Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4721/17.0T8LSB.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PORTUGUÊS EM RAZÃO DA NACIONALIDADE
CONTRATO DE SEGURO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Por a tal obstar o Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012, os tribunais portugueses são incompetentes, em razão da nacionalidade, para conhecerem de uma acção instaurada pela lesada, sediada no Panamá, directamente contra a seguradora, com sede no Reino Unido, para ser indemnizada pelos danos causados por um director de um banco no Dubai, aderente a um contrato de seguro de grupo celebrado entre este banco e a ré.

SUMÁRIO: (da responsabilidade do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Da junção de documentos

Com as suas alegações a Autora juntou um documento que já se encontra nos autos (cfr. fls. 178 a 183) sendo por conseguinte irrelevante. 

Com as suas contra-alegações a ré requereu ao abrigo do artigo 651.º, n.º 1, do CPC a junção aos autos da versão integral da apólice dos autos e tradução da respectiva Parte II – Docs. 1 e 2 de fls. 305 e ss.

A recorrente opõe-se a tal junção.

Vejamos.

Preceitua o artigo 651.º, n.º 1 do CPC que as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Dispõe, por sua vez, o artigo 425.º que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.

São duas as hipóteses em que as partes podem, em caso de recurso, juntar documentos ao processo após o encerramento da discussão em 1.ª instância: A impossibilidade de junção que pode ter 3 causas, ou por o documento ainda não ter sido formado, ou por não ser conhecido ou por não estar disponível; a necessidade da junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância “não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido quando esperava obter hanho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância; o legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pelas fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida’’ (A. Varela et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, 533/4).

No caso sujeito, a ré não contestou nem juntou procuração entrando em revelia (artigo 5567.º, n.º 1, CPC). 

Não pode agora, através deste recurso, defender-se invocando nova (novas excepções, novos meios de prova, etc). Quanto à prova documental não se aplica nenhuma das hipóteses acima elencadas. A existência do seguro e sua apólice é questão fundamental que se colocava desde início.

Pelo exposto acordamos em rejeitar os documentos apresentados e ordenar o seu desentranhamento e devolução a ambas as partes.
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A , com sede no Panamá, instaurou a presente acção declarativa comum contra B, com sede no Reino Unido, pedindo a sua condenação no pagamento de USD 1.683.000, € 150.000 e ainda juros, além de uma sanção pecuniária compulsória até ao pagamento.

Fundou a sua pretensão, em síntese, no seguinte:
- Em Março de 2014 era titular de activos depositados no ES, tendo esta, na pessoa de HC, seu director e membro da comissão executiva, lhe proposto a gestão discricionária dos mesmos, que permitiria uma diversificação dos investimentos;
- O mesmo director transmitiu-lhe que iria vender de imediato as obrigações do GE existentes em carteira da Autora, ficando assente entre as partes que tal seria feito de imediato;
- Em finais de Junho de 2014 a Autora veio a ter conhecimento de que o ES não tinha cumprido integralmente as ordens de venda e que só vendera parte das aplicações do GE, mas não vendera outras no montante de USD 1.683.000;
- Posteriormente, já com as empresas do universo GE em liquidação, HC sugeriu que reclamasse junto dos liquidatários do BP;
- O ES terá reclamado junto do processo de insolvência do ESI os créditos da Autora, derivados do não pagamento das obrigações vencidas;
- Como estes procedimentos estão condenados ao insucesso, a Autora apresentou no processo de liquidação do ES reclamação por cada aplicação não liquidada, tendo tais créditos sido graduados como subordinados;
- Cabia ao director HC da ES proceder à venda dos activos como havia sido ordenado pela Autora, o que este não fez;
- A responsabilidade civil profissional dos funcionários dos bancos detidos pelo ES, entre os quais HC, enquanto director da ES estrava, no ano de 2014, transferida para a Ré, titulada pela apólice FD1410488;
- Também a própria ES havia transferido a sua responsabilidade civil para a Ré.

Regularmente citada, a Ré não contestou.

O tribunal julgou o tribunal incompetente em razão da nacionalidade e absolveu a ré da instância.
 
