Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1664/16.9T8OER-C.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: PROVA
DOCUMENTOS
JUNÇÃO AOS AUTOS
PRAZO LIMITE
AUDIÊNCIA FINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: É de admitir a junção de documentos na véspera da 1ª sessão de audiência final, por se tratar de cumprimento, ainda que tardio – a ser sancionado com multa -, de despacho que a determinou, a requerimento da contraparte.



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


Por apenso à execução instaurada por F., SA contra P.M., Lda., a executada deduziu embargos à execução.

Em 23/06/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Na véspera do início da audiência a embargante veio requerer a junção aos autos de 34 documentos – opondo-se a embargada a tal junção, por inadmissibilidade legal.
De acordo com as regras do artigo 423º do CPC, e não se verificando qualquer das circunstâncias previstas no seu nº 3, não é admissível a junção de tais documentos – tanto mais que os pagamentos constituem tema da prova desde 21-I-21.
Motivo por que se indefere a junção.
Notifique – e, oportunamente, desentranhe e restitua os documentos.
Aguardem os autos a data designada para continuação da audiência.”

A embargante interpôs recurso deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
a)- O douto despacho do tribunal a quo indeferiu o requerimento de junção de documentos apresentados pela Recorrente (Embargante) com o fundamento de que não se verificam qualquer das circunstâncias previstas no n.º 3 do art.º 423.º do CPC.
b)- Sucede que, entre a data do requerimento de junção de documentos e a audiência final de julgamento decorreram mais de 20 dias, conforme prevê o n.º 2 do art.º 423.º do CPC.
c)- Por outro lado, a Recorrida não se opôs a tal junção, exercendo o direito ao contraditório e analisando criticamente todos e cada um dos documentos que a Recorrente juntou.
d)- A prova documental é um dos meios que permitem auxiliar o julgador a formar a sua convicção, além de constituir um direito de defesa constitucionalmente previsto, e, ainda que o não fosse, a verdade material enquanto fim último a alcançar pela justiça, constitui a ratio do poder judicial, prevalecendo sobre regras restritivas, como as malhas do rito processual fundadas no positivismo legalista, logo, impeditivas, por excesso formal, da demonstração dos direitos subjectivos em confronto.
e)- É manifesta a existência de errada interpretação da norma aplicável ao caso concreto, a par de uma desvalorização da prova requerida em tempo, com contraditório assegurado e exercido, pelo que, parece, não ter sido a melhor opção do tribunal, apesar das vicissitudes alegadas.
f)- Pelo que, foram violados, o nº. 2 do art.º 423.º do CPC(2013), e o disposto no art.º 4.º do mesmo diploma, bem como os princípios do direito probatório geral, que impõe ao julgador a aquisição dos mais amplos elementos de prova na fixação da sua convicção, para que a decisão seja o mais adequada possível à realidade de todos os factos suscitados em juízo, e não uma mera reprodução das peças constantes do processo.
Termos em que:
Deve o douto despacho do tribunal de 1.ª instância ser revogado, por violação de lei, e, em consequência, substituído por outro que admita a junção aos autos dos documentos apresentados pela Recorrente com o seu requerimento de 27 de Maio de 2021, com as legais consequências.”

