Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
103/11.6TBCDV-B.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Encontrando-se a execução sustada, terá de se considerar acto ofensivo da posse ou direito, para efeito da dedução de embargos de terceiro, não a penhora, mas a prossecução da execução relativamente ao prédio cuja penhora haja sido sustada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

L... deduziu oposição, mediante embargos de terceiro, na execução para pagamento de quantia certa (intentada por C... CRL contra N... Lda., N... e M...) contra C... CRL, N.... Lda., N... e M..., concluindo pelo recebimento dos embargos, determinando-se a suspensão da execução relativamente ao prédio rústico composto de cultura arvense de sequeiro, oliveiras e sobreiros, com 640 m2 de área, sito em Eira, freguesia de Alcobertas, concelho de Rio Maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o nº 2005/Alcobertas, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 185 da secção P, devendo julgar-se procedente a excepção de caso julgado, ordenando-se o levantamento da penhora sobre o imóvel ou, em alternativa, caso assim se não entenda: a) declarar e reconhecer a embargante como possuidora, em nome próprio, do prédio rústico, desde 21/6/2007 e, como tal, titular de um direito real incompatível com os actos de penhora incidentes sobre o imóvel os quais devem ser levantados, b) declarar e reconhecer à embargante um crédito no montante de € 264.100,00, sobre os embargados/executados decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda, de 21/6/2007, c) declarar e reconhecer à embargante o direito real de garantia, direito de retenção sobre o referido prédio rústico e obras, como garantia do pagamento dos seus créditos, no montante de € 264.100,00, com prevalência sobre os demais credores e, em todo o caso, d) condenar-se a embargada como litigante de má-fé a indemnizar a embargante de todas as despesas e honorários, custas e custos.
Excepcionou a excepção peremptória de caso julgado alegando que em acção idêntica – partes, objecto e pedido (processo 206/11.7TBRMR/1º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior), foi proferida sentença, já transitada, que, julgando procedentes os embargos de terceiro, ordenou o levantamento da penhora sobre o prédio rústico identificado supra, defendendo que a embargada agiu de má-fé porquanto não só não podia ignorar a acção em questão conformando-se com o resultado, não intentando qualquer recurso.
Invocou o direito de retenção para garantia do seu crédito porquanto celebrou com os executados um contrato-promessa de compra e venda relativamente ao prédio rústico penhorado nestes autos, pelo valor de € 83.000,00, valor que já pagou e que tendo ficado na sua posse desde o dia da celebração do contrato-promessa – posse ininterrupta, pública, pacífica e de boa-fé – aí edificou uma casa de habitação e piscina construção levada a cabo pelos executados, despendendo a quantia de € 83.100,00, que já foi paga.
Para se aquilatar da tempestividade dos embargos foi a embargante notificada para informar desde quando é que teve conhecimento da penhora efectuada nos presentes autos – despacho de fls. 140.
A embargante, concluindo pela tempestividade e recebimento dos embargos, referiu que teve conhecimento da penhora no dia 6/8/2011, sendo que nesta data estes autos encontravam-se suspensos para decisão nos autos 206/11 (identificados supra).
Razão pela qual deduziu, naqueles – 206/11 – os embargos de terceiro, em 6/9/2011 e não já nestes autos.
Nos autos 206/11 foi proferida sentença, em 11/2/14, cujo trânsito ocorreu, 24/3/2014.
Só no mês de Junho de 2015, veio a saber, através dos executados/embargados que havia uma nova tentativa de venda do imóvel – prédio rústico – fls. 142 a 144.

Os embargos foram recebidos – fls. 145 e sgs.

Na contestação a Caixa de Crédito Agrícola concluiu pela improcedência da excepção de caso julgado, pela intempestividade dos embargos, pela improcedência dos pedidos formulados em c) e d), por inadmissíveis, e pela absolvição do pedido de condenação de má-fé - fls. 153 e sgs.
Na audiência prévia, em sede de despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e os embargos improcedentes no que concerne aos pedidos formulados em c) e d) – reconhecimento de um crédito sobre os embargados no valor de € 264.100,00 000, bem como a declaração e reconhecimento do direito real de garantia especial de retenção sobre o referido prédio e obras, como garantia de pagamento dos seus créditos – fls. 227 e sgs.