Inconformada, interpôs a autora competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
I- O contrato de seguro dos autos, titulado pela apólice FD 1410488, é manifestamente um contrato de seguro de grupo (do tipo não contributivo);
II- cobrindo os riscos de um conjunto de pessoas e entidades, constituído fundamentalmente pelos clientes dos bancos detidos pelo ES;
III- ou sejam, todos quantos poderiam ser lesados por actos e omissões de funcionários, directores e administradores desses bancos, no exercício das suas funções;
IV- beneficiários esses que não eram sequer conhecidos à data da celebração do contrato de seguro em causa e não poderiam, por conseguinte, tê-lo subscrito e assinado.
V- Consta da apólice que “qualquer litígio resultante de ou relativo a este contrato está sujeito à jurisdição exclusiva dos Tribunais Portugueses”;
VI- e ainda que o mesmo “é interpretado e regulado somente pela lei portuguesa”.
VII- Esta designação da lei material e da jurisdição portuguesa correspondeu, no caso concreto, a um interesse sério e relevante das partes (conforme se referiu no ponto 3 do capítulo B) das presentes alegações).
VIII- Sendo certo, por outro lado, que o número 1 do artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, admite a validade dos pactos atributivos de jurisdição (como é o caso do pacto estabelecido na apólice de seguro em causa, remetendo os possíveis litígios emergentes desse contrato para a jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses).
IX- A Autora aceitou expressamente esta jurisdição, ao propor a acção num Tribunal português.
X- Assim, no caso “sub-judice”, a competência do Tribunal português decorre do pacto atributivo de jurisdição estipulado entre as tomadoras do seguro e a seguradora, inteiramente válido face ao disposto no artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012;
XI- e da adesão a esse pacto, manifestada pela beneficiária do seguro (a ora Autora) ao dirigir-se à jurisdição portuguesa para reclamar os seus legítimos direitos.
XII- Também não procede o argumento de que a Autora não poderia demandar directa e exclusivamente a seguradora, nos termos do artigo 140º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro – e isto porque,
XIII- a apólice contém uma cláusula em que a seguradora renuncia à invocação de qualquer excepção desse tipo (admitindo-se, pois, a possibilidade de ser demandada isoladamente).
XIV- E, neste condicionalismo, estando provados todos os factos alegados na p.i.; e inexistindo quaisquer obstáculos À prolação de uma decisão de mérito; deveria a douta sentença ora recorrida ter condenado a Ré nos pedidos formulados.
XV- De qualquer modo, a falta de intervenção dos sujeitos da relação material controvertida não determina, sem mais, a absolvição da Ré da instância;
XVI- já que a nossa lei processual contempla o princípio do suprimento das excepções dilatórias (por iniciativa das partes ou determinação oficiosa do juiz).
XVII- Devendo sempre facultar-se à Autora a possibilidade de promover a intervenção na causa dos referidos ES e HC;
XVIII- através do incidente de intervenção provocada de terceiros;
XIX- como associados da Ré;
XX- e conjuntamente com esta.

XXI- A douta sentença recorrida violou, designadamente, as seguintes normas jurídicas:
- artigo 76º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril;
- número 1 do artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro (e número 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa);
- artigo 140º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril; e,
- número 1 e alínea a) do número 2 do artigo 590º; número 2 do artigo 6º; artigos 316º a 320º; artigos 33º e 36º - todos, do Código do Processo Civil.
Nestes termos, e pelo mais que V. Exas. Doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e consequentemente;
a)- Deve considerar-se e declarar-se o tribunal português internacionalmente competente para a presente causa;
b)- Deve condenar-se a Ré nos pedidos formulados (ou ordenar-se a prolação de nova sentença que, julgando de mérito, profira idêntica condenação);
c)- Ou, quando assim não seja porventura entendido (por eventualidade de litisconsórcio necessário, ou outra circunstância), deve determinar-se o prosseguimento dos autos para ser proferido despacho convidando a Autora a suprir a irregularidade em falta, mediante intervenção principal provocada da EB e HC;
- tudo, com as legais consequências, e assim se fazendo Justiça!’’.
Foram apresentadas contra-alegações em que a recorrida pugna pela confirmação do julgado.
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É única questão decidenda saber se se verifica ou não  a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da nacionalidade.
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São factos relevantes os que constam do relatório supra para o qual se remete.
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Da competência em razão da nacionalidade.