O embargado apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A.– A decisão recorrida não é contrária à lei, assim como não viola o disposto no n.º 2 do art.º 423.º do CPC, nem o princípio da igualdade das partes previsto no art.º 4.º do CPC, nem tão pouco os princípios do direito probatório geral.
B.–Tendo em conta a letra da lei e a ratio do art.º 423.º, n.º 2, do CPC, a expressão “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final” significa “até à data em que efetivamente se inicie a audiência final”, o que, no caso concreto, ocorreu em 28.05.2021.
C.–É maioritário e praticamente unânime na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, para efeitos da contagem do referido prazo, releva a data em que se inicia a audiência final, independentemente de qualquer adiamento ou da sua continuação e mesmo que entre as várias sessões decorram mais de 20 dias.
D.– Ao requerer a junção aos autos de documentos na véspera da data em que se iniciou a audiência de julgamento, a Recorrente incumpriu o disposto no art.º 423.º, n.º 2, do CPC, sendo o requerimento apresentado em 27.05.2021 extemporâneo, injustificado e contrário à lei.
E.– Por outro lado, a junção dos referidos documentos não se tornou necessária em virtude de qualquer ocorrência posterior, tanto mais que já em 21.01.2021 a Recorrente tinha sido notificada para os apresentar, no prazo de 10 dias, o que incumpriu,
F.– Ao que acresce o facto de a Recorrente não ter demonstrado a impossibilidade da sua apresentação em momento anterior,
G.– Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a junção aos autos dos documentos que Recorrente pretendeu apesentar naquela data [27.05.2021],
H.– Ao pronunciar-se sobre o requerimento apresentado pela Recorrente em 27.05.2021 e sobre os documentos que o acompanham, cuja junção aos autos veio a ser rejeitada pelo Tribunal a quo, o Recorrido limitou-se a exercer um direito que lhe é conferido por lei,
I.–Emitindo a sua pronúncia ao abrigo do princípio do contraditório, que se encontra ínsito na garantia constitucional de acesso ao direito, consagrada no art.º 20.º da CRP, e que se traduz na possibilidade dada às partes de exercerem o seu direito de defesa e exporem as suas razões no processo antes de o Tribunal proferir uma decisão, essa sim, com carácter jurisdicional e efetivo, e com a isenção, imparcialidade e independência que lhe está inerente.
J.– O dever de gestão processual e inquisitório que subjaz ao disposto nos artigos 6.º, 411.º e 436.º do CPC não serve, nem pode servir para colmatar a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e a prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respetivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, sob pena de colisão com outros importantes princípios, do processo civil e até constitucionais, mormente o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (20.º e 62.º da CRP), o que não se poderá aceitar.
K.– Em face do exposto, tendo a Recorrente requerido a junção dos documentos aos autos muito depois de ter sido notificada para o efeito [notificação que foi válida e eficazmente efetuada em 21.01.2021, na audiência prévia], tendo-o feito após o termo do prazo do prazo previsto no n.º 2 do art.º 423.º do CPC,
L.– E não estando verificados os pressupostos previstos no n.º 3 do art.º 423.º do CPC, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a junção dos documentos requerida pela Recorrente.
M.– Termos em que deverá o recurso interposto pela Apelante ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se na integra a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, se dignem a julgar o recurso interposto pela Recorrente como improcedente, por não provado.”

***
A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a constante do relatório que antecede bem como a seguinte, resultante da tramitação dos autos:

A)– Em 11/12/2020 foi proferido despacho do seguinte teor:
“Tendo presente e em observância do superiormente determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, deverão os autos prosseguir os seus termos, com vista ao conhecimento da invocada excepção de compensação de créditos.
Atenta a natureza das questões suscitadas pela embargante e o teor da contestação apresentada pela exequente, os presentes embargos deverão prosseguir para conhecimento do invocado contracrédito sobre a exequente e consequente compensação de créditos e abuso de direito da exequente.
Para esse efeito, em face do superiormente determinado quanto a essa matéria, e, do alegado pela embargante nos artigos 29 a 31 dos presentes embargos, ao abrigo do disposto no artigo 590º, n.º 2, al. c) do CPC, convido a embargante a, no prazo de 10 (dez) dias, proceder à junção aos autos dos documentos protestados juntar (cfr. artigo 30, parte final do requerimento inicial) em sede de requerimento de embargos”.

B)–Em 16/03/2020, depois de prorrogado o prazo inicialmente concedido, a embargante apresentou requerimento, tendo anexado 11 documentos, protestados juntar no art.º 30.º parte final do requerimento inicial/petição de embargos.
C)–Em 02/04/2020, o embargado pronunciou-se, tendo impugnado os referidos documentos. Mais requereu o seguinte:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 429.º do C.P.C. e por se afigurar essencial para a descoberta da verdade, requer-se a notificação da Embargante para juntar aos autos cópia dos documentos comprovativos e que evidenciem o pagamento das faturas juntas ao processo e ainda, bem como para juntar aos autos os documentos contabilísticos que evidenciem a comunicação fiscal e o registo das faturas em análise junto da Autoridade Tributária.
A documentação cuja junção se requer destina-se a fazer contraprova de todos os factos alegados pela Embargante artigos 1.º a 3.º do requerimento subscrito com a referência 35181171, a que ora se responde.”

