Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
697/11.6TJLSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
INVALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Estando o contrato de crédito ao consumo coligado a um contrato de compra e venda ou de prestação de serviço, a invalidade deste repercute-se, na mesma medida naquele, nos termos do art. 18º do DL 133/2009 de 2 de Junho.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
J... e S..., B... e C... instauraram acção declarativa sob a forma de processo sumário contra D... SA, S... LDA E BANCO ..., SA, pedindo:
a) Seja considerada por tempestiva e lícita a revogação da proposta de adesão ao Contrato nº 10P130301C, referenciado no doc. 5, e em consequência, que lhes sejam reembolsadas todas as quantias despendidas até ao momento, no valor de 2090 euros, assim como todas as demais prestações vincendas que forem liquidadas, na sequência do contrato de empréstimo bancário outorgado com a R. Banco ... SA, aludido nos docs 6, 7 e 8.
Sem conceder, por mera cautela e dever de patrocínio
b) O Contrato nº 10P13030C, referenciado no doc. Nº 5, deverá ser objecto de anulação, ao abrigo do consignado no nº 1 do art. 253º do CC, e em consequência, mais deverão ser reembolsados de todas as quantias despendidas até ao momento, no valor de 2090 euros, assim como, de todas as demais prestações vincendas que forem liquidadas, na sequência do contrato de empréstimo bancário outorgado com o Banco ..., SA, aludido nos docs 6, 7 e 8.
Alegaram, em síntese:
- em Fevereiro de 2010 o A. B... participou num passatempo “online” designado “Ganhe um fim-de-semana de sonho”, tendo sido depois contactado para usufruir dum prémio no empreendimento turístico “Ponta Grande Resort”;
- os AA deslocaram-se ao “Ponta Grande Resort” como combinado, e no dia 13/03/2010, após uma apresentação e uma visita guiada, considerando as condições propostas e a explicação que lhes foi ministrada, assinaram um Contrato de Adesão (doc. 5), o qual assentava, além do  mais, no pagamento de uma taxa de admissão como associado no valor de 11.400 € e de uma quota anual de 388,25 € e no direito a usufruírem de duas semanas por ano naquele empreendimento turístico;
- assinaram também uma proposta de crédito ao C... SA e outros documentos que lhes foram apresentados;
- foram enganados pelo indivíduo que se apresentou como colaborador do  “Ponta Grande Resort” e lhes explicou os termos do contrato, pois disse-lhes que só teriam de pagar 3900 € por recurso ao crédito, em prestações mensais de 65 € durante 60 meses se durante este prazo cedessem, anualmente, o direito a uma das duas semanas a favor do “Ponta Grand Resort”, que por sua vez o cederia a terceiros;
- na verdade, depois de terem recebido o plano de pagamentos remetido pelo C..., datado de 06/04/2010, informando da aprovação do crédito e indicando prestações mensais de 190 euros, procuraram saber qual a razão da discrepância entre as condições que lhes tinham sido transmitidas por aquele indivíduo e tal plano de pagamentos, e só então leram um «Memorando de compreensão» que tinham assinado sem ler e lhes foi enviado pelo “Ponta Grand Resort” e que contrariava o que havia sido anunciado verbalmente pelo referido indivíduo;
- esse «Memorando de compreensão» é indispensável para a apreensão das condições do contrato;
- nessa sequência, de imediato os AA procederam à revogação da proposta de adesão;
- os AA têm continuado a pagar as prestações do empréstimo ao C....
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Apenas contestou o R. Banco ... SA, pugnando pela improcedência da acção e alegando, em resumo:
- os AA têm vido a cumprir o contrato de crédito, pagando as prestações acordadas e nunca antes solicitaram a revogação da declaração negocial prestada aquando da outorga do contrato de crédito, pelo que ao instaurarem a presente acção estão a agir em abuso do direito;
- os AA celebraram o contrato de crédito depois de terem analisado as condições gerais e particulares inerentes ao financiamento, tendo acordado no reembolso do seu valor através de 60 prestações mensais de 190 € cada;
- os AA foram elucidados de todas as condições gerais e particulares constantes do contrato de prestação de serviços e do contrato de crédito;
- os contratos não foram resolvidos dentro do prazo legalmente previsto.
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Os AA responderam à contestação invocando, em síntese, que têm cumprido os contratos porque não foi possível proceder à sua resolução consensualmente e por isso não litigam em abuso do direito.
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Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção procedente nestes termos:
«A) Declarar nulo, nos termos do artigo 12º/1 do Decreto- Lei nº 359/91, de 21 de Setembro o contrato de aquisição de férias celebrado com adesão ao clube Ponta Grande Vacation Club.
B) Declarar nulo, nos termos dos artigos 6º/1 e 7º/1 e 4, ambos do Decreto-Lei nº 359/2001, de 21 de Setembro, o contrato de crédito associado ao contrato nº 10P130301C, no qual se declara que a Ré C... SA financia a aquisição da alínea A) e        que os Autores pagariam em 60 prestações, de € 190 cada uma (fls. 102-106).
C) Condenar a 3ª Ré a proceder à restituição aos Autores da importância pecuniária de € 7.247,50, por referência ao período compreendido entre 7.V.2010 e 7.VI.2013, e bem assim das prestações entretanto vencidas e liquidadas pelos Autores.».
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Inconformado, apelou o R. Banco ..., SA, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
I. Os Autores, aqui Recorridos, propuseram a presente acção de cuja Sentença se recorre, alegando em síntese ter celebrado um contrato de prestação de serviço com a D..., S.A e S..., Lda.
II. Como meio de pagamento desse contrato, celebraram um outro contrato, agora de crédito, com o Banco ..., S.A., aqui Recorrente, ambos em 13-03-2010.
III. Alegaram que o comercial da S..., que lhes apresentou o produto, Sr. J... (3.ª testemunha no processo), tinha feito um acordo com eles em que, apesar de constar no contrato de crédito e de adesão que assinaram que a prestação mensal seria de € 190,00, a mesma seria apenas de € 65,00 mensais, porquanto estes entregariam uma das duas semanas a que tinham direito, para que o Resort pudesse alugá-las e reverter parte do valor ao contrato.
IV. Indicaram como prova do alegado, pasme-se, duas familiares/amigas que não estiveram presentes na reunião em que alegadamente teria sido celebrado o referido acordo, mas que, segundo dizem, a primeira terá ido ter posteriormente com os mesmos ao local da reunião, e que, como de seguida os Autores “contou-lhe tudo”, passou a dominar os factos ocorridos na reunião.
V. E a 2.ª testemunha dos Recorridos, que nem sequer ao local foi posteriormente, mas que segundo testemunhou, terá ajudado na elaboração de uma carta de reclamação e assistido ao desgosto de uma das Recorridas.
VI. A Sentença recorrida fez uma errónea apreciação dos factos e, mais grave, fez uma igual apreciação errónea na aplicação do Direito.
VII. O Recorrente não se conforma com a seguinte matéria de facto dada como provada: pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 31, 37, 38, 39 e 40, a qual deveria ter sido julgada não provada.
VIII. Conforme ficou amplamente explanado supra, o Tribunal a quo, baseou a sua convicção nos depoimentos prestados pelas 1.ª e 2.ª testemunhas apresentadas pelos Recorrentes, respectivamente a irmã e uma amiga que é também colega de trabalho.
IX. Relembramos que o depoimento destas testemunhas, quanto às vicissitudes alegadamente ocorridas com a contratação foi totalmente indirecto, baseando-se apenas naquilo que lhes tinha sido transmitido pelos Recorrentes.
X. Ou seja, não presenciaram qualquer facto, e como tal, não puderam depor sobre qualquer facto.
XI. Mas para o Tribunal a quo estes depoimentos mereceram credibilidade por entender que o depoimento da 3.ª testemunha, o Sr. J..., comercial do “Ponta Grande Resort”, não rejeitou os indícios daí extraídos.
XII. Mais fundamenta a sua convicção no suposto choque que uma das Recorridas teria tido ao receber o plano de pagamentos (que convenientemente foi recebido em plena festa de aniversário – como se ocorressem festas de aniversário no horário de expediente dos distribuidores de correio dos CTT… -, justificando assim a presença da testemunha nesse momento), e nos e-mails trocados entre os Recorridos e a 3.ª testemunha.
XIII. Ora, como ficou claramente demonstrado, existe um vício lógico na fundamentação da Douta Sentença.
XIV. É que, como ficou demonstrado ao longo de todo o depoimento da 3.ª testemunha, com as passagens e transcrições supra indicadas, e inclusive admitido pelo próprio Tribunal, esta testemunha não foi capaz de se recordar da situação fáctica em concreto, dos Recorridos e de qualquer negociação com os mesmos, isto apesar das inúmeras tentativas por parte dos Recorridos, que inexplicavelmente deveriam estar à espera que um comercial que lida com dezenas de pessoas por dia, se fosse lembrar de uma situação passada há 4 anos atrás.
XV. Naturalmente que não se lembrou, e portanto, todo o seu depoimento, que só foi longo devido às inúmeras tentativas dos Recorridos em confundir a testemunha em causa, foi feito à base daquilo que a testemunha sabia serem os procedimentos que ele e a empresa adoptavam na altura.
XVI. Assim, e não tendo a testemunha prestado depoimento sobre qualquer facto, como é que o seu depoimento poderia rejeitar qualquer dos factos relatados (e não depostos porquanto não os presenciaram) pela primeira e segunda testemunha?
XVII. E se nenhuma delas depôs sobre qualquer facto (porque não presenciaram nenhum), e não podendo a 3.ª testemunha deposto sobre qualquer facto por não se recordar, como é que foi possível provar algum facto, se sobre nenhum houve depoimento?
XVIII. É incompreensível; mas além dos depoimentos, que, como já vimos, nada acrescentaram à descoberta da verdade material, aquela que se extrai de factos e não de impressões ou relatos, temos junto ao processo uma troca de e-mails entre a 3.ª testemunha e os Recorridos.
XIX. Esta troca de e-mail, ao contrário do que inexplicavelmente foi lavrado na Sentença recorrida, não fazem qualquer referência à redução da prestação mensal, e muito menos faz o e-mail indicado no quesito 27 qualquer referência, directa ou indirecta, à redução para € 65,00, como também inexplicavelmente se pode ler na Sentença recorrida.
XX. Mas a troca de e-mails prova, exactamente aquilo que foi dito ao longo do depoimento da 3.ª testemunha, ou seja, a inexistência de qualquer acordo de redução da prestação,
XXI. O que havia, e foi cabalmente explicado, era uma forma de diminuir o peso financeiro do empréstimo, que estava na total dependência dos Recorridos, o qual não se revelou pouco claro, como entende a Douta Sentença, encontrando ressonância clara e directa na troca de e-mails, bastando para tal que os mesmos fossem lidos.