Entre ES como tomadora (insured) e B como seguradora (insurer) foi acordado e firmado um contrato de seguro do tipo de responsabilidade civil de funcionários, directores e/ou administradores da ES e do BE , pelo prazo de 12 meses, com início em 1 de Janeiro de 2014.

Em Março de 2014 a autor era titular de activos depositados no ES , tendo esta, na pessoa de HC, seu director e membro da comissão executiva, lhe proposto a gestão discricionária dos mesmos, que permitiria uma diversificação dos investimentos. O mesmo director transmitiu-lhe que iria vender de imediato as obrigações do GE existentes em carteira da Autora, ficando assente entre as partes que tal seria feito de imediato. Em finais de Junho de 2014 a Autora veio a ter conhecimento de que o ES não tinha cumprido integralmente as ordens de venda e que só vendera parte das aplicações do GE, mas não vendera outras no montante de USD 1.683.000. Posteriormente, já com as empresas do universo GE em liquidação, HC sugeriu que reclamasse junto dos liquidatários do BP. O ES reclamou no processo de insolvência do ESI os créditos da Autora, derivados do não pagamento das obrigações vencidas. Como estes procedimentos estão condenados ao insucesso, a Autora apresentou no processo de liquidação do ES reclamação por cada aplicação não liquidada, tendo tais créditos sido graduados como subordinados. Cabia ao director HC da ES proceder à venda dos activos como havia sido ordenado pela Autora, o que este não fez. A responsabilidade civil profissional dos funcionários dos bancos detidos pelo ES, entre os quais Humberto Coelho, enquanto director da ES estrava, no ano de 2014, transferida para a Ré, titulada pela apólice FD1410488.

De acordo com as condições do contrato de seguro Esse contrato de seguro rege-se pelas condições da apólice n.º FD1410488.

De entre estas condições destaque-se a seguinte: Escolha de Lei e Jurisdição: Este contrato (incluindo, mas não limitado a assuntos resultantes do ou relativos à sua negociação, validade, execução ou outro litígios extracontratuais relativos a este contrato) é interpretado de acordo com e regulado somente pela lei portuguesa. Sujeito a qualquer disposição do contrato (que prevalecerá sobre esta disposição) as seguradoras e o segurado acordam:
i)- que qualquer litígio resultante de ou relativo a este contrato está sujeito à jurisdição exclusiva dos Tribunais Portugueses (“O Tribunal Escolhido’’);
ii)- preencher todos os requisitos necessários para dar jurisdição ao Tribunal Escolhido;
iii)- renunciar a qualquer objecção com base em inconveniência ou outro;
iv)- não instaurar ou fazer com que seja instaurado qualquer processo legal relativo a este contrato em qualquer país em qualquer país outro que o país do Tribunal Escolhido, salvo para processos legais para protegerem a posição de qualquer parte como apoio aos processos iniciados ou a iniciar no Tribunal Escolhido.

Na presente acção instaurada em 22 de Fevereiro de 2017, A com sede na República do Panamá, na qualidade de beneficiária do ajuizado contrato de seguro, demanda, com os aludidos fundamentos, a condenação de B , com sede no Reino Unido, na qualidade de seguradora, o ressarcimento dos danos sofridos cobertos pela ré.

Vejamos se os tribunais portugueses são competentes para conhecer deste litígio .

Nem todas as relações jurídicas se esgotam nos confins do ordenamento jurídico de um território. Cada vez mais as relações jurídicas se encontram em conexão com dois ou mais ordenamentos jurídicos revestindo, por isso, um carácter transfronteiriço. Esses elementos de conexão podem ser das mais variadas espécies: ou têm a ver com o facto jurídico que serve de fundamento à acção, ou com os sujeitos intervenientes no   negócio, ou com o seu objecto, ou com as garantias, com o modo, a condição, o lugar de cumprimento, etc.

Quando tais relações entram em conflito é preciso determinar quem julga o litígio dele nascente. Coexistem no nosso ordenamento regras de competência internacional dos tribunais portugueses previstas nos artigos 62.º e 63 do CPC e regras de competência internacional directa impostas pelos regulamentos comunitários que determinam a competência internacional directa dos diferentes tribunais nacionais dos Estados membros.

