crimes de burla qualificada na forma tentada e de insolvência dolosa, previstos e puníveis pelos arts. 22.º, 23.º, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, a) e 227.º, n.º 1, b) e n.º 3, do Código Penal. ii. Informação de que os factos investigados foram eventualmente praticados por PR...... e pelas sociedades comerciais I........ – Ind... A..., S.A e IGI – I... G... I..., Lda.” (sublinhados nossos).
Considerando que a tomada de posição quanto à verificação de um determinado crime pressupõe, necessariamente, a apreciação de quem foram os seus agentes, cfr. art. 283.º, n.º 1, do C.P.P., cumpria ao Ministério Público, em sede de despacho de encerramento do inquérito, pronunciar-se quanto à (in)existência de indícios suficientes da prática, pela mesma, dos crimes denunciados.
Não o tendo feito, conforme supra se avançou, também neste ponto incorreu em omissão de pronúncia, vício reconduzível, nos termos já enunciados, à nulidade insanável prevista no art. 119º, al. b), do C.P.P.
*
 
Por todo o acima exposto, sem necessidade de maiores considerações, declaro a nulidade do acto processual de encerramento do inquérito, por falta de promoção do processo, cfr. art. 119º, al. b), do C.P.P., bem como os trâmites subsequentes dele dependentes e determino a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público competentes, com vista a que aquela possa ser sanada.
Notifique, em conformidade, os diversos intervenientes processuais e, oportunamente dê baixa e devolva aos Serviços do Ministério Público competentes.
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Apreciando e decidindo:
Da insuficiência de inquérito:
A importa analisar e decidir respeita à nulidade decorrente da falta de promoção do processo, considerada verificada no despacho recorrido.
Como bem nota o MP são duas questões que importa analisar a fim de se apreciar se se verifica ou não a nulidade consistente na falta de promoção do inquérito declarada pelo despacho judicial em crise:
I– Saber se findo o inquérito o Ministério Público tinha legalmente o encargo de tomar posição expressa quanto aos crimes de “falsificação de documento e de favorecimento de credores”? avançados na queixa crime, pela denunciante e, ainda,
II– Saber se tendo sido denunciada a Sociedade “I........ – Ind... A..., SA”, e não tendo o Ministério Público, aquando do encerramento do inquérito, tomado posição expressa quanto a esta sociedade denunciada/suspeita, incorreu, em ambas as situações “em omissão de pronúncia, vício reconduzível, «…», à nulidade insanável prevista no art. 119º, al. b), do C.P.P.”
Relativamente à primeira das questões importa responder negativamente. O MP não tem que se pronunciar sobre qualificações jurídicas avançadas numa qualquer queixa-crime. A queixa, que no caso nem tão pouco consubstancia pressuposto de legitimidade investigatória e acusatória por parte do MP, dado que denunciava a prática de crimes públicos, apenas serve de partida para a investigação. Nesta devem ser apurados factos, cuja qualificação jurídica o MP deve realizar consoante os mesmos se verifiquem ou não, podendo os factos denunciados indiciariamente resultarem apurados e a sua qualificação jurídica ser diversa (o que nos parece incontestável).
Aliás, o Acórdão invocado na decisão recorrida não suporta a conclusão retirada. Na verdade, consta da decisão recorrida  Ora, conforme afirma o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/6/2015 (processo n.º 4508/10.1T3AMD.L1-5, consultável em www.dgsi.pt):
III–Tendo durante o inquérito sido investigados factos susceptíveis de integrar a prática de determinados crimes, impõe-se que o MP, nesta parte, aquando do despacho de encerramento do inquérito se pronuncie pela acusação ou arquivamento (total ou parcial) quanto aos mesmos.”
Nada dizendo a propósito dos crimes de falsificação de documento e de favorecimento de credores – relativamente aos quais tinha obrigação de tomar posição, cfr. arts. 48º, 262º e 276º, n.º 1, todos do C.P.P. – incorreu o Ministério Público em omissão de pronúncia, a qual configura “nulidade insanável, de conhecimento oficioso, prevista na alínea b) do n.° 2 do artigo 119.º do CPP, que determina a invalidade do despacho de encerramento do inquérito e dos termos subsequentes” (cfr. acórdão supracitado).
Ora, para que se possa afirmar que o MP investigou factos e que não se pronunciou sobre os mesmos, que constituiriam ou não os crimes denunciados sobre os quais o MP não acusou, teria que constar do Despacho que no decurso do Inquérito foram efetivamente recolhidos indícios da sua prática e que o MP não acusou, em violação expressa das suas funções. Todavia, do despacho recorrido não resulta que tenham sido recolhido factos suscetíveis de preencher os crimes denunciados.
No fundo o que aqui está em causa saber é se perante uma queixa ou denúncia o MP tem, sob pena de nulidade, no despacho de encerramento do inquérito tomar posição sobre o teor da mesma ou se tem apenas que se pronunciar sobre os factos investigados.
Cremos que é sobre factos que incide a atividade investigatória e não sobre a qualificação jurídica que lhes atribui o queixoso ou denunciante, verificando-se no caso concerto que o MP deduziu acusação sobre os factos que investigou e sobre os quais entendeu existirem indícios suficientes da sua prática e dos respetivos autores tendo-os qualificado juridicamente.
 
Como bem nota o MP, e acompanhando João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Artigos 1.º a 123.º, Coimbra, Almedina, 2019, pág. 1233, “[o] âmbito de aplicação desta norma esgota-se nesta hipótese paradigmática – prossecução processual sem prévia acusação do MP (…) ou, sendo caso disso, do assistente – não incluindo, como preconiza alguma jurisprudência (…), os casos em que o MP erradamente não deduz acusação proferindo um arquivamento expresso (arquiva em vez de acusar) ou implícito (acusa mas omite outros crimes (…)). Nestes casos, de errada leitura dos indícios recolhidos ou da sua integral qualificação jurídica, o controlo judicial, deverá ser suscitado pelo assistente (artigo 287.º/1/b), sob pena de, não o fazendo, se operar – nessa parte – a consumpção da acção penal (…): apesar de tudo o MP acabou por exercer a acção penal. Aliás, o que está em causa não é, sequer, um erro no rito processual susceptível de gerar invalidade, mas um erro de apreciação dos indícios ou da sua qualificação jurídica. Ele pode/deve ser impugnado, mas não é causa de invalidade.”
Daqui resulta que a resposta à segunda questão colocada pelo MP é igualmente negativa.
Não é a qualificação jurídica de uma qualquer denúncia ou queixa que limita e define a atividade do MP mas sim o resultado da sua investigação, os factos que resultam apurados ou não, e que devem ser objeto do despacho final do Inquérito. Obviamente que este despacho pode ser e deve ser sindicado quer pelo próprio juiz se se verificar a indiciação de factos suscetíveis de integrar a prática de crimes públicos e pelos assistentes quando entendam que o inquérito contém indícios da prática de factos suscetíveis de consubstanciar a prática de crimes.
Uma vez que na situação dos autos não se verifica qualquer das situações, não se verifica a nulidade apontada no despacho recorrido, devendo, por consequência o mesmo ser revogado e
substituído por outro que receba a acusação pública.
*
*
***
* Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Lisboa, em:
a) Julgar PROVIDO o recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e em consequência revoga-se a decisão proferida a qual deve ser substituída por outra que receba a acusação pública.
b) Sem custas.


Lisboa, 29 de setembro de 2021


Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).



Maria Gomes Bernardo Perquilhas
Rui Miguel Teixeira