XXII. Não existindo qualquer sistema incerto ou complexo de trocas de informação como também é indicado na Sentença recorrida, ainda que a título meramente indicativo, pois como se irá ver infra, a decisão não foi nesse sentido, sendo aliás uma forma bastante simples e ao alcance de qualquer pessoa que soubesse ler e escrever, como parece ser o caso dos Recorridos,
XXIII. Ao celebrar o contrato, os Recorridos adquiriram o direito ao gozo de uma semana de férias, e se quisessem, podiam ceder esse gozo ao empreendimento e este ao alugar, entregava o valor aos cedentes, que depois o podiam aplicar onde quisessem, inclusive no pagamento das mensalidades.
XXIV. Em três linhas explica-se o “sistema incerto e complexo de cedências e trocas”, não se compreendendo já agora, de onde apareceu a referência a trocas, que não foi alegada nem mencionada em nenhum ponto deste processo.
XXV. E ao longo dos e-mails enviados pela 3.ª testemunha e do depoimento da mesma foi este “sistema” explicado até à exaustão.
XXVI. Não tendo sido feita qualquer prova da existência deste acordo, como bem referiu a Douta Sentença.
XXVII. E assim, a matéria de facto constante nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 17, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 31, 37, 38, 39 e 40 deveria com toda a naturalidade ter sido dado como provada, não porque a prova não fosse suficiente, mas porque ela inexistiu.
XXVIII. Mas o mais surpreendente nesta Sentença, é que ainda que toda a matéria de facto supra indicada fosse dada como provada, ainda assim o desfecho deste processo só poderia ter sido um: a improcedência da acção.
XXIX. É que se olharmos para a fundamentação da mesma, e desconsiderando o impulso temerário, mas contido a tempo, pelo abuso de direito na modalidade de tu quoque, podemos verificar que o Tribunal a quo considera que a situação deveria ser enquadrada de outro modo (jura novit curia), sustentando que de harmonia com o preceituado no artigo 12.º/1 do DL 359/91, de 21 de Setembro a nulidade do contrato de crédito inquinaria o contrato de compra e venda, que também seria nulo.
XXX. Como explicámos já supra, este lapso tem explicação: é que 48 horas antes de proferir a sentença de que ora se recorre, este mesmo Tribunal proferiu outra decisão, no âmbito do processo que corre termos sob o número 345/11.4TJLSB e da qual o ora Recorrente igualmente recorreu, em que era parte o mesmo Recorrente, e onde se aplicava efectivamente o regime do DL 359/91, de 21 de Setembro.
XXXI. Sendo patente que o regime que o Tribunal a quo deveria ter aplicado seria o do DL 133/2009, de 2 de Junho, aplicável ao caso concreto, e portanto, fazendo a analogia com o regime que deveria ter sido aplicado, diz a Douta Sentença que o contrato de crédito ao consumo deve ser reduzido a escrito e assinado peças partes contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura (artigo 6.º/1 do DL 359/91, de 21 de Setembro que deverá ler-se art.º 12.º, n.º 1 do DL 133/2009, de 2 Junho), sendo que a inobservância deste requisito legal é cominada com a nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do DL 359/91 (devendo ler-se art.º 13.º do DL 133/2009), conclui então a Sentença: “no dia em que foi celebrado o contrato, não foi entregue aos Recorridos o “memorando de compreensão, malgrado o mesmo se apresentar assinado pelos Recorridos,
Tal documento era essencial para que os Autores pudessem ter consciência das condições do contrato e para poderem exercer o seu período de reflexão.
Em consequência do exposto ficou bloqueado, na prática, o exercício desse direito, com a consequente manutenção da vigência do contrato contra a vontade dos demandantes.”
XXXII. Ora bem, em primeiro lugar, e de modo a que fique claro de uma vez por todas, não pode o Recorrente deixar de relembrar que o referido “memorando de compreensão”, junto como documento n.º 15 com a Petição Inicial, era/é um documento entregue pelo Ponta Grande Resort, não tem rigorosa e absolutamente nada a ver com o contrato de crédito.
XXXIII. Se esse documento complementar auxiliava na compreensão do contrato de adesão celebrado com as Rés.
XXXIV. Aquilo que é verdade e resulta dos Autos, é que esse documento não fazia parte do contrato de crédito e não era entregue pelo Recorrente.
XXXV. Mais, em nenhum articulado deste longo processo, em nenhuma palavra dita por qualquer das testemunhas, ou em qualquer documento, é dito, referido, indicado ou sequer indiciado que o contrato de crédito não tivesse sido entregue aos Recorridos, o mesmo se dizendo do contrato celebrado com as demais Rés.
XXXVI. O único documento que estava, esteve e sempre estará em causa é o aludido “memorando de compreensão”, e como tal, julgar um contrato de crédito nulo, porque alegadamente não foi entregue um documento facultativo por uma terceira parte, que nenhuma relação tinha com o contrato de crédito é não só despropositado e errado mas também demonstrativo da falta de atenção e cuidado que foi dada à apreciação da posição das partes e da prova produzida.
XXXVII. Mas mais, ainda que porventura, pudesse o Tribunal a quo tentado conhecer de forma oficiosa (ou seja sem ser alegada) a eventual excepção de não entrega do contrato de crédito, ainda que se pudesse admitir que foi esse o intento do Tribunal, o que não se descortina na sua fundamentação, mas por cautela de patrocínio se terá de fazer, é unânime e categórico, por toda a Jurisprudência, conforme foi referido supra, com extensa indicação de Acórdãos, cuja lista só peca por escassa, que este tipo de excepção, por só poder ser utilizada pelo consumidor, não é de conhecimento oficioso.
XXXVIII. Foi erradamente aplicado o DL 359/91 ou 133/2009 no caso em apreço, porquanto falta do contrato de crédito nunca foi alegada pelos Recorridos, pelo que, logicamente, não foi objecto de prova.
XXXIX. Por fim, e ainda que todo o supra dito não procedesse, o que apenas por mera hipótese académica e remota se admite, a verdade é que o comportamento dos Recorridos perante o Recorrente foi clara e manifestamente abusivo e violador da boa-fé e, como tal, passível de ser enquadrado no regime do Abuso de Direito, previsto no art.º 334.º do Código Civil, norma esta manifestamente violada pelo Tribunal a quo,
XL. porquanto os recorridos só deram conhecimento ao Recorrente da insatisfação do contrato 6 meses após a sua outorga e após terem cumprido todas as prestações.
XLI. Mais, após a comunicação em que solicitaram a revogação, foi-lhes enviada uma resposta, informando que o período de reflexão estaria largamente ultrapassado, e ainda assim, os Recorridos continuaram a pagar as mensalidades acordadas com o Recorrente.
XLII. Assim, os Recorridos criaram a convicção junto do Recorrente, que estes mantinham todo o interesse na manutenção e execução do contrato de crédito, nenhum vício lhe pudendo ser imputado.
XLIII. Em suma, deverá o presente recurso proceder porquanto houve um claro erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, tendo sido dado como provado matéria para a qual não foi produzida qualquer prova, fundado no depoimento das testemunhas dos Recorridos que foi, como expressamente declarado na sentença recorrida, indirecto, não se provando, como aliás é dito pela própria Sentença, o tal acordo das mensalidades de € 65,00, exactamente porque este não existiu.
XLIV. Não podia, pois, o Tribunal a quo valorar o depoimento indirecto das referidas testemunhas, porquanto a fundamentação dada pelo Tribunal não tem razão de ser, uma vez que sustenta a sua credibilidade no facto de o dito por estas não ter sido contradito pela 3.ª testemunha, quando esta não as poderia ter contradito porque não se lembrava de qualquer facto e como tal não depôs sobre qualquer facto.
XLV. Extraiu-se exactamente o inverso do concluído pelo Tribunal a quo do depoimento da 3.ª testemunha e das trocas de e-mails supra assinalados.
XLVI. Ainda que assim não fosse, nunca o contrato de crédito poderia ter sido declarado nulo por não ter sido entregue, porquanto esse foi facto não foi alegado, sequer provado, não se tratando de uma excepção de conhecimento oficioso, pelo que não poderia ser conhecida, uma vez que essa nulidade só poderia ser invocada pelo consumidor, aqui os Recorridos, e não foi.
XLVII. E por fim, ainda que nada do supra se entendesse, estaríamos sempre perante um abuso de direito por parte dos Recorridos, porquanto com a sua actuação, de pagamento das prestações e conformação da resposta dada ao pedido de revogação, convenceram o Recorrente do seu interesse na manutenção do contrato, criando-lhe uma legítima expectativa que esta convicção deve e será, protegida.
XLVIII. Deve, em suma, proceder o presente recurso por todos os fundamentos supra indicados e,
Decidindo nos termos requeridos, farão V. Exas. a costumada Justiça.
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Não foi apresentada contra-alegação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
- se não pode ser declarada a nulidade do contrato de crédito celebrado entre os apelados e o apelante;
- se a invocação de nulidade do contrato de crédito configura abuso do direito.
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III -  Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
- Factos que ficaram assentes na audiência preliminar -
1 - A R. D... SA, é a proprietária do empreendimento turístico, designado por “Ponta Grand Resort”. (A)
2 - A R. S.., LDA., promove, nomeadamente, as vendas do dito empreendimento turístico, em representação da sociedade acima indicada (B).