Quando surge um problema de competência internacional do Estado Português há que  conciliar, perante o caso concreto, aqueles dois tipos de normas, dando-se prevalência, por hierarquicamente superiores, às normas dos regulamentos, vinculativas em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados. Estas normas afastam as normas internas correspondentes.

Interessa-nos apenas considerar o Regulamento (EU) N.º 1215/2012, de 12 de Dezembro – Competência Judiciária, Reconhecimento e Execução de Decisões em matéria Civil e Comercial, aplicável a partir de 10 de Janeiro de 2015 (artigo 60.º).

Designadamente em relação aos pactos de jurisdição, o Ac. STJ de 12.06.1997, BMJ 468: 324, entendeu que “proposta acção já depois do início da vigência da referida Convenção de Bruxelas, em Portugal, a validade dos pactos atributivos de jurisdição deve ser apreciada à luz do artigo 17.º, mostrando-se irrelevante que o escrito onde se insere a referida cláusula seja anterior àquela data’’. Não são assim de relevar as expectativas das partes que na altura da celebração do pacto só podiam contar com o Regulamento n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro (note-se, porém, que o artigo 15.º do Regulamento 1215 reproduz quase textualmente o artigo 13.º do Regulamento n.º 44).

O Regulamento 1215 mantém-se fiel ao princípio de que a competência tem por base o domicílio do requerido. Devem assim ser aplicadas, em princípio, as regras comuns em matéria de competência sempre que o requerido esteja domiciliado num Estado –Membro (considerando 15 e artigo 4.º) 

Mantém-se outrossim na linha dos anteriores regulamentos no respeitante aos contratos de seguro (como aos de consumo e de trabalho), cuja parte mais fraca continua a merecer uma maior protecção através de regras mais favoráveis aos seus interesses.
O princípio da protecção da parte mais fraca projecta-se ao nível dos contratos de seguro em dois planos diferentes: por um lado na fixação de um critério especial de competência; por outro, na imposição de limites à liberdade contratual das partes em sede de celebração de pactos atributivos de jurisdição.

Dispõe o artigo 5.º, n.º 1, do Regulamento que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas no tribunal de outro Estado-Membro nos termos das regras enumeradas nas secções 2 a 7 do capítulo II.

Ora, a Secção 3.ª contém regras especiais de competência em matéria de seguros.

De acordo com o artigo 11.º: “1. O segurador domiciliado no território de um Estado-Membro pode ser demandado:
a)- Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio;
b)- Noutro Estado –Membro , em caso de acções intentadas pelo tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário, no tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domícilio; ou
c)- Tratando-se de cossegurador , no tribunal de um Estado – Membro onde tiver sido instaurada acção contra o segurador principal.

2.– O segurador que, não tendo domicílio no território de um Estado - Membro, possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num Estado – Membro, será considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daqueles, como tendo domicílio no território desse Estado – Membro’’.

A ré tem domicilio no Reino Unido. De acordo com o artigo 63.º “1.– Para efeitos da aplicação do presente regulamento, uma sociedade ou outra pessoa colectiva ou associação de pessoas singulares e colectivas tem domicílio no lugar em que tiver:
a)- A sua sede social;
b)- A sua administração central; ou
c)- O seu estabelecimento principal.

2.– No que respeita ao Reino Unido (…), “sede social’’ significa “registered office’’ ou, se este não existir, “sede social’’ significa “place of incorporation’’ (lugar de constituição) ou, se este não existir, o lugar sob cuja lei ocorreu a “formation’’ (formação)
(…)’’.
Não poderia, pois, a seguradora ser demandada em Portugal, já que não se prevê a competência dos tribunais portuguesas nem no citado artigo 11.º nem em qualquer outro dos artigos do Regulamento designadamente na 3.ª Secção do Capítulo II (v.g. artigos 12 e 13.º; refira-se, em particular, que a jurisprudência comunitária tem interpretado o artigo 13.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 11.º, n.º 1, al. b), no sentido de que um lesado domiciliado num Estado-Membro pode intentar uma acção directamente contra a seguradora perante o tribunal da sua residência desde que seja permitida essa acção directa e a seguradora tenha o seu domicílio no território de um outro Estado - Membro, o que também não é o caso – Marco Gonçalves, “Competência judiciária na União Europeia ‘’, Scientia Iuridica, n.º 339 (2015):435, nota 56)).

