Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1444/12.0TYLSB.L2-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: PLANO DE PAGAMENTOS
VOTAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Alegada a intenção de manipular uma votação - mas não demonstrada através de factos concretos passíveis de a revelar - , na ausência de outro fundamento que a tanto obste, é concluir pela aprovação do plano de pagamento por mais de 2/3 dos credores relacionados.
                               
            II. In casu, o tribunal recorrido decidiu todas as questões que lhe foram colocadas no âmbito dos presentes autos, embora possa não ter analisado, detalhadamente, todos, ou alguns, dos fundamentos e razões que foram avançados pela apelante
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
Em 6.08.2012, veio P, SA intentar a presente acção especial de suprimento do consentimento, pedindo que, nos termos e para os efeitos do nº 5 do art. 2º do Regime do PEC, se determine o suprimento dos restantes credores da requerente e a consequente homologação do plano de pagamentos apresentado, em virtude de o PEC ter sido aprovado por mais de 2/3 do valor total dos créditos relacionados.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
No dia 27.12.2011, a requerente requereu ao IAPMEI um PEC, o qual, em 26.06.2012, lavrou a acta final do PEC emitindo parecer favorável ao plano de conciliação apresentado.
Parte dos credores da requerente, que representam mais de 2/3 do valor total dos créditos relacionados, manifestaram a sua aprovação expressa ao plano.
O plano de pagamentos preenche o requisito previsto no art. 252º, nº 2 do CIRE, não resultando para os credores qualquer desvantagem económica superior à que resultaria caso a requerente fosse forçada a pedir a insolvência.
Apresenta lista de credores cujo suprimento requer, a saber: S –, Lda., C – ., Lda., SV, Lda., A II – …, SA, N –, Lda., P, Lda.,  PTP– …, SA, MC, SA, e C, Lda. (fls. 10 e 11).
Ordenada a notificação dos referidos credores para se pronunciarem, sob pena de não o fazendo se ter por conferida a sua adesão ao plano, com a consequente homologação do mesmo, pronunciaram-se:
- C, Lda., corrigindo o valor do seu crédito, que refere ascender ao montante global (capital e juros) de € 4.140,70, pedindo a notificação da requerente para vir actualizar o montante do seu crédito e proceder à modificação do plano de pagamentos por forma a que o perdão da dívida seja reduzida para 25%, com vista à obtenção do seu acordo; e
- PT, SA (por fusão da PTP, SA) corrigindo o valor do seu crédito, que refere ascender ao montante global (capital e juros) de € 93.860,98, pedindo a notificação da requerente para se pronunciar sobre o montante real do seu crédito, continuando os serviços a ser prestados e facturados, e propõe a modificação do plano de pagamentos por forma a que o pagamento do montante referido seja feito em 24 prestações mensais, iguais e sucessivas;
A requerente pronunciou-se sobre os requerimentos apresentados, propugnando pela sua improcedência.
Foi proferida sentença que declarou suprida a aprovação dos credores identificados a fls. 10 e 11 dos autos ao plano de pagamentos apresentado pela requerente e homologou-o.
A credora S – ...., Lda. veio dar conhecimento aos autos da nulidade da sua citação, a qual veio a ser declarada por acórdão desta Relação, que anulou a sentença proferida e a notificação da credora, bem como todo o processado subsequente, excepto o que não ficou prejudicado pela nulidade de tal notificação.
Ordenada a notificação da credora S – . …, Lda. para se pronunciar, veio a mesma pedir a correcção do seu crédito para o montante de € 137.860,00 (em virtude de pagamento parcial), e recusar o plano de pagamentos proposto porquanto: a) o mesmo acarreta uma desvantagem para credora, nos termos do art. 258º, nº 1, al. a) do CIRE, uma vez que o seu crédito se mostra garantido (por penhora); e b) existem dúvidas quanto à veracidade da relação de créditos apresentada (art. 258º, nº 1, al. c) do CIRE),  pedindo que os créditos invocados pelas sociedades P não sejam contabilizados para a formação da maioria de 2/3, sendo a lide declarada imediatamente extinta.