3 - Por seu turno, a R. Banco ..., S.A., é uma instituição financeira, vocacionada, nomeadamente, para a concessão de créditos pessoais ao consumo. (C)
4 - Considerando as condições propostas e a explicação que havia sido ministrada, os AA. acederam à assinatura do contrato proposto.(D)
5 - Tal contrato assentava no seguinte:
a) A taxa de admissão como associado do “Ponta Grande Resort” seria no valor de 11.400,00 euros;
b) Acresceria uma quota anual de 388,25 euros;
c) Teriam direito a usufruir de duas semanas por ano no “Ponta Grande Resort”, sem custos adicionais;
d) Poderiam ceder a terceiros qualquer das ditas duas semanas;
e) Poderiam, querendo, adquirir quantas semanas desejassem por valores mais reduzidos, assim a taxa de ocupação o permitisse, devendo proceder à respectiva marcação, com antecedência;
f) Das referidas duas semanas, os AA. poderiam ceder uma delas ao “Ponta Grande Resort” a fim de a ceder onerosamente a terceiros, o que proporcionaria a isenção da quota anual e ainda o direito ao percebimento da quantia remanescente auferida. O valor da cedência da dita semana a terceiros seria fixada anualmente, sendo que no ano transacto, tal valor havia sido fixado no valor de 920,00 euros;
g) Aquando da assinatura do contrato e como associados do “Ponta Grande Resort”, os AA. ficariam automaticamente inscritos no RCI, a qual representaria uma comunidade de mais de 4000 empreendimentos à escala mundial, o que permitiria usufruir das ditas duas semanas no “Ponta Grande Resort” ou em qualquer outro Resort da comunidade RCI, incluindo descontos nas respectivas passagens aéreas.(E)
6 - Um dos documentos apresentados, consistia na proposta de crédito à “C..., S.A.”. (F)
7 - Os AA. por reputarem tal explicação por plausível, aceitaram a mesma e assinaram a proposta de crédito apresentada. (G)
8 - Por carta datada de 6 de Abril de 2010, os A.A. receberam o plano de pagamentos remetido pela “C..., S.A”, no qual, vinham elencadas as prestações mensais de 190,00 euros, informando da aprovação do crédito solicitado. (H)
9 - Em consonância com o alvitrado, os AA. no dia 3 de Agosto de 2010, remeteram àquela, uma carta, onde foi vertida toda a situação e cujo teor era o seguinte:
“ […] Conforme combinado, vimos por este meio enviar todos os documentos que temos em nosso poder, de forma a juntar à nossa reclamação.
No dia 17 de Maio do corrente ano, enviámos uma carta ao Ponta Grande Resort na qual solicitámos a anulação do contrato nº 10P130301C com base nas incompatibilidades contratuais existentes, carta essa que segue em anexo e onde está descrita toda a situação.
Cerca de um mês depois, e uma vez que não obtivemos qualquer resposta do vosso parceiro, resolvemos fazer uma reclamação na DECO, instituição essa que também nos solicitou toda a documentação. Na altura, apercebemo-nos de mais algumas discrepâncias que não foram referidas no pedido de rescisão, elaborámos uma listagem das mesmas, (que também segue em anexo) e enviámos à instituição de defesa do consumidor. Mais tarde, fomos informados pela DECO, que havia sido iniciada a mediação, e fomos aconselhados a informar a instituição Financeira da ocorrência.
Queremos realçar que quando recebemos a relação de pagamentos com todos os meses a 190 euros, ficámos desconfiados e ligámos de imediato ao representante do Ponta Grande com o qual celebrámos o contrato, de nome J..., questionando-o uma vez mais, o porquê de não fazer referência aos 65 euros como combinado, ao que ele nos respondeu que funcionava mesmo assim, porque se a qualquer momento quiséssemos rescindir o contrato, teríamos de ser ressarcidos de 190 euros mensais e não de 65, e que seria o momento exacto para enviarmos uma declaração onde cedíamos uma semana a alugar ao Ponta Grande Resort, e que estes ao receberem a mesma nos iriam enviar um formulário questionando qual a forma de pagamento pretendida, se preferíamos que fosse amortizado o valor com a Instituição de Crédito, ficando só a pagar os 65 euros, ou se pretendíamos receber os 920 euros (valor que segundo o Sr. João valia a semana que cedíamos) na nossa conta. Nós deixámos sempre bem claro que não queríamos receber qualquer dinheiro, só queríamos pagar os 65 euros acordados enfatizando a impossibilidade de suportar um encargo de 190 euros mensais.
Queremos também realçar que durante o período de reflexão previsto na lei, nós não tínhamos em nosso poder o memorando de compreensão, documento este que nenhum dos presentes se recorda de ter visto, e que deveria ter sido entregue aquando a assinatura do contrato, mas que só nos foi enviado posteriormente, pois quando nos contactaram do Ponta Grande dizendo que não tínhamos semana nenhuma para dar a alugar este ano, alegando que isso era uma cláusula do memorando, só neste momento é que percebemos que tal documento existia e que não o tínhamos em nosso poder, foi então nesta altura que nos enviaram uma fotocópia do mesmo pelo correio.
Qual o nosso espanto quando ao lermos o referido documento reparámos que o mesmo está datado de 13 de Outubro de 2010. Este documento, que está previsto na lei no que respeita a vendas à distância, exactamente para permitir uma análise mais detalhada, e que certamente nos levaria a perceber que estávamos a ser ludibriados, pois todos os pontos nele contido são totalmente incompatíveis com o que nos foi dito, o que nos leva a pensar que foi premeditado, pois após análise ao mesmo teríamos imediatamente pedido a anulação do contrato.
Entretanto, deparámo-nos com mais algumas incompatibilidades, que vamos passar a referir (das quais vamos dar também conhecimento á DECO):
No contrato assinado com a Instituição de Crédito, o primeiro titular está identificado como sendo J..., (casado em regime de comunhão de bens adquiridos com S...) e o segundo titular B..., (casado em regime de comunhão de bens adquiridos com C..., com um dependente, nascido no dia 17 de Janeiro de 2010, ao contrário do que está na proposta de crédito, onde não consta nenhum dependente). Nesta proposta, que foi integralmente preenchida pelo Sr. João à excepção das assinaturas, aparece a declaração de IRS do 1.2 titular em conjunto com a sua esposa, a qual não assinou rigorosamente nenhum documento, quer relativo ao crédito, quer relativo ao contrato com o Ponta Grande Resort.
Posto isto, vimos desta forma solicitar uma cuidada análise ao nosso caso, esperando que nos ajudem a resolver esta delicada situação, que se está a revelar incomportável para a nossa situação financeira [...] ”. (I)
10 - No dia 29 de Setembro de 2010, a R. C..., S.A., enviou a resposta, referindo o seguinte: “ […] Na sequência da comunicação de V. Exas., sobre o contrato de crédito em assunto, que mereceu a nossa melhor atenção, informamos que não nos é possível atender ao solicitado.
Com efeito, o prazo de revogação do contrato de crédito é de catorze dias de calendário a contar da data da assinatura do contrato, como prevê o nº.1 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 133/2009 de 2 de Junho, pelo que a comunicação de V. Exas. ao C... vem, assim, manifestamente fora de prazo.
Nesta conformidade, o contrato de crédito em assunto mantém-se activo até ao vencimento da última prestação, pelo que daremos continuidade ao débito das prestações previsto no Plano de Pagamentos.
Aliás, caso o contrato com o fornecedor não tenha tido lugar no respectivo estabelecimento comercial, haverá lugar à aplicação do estatuído no nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei 143/2001 de 26 de Abril (revogação válida no prazo de catorze dias corridos e contados desde a data da assinatura do contrato de prestação de serviços).
Contudo, não dispomos de qualquer comprovativo de que o contrato de prestação de serviços tenha sido revogado no prazo legal, sendo certo que a entidade fornecedora nada nos comunicou nesse sentido.
Deste modo, caso V. Exas. nos comprovem ter, no prazo legal, notificado a fornecedora da revogação do contrato (mediante cópia do registo e aviso de recepção) será a solicitação apresentada sujeita a nova apreciação.
Colocamo-nos à disposição para qualquer esclarecimento adicional, através do telefone 707502732 e do e-mail dmd.reclamacoes@C....pt
Com os nossos melhores cumprimentos
Direcção Marketing Directo – Clientes
Reclamações e Entidades Externas”. (J)
11 - Tal “memorando de compreensão”, tal como o próprio título inculca, é um documento indispensável para a assinatura do contrato e para a apreensão das condições plasmadas e inerentes ao mesmo. (L)
12 - Os AA. continuam a suportar as prestações do empréstimo contraído junto da R., C..., S.A. (M)
13 - Até à presente data (com referência à entrada em juízo da petição), os AA. já liquidaram o valor total de 2.090,00 euros; conforme informação prestada pelo Banco ..., S.A., em 27.VI.2013 (fls. 351), essa importância ascende a € 7.247,50, por referência ao período compreendido entre 7.V.2010 e 7.VI.2013. (N)
14 - Tal valor corresponde às prestações liquidadas e referentes aos meses de Maio de 2010 a Março de 2011, na importância de 190,00 euros, por mês. (O)
15 - No dia 13 de Março de 2010, os AA, celebraram um contrato de crédito com o 3.º Réu, destinado ao financiamento da quantia de € 8.223,50 (oito mil duzentos e vinte e três euros e cinquenta cêntimos), ao qual foi atribuído o número 80003194637. (P)
16 - Para confirmação dos dados necessários à outorga do contrato de crédito, e para análise da solvabilidade financeira dos AA., solicitou o 3.º Réu que lhe fossem entregues alguns documentos necessários para o efeito, nomeadamente: (Q)
17 - Fotocópia dos bilhetes de identidade, cartões de contribuinte, facturas de telefone e electricidade, para comprovação da morada, declaração de IRS, bem como, a fotocópia do extracto bancário integrado, para identificação do NIB onde deveriam ser debitadas as prestações mensais do contrato. (R)
18 - Solicitação a que os AA. anuíram, conforme se pode constar através de documento 3. (S))
19 - O valor do financiamento concedido aos AA., ascendente ao montante de €8.448,86 (oito mil quatrocentos e quarenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), corresponde ao montante do crédito que foi por aqueles solicitado, acrescido do valor do imposto de selo, na quantia de € 50,69 (cinquenta euros e sessenta e nove cêntimos), bem como das despesas iniciais relativas à comissão de abertura de dossier, no valor de € 164,67 (cento e sessenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), conforme discriminado no próprio contrato de crédito. (T)
20 - Em virtude da celebração do contrato de crédito, os AA., vincularam-se a reembolsar ao 3.º Réu a quantia que lhes foi financiada, através do pagamento de 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 190,00 (cento e noventa euros) cada uma. (U)
21 - As partes acordaram ainda que, o pagamento de cada prestação deveria ser efectuado mediante débito directo na conta n.º 0007.0000.00742694760.23, conforme ordem dada pelos AA., à sua instituição bancária Banco ..., e tal como resulta do próprio