Alega, porém, a Autora que os tribunais portugueses são competentes porquanto foi acordado no contrato de seguro em causa, a escolha da jurisdição portuguesa.

Efectivamente, consta do respectivo contrato de seguro que qualquer litígio resultante de ou relativo a este contrato está sujeito à jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses.

Preceitua o artigo 15.º do Regulamento 1215: “As partes só podem convencionar derrogações ao disposto na presente secção desde que tais convenções:
1.–Sejam posteriores ao surgimento do litígio;
2.–Permitam ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção;
3.–Sejam celebrados entre um tomador do seguro e um segurador , ambos com domicílio ou residência habitual num mesmo Estado-Membro , e tenham por efeito atribuir competência aos tribunais desse Estado-Membro , mesmo que o facto danoso ocorra no estrangeiro , salvo se a lei desse Estado não permitir tais acordos;ou
4.–Sejam celebrados por um tomador de seguro que não tenha domicílio num Estado-Membro , salvo se se tratar de um seguro obrigatório ou relativo a imóvel sito num Estado-Membro; ou
5.–Digam respeito a um contrato de seguro que cubra um ou mais dos riscos enumerados no artigo 16.º’’.

As condições de admissibilidade da pactos derrogatórios à regra de competência especial nos contratos de seguro são alternativas e não cumuláveis.

A inobservância das regras imperativas contidas naquele preceito traduz-se na invalidade do pacto atributivo de jurisdição (artigo 25.º, n.º 5)

Aqui chegados, a questão que se coloca consiste em saber se o pacto de jurisdição celebrado entre a ré e ESFG confere competência aos tribunais portugueses para conhecer desta acção.
A resposta deve ser negativa. Estamos perante um seguro de grupo regulado no nosso ordenamento interno pelos artigos 76.º a 90.º da Lei do Contrato de Seguro (LCS – aprovada pelo DL n.º 72/2008, de 16 de Abril).

O contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador de seguro por um vínculo que não seja o de segurar (artigo 76.º LCS).

Discute-se qual natureza deste tipo de contrato (representação, contrato a favor de terceiro, contrato com eficácia de protecção de terceiros - Acs do STJ de 6 de Julho de 1993 e de 20.06.2017, www.dgsi.pt). Não nos interessa aqui tomar posição a esse respeito. Dir-se-á apenas que o aderente não pode ser concebido como um mero terceiro, e, que o contrato em causa caracteriza-se pelo facto da sua formação ocorrer em dois momentos distintos: num primeiro momento é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro; num segundo momento, o tomador do seguro promove a adesão do contrato, junto dos elementos do grupo. Por isso, é uniforme o entendimento da nossa jurisprudência segundo o qual o ajuizado contrato assenta numa relação tripartida que tem como vértices do triângulo, a seguradora, o tomador do seguro e o aderente (cfr. por todos Acs. STJ de 16.06.2015 e de 2.11.2017, www.dgsi.pt).

Por outro lado, o seguro de grupo pressupõe a existência de três sujeitos de direito distintos: o segurador , o tomador do seguro e o número de pessoas ligadas ao tomador de seguro por um vínculo que não seja o de segurar.

No caso vertente esses sujeitos são respectivamente, a ré, o ES e os administradores e dirigentes a este ligados, elencados em anexo ao contrato de seguro de entre os quais o Sr. Dr. HC.

Não se vê como um pacto de jurisdição celebrado entre a seguradora e a credora beneficiária pode vincular e produzir efeitos quanto à ora autora que ela sim é um mero terceiro quanto a esse acordo.

Cumpre portanto concluir que não relevando para o caso sujeito o pacto atributivo, nem conferindo as regras do Regulamento 1215 competência internacional aos tribunais portugueses para julgar o presente litígio, os tribunais portugueses são na verdade incompetentes, como bem decidiu o primeiro grau. Nem faria sentido, por excessivo, obrigar a ré a comparecer perante o tribunal de outro Estado Contratante onde o lesado nem sequer tem domicilio.

Decorre desta conclusão a desnecessidade de ponderação do recurso à figura do litisconsórcio necessário para integrar eventual ilegitimidade passiva.
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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso e consequentemente em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa,22.02.2018


(Luís Correia de Mendonça)
(Maria Amélia Ameixoeira)
(Rui Moura)