A requerente pronunciou-se sobre o requerimento apresentado, propugnando pela sua improcedência, excepto quanto à redução do crédito solicitado.
Foi proferida sentença que declarou suprida a aprovação dos credores identificados a fls. 10 e 11 dos autos, ao plano de pagamentos apresentado por P  S.A. e homologou por sentença o plano de pagamentos apresentado pela identificada devedora, bem como indeferiu a requerida produção de prova solicitada pelo credor S – Oficina … Lda.

Não se conformando com a sentença, dela apelou a credora S –, Lda., tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que supriu a aprovação da credora e ora recorrente ao plano de pagamentos apresentado pela recorrida e que homologou o referido plano de pagamentos por esta apresentado.
II. A douta sentença proferida pelo tribunal a quo veio “(…) declarar procedentes as pretensões da requerente, declarando o suprimento do consentimento de todos os credores ao plano de pagamentos apresentado pela requerente e a homologação do plano de pagamentos apresentado pela devedora.”
III. Decidiu, por isso, a douta sentença declarar “(…) suprida a aprovação dos credores identificados a fls. 10 e 11 dos autos, ao plano de pagamentos apresentado por p – … , s.a. e homologo por sentença o plano de pagamentos apresentado pela identificada devedora.”
IV. O douto tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de “(…) os fundamentos invocados não põem em causa a veracidade ou completude da lista de credores, não constituindo assim fundamento de indeferimento das prestações das requerentes.”
V. Entende o douto tribunal a quo que “no que respeita às relações invocadas com a sociedade requerente e os créditos ou credores em causa, não é a mera invocação de relações entre os mesmos, que permite ao tribunal, sem mais, por em causa a veracidade ou a completude da relação de créditos apresentada pelo devedor, sendo invocado pelo credor em causa manifestamente insuficiente para o efeito, tendo o tribunal igualmente ponderado os documentos juntos pela requerente em resposta.”
VI. Acrescenta ainda o douto tribunal a quo que “tal como menciona a devedora e com toda a precisão: «nenhuma restrição se impõe em todo o código das sociedade comerciais à existência de administradores comuns, em diversas sociedades em relação de domínio ou de grupo, nem de sedes em moradas coincidentes», não sendo esse facto, acrescentamos nós, suficiente para concluir no sentido pretendido pelo credor (…)”
VII. Não se podendo conformar com a douta decisão proferida pelo tribunal a quo, maxime com a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, veio a recorrente interpor o presente recurso de apelação.
VIII. Salvo melhor opinião em contrário, andou mal a douta sentença recorrida, ao interpretar e aplicar o disposto no art.º 258.º, n.º 1, al. c) do CIRE. porquanto,
IX. O processo previsto no Decreto-Lei n.º 316/98 de 20 de Outubro, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 201/2004 de 18 de Setembro, visa facilitar a viabilização de em situação de insolvência, ou na iminência da mesma, através do recurso à negociação entre os principais interessados (credor e devedor), com a mediação de um organismo público vocacionado para tal, o IAPMEI.
X. A situação prevista no n.º 5, do art.º 2.º visa exactamente conferir ao juiz a possibilidade de suprir os credores que não votaram a proposta de acordo; sendo que,
XI. Para tal terá o julgador de lançar mão do critério previsto no art.º 258.º do CIRE, relativo ao suprimento da aprovação dos credores relativamente ao plano de pagamentos a que alude o art.º 251.º.
XII. O tribunal a quo, salvo o devido respeito, não interpretou correctamente a disposição da al. c), do n.º 1 do art.º 258.º CIRE.