contrato de crédito. (V)
*
 - Factos averiguados na Base Instrutória, que foram julgados provados após a produção de prova em sede de audiência final: -
22 - Em Fevereiro ou Março de 2010, o Autor Bruno Brites foi contactado pelo aludido “Ponta Grande Resort”, dando-lhe conta de que havia sido seleccionado e que deveria indicar um fim-de-semana para usufruir do respectivo prémio. (2º)
23 - Foi acordado então que os AA. se deslocariam a tal empreendimento no fim-de-semana de 12 a 14 de Março de 2010. (3º)
24 - Nos termos e condições firmadas, os AA. deslocaram-se no dito fim-de-semana ao empreendimento turístico denominado por “Ponta Grande Resort”, em Sesmarias, Albufeira. (5º)
25 - E no dia 13 de Março de 2010, pelas 10 horas, os AA. tiveram a mencionada apresentação, a qual, foi iniciada por um tal Samuel. (6º)
26 - Posteriormente surgiu um tal J..., que se apresentou como colaborador do referido “Ponta Grande Resort”. (7º)
27 - No que se reportava às formas de pagamento, foram apresentadas duas alternativas aos AA.:
a) Pagamento a pronto da taxa de admissão, como associado, i.e., 11.400,00 euros; ou
b) Recurso à empresa de crédito “C..., S.A.”, o que implicaria uma prestação mensal de 190,00 euros, por um prazo de 60 meses. Nesta hipótese, os AA. Apenas poderiam usufruir de uma das duas semanas, durante os referidos 60 meses. (8º)
28 - Tais alternativas foram rejeitadas pelos AA., por via das suas parcas possibilidades financeiras. (9º)
29 - Foi apresentada uma novel alternativa de pagamento, assente no seguinte: os AA. perderiam o direito a uma das duas semanas a favor do “Ponta Grande Resort”, o qual, por seu turno, cederia a dita semana a terceiros, auferindo os proveitos daí resultantes, por prazo não inferior a 60 meses. (10º)
30 - Em consequência de tal opção, os AA. só teriam de liquidar o valor de 3.900,00 euros, a liquidar por recurso ao aludido crédito, em prestações mensais de 65,00 euros, durante 60 meses. (11º)
31 - Findo tal prazo, os AA. voltariam a gozar total e plenamente das duas semanas e demais regalias atribuídas a todos os associados. (12º)
32 - Os AA. resolveram aceitar tal proposta, por se enquadrar dentro das suas capacidades financeiras. (13º)
33 - O referido J... minutou uma declaração a apresentar ao “Ponta Grande Resort”, para efeitos de autorização da cedência dão [sic] “Ponta Grande Resort” da aludida semana. (14º)
34 - Na sequência, o dito J..., informou que os AA. teriam de liquidar, de imediato, a título de sinal, o valor de 1.000,00 euros. (16º)
35 - Os AA. rejeitaram tal possibilidade, por não terem disponível tal montante. (17º)
36 - No propósito de viabilizar o acordo, foi então estabelecido consensualmente que os A.A. iriam prescindir da semana que ainda lhes restava, de molde a garantir o sinal peticionado de 1.000,00 euros. (18º)
37 - De acordo com os valores fixados no ano anterior, tal semana teria o valor de 920,00 euros, muito próximo do valor peticionado a título de sinal, ou seja, 1.000,00 euros. (19º)
38 - De seguida, o referido J... começou a tratar de toda a documentação necessária à assinatura do contrato, nos termos e condições estabelecidas. (20º)
39 - O mencionado J... justificou tal situação, nos termos seguintes:
a) Os AA. teriam de, anualmente, conceder uma autorização ao “Ponta Grande Resort” para a cedência de uma das duas semanas, de molde a viabilizar a redução da quantia de 190,00 euros, para a importância de 65,00 euros; (21º)
40 - Simultaneamente, os AA. assinaram toda uma série de documentação que lhes era apresentada pelo indicado J..., fazendo fé que tudo estaria em conformidade com o acordado e segundo a confiança que aquele havia incutido. (22º)
41 - Na verdade, na sequência das conversas havidas entre os AA. e o dito J..., verificou-se que ambas as partes tinham amigos em comum. (23º)
42 - O referido J... informou os AA. que se deslocava diversas vezes ao Alentejo, nomeadamente, a Évora, por motivos de ordem profissional. (24º)
43 - Ora, o facto de J... conhecer e invocar relações de amizade com pessoas que os AA. conheciam, fez crer que aquele em momento ou circunstância alguma iria defraudar o que anunciara.(25º)
44 - Conforme ficara acordado, os AA. entraram em contacto com o referido J..., no dia 22 de Abril de 2010, através de email, dando conta da recepção de tal documento, nos seguintes termos:
“ […] contrato nº.10P130301C
Já recepcionámos o plano de pagamentos da financeira mas ficámos com uma dúvida, nós tínhamos optado pela hipótese de pagar 65 €, dando todos os anos uma semana a alugar ao Ponta Grande Resort, acontece que no plano de pagamento da financeira vem mencionado que todas as prestações serão de 190 €, nós queríamos saber se vamos pagar só os 65€ ou se houve algum lapso?
E em relação à semana que supostamente demos de entrada, esse valor está incluído no contrato?
Queríamos também saber se é agora que temos de enviar o ofício a dar a semana para alugar?
Para o ano ficamos com uma semana que podemos dar para alugar e receber o valor da mesma?
Quando é que podemos começar a usar o estatuto de sócio?
Gostaríamos ainda de lhe solicitar que nos fossem enviados os catálogos onde podemos escolher os sítios onde queremos passar as nossas férias […]”. (26º)
45 - No dia seguinte, i.é., dia 23 de Abril, J... informou os AA., pela mesma via, que era chegado o momento de remeterem a declaração anual de autorização de cedência da semana ao “Ponta Grande Resort”, a fim da prestação mensal ser reduzida para a importância de 65,00 euros, nos seguintes termos:
“[…] Deverá ser agora que dão autorização para a empresa proceder ao aluguer da semana.
Para o ano deverão fazer a mesma autorização. O estatuto de sócios poderão usá-lo em qualquer altura desde que já tenham recebido os documentos inerentes ao RCI que vos permitirá usar em qualquer altura. Deverão estar a receber estes a qualquer momento pois são enviados directamente pela RCI. No plano de pagamentos consta a mensalidade a ser paga, se descontarem o valor do aluguer ao receberem é que esta baixa. Em relação à semana de entrada este valor foi descontado directamente ao contrato, sendo considerado um aluguer directo […]”. (27º)
46 - Mais acrescentou, de seguida, num outro email:
“ […] Em relação ao aluguer deste ano foi o que já lhes foi descontado directamente, daí os valores a pagarem serem esses, para o ano deduzem nas mensalidades […]”. (28º)
47 - No dia 30 de Abril de 2010, os AA. enviaram ao “Ponta Grande Resort” a referida declaração de autorização, nos termos minutados pelo indicado J... (29º)
48 - Aos AA. não havia sido entregue qualquer “memorando de compreensão”, nem dois vouchers. (31º)
49 - Em Maio de 2010 os AA. tentaram por inúmeras vezes contactar telefonicamente o mencionado J..., sem qualquer resultado, visto nunca ter atendido o seu telefone. (32º)
50 - Tendo os AA. optado pelo envio de novo email, no dia 6 de Maio de 2010, com o seguinte teor:
“ […] Contrato nº.10P130301C
Temos tentado contactá-lo através do telemóvel, mas sem sucesso, esperamos que responda a este email.
Depois de enviarmos a carta registada com aviso de recepção com a declaração a dar permissão para o Ponta Grande Resort alugar a nossa semana de 2010, uma funcionária do mesmo entrou em contacto connosco e surgiram algumas incompatibilidades, pois a Sra. diz que existe uma cláusula no memorando (que nós nem sequer temos em nosso poder) a dizer que só podemos dar a semana para o próximo ano, uma vez que este ano só temos dois vouchers para usar (vouchers esses que também não nos foram facultados).
Esperamos que nos contacte tão breve quanto possível, para nos esclarecer estas outras questões referidas pela senhora, pois se for realmente como ela diz, nós pretendemos rescindir o contrato de imediato pois não foi isso que foi acordado consigo, pois como você sabe nós só fizemos contrato com a condição de prescindirmos da nossa semana de forma a ficarmos com uma prestação mensal de apenas 65,00 €, posto isto caso não nos contacte brevemente seremos obrigados a recorrer a entidades competentes que nos ajudem a resolver a situação […]”. (33º)
51 - Aquele respondeu, no mesmo dia, por email, nos seguintes termos:
“ […] Pedindo desde já desculpas pelas chamadas não atendidas, pois já não me encontro em poder desse número, venho informar-vos que já não me encontro ao serviço da empresa há alguns dias, tendo dessa forma deixado de ser funcionário da mesma.
Em relação ao documento mencionado, “Memorando de compreensão”, foi junto a todo o processo uma cópia do mesmo.
Os vouchers mencionados são as 2 semanas de oferta que vos foram entregues juntamente com as do Clube Diamante. Em relação ao valor da mensalidade este só reduz aquando do aluguer feito pela empresa e sendo amortizado na prestação por vocês.
Todos os futuros contactos deverão ser feitos directamente com os departamentos da empresa […] ”. (34º)
52 - No dia 12 de Maio de 2010, os serviços do Ponta Grande Resort, remeteram ao Autor B... um email, com o seguinte teor:
“[…] Em resposta aos vossos emails de dia 6-05-2010, vimos informá-los [de] que, não compreendemos a razão pela qual não têm o memorando de compreensão, e os dois vouchers junto com os restantes documentos, que vos foram entregues aquando da assinatura do contrato. De qualquer forma, estamos a enviar hoje, por correio, uma fotocópia do mesmo assim como 2 vouchers em substituição dos extraviados. Mais informamos que ainda poderão usufruir de 1 semana este ano (através de um destes vouchers). Para o próximo ano já terão direito à vossa semana. Quanto à rescisão do contrato, chamamos a vossa atenção para a cláusula nº 6 do referido contrato, que respeita ao período de reflexão, que foi há muito ultrapassado [...]”. (35º)
53 - Foi enviado por via postal o referido “memorando de compreensão” e assim também, os 2 vouchers, conforme anunciado no email acima transcrito. (36º)
54 - No dia em que foi celebrado o contrato, não foi entregue aos AA. o “memorando de compreensão”, malgrado o mesmo se apresentar assinado pelos AA., à imagem e semelhança de outros documentos. (37º)
55 - O indicado J... solicitou aos AA. que assinassem diversos
documentos, o que estes prontamente fizeram, face à confiança que estes depositaram, naquele. (38º)
55 - Porém os AA. nunca leram tal documento. (39º)
56 - Ao compulsarem o dito “memorando de compreensão” os AA. ficaram com a arreigada convicção que não estariam interessados no contrato assinado, pelo que pretendiam a sua revogação imediata. (40º)
57 - Acto contínuo, no dia 18 de Maio de 2010, os A.A. remeteram uma carta registada, com aviso de recepção, onde manifestaram a sua expressa intenção de revogarem a sua proposta de adesão. (41º)
58 - Tal carta tinha o seguinte teor:
“Assunto: Pedido de rescisão de contrato de adesão
Vimos por este meio expor a nossa situação:
Participámos num passatempo online denominado “Ganhe um fim-de-semana de sonho”, através do site “tudogratis.pt”, que consistia em responder a algumas perguntas, e fazer uma frase original relacionada com o Ponta Grande Resort.
Dias mais tarde, fomos contactados pelos vossos serviços, que nos informaram que a nossa frase havia sido seleccionada, e que deveríamos indicar um fim-de-semana para usufruir do prémio.
Foi então combinado que faríamos o check in dia doze (12) de Março, e o check out até às doze (12) horas do dia catorze (14) do mesmo mês, que pagaríamos a quantia de sessenta (60) euros aproximadamente, e que teríamos que assistir a uma apresentação, que ficou previamente marcada para as dez (10) horas do dia treze (13) de Março, e que teria uma duração nunca inferior a duas (02) horas.
No que à apresentação diz respeito, a mesma foi inicialmente efectuada pelo Sr. Samuel, e consistiu, primeiro numa visita guiada ao Resort, e depois numa explicação acerca do funcionamento do protocolo de férias que tinha para nos propor, sendo a mesma terminada pelo Sr. J..., que se apresentou como sendo director do Ponta Grande Resort.
Tendo como base a explicação que nos foi dada e acreditando na boa fé dos vossos funcionários decidimos tornarmo-nos vossos membros, celebrando contrato.
Pretendemos deixar bem claro que, apenas celebrámos contrato porque nos foi garantido pelos senhores acima referidos, que dando uma das nossas duas semanas a alugar ao Ponta Grande, ficaríamos com uma prestação de 65 € mensais e nunca 190 €, pois explicámos na altura que não temos possibilidades financeiras para pagar tal valor.
Ao analisarmos o contrato de adesão reparámos que o mesmo apresentava os 190 € mensais e questionámos o Sr. João porque não constava os 65 € como combinado, ao que ele respondeu que, tinha que estar assim, porque teríamos que enviar uma declaração anual, em carta registada com aviso de recepção, ao Ponta Grande Resort, a dar permissão para que alugassem a nossa semana, e assim o Ponta Grande, abatia o valor do aluguer no empréstimo tornando a prestação em 65 €.
Quando recebemos o plano de pagamentos da financeira, que contém as prestações a 190 € mensais, entrámos novamente em contacto com o Sr. João, que nos informou através de e-mail (que segue em anexo), que seria a altura de efectuarmos o procedimento supracitado, ao que nós acedemos, enviando de imediato a declaração.
Posto isto, fomos contactados pelos vossos serviços, que nos informaram que não poderíamos abdicar de uma semana, uma vez que no ano de 2010, só teríamos direito a 2 vouchers (que nos deveriam ter sido entregues e que não estão em nosso poder, bem com o memorando de compreensão). Nós ficámos muito confusos, pois se este ano não temos direito às semanas, como é que o Sr. João aceitou uma dessas semanas como entrada ao contrato?
Pois o mesmo solicitou-nos uma entrada de 1000 €, (que na altura provocou admiração até ao Sr. Samuel) e nós pedimos algum tempo para pensar, ao que o Sr. João não acedeu, dizendo que teríamos que decidir de imediato, tendo obtido como resposta um concludente “não”. Em acto contínuo, e como estávamos no período de almoço, o Sr. João voltou atrás e deu-nos cerca de noventa (90) minutos, para que almoçássemos e pensássemos melhor. Foi então que um de nós pensou nessa possibilidade, uma vez que não temos disponibilidade financeira, vamos propor dar uma das semanas (que segundo ele valia 920 €), a que tínhamos direito, proposta essa que foi aceite.
Ainda nos deparámos com mais incompatibilidades:
No dia em que foi celebrado o contrato, não nos foi facultada a fotocópia do memorando de compreensão, de modo a permitir uma análise mais profunda e detalhada, durante os 10 dias de reflexão que a lei prevê (tudo nos leva a pensar que foi premeditado, pois se tivéssemos tido oportunidade de analisar o mesmo, teríamos percebido que estávamos a ser enganados).
No dia em que foi celebrado o contrato não nos foram facultados os vouchers, o que nos leva a pensar, que foi para não nos apercebermos que não teríamos direito às 2 semanas, e assim, conseguir ocultar a mentira da redução da prestação mensal de 190 € para 65 €.
No acto das assinaturas do contrato não nos foi facultado cópia da proposta de crédito, a mesma só nos foi enviada posteriormente via CTT.
Foi-nos dito (novamente através de e-mail, que também segue em anexo) que ao fim de aproximadamente um mês após a celebração do contrato, poderíamos usufruir de todas as regalias anunciadas na apresentação, incluindo estadias, todos os descontos, bem como receber catálogos do RCI, com promoções e empreendimentos em que poderíamos ficar hospedados.
Como era nossa intenção dar uma semana a alugar ao Ponta Grande não teríamos de pagar a quota anual no valor de 388,25 €. Queremos realçar o facto, de nunca termos suspeitado que os vossos funcionários nos estivessem a enganar, pois nunca nos passou pela cabeça, que uma instituição de luxo como a vossa, corresse o risco de contratar funcionários que denegrissem a vossa imagem, só para alcançarem os seus objectivos, mesmo que para isso tenham de recorrer à mentira, pois tanto o Sr. João, como o Sr. Samuel, sabiam que se a prestação fosse 190€ mensais nós nunca aceitaríamos, uma vez que não dispomos de condições financeiras para suportar tal encargo.
Depois de apresentada a situação pretendemos rescindir o contrato imediatamente, esperando a vossa compreensão para que a resolução da situação seja tão breve quanto possível […]”. (42º)
*
B) Na sentença recorrida não foram considerados provados os seguintes factos [a numeração remete para a Base Instrutória]:
1.º No dia 18 de Fevereiro de 2010, o Autor Bruno Brites participou num passatempo online denominado “Ganhe um fim-de-semana de sonho”.
4.º Ficou ainda estabelecido o seguinte: o check in seria efectuado no dia 12 de Março de 2010; o check out seria levado a cabo no dia 14 de Março de 2010, até às 12 horas; seria liquidada a quantia de 60,00 euros; teriam de assistir a uma apresentação, a qual, ficou previamente marcada para as 10 horas do dia 13 de Março de 2010 e que teria uma duração não inferior 90 minutos.
15.º A minuta elaborada por J... tinha o seguinte teor: “Declaração – Venho por este meio autorizar que seja feito o aluguer do contrato n.º 10P130301C pelo Ponta Grande Resort […] ”.
21.º b) Por outro lado, tal salvaguardaria os legítimos interesses dos AA., pois se a dada altura pretendessem resolver o contrato, teriam de ser ressarcidos das prestações pagas no valor de 190,00 euros e não só de apenas 65,00 euros.
30.º Alguns dias após 30.IV.2010, os serviços do “Ponta Grande Resort” contactaram telefonicamente o A. Bruno Brites, informando que aqueles serviços não poderiam abdicar de nenhuma semana a favor do empreendimento, em virtude de no ano de 2010, não terem direito a nenhuma, mas tão só a dois vouchers, de acordo com o plasmado no “memorando de compreensão”.
*
C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
C) 1. Verifica-se que a dupla referência, na alegação recursiva, ao art. 17º da base instrutória se deve a lapso de escrita, pois os art. 17º e 18º e respectivas respostas estão encadeados logicamente com o art. 16º e sua resposta. Por isso, ao abrigo o disposto no art. 249º do Código Civil, rectifica-se a declaração, considerando-se que onde o apelante se refere aos art.«17º, 17º» da base instrutória deve ler-se «16º, 17º».
Além disso, é também evidente o lapso de escrita na conclusão XXVII ao exarar-se que a matéria de facto aí referida deveria ter sido dada como provada. Portanto, ao abrigo do disposto no art. 249º do Código Civil, rectifica-se tal declaração, considerando-se que a pretensão do apelante é no sentido de tal matéria ser dada como não provada.
Apreciemos então se a 1ª instância incorreu em erro na apreciação da prova.
Nos art. 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 31º, 37, 38º, 39º e 40º da base instrutória pergunta-se e respondeu a 1ª instância, o seguinte:
Art. 9º: «Tais alternativas foram rejeitadas pelos AA, por via das suas parcas possibilidades financeiras?»
Art. 10º: «Foi apresentada uma novel alternativa de pagamento, assente no seguinte: os AA perderiam o direito a uma das suas semanas a favor do “Ponta Grande Resort”, o qual, por seu turno, cederia a dita semana a terceiros, auferindo os proveitos daí resultantes, por prazo não inferior a 60 meses?»
Art. 11º: «Em consequência de tal opção, os AA só teriam de liquidar o valor de 3.900,00 euros, a liquidar por recurso ao aludido crédito, em prestações mensais de 65,00 euros, durante 60 meses?»
Art. 12º: «Findo tal prazo, os AA voltariam a gozar total e plenamente das duas semanas e demais regalias atribuídas a todos o associados?»
Art. 13º: «Os AA resolveram aceitar tal proposta, por se enquadrar dentro das suas capacidades financeiras?».
A matéria dos artigos 9º, 10º, 11º, 12º e 13º foi considerada provada integralmente.
*
Foi também considerado provado, não sendo objecto de impugnação neste recurso:
«Tendo inclusivamente o referido J... minutado uma declaração ao “Ponta Grande Resort”, para efeitos de autorização da cedência ao “Ponta Grande” Resort da aludida semana». (resposta ao art. 14º)
*
Art. 16º: «Na sequência, o dito J... informou que os AA teriam de liquidar, de imediato, a título de sinal, o valor de 1.000,00 euros?»
Art. 17º: «Os AA rejeitaram tal possibilidade, por não terem disponível tal montante?»
Art. 18º: «No propósito de viabilizar o acordo, foi então estabelecido consensualmente que os AA iriam prescindir da semana que ainda lhes restava, de molde a garantir o sinal peticionado de 1.000,00 euros?»
Art. 19º: «De acordo com os valores fixados no ano anterior, tal semana teria o valor de 920,00 euros, muito próximo do valor peticionado a título de sinal, ou seja, 1.000,00 euros?»
Art. 20º: «De seguida, o referido J... começou a tratar de toda a documentação necessária à assinatura do contrato, nos termos e condições estabelecidas?»
A matéria dos artigos 16º, 17º, 18º, 19º e 20º também foi considerada provada integralmente.
*
Art. 21: «O mencionado J... justificou tal situação, nos termos seguintes:
a) Os AA teriam de, anualmente conceder uma autorização ao Ponta Grande Resort” para cedência de uma das duas semanas, de molde a viabilizar a redução da quantia de 190,00 euros, para a importância de 65,00 euros;
b) Por outro lado, tal salvaguardaria os legítimos interesses dos AA, pois se a dada altura pretendessem resolver o contrato, teriam de ser resssarcidos das prestações pagas no valor de 190,00 euros e não só apenas 65,00 euros?»