Após julgamento foi proferida sentença que julgando os embargos procedentes, ordenou o levantamento da penhora sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior como registo nº 2005, inscrito na matriz sob o art. 185, secção P, registado pela Ap. 2210 de 2011/06 e condenou a exequente/embargada como litigante de má-fé em 4 UC’s de multa e na indemnização correspondente ao reembolso das despesas que a embargante incorreu com a dedução dos embargos incluindo os honorários ao seu mandatário – fls. 227 a 232.

Inconformada, apelou a exequente/embargada formulando as conclusões que se transcrevem:
I. A sentença recorrida, com a qual a recorrente não se conforma, considerou tempestiva a apresentação dos embargos de terceiro por parte da embargante, bem como procedeu à condenação da recorrente como litigante de má fé.
II. A embargante tomou conhecimento da penhora efectuada nos presentes autos em Agosto de 2011, facto por si reconhecido e constante da factualidade provada.
III. O Tribunal a quo entendeu que não poderia considerar, só por si, a data do conhecimento da penhora para efeitos de contagem de prazo, mas igualmente atender à circunstância dos autos terem estado sustados quanto ao bem imóvel sobre o qual incidem os embargos.
IV. O artigo 344 do C.P.C. define o prazo pelo qual os embargos devem ser apresentados – 30 dias após a ofensa ou após ter tomado conhecimento da mesma - esclarecendo o artigo 342 que entende por ofensa “a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens”.
V. Entendeu o Tribunal a quo considerar como o acto de “ofensa”, para efeitos de contagem de prazo da caducidade, o acto de levantamento da sustação.
VI. Tal interpretação não tem base na letra, nem no espírito da lei e, ao considerar-se, levar-se-ia a uma interpretação extensiva que colocaria em causa a segurança jurídica, porquanto tornar-se-á difícil determinar, com alguma razoabilidade, o que poderá estar incluído nesse normativo.
VII. A sustação dos presentes autos não impedia a embargante de apresentar embargos de terceiro.
VIII. A inércia da embargante não poderá, agora, ser considerada como servindo de justificação.
IX. Pelo que caducou o direito à embargante apresentar embargos de terceiro, devendo a sentença recorrida ser alterada nesse ponto, por forma a declarar a caducidade invocada.
X. A recorrente foi condenada como litigante de má fé, porquanto, no entendimento do tribunal a quo, “a exequente, nesta execução poderia ter desistido da penhora sobre o imóvel, ao não o ter feito, actuou pelo menos com negligência grave”.
XI. A recorrente não agiu de má fé, porquanto não havia qualquer impedimento legal para prosseguir com a execução quanto ao bem em causa, que encontrava-se penhorado desde 2011.
XII. A recorrente é condenada como litigante de má fé, em virtude de não ter cumprido, nestes autos, uma decisão que aqui não se aplicava.
XIII. Ao prosseguir com a presente execução a recorrente estava no uso dos seus direitos, não colocando em causa os direitos da embargante, que poderia ter invocado em sede própria os seus créditos e o seu direito de retenção – o que optou por não fazer.
XIV. A recorrente não litiga de má fé, devendo a sentença recorrida ser substituída por outra que absolva a recorrente do pedido de litigância de má fé.
XV. Assim, requer-se que a sentença recorrida seja substituída por outra que declare a caducidade do direito da embargante apresentar embargos de terceiro, bem com absolva a recorrente do pedido de litigância de má fé.

Nas contra-alegações a embargante pugnou pela manutenção da decisão.

Os factos que a 1ª instância considerou assentes:

Factos assentes por acordo (acta de audiência prévia)
A - Em 2007, os executados comprometeram-se a vender à embargante o prédio rústico composto de cultura arvense de sequeiro, oliveiras e sobreiros, com 640m2 de área, sito na Eira, freguesia de Alcobertas, concelho de Rio Maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior com o registo nº 2005, inscrito na matriz sob o artigo 185 Secção P.
B - Os executados celebraram com a embargante, em 21/06/2007, um contrato promessa de compra e venda do referido prédio rústico.
C - Os quais se comprometeram a vender à embargante livre de ónus e encargos pelo preço de € 83.000,00, tendo nessa data recebido da embargante a quantia de € 28.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento.
D - O sinal foi pela embargante reforçado do seguinte modo:
- € 5.000,00, em 17/01/2008;
- € 15.000,00, em 01/08/2008;
- € 5.000,00, em 02/09/2008;
- € 10.000,00, em 17/09/2008;
- € 000,00, em 16/12/2008;
- € 5.000,00, em 07/01/2009;
- € 5.000,00, em 05/03/2009;
- € 5.000,00, em 04/08/2009;
E - A embargante pagou integralmente o preço aos executados, que o receberam.
F - Na data da celebração do contrato promessa a embargante recebeu a posse do prédio rústico, passando, desde então a dispor do mesmo de modo livre, em nome próprio e de acordo com a sua vontade.
G - Os executados comprometeram-se também a construir para a embargante, sob a sua direcção e orientação, uma casa de habitação e piscina, incluindo acabamentos e arranjos exteriores no referido prédio, pelo preço de € 83.100,00.
H - A embargante efectuou o pagamento integral da quantia referida em G da seguinte forma:
- € 5.000,00, em 10/11/2009;
- € 5.000,00, em 02/01/2010;
- € 5.000,00, em 11/01/2010;
- € 5.000,00, em 01/03/2010;
- € 10.000,00, em 09/03/2010;
- € 5.000,00, em 17/03/2010;
- € 5.000,00, em 30/03/2010;
- € 10.000,00, em 05/04/2010;
- € 12.250,00, em 30/04/2010;
- € 5.250,00, em 02/06/2010;
- € 4.000,00, em 28/07/2010;
- € 1.600,00, em 09/08/2010;
- € 5.000,00, em 27/08/2010;
- € 5.000,00, em 31/01/2011.
I - Os executados não compareceram em 22/08/2011 à escritura de compra e venda marcada pela embargante.
Factos provados por documento (acta de audiência prévia)
J - Na execução de que os presentes embargos de terceiro constituem apenso foi penhorado o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior com o registo nº 2005, inscrito na matriz sob o artigo 185 Secção P.
K - A penhora encontra-se registada pela Ap. 2210 de 2011/05/06; 14:24:12.
L - A sustação da execução nos termos do disposto no artigo 871 do Código de Processo Civil relativamente ao imóvel penhorado foi notificada ao exequente e executados em 02/06/2011.
M - Os presentes embargos deram entrada em 29/06/2015.
N - A embargante teve conhecimento da realização da penhora em Agosto de 2011.
O - A embargante teve conhecimento do prosseguimento da execução em Junho de 2015.
Com interesse para a decisão e tendo em conta o documento de fls. 132 e sgs., sentença proferida no processo 206/11.7TBRMR-B, consideram-se provados seguintes factos:
P - A embargante deduziu embargos de terceiro contra os embargados na execução 206/11.
Q - No processo 206/11 foi penhorado o prédio rústico objecto dos presentes embargos (103/11).
R - Por sentença proferida no processo 206/11, já transitada, foram os embargos julgados procedentes e, consequentemente, ordenou-se o levantamento da penhora sobre o prédio rústico.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Vejamos, então:

Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – a questão que cabe decidir é a de saber se os embargos são ou não tempestivos e se há ou não lugar à condenação da exequente/embargada como litigante de má-fé.

a) Tempestividade dos embargos

Os embargos de terceiro traduziam-se num processo especial limitado à defesa da posse ofendida por diligência judicialmente ordenada, designadamente, penhora, arrolamento, arresto, posse judicial avulsa e o despejo – cfr. art. 1037 CPC.
O terceiro ofendido (por não ter tido intervenção no processo) pudesse, como lesado, fazer-se restituir à posse.
Após a reforma (DL 329-A/95, de 12/12) o processo especial passou a ser caracterizado como sendo um incidente da instância com vista a neutralizar um acto judicialmente ordenado com a virtualidade de ofender o direito patrimonial do impetrante, tendo sido revogadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais (arts. 1033 a 1043 CPC).
“Em termos estruturais o que caracteriza os embargos de terceiro é a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado por terceiro” – Ac. STJ de 6/11/2012, proc. 786/07.ITJVNF-B.P1.S1.
Os embargos de terceiro são uma sub-espécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351 e sgs. CPC). E assim, como é do conceito de oposição, encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir na causa para fazer valer o confronto de ambas aas partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com por aquelas deduzidas – cfr. Amâncio Ferreira, in Curso do Processo de Execução, 5ª ed. Pág. 48.
No fundo os embargos de terceiro representam uma forma particular de reclamação tendente à revisão, pelo mesmo órgão juridiscional, da questão sobre que incidiu a decisão que derivou a diligência posta em causa. Não visam, porém, a destruição da prova em que assentou a decisão que ordenou a diligência dita ofensiva. A estrutura dos embargos é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que corre pos apenso a uma acção executiva, com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante – Salvador da Costa, in Os incidentes da Instância, 4ª ed., 195/196 e Ac. STJ de 15/1/2013, relator Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt.
Assim, se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro – art. 351/1 CPC.
Este art. foi alterado com a reforma do CPC (Lei 41/2013 de 26/6), sob o art. 342/1, com a seguinte redacção: “Se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Daqui se extrai que os embargos de terceiro se estribam em dois fundamentos: ofensa do exercício da posse (ofensa da posse em nome próprio correspondente ao direito de propriedade ou a um direito real limitado de gozo – art. 1251 CC) e/ou ofensa da titularidade de um direito incompatível com a execução em causa, nomeadamente o direito de propriedade.
Os embargos são processados por apenso e são deduzidos “nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois dos respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados” – art. 344/1 e 2 CPC.
Este prazo de 30 dias é um prazo de caducidade, recaindo sobre o emabargado o ónus de alegação e prova da extemporaneidade, no caso dos embargos não terem sido liminarmente indeferidos – cfr. art. 343/2 CPC.
Apurado ficou que o prédio rústico, objecto dos embargos foi penhorado nesta execução, de que os embargos constituem apenso, em 6/5/2011.
A execução foi sustada – art. 871 CPC (pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada quanto a estes aquela em que a penhora tenha sido posterior).
A sustação da execução relativamente ao imóvel penhorado, foi notificada às partes, em 2/6/2011.
A embargante teve conhecimento da penhora realizada nestes autos de execução, em Agosto de 2011.
A embargante teve conhecimento do prosseguimento da execução, em Junho de 2015.
Os embargos foram instaurados, em 29/6/2015.
A embargante deduziu embargos de terceiro contra os embargados na execução 206/11.
No processo 206/11 foi penhorado o prédio rústico objecto dos presentes embargos (103/11).
Por sentença proferida no processo 206/11, em 11/2/2014, transitada, em 24/3/2014, foram os embargos julgados procedentes e, consequentemente, ordenou-se o levantamento da penhora sobre o prédio rústico.
Daqui decorre que, não obstante ter sido instaurada a execução e ter sido penhorado o prédio rústico, em 6/5/2011 e a embargante ter tido conhecimento da penhora, em Agosto de 2011, certo é que a execução foi sustada, tendo as partes sido notificadas da mesma, em 2/6/2011.
A embargante deduziu embargos de terceiro na execução 206/11, execução esta em que as partes e o objecto de penhora eram os mesmos, tendo obtido ganho de causa, ou seja, nessa execução foi ordenado o levantamento da penhora.
Ora, encontrando-se a penhora sustada nos presentes autos, a dedução de embargos nesta execução era, de todo, inútil, sendo certo que a embargante os deduziu na execução 206/11 e, face à sentença proferida nesses autos, sempre a exequente poderia desistir da penhora aqui efectuada.
Sempre se dirá que face ao levantamento da penhora sobre o prédio precludido está o direito (de acção) da exequente poder represtinar a penhora sustada sobre este.
Assim, terá de se considerar o acto ofensivo, não já a penhora, mas o da prossecução da execução relativamente ao prédio rústico cuja penhora tinha sido sustada.
Ora, tendo a embargante tido conhecimento do prosseguimento da execução, em Junho de 2015, e instaurado os presentes embargos, em 29/6/2015, constata-se que o fez tempestivamente, ou seja, dentro do prazo de 30 dias.
Destarte, os embargos foram tempestivos, falecendo a pretensão da apelante.

b) Litigância de má-fé

Sustenta a apelante não ter litigado de má-fé, estava no uso dos seus direitos ao prosseguir com a execução, inexistia qualquer impedimento legal para prosseguir com a execução quanto ao prédio rústico, cuja penhora datava de 2011.
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
A doutrina tem considerado a má-fé de que trata o art. 542 sob dois aspectos: a má-fé material e a má-fé instrumental, abrangendo na primeira os casos mencionados nas alíneas a), b) e c) e na segunda, a actuação plasmada na alínea d) – cfr. Ac. STJ 5/12/75 in BMJ 252 – 105.
O conceito de litigância de má-fé, que pressupunha o dolo foi alargado, pela reforma processual de 1995, passando a abarcar as condutas processuais gravemente negligentes.
A condenação por litigância de má-fé não viola o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, pois não é limitativa do direito de acção nem do direito ao processo, não envolvendo privação ou limitação do direito de defesa do particular.
A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos, sendo indiferente que, no caso concreto, o litigante tenha ou não razão, em um e outro caso gozam dos mesmos poderes processuais.
O direito de acção é um direito subjectivo autónomo, consagrado constitucionalmente – art. 20 CRP - sendo distinto do direito material que se pretende fazer actuar em juízo, pelo que o seu exercício não está dependente de qualquer requisito prévio de demonstração da existência do direito substancial.
Uma coisa é o direito abstracto de acção ou de defesa e outra, é o direito concreto de exercer a actividade processual.
O primeiro não tem limites, é um direito inerente à personalidade humana; o segundo sofre limitações impostas pela ordem jurídica, nomeadamente numa exigência de ordem moral, ou seja, é necessário que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão.
Se a parte agiu de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é lícita, suportando o encargo das custas, consequência do risco inerente, no caso a sua pretensão não vingar.
Ao invés, se agiu de má-fé ou com culpa, se tinha consciência de que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta é ilícita, impondo o art. 542 CPC, que seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta o pedir.
Em conclusão, não litiga de má-fé, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que a não tenha – cfr. Acs. RL 16/2/03, 27/5/04 e 1/2/06, in www.dgsi.pt.
Decorre do relatório e dos factos com interesse para a decisão sobre litigância de má-fé que a exequente/embargada instaurou uma execução sob o nº 206/11 e a presente execução sob o nº 103/11.
Em ambas as execuções, as partes, a factualidade controvertida e o objecto de penhora são os mesmos.
Nesta execução, a penhora relativamente ao prédio rústico, objecto de penhora em ambos os processos, foi sustada.
Na execução 206/11 foi ordenado o levantamento da penhora sobre o prédio, tendo a exequente/embargada aceite a decisão, não interpondo recurso.
Assim, atento o explanado e o art. citado, entende-se que a exequente agiu com negligência grave, não podendo ignorar a falta de fundamento, ao permitir a prossecução da execução sobre o prédio rústico, cujo levantamento da penhora tinha sido ordenado no processo 206/11, em vez de ter desistido da mesma e, como tal, agiu de má-fé.
Não obstante, a jurisprudência tem entendido, que sendo a parte uma sociedade, a responsabilidade pela litigância de má-fé cabe em exclusivo ao seu representante que esteja de má-fé e não à sociedade.
Só a especial natureza da representação orgânica das pessoas colectivas – que não pensam, não falam, não agem por si, mas apenas através dos seus representantes – levou a lei a por a cargo do representante que esteja de má-fé na causa, a responsabilidade pela respectiva condenação.
De qualquer forma, sob pena de violação do contraditório, o representante terá de ser ouvido antes do tribunal se pronunciar sobre a dita má-fé - cfr. Acs. RP 4/4/06 e de 17/1/06, relator Cândido Lemos, in www.dgsi.pt.
Face ao explanado, sendo a apelante/embargada uma sociedade não poderia ser, tout court, condenada como litigante de má-fé.
Destarte, procede a pretensão da apelante.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se a sentença no segmento de condenação da exequente/ embargada como litigante de má-fé, absolvendo-a do pedido, confirmando-se, no mais, a decisão.
Custas por apelante a apelada na proporção do vencimento.

Lisboa, 6/7/2017

Carla Mendes

António Ferreira de Almeida

Catarina Arêlo Manso