D)–Em 21/01/2021 foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os seguintes temas de prova:
1)- A aceitação pela embargante das condições existentes na data do contrato.
2)- A realização das obras do artº 29 da petição.
3)- O pagamento da quantia de 277.268.00€ pela embargante por essas obras.
4)- A concordância da embargada dessas obras.
5)- A aceitação do pagamento das mesmas.”

Mais foi ordenada a notificação da embargante para juntar aos autos os documentos, no prazo de 10 dias, conforme requerido pela embargada em 02/04/2020.
E)–Em 27/05/2021, a embargante requereu a junção aos autos de 34 documentos, tendo alegado o seguinte:
“(…) vem requerer a junção aos autos de documentos comprovativos dos pagamentos efectuados pela Embargante, valores reclamados em sede de compensação, nos termos legais,
sendo que tais comprovativos devem ser relacionados, conexionados ou complementados, com as respostas juntas aos autos pelos fornecedores/prestadores de serviços em causa,
o que estes fizeram em consequência da notificação do tribunal para tal efeito, respeitando-se, neste requerimento, a ordem apresentada no requerimento de fls...,(refª.16581050) de 16/3/2020, relativa à resposta apresentada em conformidade com os art.ºs 29.º e 30.º do requerimento inicial de embargos.
Os documentos ora juntos só agora foi possível obtê-los por dificuldades na sua conciliação bancária e contabilística, bem como se tornam necessários por virtude da impugnação pela Embargada dos valores e entidades constantes de fls... (ref.ª 16581050) apresentados pela Embargante, e conforme supra.”

F)–O embargado impugnou os documentos e pugnou pela aplicação de multa pela junção tardia e incompleta.
G)–A audiência final decorreu em sessões realizadas nos dias 28/05/2021, 31/05/2021, 01/06/2021 e 05/07/2021.

H)–Os artigos 29º a 31º da petição de embargos têm o seguinte teor:
29.–Ora, a Embargante detetou as seguintes faltas nas instalações que condicionavam a sua atividade:
a)- Faltavam os barramentos de ligação elétrica à rede;
b)- Foi executada praticamente toda a instalação elétrica do imóvel e respetivas armaduras;
c)- No stand de exposição, foi executada toda a instalação elétrica e candeeiros;
d)- Foram colocadas e instaladas as luzes de emergência nos locais obrigatórios;
e)- Executou-se a ligação elétrica das bombas de água do serviço de extinção de incêndios;
f)- Foi necessário fazer toda uma nova tubagem da rede de águas e de extinção de incêndios, incluindo os carretéis e extintores;
g)- Foi executada uma nova rede de deteção de incêndios;
h)- Foi executada uma nova rede de deteção de CO2 no piso inferior;
i)- Foram reparados os 8 portões existentes, sendo que 7 deles estavam vandalizados;
j)- Foram reparadas as portas corta-fogo, substituindo-se fechos e fechaduras;
k)- E por fim, foi reparado o telhado da nave do rés-do-chão, com limpeza de algerozes e substituição da totalidade dos acrílicos;
30.–Ora, todas estas obras executadas pela Embargante comportaram um custo total de € 277.268,00, com IVA incluído, conforme documentos que se protestam juntar.
31.–Além do que a Embargante já suportou, a realidade é que subsistem outras faltas, como o projecto de segurança obrigatório e a instalação de climatização ao normal funcionamento da área de exposição e escritórios, o que só nesta parte terá um custo de cerca de € 125.000, mais IVA.”

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).

Assim, a questão a decidir é a da (in)admissibilidade da junção de documentos requerida pela embargante.