Da matéria do artigo 21º foi considerada não provada a que consta na alínea b) e provada a restante.
*
Art. 22º: «Simultaneamente, os AA assinaram toda uma série de documentação que lhes era apresentada pelo indicado J..., fazendo fé que tudo estaria em conformidade com o acordado e segundo a confiança que aquele havia incutido?»
Art. 23º: «Na verdade, na sequência das conversas havidas entre os AA e o dito J..., verificou-se que ambas s partes tinham amigos em comum?»
Art. 24º: «O referido J... informou os AA que se deslocava diversas vezes ao Alentejo, nomeadamente, a Évora, por motivos de ordem profissional?»
Art. 25º: «Ora, o facto de J... conhecer e invocar relações de amizade com pessoas que os AA conheciam, fez crer que aquele em momento ou em circunstância alguma iria defraudar o que anunciara e alardeara?».
A matéria dos artigos 22º, 23º, 24º e 25º também foi considerada provada integralmente com excepção do vocábulo «alardeara» constante no art 25º.
*
Art. 31: «Aos AA não havia sido entregue o dito “memorando de compreensão”, assim como os dois vouchers?»
Resposta: «Aos AA não havia sido entregue qualquer “memorando de compreensão”, nem dois vouchers
*
Art. 37º: «No dia em que foi celebrado o contrato, não foi entregue aos AA o “memorando de compreensão” malgrado o mesmo se apresentar assinado pelos AA, à imagem e semelhança de outros documentos?»
Art. 38º: «O indicado J... solicitou aos AA que assinassem diversos documentos, o que este prontamente fizeram, face à confiança que estes depositaram naquele?»
Art. 39º: «Porém os AA nunca leram tal documento?»
Art. 40º: «Ao compulsarem o dito “memorando de compreensão” os AA ficaram com a arreigada convicção que não estariam interessados no contrato assinado, pelo que pretendiam s sua revogação imediata?»
A matéria dos artigos 37º, 38º, 39º e 40º também foi considerada provada integralmente.
*
C) 2. Apreciando.
Na sentença recorrida vem dado como provado - e não é objecto de impugnação neste recurso  – que, «Considerando as condições propostas e a explicação que lhes havia sido ministrada, os AA acederam à assinatura do contrato proposto»; que «Tal contrato assentava no seguinte: (…) «Teriam direito a duas semanas por ano no “Ponta Grande Resort”», «Poderiam ceder a terceiros qualquer das ditas duas semanas», (…) «Das referidas duas semanas, os AA poderiam ceder uma delas ao “Ponta Grande Resort” a fim de a ceder onerosamente a terceiros, o que proporcionaria a isenção da quota anual e ainda o direito ao percebimento da quantia remanescente auferida»; «O valor da cedência da dita semana a terceiros seria fixado anualmente, sendo que no ano transacto, tal valor havia sido fixado no valor de 920,00 euros» (cfr alíneas C), D) e E) dos factos considerados assentes na audiência preliminar).
Mas, no documento nº 5 junto com a p.i. a fls.102, intitulado «Contrato de Adesão», «Contrato nº 10P130301C, assinado pelos AA J... e B..., lê-se:
- no seu rosto: «O(s) Associado(s) aceitam de livre vontade as condições descritas no verso do presente documento. O(s) Associado(s) comprometem-se também a pagar a Quota Anual acima indicada sujeita a variação com o Regulamento do Clube»;
- e no seu verso, sob o título: «Condições do Contrato de Adesão»:
«2. Direito(s) do(s) Sócio(s)
(…)
2.2. Utilizar gratuitamente uma unidade de alojamento no Ponto Grande Resort em T2, com capacidade para 6 pessoas (…) por um período de 7 dias não fraccionáveis (…)».
Portanto, no que respeita ao período de tempo a que os AA teriam direito e à isenção de pagamento da quota anual, existe discrepância entre o que se mostra exarado no «Contrato de Adesão» e as condições que foram propostas aos AA, pois decorre desse documento que apenas teriam direito a uma semana de férias e não está prevista isenção da quota anual de 388,25 €.
Também no documento nº 15 junto com a p.i. a fls.116, intitulado «Memorando de compreensão», assinado pelos AA J... e B..., está impresso, além do mais:
«Ao confirmar a sua adesão ao Ponta Grande Vacation Club, queremos eliminar quaisquer dúvidas ou mal entendidos que digam respeito àquilo que adquiriu e certificar-se que fica bem claro quais são os seus direitos, deveres e obrigações. Assim agradecemos que dedique alguns minutos do seu tempo a cada um dos pontos abaixo discriminados:
(…)
2 – Percebemos que temos direito a utilizar uma unidade de alojamento, gratuitamente no Ponta Grande Resort, em Tipologia T2 (…) capacidade para 6 pessoas, por um período de 7 dias não fraccionáveis dentro do período escolhido.
(…)
5 – Percebemos que a semana a que temos direito só pode ser garantida na nossa época. No entanto o RCI permite a troca da nossa semana em qualquer altura do ano, mediante disponibilidade do mesmo.
6 – Percebemos que para utilizarmos o sistema de troca da nossa semana, devemos depositar primeiro a nossa semana e ter actualizado o pagamento da quota anual.
(…)
8 – Percebemos que existe um pagamento anual de quotas referente a cada uma das semanas adquiridas e que para o ano de 2010 o valor é de € 388,25 (com IVA à taxa em vigor), por semana adquirida.
9 – Percebemos que só podemos solicitar reserva, troca através do RCI ou aluguer da nossa semana após liquidação da quota anual.
10 – Percebemos que podemos alugar a nossa semana diretamente ou através de terceiros e que caso o solicitemos ao Ponta Grande Vacation Club o mesmo não é garantido. Em caso de êxito de aluguer através do Ponta Grande Vacation Club o valor do mesmo será correspondente ao cobrado a quem utilizar a estadia sendo que será deduzia uma comissão de 25% sobre o valor total do aluguer.
11 – Percebemos que todos os direitos e deveres estão assegurados por escrito, e em nenhuma circunstância poderão ser alterados ou modificados verbalmente por nenhuma das partes, nem podemos dar crédito a promessas que não tenham sido confirmadas por escrito.
(…)
15 – Percebemos que o primeiro ano de utilização é 2011.».
Da leitura destes segmentos do «Memorando de Compreensão» resulta, também, discrepância entre o que está provado sobre o que foi transmitido aos AA como condições em que assentava o contrato e o que consta nesse «Memorando» sobre o número de semanas de férias a que teriam direito e sobre o pagamento da quota anual. Repare-se ainda que nesse «Memorando» consta que o aluguer da semana de férias não é garantido pelo Ponta Grande Vacation Club e que sobre o seu valor incide uma comissão de 35%.
Ora, está provado – não sendo objecto de impugnação neste recurso – que o «Memorando de Compreensão» é um documento indispensável para a assinatura do contrato e para a apreensão das condições plasmadas e inerentes ao mesmo (cfr alínea l) dos factos considerados assentes na audiência preliminar).
No entanto, da leitura do «Memorando de Compreensão» conclui-se que não tem mera função de esclarecimento das cláusulas/«Condições do Contrato de Adesão», pois sob a anunciada finalidade de clarificar os direitos, deveres e obrigações dos «Aderentes» introduz mais cláusulas, como a referência,  no  ponto 7, a uma «taxa de troca nominal» e ao pagamento de «joia anual ao RCI», bem como a referência,  no ponto 10,  a uma comissão de 35% a deduzir no valor do aluguer efectuado através do Ponta Grande Vacation Club.
Além disso, está provado (cfr resposta ao art. 8º da b.i. – não sendo objecto de impugnação neste recurso -:
«No que se reportava à forma de pagamento, foram apresentadas duas alternativas aos AA:
a) Pagamento a pronto da taxa de admissão, como associado, i.e., 11.400,00 euros; ou
b) Recurso à empresa de crédito “C..., SA; o que implicaria uma prestação mensal de 190,00 euros, por um prazo de 60 meses. Nesta hipótese, os AA apenas poderiam usufruir de uma das duas semanas, durante os referidos 60 meses».
Ora, se numa primeira alternativa o pagamento a pronto da taxa de admissão seria de 11.400 euros, não se compreende como é que numa segunda alternativa o recurso ao crédito C... implicaria o pagamento desse mesmo valor (pois, 190 € x 60 meses = 11.400 €». Qual então a vantagem do pagamento a pronto se o valor a pagar seria igual no caso de recurso ao crédito?
Mas debrucemo-nos sobre o depoimento da testemunha João Paulo da Silva Gonçalves. Disse que foi vendedor da empresa Dequattro Resort «durante um ano e pico», como prestador de serviço/ comissionista, «vendia férias», não se lembra dos AA, apesar de ao ser-lhe sido referida a profissão de cada um dos AA ter dito que «um senhor da GNR» e um «carteiro»,« associa a qualquer coisa«; disse que apresentava as condições de negociação do produto, que as condições eram iguais para todos, que o cliente pagava a pronto ou através de financiamento, que «era comercialização de direito de habitação turística, portanto, era a aquisição de uma semana de férias»; perguntado qual era o valor envolvido, disse «Não tenho presente», e que «Havia variações consoante o valor de que se estava a falar, entre 7.000 e os 20.000 €»; à pergunta «Se falarmos da aquisição de duas semanas qual seria o valor?», respondeu «Dependia das variáveis: semanas baixas tinham um valor e semanas de época alta, outro valor»; perguntado qual o valor de duas semanas em época alta respondeu que rondava os 9000 € para uma semana.
Porém, o ponto 2 das «Condições do Contrato de Adesão» prevê o gozo de um período de 7 dias não fraccionáveis no Ponta Grande Resort, situado em Sesmarias, Albufeira, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio, 2 primeiras semanas de Junho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro» e é um facto notório que esses períodos não correspondem à «época alta».
Tendo-lhe sido perguntado se havia um valor fixo de sinal, respondeu que havia um valor mínimo, mas não se recorda qual. Ora, no «Contrato de Adesão» e no «Memorando de Compreensão não é mencionado qualquer sinal.
Por outro lado, não é credível que esta testemunha, - que disse «trabalho neste ramo há 18 anos» - ao  prestar o seu depoimento na audiência final em 19/02/2014 relativamente a factos ocorridos apenas 4 anos antes, tenha manifestado não se recordar do caso dos AA, pois estes, logo no decurso dos primeiro e segundos meses subsequentes à celebração do «Contrato de Adesão» solicitaram-lhe, por «e-mails», esclarecimentos sobre os montantes das mensalidades quando receberam o «Plano de Pagamentos» enviado pelo apelante, tendo a testemunha respondido também por «e-mails» a esses pedidos de esclarecimentos.
De salientar, ainda, que nesses «e-mails» os AA referem ter optado por prescindir de uma semana, dando-a a alugar «ao Ponta Grande Resort» para que o valor da sua prestação mensal fosse de 65 €, e em resposta aos mesmos, também por «e-mail», a testemunha não negou que na negociação do «Contrato de Adesão» tivesse referido o valor de 65 €, como se vê dos docs 9 (de fls. 110), 10 (de fls. 111), 12 (de fls. 113) e 13 (de fls. 114).
Por outro lado, nesses «e-mails», é patente a forma confusa como a testemunha se expressou na explicação sobre o valor das prestações, conforme se evidencia pelas seguintes transcrições: «No plano de pagamentos consta a mensalidade a ser paga, se descontarem o valor do aluguer ao receberem é que esta baixa», «Em relação à semana de entrada este valor foi descontado directamente ao contrato, sendo considerado um aluguer directo» (cfr e-mail de 23/4/2010 de fls. 110 – doc. 9); «Em relação ao aluguer deste ano foi o que já lhes foi descontado directamente, daí os valores a pagarem serem esses, para o ano deduzem nas mensalidades» (cfr e-mail de 23/4/2010 de fls. 111- doc. 10); e «Os vouchers mensionados são as 2 semanas de oferta que vos foram entreges juntamente com as do Club Diamant.
Em relação ao valor da mensalidade este só reduz aquando do aluguer feito pela empresa e sendo amorizado na prestação por vocês» [sic] (cfr e-mail de 06/05/2010 de fls 114 – doc. 13).
Na verdade, nos «e-mails”, a testemunha refere-se a «semana de entrada» e a valor descontado directamente no contrato em consequência de um «aluguer directo», sem que se perceba que valor foi descontado e em quê.
Além disso, nem o «Contrato de Adesão» nem o «Memorando de Compreensão» fazem qualquer alusão a «semana de entrada» e ao desconto do seu valor no valor do contrato.
Veja-se, aliás, que no seu depoimento a testemunha disse: «O procedimento da empresa era esse, o cliente dava de aluguer e o cliente poderia fazer essa amortização», «Quanto à semana que está aí referida, penso que seria a semana que os clientes teriam recebido de prémio pela aquisição, penso eu que tenha sido isso, desconto directo no valor»; «eu respondia ao cliente da forma que a empresa tinha transmitido»; depois, questionado sobre o facto de no «e-mail» de 06/05/2010 ter mencionado duas semanas de oferta, respondeu que o cliente tinha direito a uma semana por ter ido ao empreendimento e quando fizesse o contrato tinha direito a mais uma semana, mas que o «Contrato de Adesão» só dava direito a uma semana anual. No entanto, no seu depoimento não deu qualquer esclarecimento sobre os termos em que terá sido feito o «desconto directo» de uma semana no valor do contrato. Também não explicou como poderiam os AA chegar a uma prestação mensal de 65 € se dessem ao empreendimento Ponta Grande uma semana para este proceder ao seu aluguer, pois à pergunta «O que é que se passou com esta situação das mensalidades de 190 €? Os clientes queixam-se de que foi acordado 65 €», respondeu: «É assim, os contratos feitos pelas financeiras mencionavam os valores das mensalidades», «Se o cliente desse autorização para o empreendimento alugar a semana, o cliente depois poderia fazer a amortização no valor da mensalidade. Vamos supor a situação de que o empreendimento fazia o pagamento de 920 € ao cliente. Se o cliente fizesse a divisão desse valor mensalmente, o cliente podia fazer a amortização». Porém, questionado sobre o que foi proposto em concreto aos AA, respondeu «É explicado que se o cliente entregasse a semana ao empreendimento para alugar, o cliente poderia fazer a amortização do valor do aluguer na mensalidade». Tendo-lhe sido novamente perguntado como é que a renúncia de uma das semanas resulta na redução da mensalidade, respondeu: «Nunca resulta directamente numa redução da mensalidade»; e à pergunta «Vamos imaginar que o cliente tem uma mensalidade de 190 € e quer reduzir para 65 €, como é que isso em concreto se passaria?», respondeu: «Se o cliente dá ao empreendimento para alugar e o empreendimento lhe alugar por 920 €, divide esse valor». Ora, as respostas da testemunha mostram que nem sequer sabia como é que os AA poderiam obter a redução da mensalidade para 65 €, apesar de nos seus «e-mails» nunca ter negado que poderiam obter a redução da sua mensalidade para esse valor, ainda que indirectamente, através da cedência da semana ao empreendimento para este fazer o aluguer.
No que se refere à questão de ter sido ou não entregue aos AA um exemplar do «Memorando de Compreensão» aquando da assinatura do «Contrato de Adesão», foi perguntado à testemunha: «Falou já em contrato de adesão. Para além desse contrato de adesão, o que era entregue ao cliente?», ao que respondeu: «A inscrição no RCI e a oferta do prémio que o cliente teria ido lá buscar»; e à pergunta «Prémio?», respondeu «Sim. Uma semana de férias». Só mais adiante, ao ser-lhe perguntado: «Um memorando de compreensão diz-lhe alguma coisa?» é que se referiu pela primeira vez a tal documento dizendo: «Esse documento dava a explicação do produto, acho eu»; e à pergunta: «Quantos documentos é que os clientes têm de assinar?» respondeu «O que eu mencionei, o contrato de adesão, o memorando de compreensão e o da financeira».
Assim, da análise do depoimento da testemunha conjugada com a análise dos citados «e-mails», concluímos que a primeira instância apreciou correctamente a prova ao dar relevo aos depoimentos das testemunhas A... e L... apesar de não terem assistido à negociação dos dois contratos, exarando, designadamente, que «A natureza parcialmente indirecta dos depoimentos não lhes retira credibilidade, uma vez que os indícios daí retirados não são rejeitados pelas respostas dadas pelo depoente Gonçalves, aquando das respostas aos Autores. Concretamente, quanto à alteração da prestação acordada, não existe prova directa do acordo quanto aos 65 €. Mas existe prova do choque da 4ª Autora quando conheceu o memorando e existe a ausência de rejeição do referido Sr Gonçalves quando com isso foi confrontado, e até a sua anuência (quesito 27º). Neste email há a referência directa à redução para € 65, sem qualquer raciocínio complicado para chegar a uma  redução (de montante não  precisado) do montante global a pagar. A única rejeição que resulta com clareza é esta: o depoente considera que o memorando e os vouchers são anexados à documentação do cliente, no momento da contratação. Porém, como se disse acima, esta é uma afirmação em tese geral, não é uma afirmação sobre aquele caso concreto. Acresce que é infirmada pelo que resulta da apreensão da 1ª testemunha, que analisou os documentos e disse que estes elementos estavam ausentes».
Com efeito, a testemunha A..., irmã do A. J... afirmou no seu depoimento que os AA estavam bastantes contentes quando lhe disseram que tinham celebrado os contratos e que iriam pagar uma mensalidade de 65 €, tendo-lhe mostrado uma pasta que continha a ficha de inscrição, um mapa de resorts, publicidade e um questionário e, disse, de forma convicta, que nessa pasta não estava nenhum documento denominado «Memorando de Compreensão», esclarecendo «Não vi, tenho a certeza de que não estava lá. Como eu disse, eu estava interessada, vi folha por folha e não estava lá»; e à pergunta «Ainda nessa conversa de final de tarde no Algarve, eles falaram de alguma conversa sobre a proposta?» respondeu: «Houve uma proposta alternativa, porque a primeira, a mensalidade era muito alta»; e mais adiante referiu que lhes foram oferecidas duas semanas e que «Eles ficavam só com uma semana e a mensalidade ficava em 65 €.»
Por quanto se disse, deve manter-se a decisão sobre a matéria de facto.
*
D) O Direito
Na sentença recorrida declarou-se a nulidade de ambos os contratos – contrato de adesão de aquisição de férias e contrato de crédito associado àquele.
Para assim decidir, invocou a 1ª instância o DL 359/91 de 21/9 nestes termos:
«De harmonia com o preceituado no artigo 12º/1 do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, a nulidade do contrato de crédito inquina o contrato de compra e venda, que também será nulo, pois que a aquisição dos bens às primeiras Rés foi financiada pela terceira Ré (infra), como resulta claramente a matéria assente.
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O contrato de crédito ao consumo deve ser reduzido a escrito e assinado pelas partes contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor, no momento da respectiva assinatura (artigo 6º/1 do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro). A inobservância deste requisito legal é cominada com nulidade, nos termos do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro.
De harmonia com o preceituado na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do diploma citado, “contrato de crédito” é aquele por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor [artigo 2º/1, alínea b)] um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante.
A inobservância dos requisitos postos pelo artigo 6º do diploma citado presume-se imputável ao credor [artigo 2º/1, alínea c), do diploma citado] e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor (artigo 7º/4 do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro).
Com relevo nos autos, «A fim de facilitar o exercício do direito de revogação previsto no presente artigo, é anexado ao contrato de crédito um formulário de declaração de revogação, a subscrever, se for caso disso, pelo consumidor (artigo 8º/2 do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro).
As 1ª e 2ª Rés, as únicas que nesta relação contratual trilateral tiveram contacto físico com os Autores, não entregaram aos Autores cópia do contrato de crédito (como resulta das normas citadas), sendo esta falta imputada ao credor (art. 7º/4 do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro). Com efeito, no dia em que foi celebrado o contrato, não foi entregue aos AA o “memorando de compreensão”, malgrado o mesmo se apresentar assinado pelos AA, à imagem e semelhança de outros documentos. Tal documento era um elemento essencial para que os Autores pudessem ter consciência das condições do contrato e para poderem exercer o seu período de reflexão. Em consequência do exposto ficou bloqueado, na prática, o exercício deste direito, com a consequente manutenção da vigência do contrato contra a vontade dos demandantes.
Em face do exposto, haverá que concluir que o contrato de crédito destes autos é nulo, não por consequência da nulidade do contrato de compra e venda, mas pelo desrespeito directo dos requisitos da sua validade, nos termos acima explanados».
O apelante sustenta que não é aplicável o DL 359/91 de 21/9 mas sim o DL 133/2009 de 2/6, atendendo à data em que foi celebrado o contrato de crédito. Além disso, alega que o «Memorando de Compreensão» não faz parte do contrato de crédito, que os AA não invocaram nulidade deste, e nem a nulidade por falta de entrega de exemplar do contrato de crédito é de conhecimento oficioso.
Vejamos.
O DL 133/2009 de 22/6 entrou em vigor em 01/07/2009 e revogou o DL 359/91 de 21/9.
No caso dos autos, o «Contrato de Adesão» para aquisição de férias e a proposta do contrato de crédito foram assinados pelos AA em 13/03/2010. Portanto, tem razão a apelante ao defender a inaplicabilidade do regime previsto no DL 359/91.
O art. 1º nº 2 do DL 133/2009 preceitua: «O presente decreto-lei aplica-se aos contratos de crédito a consumidores, sem prejuízo das exclusões previstas nos artigos 2º e 3º.».
O art. 4º diz que para efeitos da aplicação desse diploma entende-se por:
«a) «Consumidor» a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional»;
«b) «Credor» a pessoa, singular ou colectiva, que concede ou que promete conceder um crédito no exercício da sua actividade comercial ou profissional» e contra remuneração pecuniária ou outra vantagem económica acordada:
i) Apresenta ou propõe contratos de créditos a consumidores;
ii) Presta assistência a consumidores relativa a actos preparatórios de contratos de crédito diferentes dos referidos na subalínea anterior; ou
iii) Celebra contratos de crédito com consumidores em nome do credor»;
«o) «Contrato de crédito coligado» considera-se que o contrato de crédito está coligado a um contrato de compra e venda ou de prestação de serviço específico se:
i) O crédito concedido servir exclusivamente para financiar o pagamento do preço do contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços específicos; e
ii) Ambos os contratos constituírem objectivamente uma unidade económica, designadamente se o crédito ao consumidor for financiado pelo prestador de serviços ou, no caso de financiamento por terceiro se o credor recorrer ao fornecedor ou ao prestador de serviços para preparar ou celebrar o contrato de crédito ou se o bem ou o serviço específico estiverem expressamente previstos no contrato de crédito.».
Está provado:
- A R. D... SA é a proprietária do empreendimento turístico designado por «Ponta Grande Resort»;
- A R. S... LDA promove, nomeadamente, as vendas do dito empreendimento turístico, em representação da sociedade acima indicada;
- Por seu turno, a R. C... SA é uma instituição financeira vocacionada, nomeadamente, para a concessão de créditos pessoais ao consumo.
Nas «Condições Particulares» do contrato de crédito (doc. nº 6 de fls. 103 a 105) consta, além do mais:
- «Bem financiado/serviço»: «Cartão Desconto Férias»;
- «Mediador de Crédito/Entidade Vendedora ou Prestadora»: S... Lda.
Nas «Condições Gerais» do contrato de crédito consta, além do mais: «O presente contrato tem em vista a celebração entre o(s) Cliente(s) (“Consumidor”) e o Banco ... SA (“C...”), dum contrato de crédito pelo montante fixado nas Condições Particulares montante total do crédito, destinado à aquisição do bem ou da prestação de serviço, consoante o caso, identificado nas Condições Particulares, apresentado com intervenção de Mediador de Crédito, simultaneamente Entidade Vendedora/Prestadora desse bem, e é regido pelo disposto no Decreto-Lei nº 133/2009, de 2 de Junho (“DL 133/2009”), pelas Condições Particulares e pelas Condições Gerais seguintes».
Portanto, no caso dos autos estamos perante um contrato de crédito coligado.
O art. 18º do DL 133/2009 estatui:
«1 – A invalidade ou a ineficácia do contrato de crédito coligado repercute-se, na mesma medida, no contrato de compra e venda.
2 – A invalidade ou a revogação do contrato de compra e venda repercute-se, na mesma medida, no contrato de crédito coligado.
3 – No caso de incumprimento ou de desconformidade no cumprimento do contrato de compra e venda ou de prestação de serviços coligado com contrato de crédito, o consumidor que, após interpelação do vendedor não tenha obtido deste a satisfação do seu direito ao exacto cumprimento do contrato, pode interpelar o credor para exercer qualquer uma das seguintes pretensões:
a) A excepção de não cumprimento do contrato;
b) A redução do montante do crédito em montante igual ao da redução do preço;
c) A resolução do contrato de crédito.
4 - Nos casos previstos nas alíneas b) ou c) do número anterior, o consumidor não está obrigado a pagar ao credor o montante correspondente àquele que foi recebido pelo vendedor.
5 – Se o credor ou um terceiro prestarem um serviço acessório conexo com o contrato de crédito, o consumidor deixa de estar vinculado ao contrato acessório se revogar o contrato de crédito nos termos do artigo 17º ou se este se extinguir com outro fundamento.
6 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, aos créditos concedidos para financiar o preço de um serviço prestado por terceiro».
O nº 5 do art. 13º desse diploma estabelece que a invalidade do contrato de crédito só pode ser invocada pelo consumidor.
Os AA não invocaram nulidade do contrato de crédito, mas pediram a anulação do «Contrato de Adesão» para aquisição de férias, com fundamento em erro ao abrigo do disposto no art. 253º nº 1 do Código Civil e pediram que, em consequência da anulação, sejam reembolsados de todas as quantias pagas - vencidas e vincendas – no âmbito do contrato de crédito. Portanto, importa averiguar se o referido «Contrato de Adesão» para aquisição de férias é inválido, pois se o for, a invalidade repercute-se no contrato de crédito, conforme decorre do citado art. 18º do DL 133/2009.
O art. 253º do Código Civil estabelece:
«1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.
2. Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções».
Por sua vez, o art. 254º nº 1 dispõe: «O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de dolo ser bilateral.».
Sobre o dolo previsto no art. 253º nº 1 refere Menezes Cordeiro:
«I. Por fim, encontramos, uma específica modalidade de erro – precisamente a que está na origem histórica da relevância jurídica do erro: o erro qualificado por dolo.
(…)
Trata-se da velha figura do dolus malus, criada e desenvolvida no Direito Romano.
(…) O dolo dá lugar a uma espécie agravada de erro: é um erro provocado, nas palavras de Manuel de Andrade. Diz este Autor:
A sugestão ou artifício há-de traduzir-se em quaisquer expedientes ou maquinações tendentes a desfigurar a verdade (manobras dolosas) – e que realmente a desfiguram (de outro modo não haveria erro), - quer criando aparências ilusórias (suggestio falsi; obrepção), quer destruindo ou sonegando quaisquer elementos que pudessem destruir o enganado (supressio veri; subrepção). Deve tratar-se, portanto, de qualquer processo enganatório. Podem ser simples palavras contendo afirmações sabidamente inexactas (allegatio falsi; mentira), ou tendentes essas palavras a desviar a atenção do enganado de qualquer pista que poderia elucidá-lo.
III. A relevância do dolo depende, segundo a sistematização geralmente acolhida, na doutrina como na jurisprudência, de três factores:
   - que o declarante esteja em erro;
   - que o erro tenha sido causado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;
   - que o declaratário ou terceiro haja recorrido a qualquer artifício, sugestão  ou embuste.
Ou, nas palavras de Castro Mendes: a relevância do dolo depende duma dupla causalidade: é preciso que o dolo seja determinante do erro e o erro determinante do negócio.
O artigo 254º/1 do Código Civil prescreve, nesse caso, a anulabilidade.
IV. É importante atentar na diferença que existe entre o erro simples e o erro qualificado por dolo. Sendo o erro simples, o negócio só é anulável se ele recair sobre elemento essencial e se o declaratário conhecer ou dever conhecer essa essencialidade; sendo o erro qualificado, por dolo, essa anulabilidade surge se for determinante da vontade: não tem de ser essencial, pois bastará que, por qualquer razão (mesmo periférica) tenha dado lugar à vontade e não se põe o problema do conhecimento, uma vez que, neste caso, ele foi pura e simplesmente causado pelo declaratário.
V. A anulação por dolo pode ser cumulada com a indemnização dos danos causados. Designadamente, pode fazer-se, em simultâneo, apelo às regras da culpa in contrahendo.» (in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo I, 3ª edição, pág. 835 a 838).
Decorre da globalidade dos factos provados que os AA aderiram ao contrato de aquisição de férias acreditando serem verdadeiras as condições que lhes foram apresentadas verbalmente pelo indivíduo que desempenhou o papel de vendedor do produto em causa, que lhes inspirou confiança, dando-lhes informação não verdadeira sobre o número de dias que teriam direito a usufruir por ano no Ponta Grande Resort e sobre a possibilidade de redução do valor das prestações mensais que teriam de pagar no âmbito do contrato de crédito.
A conduta daquele indivíduo é tão flagrantemente contrária ao princípio da boa fé consagrado no nosso ordenamento jurídico, que não pode ser considerado legítimo o artifício de que se valeu para levar os AA a celebrarem o «Contrato de Adesão» e o contrato de crédito. Portanto, a vontade dos AA foi determinada por dolo ilícito, o que lhes confere o direito a obterem a anulação do «Contrato de Adesão» e a verem repercutida a invalidade deste, na mesma medida, no contrato de crédito.
Porém, o apelante invoca que o facto de os AA terem vindo a pagar pontualmente as prestações mensais previstas no contrato de crédito criando a expectativa de que nunca invocariam invalidade deste contrato, lhes retira legitimidade para instaurarem a presente acção, pelo que a sua conduta constitui abuso do direito nos termos do art. 334º do Código Civil. Mas sem razão.
O art 334º do Código Civil prevê: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.».
Ora, logo em 03/08/2010 os AA remeteram ao apelante uma carta em que solicitaram «uma cuidada análise ao nosso caso, esperando que nos ajudem a resolver esta delicada situação que se está a revelar incomportável para a nossa situação financeira» e à qual o apelante respondeu em 29/09/2010 dizendo que «não dispomos de qualquer comprovativo de que o contrato de prestação de serviços tenha sido revogado no prazo legal, sendo certo que a entidade fornecedora nada nos comunicou nesse sentido.».
Perante tal resposta do apelante é compreensível que os AA tenham, à cautela, continuado a pagar as prestações previstas no contrato de crédito até que viesse a ser judicialmente reconhecido não estarem obrigados ao pagamento. Portanto, a conduta dos AA não configura abuso do direito.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e decide-se:
a) Anular o contrato de aquisição de férias intitulado «Contrato de Adesão» nº 10P130301C em que os apelados J... e B... figuram como associados do Ponta Grande Vacation Club;
b) Declarar repercutida na mesma medida a invalidade do contrato mencionado em a) no contrato de crédito nº 80003194637 a ele associado celebrado com o apelante Banco ... SA, que assim também fica anulado, condenando o apelante a restituir aos apelados a quantia de 7.247,50, por referência ao período compreendido entre 07/05/2010 e 07/06/2013, e bem assim as prestações entretanto vencidas e liquidadas pelos apelados.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 05 de Fevereiro de 2015

Anabela Calafate
Tomé Ramião
José Vítor dos Santos Amaral