XIII. A credora, ora recorrente, na oportunidade que lhe foi concedida para se pronunciar sobre o plano, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 256.º CIRE, suscitou dúvidas legítimas sobre a veracidade da relação de créditos apresentada pelo devedor, dúvidas essas que apresentam consequências desfavoráveis quanto ao tratamento dado aos credores, previsto no plano.
XIV. As dúvidas suscitadas, são dúvidas reais e não levianas, que não podem jamais ser resolvidas/tratadas com um simples “(…) não sendo esse facto, (…) suficiente para concluir no sentido pretendido pelo credor (…)”
XV. A ora recorrente não se limita a impugnar a identificação do crédito, em termos que não se projectem na sua configuração.
XVI. Salvo melhor opinião em contrário, a legitimidade dessas dúvidas deve ser avaliada pelo juiz, segundo cremos, de acordo com duas perspectivas.
XVII. Por um lado, têm que ser dúvidas que se traduzem em resultados significativos, não só quanto à situação patrimonial do devedor, mas também quanto ao próprio interesse dos credores.
XVIII. Por outro lado, a legitimidade das dúvidas levantadas pelo credor opoente deve ser ponderada pelo que se refere à sua procedência.
XIX. O juiz, em face dos elementos trazidos ao processo pelo devedor e pelo credor, tem, pois, de apreciar, ainda que em termos perfunctórios, liminares, se tais dúvidas merecem acolhimento, em torno de interferirem com a correcta identificação do correspondente crédito.
XX. Nesse caso é o disposto no n.º 2 do art.º 258.º do CIRE que conduz a esta interpretação a al. c).
XXI. Aquela disposição legal aponta, decididamente, para a referida natureza da decisão que o juiz adoptar, negando o suprimento, quando dispõe que ela “não envolve decisão sobre a efectiva existência, natureza, montante e demais características” dos créditos a que as dúvidas respeitam.
XXII. Mas, como já se salientou na anotação ao art.º 256.º, resulta inequivocamente desta al. c) a possibilidade de os credores se pronunciarem quanto a créditos que são atribuídos pelo devedor a outros titulares, exactamente por isso deve ser decisivo no que respeita à apreciação da sua própria situação perante o plano.
XXIII. Neste sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/02/2011, no âmbito do Proc. 143/10.2TYLSB-A.L1-8, em que foi relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador António Valente, segundo o qual é “inadmissível que se lograsse um acordo com base em 2/3 dos créditos reclamados mas contendo um tratamento discriminatório injustificado em relação a alguns dos credores ou baseado numa relação de créditos que suscite legítimas dúvidas quanto à sua veracidade.”
XXIV. Acresce que não pode a recorrente deixar de estranhar as alterações que foram ocorrendo, no decurso dos presentes autos, e que necessariamente influenciam o plano de pagamentos apresentado, sem que a recorrida nada tivesse comunicado aos autos.
XXV. Desde logo, o próprio crédito da recorrente foi alterado, sem que a recorrida nada comunicasse ao processo.
XXVI. Também já na pendência dos presentes autos, segundo a própria recorrida afirma, esta terá pago integralmente, no mês de Dezembro/2013, a dívida que tinha para com a segurança social. Porquanto,
XXVII. Segundo alega a recorrida, em sede de contestação, no âmbito dos autos de processo de insolvência que contra si correm: “relativamente ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., convém referir que, no passado mês de Dezembro, a requerida procedeu ao pagamento antecipado e de uma só vez do montante em dívida!(…) a requerida procedeu ao pagamento antecipado de perto de um milhão de euros, o que demonstra bem a sua solvabilidade!”
XXVIII. Facto que a recorrente deu a conhecer nos presentes autos, mediante requerimento datado de 07/02/2014, mas sobre o qual a douta sentença não se pronuncia.
XXIX. Atenta a solvabilidade que a recorrida orgulhosamente alega, só podemos concluir que a mesma fez um uso abusivo do PEC e, aparentemente protegida pela lei, fez uso do suprimento do consentimento para se libertar do pagamento de grande parte das dívidas que contraiu junto de terceiros,
XXX. Protegendo certos e determinados interesses, nomeadamente os das sociedades directa e indirectamente ligadas ao grupo, mesmo que isso signifique prejudicar outros credores, quiçá de menor importância, como é o caso da recorrente S.
XXXI. Na verdade, se a recorrida está assim tão solúvel, para que necessita de recorrer ao PEC, mediante um plano de pagamentos aceite pelos credores? E porque necessita de recorrer ao suprimento judicial dos credores que como a requerida não vêm com bons olhos todas estas manobras?
XXXII. É certo que a recorrida não comunicou os referidos pagamentos ao processo.
XXXIII. Certo é, também, que podem ter sido efectuados outros pagamentos a outros credores, dos quais a recorrente não tenha tomado conhecimento.
XXXIV. A realização, pelo menos, daqueles pagamentos que a recorrente indicou nos presentes autos, alterou certamente o plano de pagamentos inicialmente apresentado pela recorrida.
XXXV. Significa isto que, o plano de pagamentos sobre o qual todos os credores se pronunciaram não é o mesmo à presente data. Ou seja,
XXXVI. Se o plano de pagamentos tivesse sido apresentado a todos os credores conforme se encontra presentemente, os mesmos poderiam ter-se pronunciado em sentido diverso, daquele em que efectivamente se pronunciaram.
XXXVII. Por uma questão de segurança jurídica subjacente, os credores têm direito a saber o que lhes irá suceder no decurso do processo.
XXXVIII. Ora atento todo o exposto, cumpre-nos evidenciar o facto de que o tribunal a quo não curou de apurar os factos trazidos pela recorrente aos autos,
XXXIX. Limitando-se a douta sentença recorrida a afirmar que “(…) não sendo esse facto, acrescentamos nós, suficiente para concluir no sentido pretendido pelo credor (…)” ou que “no que respeita aos alegados perdão ou redução de dívidas, esses factos, por si só, nada permitem igualmente concluir no sentido pretendido.”
XL. Ora, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida interpreta de forma incorrecta a disposição legal prevista no art.º 258.º, n.º 1, al. c) do CIRE, a qual deveria ter sido interpretada no sentido de não suprir o consentimento da recorrente, atentas as dúvidas legitimas quanto à veracidade da relação de créditos apresentada pela recorrida.
XLI. Acresce ainda o facto da douta decisão recorrida padecer de omissão de pronúncia, nos termos expostos em sede de alegações.
Termina requerendo a procedência da apelação, e, em consequência, a substituição da sentença recorrida por outra que indefira o suprimento do consentimento da Recorrente.
A apelada contra-alegou propugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O Mmo Juiz recorrido proferiu despacho no sentido de não se verificar a nulidade da sentença invocada.

QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1do CPC) as questões a decidir são:
a) das dúvidas legítimas quanto à veracidade da relação de créditos apresentada pelo devedor e da incorrecta interpretação do art. 258º, nº 1, al. c) do CIRE;
b) dos pagamentos efectuados e da alteração do plano;
c) da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos relevantes são os constantes do relatório supra e ainda (arts.663º, nº 2 e 607º, nºs 3 e 4 do NCPC):
1º - No requerimento do PEC a requerente relacionou os seguintes créditos, todos com referência à data de 30.11.2011:
a) Fazenda Nacional, no valor de € 645.614,46, sendo € 598.424,04 de capital, €37.757,63 de juros e € 9.432,79 de custas; Proposta de regularização da dívida: pagamento a 120 prestações mensais; Garantia: a constituir hipoteca voluntária sobre o imóvel sito na Amadora;
b) Segurança Social, no valor de € 1.377.898,92, sendo €1.186.398,14 de capital, €190.828,88 de juros e € 671,90 de custas; Proposta de regularização da dívida: pagamento a 150 prestações mensais com redução dos juros vencidos em 80%; Garantia: a constituir hipoteca voluntária sobre o imóvel sito no Saldanha;
c) P S.I. .., SA, no valor de € 2.003.221,00 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia total da dívida concedida a título de empréstimo;
d) P - .., SA, no valor de € 223.154,74 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia total da dívida concedida a título de empréstimo;
e) P VT, SLU, no valor de € 7.734,00 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia total da dívida concedida a título de empréstimo;
f) P A no valor de € 7.744,00 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia total da dívida concedida a título de empréstimo;
g) Fundo de Recuperação – F, no valor de € 287.364,18 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
h) S .., Lda., no valor de € 250.652,43 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
i) C …, no valor de € 163.847,75 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
j) C – …, Lda., no valor de € 104.781,00 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
l) CS – …, Lda., no valor de € 53.237,79 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
m) A II – …, SA, no valor de € 50.627,03 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
n) E A Portugal, SA, no valor de € 44.853,22 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
o) Câmara do …, no valor de € 27.643,32 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
p) Garagem …, no valor de € 25.873,86 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
q) NSI – …, Lda., no valor de € 22.453,36 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
r) P …, Lda., no valor de € 16.286,98 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
s) PTP – …., no valor de € 32.728,03 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
t) SK, SA, no valor de € 12.331,72 [1] de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
u) MC, SA, no valor de € 9.078,24 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
v) B… D – Auditoria, no valor de € 8.575,00 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
x) C, no valor de € 3.051,73 de capital; Proposta de regularização da dívida: renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC;
Valor total: € 5.378.752,76.
2. Deram o seu acordo ao plano de pagamentos os credores constantes das alíneas a), b), c), d), e), f), g), n), o), p), t), e v) do nº 1 (fls. 48 a 77). Valor total: € 4.672.008,42.
3. No dia 26.06.2012 foi elaborada a acta final (de acordo) no PEC, da qual consta, para além do mais, que o departamento técnico para o PEC do IAPMEI formulou parecer de que a requerente, através da implementação do acordo e, “especialmente através da adopção das medidas de consolidação financeira insertas, verá facilitadas as condições da sua viabilidade económica e financeira, nomeadamente assegurando a obtenção, no final da execução das referidas medidas, de um nível de autonomia financeira superior a 30% e de uma abertura de imobilizado por capitais permanentes com um grau de liquidez geral superior a 1,1 em qualquer dos indicadores”.
4. Tem-se por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 707.  
5. Tem-se por integralmente reproduzido o teor dos docs. de fls. 747, 748 e 749.
6. Tem-se por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 864.   
7. Tem-se por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 871.   
8. Tem-se por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 877.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Dispõe o art. 2º do DL. 316/98 de 20.10, com as alterações introduzidas pelo DL. 201/2004 de 18.08, diploma que aprovou o Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC) que “1. O procedimento de conciliação destina-se a obter a celebração de acordo, entre a empresa e todos ou alguns dos seus credores, que viabilize a recuperação da empresa em situação de insolvência, ainda que meramente eminente, nos termos do artigo 3º do CIRE. 2. No acordo podem ainda intervir os sócios da empresa ou outros interessados. 3- A participação dos credores públicos no procedimento de conciliação é obrigatório desde que a regularização das respectivas dívidas contribua, de forma decisiva, para a recuperação da empresa. … 5- Caso o conteúdo da proposta de acordo corresponda ao disposto no nº 2 do art. 252º do CIRE e haja sido, no âmbito do procedimento de conciliação, objecto de aprovação escrita por mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelo devedor no procedimento de conciliação, pode a mesma ser submetida ao juiz do tribunal que seria competente para o processo de insolvência para suprimento dos restantes credores e consequente homologação, com os mesmos efeitos previstos no CIRE para o plano de pagamentos. 6- Para efeitos do número anterior, é dispensada a notificação dos credores cuja aprovação escrita conste do requerimento apresentado, sendo apenas notificados, nos termos do artigo 256º do CIRE, os credores cuja aprovação se requer seja suprida pelo Tribunal” (itálico nosso).