A apelante fundou a junção dos documentos por constituírem comprovativos dos pagamentos que efetuou, valores reclamados em sede de compensação, e por apenas aquando da sua apresentação “ter sido possível obtê-los, por dificuldades na sua conciliação bancária e contabilística, bem como se tornam necessários por virtude da impugnação pela Embargada dos valores e entidades constantes de fls… (ref.ª 16581050) apresentados pela Embargante.”

Em sede do presente recurso alegou a embargante que releva o prazo de 20 dias previsto no n.º 2 do art.º 423.º do CPC, o qual deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e que o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento, uma interrupção ou repetição de audiência, pelo que tendo a derradeira sessão (final) de julgamento dos autos ocorrido em 05 de Julho de 2021 (4.ª sessão), entre o pedido de junção de documentos requerido pela Recorrente (27.05.2021) e a última sessão de julgamento (05.07.2021) decorreram 39 dias.

O artº 423º do CPC regula o momento de apresentação dos documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa.

Estabelece este preceito três momentos distintos para a junção dos referidos documentos: i) com os respetivos articulados (nº 1); ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (nº 2); iii) após o referido limite temporal, quando não tenha sido possível obtê-los antes ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (nº 3).

O entendimento de que o prazo de vinte dias mencionado no nº 2 do artº 423º do CPC se conta com referência à primeira sessão de julgamento (quer constitua mera abertura seguida de adiamento quer a primeira das várias com produção de prova) não colhe unanimidade na jurisprudência nem na doutrina. Esta posição é defendida por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 519, nos seguintes termos “A teleologia do preceito, que visa evitar a perturbação resultante da apresentação extemporânea de documentos, leva-nos a considerar que o limite para a sua apresentação (…) tem como referência a data designada para a audiência final ou para a primeira sessão, independentemente de qualquer adiamento ou continuação.” Perfilham tal entendimento, por ex., os acórdãos da Relação de Lisboa de 04/06/2020, 12/10/2021, disponíveis em www.dgsi.pt.

Todavia, referem os citados autores (CPC Anotado, vol. I, pág. 521) que “apesar da rigidez para que o preceito parece apontar, em parte associada ao princípio da autorresponsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no artigo 411.º e concretizado ainda no art.º 436.º (acerca do necessário equilíbrio entre a autorresponsabilidade das partes e a oficiosidade do inquisitório, cf. Paulo Pimenta, ob. cit., pp. 372-373).” 

Por seu turno, o entendimento de que o prazo se conta por referência à realização da audiência (uma das suas sessões), resultante de adiamento ou continuação, e não apenas à data designada para o seu início, é defendido por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, pág. 241 e pág. 675. Na jurisprudência, podemos constatar esta posição, designadamente, nos acórdãos da Relação do Porto de 07/01/2019, 15/11/2018, 14/07/2020, disponíveis em www.dgsi.pt.

Subscrevemos esta última posição, pelos fundamentos explanados no citado acórdão da RP de 15/11/2018, que aqui transcrevemos:
“Em suma, a lei deve ser interpretada e aplicada, perspetivando sempre a unidade e a coerência do sistema jurídico (artigo 9.º/1 do CC), sopesando os princípios em presença., nomeadamente o princípio da verdade material, estruturante de todo o processo civil (visa-se a verdade substancial, até porque a ‘verdade formal’ ou meramente processual é mera ficção). (…)

Em primeiro lugar, a letra do preceito “data em que se realize a audiência” não permite a interpretação literal que se está a reportar ao início da audiência.
Por outro lado, o legislador que teve por finalidade impedir que fossem apresentados documentos imediatamente antes do encerramento da audiência de julgamento, como era permitido no regime anterior, por razões de lealdade e para evitar que a audiência de prolongasse, impôs que os documentos sejam entregues até 20 dias antes da data em que se realize a audiência.
Contudo não se se vislumbra que quando a audiência não é contínua haja especial perturbação com a apresentação dos documentos, desde que entregues até 20 dias antes da data designada para a continuação da audiência.