O nº 2 do art. 252º do CIRE estabelece que “o plano de pagamentos pode prever moratórias, perdões, constituições de garantias, extinções, totais ou parciais, de garantias reais ou privilégios creditórios existentes, um programa calendarizado de pagamentos ou o pagamento numa só prestação, e a adopção pelo devedor de medidas concretas de qualquer natureza susceptíveis de melhorar a sua situação patrimonial”.
E o nº 1 do art. 258º do CIRE que o tribunal supre o consentimento dos credores que não hajam aprovado o plano “… desde que: a) para nenhum dos oponentes decorra do plano uma desvantagem económica superior à que, mantendo-se idênticas as circunstâncias do devedor, resultaria do prosseguimento do processo de insolvência, com liquidação da massa insolvente e exoneração do passivo restante, caso esta tenha sido solicitada pelo devedor em condições de ser concedida; b) os oponentes não sejam objecto de um tratamento discricionário injustificado; c) os oponentes não suscitem dúvidas legítimas quanto à veracidade ou completude da relação de créditos apresentada pelo devedor, com reflexos na adequação do tratamento que lhes é dispensado” (itálico nosso).
É neste quadro legal, e atendendo às circunstâncias concretas que se verificavam à data em que o Plano de Pagamentos foi apresentado com o requerimento de abertura do PEC, que têm de ser apreciadas as questões que são colocadas, independentemente do tempo já decorrido neste processo.
Sustenta a apelante que, com a aprovação do plano, decorre para si uma desvantagem económica e um tratamento injustificado, começando por referir que a consideração dos créditos emergentes da teia de sociedades P, com sedes nas mesmas moradas e dirigidas pelos mesmos gestores ou parceiros de outros negócios, inseridos na maioria de 2/3, coloca em causa o princípio da igualdade, tratando de uma forma discricionária a apelante.
Invoca, à laia de conclusão, que, não fosse a adulteração da maioria de 2/3 dos créditos relacionados e aquela maioria não só seria inexistente, como também muito provavelmente o prosseguimento de um processo de insolvência com liquidação da massa insolvente, não resultaria numa desvantagem económica superior à que decorre do plano de pagamentos assim apresentado.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não sufragamos a argumentação da apelante, a qual cai pela base porquanto, se se desconsiderasse os créditos que a apelante considera que “adulteram” a maioria de 2/3, o plano mostrar-se-ia, também, aprovado por uma maioria superior a 2/3.
Vejamos.
Começar-se-á por dizer que, tal como o entendeu o tribunal recorrido, nada na lei impede a existência das sociedades em relação de domínio ou de grupo [2], as relações comerciais ou de empréstimo entre as mesmas, nem a reclamação oportuna dos respectivos créditos ou renúncia aos mesmos, visando a viabilização de alguma delas, pelo que, sem outros factos – demonstrativos da concreta intenção de “manipular” votações -, se revelam irrelevantes todas as considerações que a apelante tece sobre a “rede” P e a “teia de administradores e gestores”, não se nos afigurando legítimas as dúvidas que a apelante coloca relativamente aos créditos relacionados apenas com base em tais factos [3].
Para além de não terem resultado demonstrados factos concretos demonstrativos da intenção de manipular a votação [4], a ponderação dos restantes créditos e dos que aprovaram o plano de pagamentos, excluídos os créditos da “rede” P, leva-nos a concluir pela aprovação do plano de pagamento por mais de 2/3 dos credores relacionados.
Engloba a apelante na “teia das sociedades P”, os créditos relacionados e elencados sob o nº 1, als. c) [5], d) [6], e) [7], f) [8] e g) [9] da fundamentação de facto supra, num total de € 2.851.050,32.
Pretende a apelante que os mesmos sejam desconsiderados na maioria de 2/3, mas tal só terá sentido e só será legítimo, se se desconsiderassem os próprios créditos em si.
Ou seja, se a apelante considera que todo o processo é ardiloso e que a apelada apenas relacionou os mencionados créditos por forma a obter uma maioria que lhe permitisse aprovar o plano, então são os próprios créditos que têm de ser desconsiderados e não apenas o seu “voto/acordo”.
Ora, desconsiderados tais créditos dos relacionados pela apelada, temos que o valor total dos outros créditos relacionados [10] é de € 2.849.534,84, ou seja, mais de 50% do valor total dos créditos relacionados pela apelada, o que não é irrelevante face ao disposto no art. 3º, nº 3 do DL. 316/98 de 20.10, com as alterações introduzidas pelo DL. 201/2004 de 18.08.
Ponderados apenas estes créditos, a aprovação por maioria de 2/3 terá de corresponder a votos de credores representativos de montante superior a € 1.899.689,89.
Tendo em conta que deram o seu acordo (expresso [11]) ao plano os credores elencados sob o nº 1, als. a), b), n), o), p), t) e v) da fundamentação de facto supra, aceitaram o plano credores representativos de € 2.142.790,50, ou seja, maioria superior a 2/3 dos relacionados e que nada têm a ver com as sociedades P, ou com a sua rede de administradores/gestores.
Assim, mesmo que dúvidas pudessem existir quanto à veracidade da relação de créditos apresentada pela apelada (o que, como se viu, não ocorre), nunca tais dúvidas seriam suficientes para pôr em causa a aprovação do plano por maioria de 2/3 dos restantes credores, pelo que tais dúvidas nunca teriam a virtualidade de se reflectirem na adequação do tratamento que foi dispensado à apelante, que, aliás, é igual ao dado aos restantes credores [12] - renúncia de 55% do valor em dívida e pagamento integral do valor remanescente com a celebração da acta final do PEC [13]-, à excepção do dado às entidades públicas (por imposição legal), e às empresas P [14] que renunciaram aos seus créditos.
Renúncia essa que, ao contrário do sustentando, nada tem de “pasmar” [15], uma vez que terá, certamente, em vista a viabilização da empresa do grupo e é uma das possibilidades previstas pelo nº 2 do art. 252º do CIRE para o conteúdo do plano de pagamentos, que prevê de forma expressa “os perdões”, que poderão ser de parte ou totalidade da dívida, sem qualquer limitação, tendo em vista que subjacente ao plano de pagamentos estará sempre a viabilização da sociedade, com as vantagens inerentes para os parceiros comerciais, e, no caso, também para as sociedades do grupo.
Quanto às dúvidas da apelante “quanto à situação patrimonial” da apelada, para além de nada de concreto ser indicado, não se pode esquecer que ao IAPMEI compete o controlo de tal questão, como resulta claramente do art. 4º do DL. 316/98 de 20.10, com as alterações introduzidas pelo DL. 201/2004 de 18.08.
Do que se deixa dito conclui-se que não se mostram legítimas as dúvidas que a apelante coloca relativamente aos créditos relacionados, e, muito menos, se pode concluir terem as mesmas virtualidade de se reflectirem na adequação do tratamento que foi dispensado à apelante.
Conclui-se, ainda, que o tribunal recorrido, ao contrário do sustentado, não fez incorrecta interpretação da al. c) do nº 1 do art. 258º do CIRE, tendo apreciado, embora resumidamente [16], as questões suscitadas pela apelante quanto aos créditos relacionados.
Vem, ainda, a apelante alegar que, ao longo do processo foram ocorrendo alterações ao plano de pagamentos apresentado, sem que a apelada o tivesse comunicado, resultando dos pagamentos a solvabilidade da apelada, e a conclusão do uso abusivo do PEC.
Para além de não resultarem assentes nos autos os factos que permitam aquilatar da veracidade do alegado, e de os mesmos não se inserirem no âmbito da oposição, não tem qualquer fundamento a alegação da apelante porquanto eventual uso abusivo do PEC teria levado o IAPMEI a recusar liminarmente o requerimento de conciliação, nos termos do art. 4º, nº 1, al. d) do DL. 316/98 de 20.10, com as alterações introduzidas pelo DL. 201/2004 de 18.08.
Por outro lado, o plano de pagamentos previa o pagamento integral do valor remanescente do crédito (após a renúncia de 55% do valor em dívida) com a celebração da acta final do PEC, pelo que tais pagamentos tiveram, necessariamente, de ser efectuados, como refere a apelada.
Por último, invoca a apelante a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, alegando que “… atento todo o exposto, cumpre-nos evidenciar o facto de que o tribunal a quo não curou de apurar os factos trazidos pela recorrente aos autos. Limitando-se a douta sentença recorrida a afirmar que “(…) não sendo esse facto, acrescentamos nós, suficiente para concluir no sentido pretendido pelo credor (…)” ou que “No que respeita aos alegados perdão ou redução de dívidas, esses factos, por si só, nada permitem igualmente concluir no sentido pretendido”.
Afinal qual foi a omissão cometida pelo tribunal recorrido ? De que questões deixou de conhecer ?
Não o concretiza a apelante.
Nos termos do art. 615º, nº1, d) do CPC a sentença é nula quando: … d) o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar …”.
A nulidade referida está em correspondência directa com o 1º período do nº 2 do art. 608º do CPC que impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Como refere Antunes Varela, in RLJ, ano 122, pág. 112, “não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão”.
Também, Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. V, pág. 143, ensinava que “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
In casu, o tribunal recorrido decidiu todas as questões que lhe foram colocadas no âmbito dos presentes autos, embora possa não ter analisado, detalhadamente, todos, ou alguns, dos fundamentos e razões que foram avançados pela apelante [17].
Tal não configura, porém, e como se referiu, a nulidade invocada, improcedendo, também nesta parte, a apelação, que, assim, improcede na íntegra.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
                                                           *
                                                           *
                                               Lisboa, 2014.06.03
                                              
                                              Cristina Coelho
                                            Roque Nogueira
                                           Pimentel Marcos

[1] Ratificado para este valor a fls. 75.
[2] E a sociedade apelada com as sociedades P SI – .., SA., P .., SA., P VT…, SL., e Ac.. P – …, Lda. são, incontestavelmente, sociedades do mesmo grupo.
[3] Não se deixando de referir que a análise feita pela apelante da “rede” P assenta em factos que se verificaram após a apresentação do requerimento do PEC, e mesmo após a acta final do IPAMEI a que se alude no ponto 3. da fundamentação de facto, sendo, portanto, irrelevantes.
[4] Atente-se que a apelante nunca pôs verdadeiramente em causa que os referidos créditos relacionados existissem.
[5] P SI – .., SA.
[6] P SGF, SA.
[7] P VT, SL.
[8] Academia P –  …, Lda.
[9] Fundo .. – … gerido pela E – .. …, SA.
[10] Créditos dos outros credores que não estão englobados na alegada “teia P”.
[11] Não se ponderando, sequer, os credores que, nestes autos, foram notificados para se pronunciarem e nada disseram, tendo-se, pois, por conferida a sua adesão ao plano, nos termos do art. 256º, nº 2, al. a) do CIRE e conforme resultava da própria notificação.
[12] Todos credores comuns, tal como a apelante.
[13] O que se traduz numa satisfação razoável dos créditos dos credores com inegáveis vantagens quanto ao tempo e modo de realização dos seus interesses.
[14] Créditos das als. c) a f) do nº 1 da fundamentação de facto.
[15] Sem prejuízo de eventual obrigação de prestar contas no seio da própria sociedade.
[16] Como parece impor o nº 2 do art. 258º do CIRE.
[17] Sendo certo que em sede de conclusões e, mesmo, alegações, a apelante não concretiza quais ficaram por analisar.