Note-se que a fixação do prazo de 20 dias, antes da data designada para a realização ou continuação da audiência de julgamento, possibilita desde logo que a parte contrária (obrigatoriamente notificada pelo apresentante nos termos do art. 427º do CPC) se pronuncie sobre a sua admissibilidade e ainda impugne os documentos apresentados, nos termos do art. 444º do CPC, no prazo de 10 dias, expressamente fixado neste normativo, ou seja, necessariamente antes da continuação da audiência, não havendo, por isso, em regra, perturbação para o decurso da audiência.

Por outro lado, se as circunstâncias o exigirem, a parte contrária, passa a ter a possibilidade legal, nos termos do art. 423º n.º 3, parte final do CPC de apresentar documentos para contrariar os apresentados, sem multa.

Não há, pois, qualquer violação do princípio da igualdade das partes, que inclui o do contraditório, em interpretar o art. 423º n.º 2, de forma a contabilizar o prazo nele fixado tendo por referência a data da efetiva realização da audiência e não a data do seu início.

De resto, como resulta do preambulo da Lei n.º 41/2013, que aprovou o atual CPC, uma das principais finalidades do legislador, foi evitar que formalismos processuais impeçam a descoberta da verdade material e, por isso, as normas que fixam preclusões processuais têm de ser interpretadas em consonância com o princípio da prevalência do mérito, evitando que formalismos processuais obstem à descoberta da verdade.

Entendemos, pois, que o prazo limite para a apresentação dos documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final, mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência (cf. neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. II, 3ª edição, págs. 241 e 675/676).”

Assim, tendo os documentos sido apresentados em 27/05/2021, foi respeitado o prazo de vinte dias por referência à última sessão, realizada no dia 05/07/2021.

O despacho recorrido tem subjacente o entendimento de que o prazo previsto no nº 2 do artº 423º do CPC se conta por referência à data do início da audiência de julgamento, não relevando as sessões posteriores em que o julgamento se desenrolou – entendimento que o recorrido subscreve em sede de contra-alegação de recurso.

Todavia, importa ter presente o circunstancialismo em que ocorreu a junção dos documentos pela embargante, de que se destaca ter sido o embargado a requerer a junção daqueles, relativos ao pagamento dos trabalhos que sustentam a compensação invocada, e com vista à respetiva contraprova (os documentos objeto da decisão recorrida são constituídos por cópias de cheques, faturas, recibos, comprovativos de transferências bancárias), o que fez no exercício do contraditório relativamente a documentos juntos pela embargante, que impugnou – como o próprio admite na resposta apresentada em 09/06/2021 e na contra-alegação de recurso (cfr. conclusão E) –, o que foi deferido pelo Tribunal recorrido, aquando da realização da audiência prévia, notificando a embargante para o fazer, no prazo de 10 dias.

É certo que a embargante não acatou o prazo concedido para o efeito. Todavia, o Tribunal não se pronunciou sobre a omissão da embargante – oficiosamente ou a requerimento do embargado (que, diga-se, não se vislumbra ter insistido na junção). Se este o tivesse feito, alertando o tribunal para a omissão da parte, e a embargante viesse a juntar os documentos após insistência, não seria certamente de indeferir o requerimento por ter sido apresentado na véspera da 1ª sessão da audiência final.

Como alega o recorrido, não se trata de junção espontânea de documentos pela embargante, mas sim de cumprimento, ainda que tardio, de despacho proferido – a justificar a condenação em multa, por não se mostrar comprovada a impossibilidade de junção atempada -, despacho que deferiu o requerimento do embargado e que se insere no regime previsto no artº 429º e ss. do CPC.

Por último, sempre seria de ponderar que o Novo CPC se orienta para a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, sem olvidar a autorresponsabilidade das partes e o seu dever de cooperação.

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita a junção dos documentos apresentados pela embargante/recorrente com o requerimento de 27/05/2021 e aplicada multa pela tardia junção.
Custas do recurso a cargo do apelado.


Lisboa, 20 de janeiro de 2022


Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço