Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
522/14.6TXEVR-V.L1-9
Relator: CARLOS DA CUNHA COUTINHO
Descritores: LICENÇA DE SAÍDA ADMINISTRATIVA EXTRAORDINÁRIA
REVOGAÇÃO
LIBERDADE CONDICIONAL
IMPUTABILIDADE DIMINUIDA
ESTABELECIMENTO PARA CUMPRIMENTO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Liquidação da soma das penas de prisão em cumprimento sucessivo decorrente da revogação da Licença de Saída Administrativa Extraordinária;
II. Acréscimo no cumprimento da pena circunscreve-se à última renovação e não a todo o período decorrente desde a concessão da primeira LSAE;
III. Concessão da liberdade condicional com referência aos dois terços da pena.
IV. Imputabilidade diminuída do arguido
V. Não cumprimento da pena de prisão em estabelecimento destinado a imputáveis, por condenado com debilidade mental ligeira.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
A) Relatório:
1) No Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, Juiz 3, processo n.º 522/14.6TXEVR-A, foi proferido Despacho, datado de 12 de Outubro de 2022, que decidiu não conceder a liberdade condicional ao recluso A.
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2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o recluso o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
a) O Condenado atingiu o meio da pena em 15.11.20, os dois terços em e prestou consentimento para a liberdade condicional;
b) O legislador neste marco da pena (2/3 da pena) abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por isso, tais exigências já estão minimamente garantidas;
c) Entende o Condenado/Recorrente que estão reunidas as condições para lhe ser concedida a Liberdade Condicional;
d) Efectivamente, a Liberdade Condicional foi apreciada com referência aos dois terços da pena, foram elaborados relatórios legais pelos serviços de reinserção social e pelos serviços prisionais com parecer favorável à concessão da liberdade condicional;
e) Reunido o conselho técnico emitiu, por maioria, parecer favorável à concessão da liberdade condicional;
f) Ouvido, o Condenado/Recorrente aceitou a aplicação da Liberdade Condicional, afirmando que irá viver com a companheira, B, e com os seus dois filhos, em Alcanena;
g) Uma vez em liberdade conta com a ajuda da companheira e também de uma irmã, sendo que a sua companheira trabalha no Hospital de Alcanena e a sua irmã é empregada de mesa em festas de casamentos e baptizados, sendo que poderá trabalhar com a mesma como empregado de balcão, assim como poderá trabalhar com um primo que possui uma Roulotte;
h) O Condenado/Recorrente apresenta consciência crítica dos actos praticados, especialmente o impacto que o seu comportamento gerou na sua vida, demonstrando investimento na evolução das suas competências, reduzindo factos de risco, afirmando que não voltará a cometer crimes;
i) O Instituto da Liberdade Condicional é um incidente da pena de prisão, na qual se verifica a possibilidade de o condenado sair em liberdade antes de cumprida a totalidade da pena imposta, mediante a verificação de requisitos formais e materiais previstos no artigo 61.º do Código Penal;
j) Consideramos estarem verificados os requisitos Formais da Liberdade Condicional, uma vez que se encontram ultrapassados os 2/3 das penas de prisão pelo Condenado/Recluso, tendo o mesmo declarado aceitar a Liberdade Condicional — artigos 61.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 63.º, n.º 2, todos do Código Penal;
k) Para o Professor Figueiredo Dias, o Instituto da Liberdade Condicional está desde o seu surgimento associado a uma “finalidade de prevenção especial positiva ou de socialização”;
l) A aplicação da Liberdade condicional está dependente da avaliação das necessidades de prevenção especial, na sua vertente positiva, tendo em conta a perigosidade revelada pelo condenado;
m) Na avaliação da prevenção especial o julgador elabora um juízo de prognose possível sobre o que irá ser a conduta do condenado/recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu comportamento futuro;
n) No caso em apreço, esse juízo de prognose acerca do comportamento do Condenado/Recorrente em liberdade foi considerado como requisito material para a Concessão da Liberdade Condicional ao Recluso;
o) Face ao exposto, salvo melhor opinião, que o Tribunal a quo violou o previsto no artigo 61.º, n.ºs 2, alínea a) e 3 do Código Penal;
p) Atendendo ao seu percurso positivo dentro do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, o Juiz do Tribunal a quo, deveria ter proferido decisão diversa, concedendo a Liberdade Condicional ao Condenado/Recorrente;
q) O Condenado/Recorrente considera que não foi ponderado o juízo de prognose, acerca do seu comportamento em liberdade, num ambiente de pró- socialização e reaproximação com o exterior;
r) Ora, segundo a Jurisprudência dominante “ Para o preenchimento do requisito legal enunciado na alínea a) do número 2 do artigo 61 do Código Penal, releva sobretudo, não o percurso prisional, em si mesmo, do condenado, no sentido de adaptativo e de obediência e conformismo tácito e pragmático aos regulamentos, mas sim o comportamento daquele — exteriorização de uma dada personalidade, materializada e espelhada durante o período de reclusão- como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade;
s) O Condenado/Recorrente considera que o Tribunal a quo violou o previsto no artigo 61.º n.ºs 2, alínea a) e 3 do Código Penal.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso, o Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo recluso, apresentando as seguintes conclusões:
1. Por decisão judicial proferida nos autos, não foi concedida a liberdade condicional ao condenado, ora recorrente, com referência aos dois terços da pena;
2. Tal decisão foi proferida após prévia instrução dos autos, com junção de relatórios da DGRS e DGSP, CRC do recluso, reunião de Conselho Técnico, auto de audição do recluso, que fundamentaram a matéria de facto provada, e parecer desfavorável do Ministério Público;
3. Com base nos factos provados quanto ao percurso prisional, o tribunal “a quo” fez um inevitável juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional;
4. Concordamos na íntegra com a douta decisão proferida, que se mostra correctamente fundamentada e adequada à situação concreta do recluso tendo decidido de acordo com a ponderação das exigências de prevenção especial, ao contrário do que pretende fazer crer a motivação de recurso;
5. O tribunal “a quo” fez correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art.º 61º n.ºs 2 al. a) e 3 do C. Penal;
6. Atentos os factos provados, é inegável que o recluso precisa de adquirir e fortalecer competências pessoais e sociais, de modo a adequar o seu comportamento à normatividade da vida em sociedade;
7. Com efeito, o art.º 61.º n.º 3, com referência ao n.º 2 al. a) do Código Penal, exige que, para a formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro, se tenha em atenção as circunstâncias do caso, a vida anterior a personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão, e também a sua relação com o crime cometido, como decorre do art.º 173.º n.º 1 al. a) do CEPMPL;
8. Na base destes elementos, tendo em conta as circunstâncias e gravidade dos crimes cometidos, as características pessoais do condenado, o tribunal a quo proferiu a decisão recorrida, de acordo com um inultrapassável juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional, nos termos do art.º 61.º n.º 2 alínea a) do Código Penal;
9. Fê-lo alicerçando-se nos factos dados como provados, donde resulta que o recluso ainda apresenta um discurso onde se percepcionam défices de consciência reflexiva, de interiorização do desvalor dos bens jurídicos violados e da capacidade de descentração, não tem um percurso meritório, ainda revela reduzida consciência crítica, regrediu em termos de comportamento o que determinou a interrupção do gozo de medidas de flexibilização da pena;
10. Considerando tais fragilidades intrínsecas não foi possível formular um juízo de prognose no sentido da não reincidência;
11. O primeiro passo para que se possa fazer um juízo de prognose favorável no sentido de futuro comportamento socialmente responsável e sem cometer crimes é, indubitavelmente, o reconhecimento sincero das consequências do crime e a manifestação de profundo arrependimento, garantindo uma aptidão séria para a mudança, o que o recluso ainda necessita de desenvolver;
12. A falta de interiorização quer da gravidade dos crimes quer da pena é um forte factor de risco de reincidência e inviabiliza a concessão da liberdade condicional, mormente numa situação de delitos graves e atenta a personalidade evidenciada pelo recluso;
13. Como bem refere a decisão impugnada: “(...) o retrocesso verificado no seu percurso prisional decorrente da revogação da LSAE, numa fase crucial da execução da pena, remete para reservas quanto à sua capacidade para processar a sua ressocialização de modo responsável”;
14. Quem pratica crimes tão graves, como os que levaram à reclusão do recorrente, deve demonstrar um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário, que não é o caso do recorrente pois, apesar de estar a evoluir positivamente, ainda demonstra fragilidades;
15. Com o seu comportamento, aquando da LSAE, o recluso defraudou a confiança que havia sido em si depositada;
16. O actual adequado comportamento institucional e tempo de pena cumprido não garantem comportamento normativo fora de meio vigiado e, por si só, não devem nem podem determinar a concessão da liberdade condicional, ainda mais numa situação de reduzida de consciência crítica que potencia um evidente perigo de repetição;
17. O recluso carece de consolidar o seu percurso de forma a reunir condições intrínsecas para poder beneficiar de liberdade condicional e cumprir com as obrigações subjacentes;
18. A tal conclusão não obstam os pareceres favoráveis do Conselho Técnico, da DGRS e da DGSP que, não vinculam o tribunal, constituindo elementos de ponderação;
19. A decisão recorrida está devidamente fundamentada, e deve ser mantida nos seus precisos termos porquanto fez correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art.º 61.º n.ºs 2 al. a) do Código Penal.
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4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui foi com vista, nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, ao Exmo Senhor Procurador – Geral Adjunto que emitiu parecer acompanhando, “nos seus precisos termos em que vem formulada a resposta apresentada pelo Digna Procuradora da república junto da primeira Instância, ao recurso interposto pelo recorrente”.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recluso não apresentou resposta.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:
1. Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal). O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193.
Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.
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2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo Ministério Público, a única questão a decidir é a seguinte:
- Estão verificados ou não, os pressupostos substantivos para a concessão da liberdade condicional ao recluso, com referência aos dois terços da pena.
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3. O Despacho recorrido:
Naquilo em que o mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do despacho impugnado:
“(…) Com relevo para a decisão da causa julgo provada a seguinte factualidade:
1. O recluso encontra-se a cumprir sucessivamente as seguintes penas:
- P.1) Pena única de 6 anos e 10 meses de prisão, em que foi condenado no Proc. 376/13.0PATNV, da Comarca de Santarém - Juízo Central Criminal de Santarém - Juiz 1, pela prática de 2 (dois) crimes de roubo agravado, 1 (um) crime de sequestro e 1 (um) crime de detenção de arma proibida;
-P.2) Pena de 49 dias de prisão subsidiária [já com o desconto de 1 dia de detenção], à ordem do Proc. 351/11.9GBTNV, da Comarca de Santarém - Torres Novas - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1, por conversão da pena de 75 dias de multa, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez;
P.3) Pena de 133 dias de prisão subsidiária, à ordem do Proc. 483/12.6PAENT, da Comarca de Santarém - Entroncamento - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 2, por conversão da pena de 200 dias de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples;
P.4) Pena única de 4 anos e 4 meses de prisão, em que foi condenado na sentença cumulatória proferida no Proc. 151/12.9PATNV, da Comarca de Santarém - Torres Novas - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1, que englobou as penas parcelares aplicadas nos Procs. n.º 151/12.9PATNV (próprios autos), n.º 58/12.0GBGLG e n.º 44/12.0GAACN, pela prática de um crime de furto simples, um crime de roubo e um crime de detenção de arma proibida;
- P.5) Pena de 60 dias de prisão subsidiária, à ordem do Proc. 490/14.4TATNV, da Comarca de Santarém, do Juízo Local Criminal de Torres Novas, por conversão da pena de 90 dias de multa, pela prática de um crime de desobediência
2. Para além destas penas, o recluso tem a cumprir mais 1 ano, 2 meses e 8 dias de prisão em virtude da revogação da LSAE;
3. O condenado atingiu os dois terços em 27-09-2022, atingirá os cinco sextos em 6-8-2024 e o termo das penas em 17-06-2026;
4. Para além dos crimes supra indicados, o recluso regista ainda condenações pela prática dos crimes de falsificação de documento (3, um deles na forma tentada), injúria, ofensa à integridade física, ameaça, burla na obtenção de serviço, furto e burla qualificada na forma tentada, sendo esta a primeira vez que se encontra em reclusão;
5. Foi afeto ao EPVJ em 27.07.21;
6. A é o mais novo de uma fratria de quatro, proveniente de família de condição socioeconómica modesta.
7. O pai faleceu há 27 anos por problemas de alcoolismo, tendo sido a progenitora que assumiu todas as funções parentais.
8. Já em adulto estabeleceu duas relações afetivas significativas: a primeira quando residia no Algarve, da qual resultou um descendente com o qual mantém poucos contactos e a segunda uma união de facto com cinco anos de duração, da qual resultou igualmente um filho, com quem mantém relação de proximidade.
9. Em meio livre certificou o 6º ano de escolaridade, com retenção no 4º e no 5º ano.
10. Em meio prisional concluiu o 9º ano através do curso de formação profissional na área da canalização.
11. Refere curso profissional de empregado de mesa, realizado em meio livre;
12. Em 2019/2020 chegou a inscrever-se no curso EFA secundário para obtenção do 12º ano, no entanto, não o frequentou, preferindo investir na ocupação laboral.
13. Apresenta atitude positiva face à formação escolar e profissional, embora de momento não manifeste motivação para continuar os estudos.
14. Iniciou o seu percurso profissional aos 16 anos como operário fabril numa empresa de curtumes em Alcanena.
15. Posteriormente, e após ter concluído o curso profissional de empregado de mesa trabalhou 4 anos nessa área no Algarve.
16. Após esse período de tempo regressou a Alcanena, trabalhando como motorista e, passado algum tempo, dedicou-se a trabalhos indiferenciados.
17. Esteve desempregado em período anterior à reclusão, referindo ter sido este um dos fatores que levaram à sua desorganização interna.
18. Em meio prisional desempenhou funções de faxina no EP de Torres Novas.
19. Em 2016 iniciou funções laborais no EPVJ, tendo desempenhado atividades na lavandaria e como faxina no bloco administrativo, existindo referências positivas na assiduidade e empenho durante esse período.
20. A seu pedido passou a trabalhar na padaria em 10.04.19, a fim de auferir pecúlio mais significativo.
21. Recentemente no EP de Torres Novas e antes da sua transferência para o EPVJ trabalhava na brigada de trabalho exterior na Câmara Municipal da Barquinha, onde exercia tarefas indiferenciadas de jardinagem e manutenção dos espaços/equipamentos urbanos.;
22. Desde 14.06.22 que está colocado na Lavandaria e substitui quem vai de licença na padaria, continuando a apresentar motivação para manter hábitos de trabalho.
23. Não frequentou programas de competências, mas manifesta interesse caso seja selecionado.
24. Joga futebol com regularidade com os seus companheiros de reclusão.
25. Apresenta antecedentes de consumo excessivo de álcool em período anterior à reclusão.
26. Desde que se encontra recluído refere que só em situações pontuais é que consome álcool e de forma ponderada.
27. A problemática alcoólica terá sido debelada, segundo refere, pouco depois do início do cumprimento da pena atual.
28. Em meio prisional e no decurso do benefício das medidas de flexibilização da pena não evidenciou a manutenção de consumos de natureza aditiva.
29. Não lhe são conhecidos outros problemas de saúde que possam condicionar o sucesso da sua reinserção social.
30. Regista uma sanção disciplinar na sequência de factos praticados em 17.06.21, os quais foram punidos em 06.09.21 com 20 dias de POA.
31. Esteve em regime comum de 24.09.13 a 10.01.19, em RAI de 10.01.19 a 29.01.20, em RAE de 29.01.20 a 18.06.21, em regime comum de 18.06.21 a 29.07.22 e encontra-se em RAI desde 29.07.22.
32. Beneficiou de 5 LSJ, em dezembro de 2018, em abril de 2019, em julho de 2019, em dezembro de 2019 e junho de 2022, todas com avaliação positiva.
33. Gozou 6 LCD, em janeiro, abril, julho e outubro de 2019, em fevereiro de 2020 e agosto de 2022, com avaliação positiva.
34. Esteve em gozo de LSAE de 14.04.20 a 18.06.21, a qual foi revogada em 18.06.21 em virtude do mesmo ter pernoitado em casa da namorada, infringindo a obrigação de confinamento, alegando A que, para além disso, saiu ao sábado para trabalhar.
35. Retomou o benefício das medidas de flexibilização da pena em junho de 2022.
36. O condenado sobrevaloriza as suas competências aos níveis social, pessoal e laboral, de modo a estas sobressaírem ao percurso criminal, avaliado como desfasado do seu modo de vida.
37. Demonstra, pelo seu discurso, capacidade de censura face ao seu comportamento delituoso, conseguindo refletir acerca das consequências do mesmo para as vítimas e quanto aos bens jurídicos protegidos.
38. Verbaliza sentimentos de arrependimento e denota penalização à situação de reclusão, cotando, contudo, de forma mais negativa, os danos emocionais que causou a si e à sua dinâmica familiar: “o crime não compensa”, “o atraso de vida que a cadeia dá”, “não é vida para ninguém”, “perdeu a juventude da filha”, “perdeu dois irmãos e a mãe”.
39. Assume os crimes, sendo que a prática criminal é vista como uma sucessão de episódios circunstanciais, associada a desorganização emocional provocada pela separação conjugal e constrangimentos de ordem financeira, resultantes de situação de desemprego e fase aguda de consumos alcoólicos, tendendo legitimar as suas ações, tal como o faz relativamente ao incumprimento que levou à revogação da LSAE.
40. A encetou relação afetiva significativa durante o benefício da licença de saída administrativa extraordinária (LSAE), contando com o apoio da namorada, B.
41. B vive em casa térrea de tipologia V3, arrendada desde 2019.
42. Para além da própria, o agregado é ainda constituído pelos seus dois filhos com 12 (F) e 6 (M) anos de idade, pretendendo o recluso integrar este agregado.
43. O condenado já privou com os menores no período que antecedeu a revogação da LSAE.
44. As condições habitacionais são adequadas para acolher o condenado em situação de benefício de medidas de flexibilização da pena.
45. Em termos de colocação laboral em meio livre refere que vai trabalhar como empregado de mesa em festas e excursões, bem como numa roulotte de venda de comida, a qual pertence ao primo, situações que carecem de confirmação.
46. A namorada do condenado encontra-se a trabalhar no Hospital de Alcanena.
47. Para além do seu salário, a namorada de A recebe pensão de alimentos dos 2 filhos;
48. As despesas do condenado serão asseguradas numa fase inicial pela namorada;
49. A declarou aceitar a liberdade condicional.
(…)
3.3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Na sua génese, a figura da liberdade condicional constituiu uma resposta de natureza política criminal, vazada em lei, delineada como forma de reagir ao aumento de reincidência que se verificava sobretudo aquando do cumprimento de penas longas ou de média duração. É tida, desde o seu aparecimento, como uma fase de transição da reclusão para a liberdade definitiva (art.º 9º do Dec. Lei 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal), servindo finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, visando minorar as dificuldades de adaptação à comunidade inevitavelmente associadas ao tempo de reclusão e alcançar uma gradual preparação ao reingresso na sociedade de alguém que há muito dela se encontra apartado. Assim se afastando do entendimento anterior da prisão com mera finalidade repressiva e intimidatória, ou seja, como um castigo infligido ao agente (retribuição) e uma forma de intimidar os demais (prevenção do crime). Encurtando-se a pena com base na presunção da recuperação do condenado e na vigilância exercida sobre o seu comportamento que fica sujeito a restrições por forma a evitar a reincidência e a proteger a sociedade, podendo, em caso de má conduta e reincidência, revogar-se a medida.
A concessão de liberdade condicional, servindo o desiderato supramencionado, obedece, contudo, a critérios legais de ordem formal e de ordem substancial.
***
Requisitos de ordem formal:
O/a recluso/a tem de ter cumprido metade da pena em que foi condenado com um mínimo absoluto de seis meses, período de tempo considerado pelo legislador a partir do qual a pena tem potencialidade de já ter cumprido as suas finalidades (art.º 61º, n. 2, do Cód. Penal). Permitir a liberdade condicional antes do primeiro limite relativo poderia por em causa as irrenunciáveis exigências de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico, do mesmo passo que se entende que em tempo mais curto do que o limite absoluto mínimo de 6 meses não é possível sequer conhecer o condenado e alcançar a evolução do seu comportamento e a brevidade da sanção excluiu mesmo a possibilidade de mutação significativa.
É também requisito de forma a obtenção do consentimento do/a recluso/a (art.º 61º, n. 1, do Cód. Penal). Este requisito harmoniza-se com a teleologia do instituto - não é uma medida coativa de socialização - baseando-se na voluntariedade do tratamento, oferecendo apenas as condições para que o condenado, se quiser, se possa modificar.
Face à matéria provada (nºs 3 e 49 dos factos provados), o condenado atingiu o meio da pena em 15.11.20, os dois terços em 27.09.22 e prestou consentimento para a liberdade condicional, pelo que se têm como verificados tais requisitos.
***
Requisitos materiais, com referência à apreciação aos dois terços da pena:
O legislador neste marco da pena abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o/a condenado/a já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Assim, aos dois terços da pena temos apenas como requisito a expectativa de que o condenado/a em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, prevenção especial, na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes.
Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo da prognose possível sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
***
Prevenção Especial
O condenado tem antecedentes criminais pela prática dos crimes de falsificação de documento (3, um deles na forma tentada), injúria, ofensa à integridade física, ameaça, burla na obtenção de serviço, furto e burla qualificada na forma tentada, sendo esta a primeira vez que se encontra em reclusão.
Cumpre uma pena extensa e por crimes que se revestem de gravidade.
Em meio livre certificou o 6º ano de escolaridade, com retenção no 4º e no 5º ano.
Em meio prisional concluiu o 9º ano através do curso de formação profissional na área da canalização.
Refere curso profissional de empregado de mesa, realizado em meio livre.
Em 2019/2020 chegou a inscrever-se no curso EFA secundário para obtenção do 12º ano, no entanto, não o frequentou, preferindo investir na ocupação laboral.
Apresenta atitude positiva face à formação escolar e profissional, embora de momento não manifeste motivação para continuar os estudos.
Iniciou o seu percurso profissional aos 16 anos como operário fabril numa empresa de curtumes em Alcanena.
Posteriormente, e após ter concluído o curso profissional de empregado de mesa trabalhou 4 anos nessa área no Algarve.
Após esse período de tempo regressou a Alcanena, trabalhando como motorista e, passado algum tempo, dedicou-se a trabalhos indiferenciados.
Esteve desempregado em período anterior à reclusão, referindo ter sido este um dos fatores que levaram à sua desorganização interna.
Em meio prisional desempenhou funções de faxina no EP de Torres Novas.
Em 2016 iniciou funções laborais no EPVJ, tendo desempenhado atividades na lavandaria e como faxina no bloco administrativo, existindo referências positivas na assiduidade e empenho durante esse período.
A seu pedido passou a trabalhar na padaria em 10.04.19, a fim de auferir pecúlio mais significativo.
Recentemente no EP de Torres Novas e antes da sua transferência para o EPVJ trabalhava na brigada de trabalho exterior na Câmara Municipal da Barquinha, onde exercia tarefas indiferenciadas de jardinagem e manutenção dos espaços/equipamentos urbanos.
Desde 14.06.22 que está colocado na Lavandaria e substitui quem vai de licença na padaria, continuando a apresentar motivação para manter hábitos de trabalho.
Não frequentou programas de competências, mas manifesta interesse caso seja selecionado.
Apresenta antecedentes de consumo excessivo de álcool em período anterior à reclusão.
Desde que se encontra recluído refere que só em situações pontuais é que consome álcool e de forma ponderada.
A problemática alcoólica terá sido debelada, segundo refere, pouco depois do início do cumprimento de pena atual.
Em meio prisional e no decurso do benefício das medidas de flexibilização da pena não evidenciou a manutenção de consumos de natureza aditiva.
Não lhe são conhecidos outros problemas de saúde que possam condicionar o sucesso da sua reinserção social.
Regista uma sanção disciplinar na sequência de factos praticados em 17.06.21, os quais foram punidos em 06.09.21 com 20 dias de POA, pelo que o seu comportamento tem sido globalmente normativo, o que, sendo positivo, não deixa de lhe ser exigível.
Esteve em regime comum de 24.09.13 a 10.01.19, em RAI de 10.01.19 a 29.01.20, em RAE de 29.01.20 a 18.06.21, em regime comum de 18.06.21 a 29.07.22 e encontra-se em RAI desde 29.07.22.
Beneficiou de 5 LSJ, em dezembro de 2018, em abril de 2019, em julho de 2019, em dezembro de 2019 e junho de 2022, todas com avaliação positiva.
Gozou 6 LCD, em janeiro, abril, julho e outubro de 2019, em fevereiro de 2020 e agosto de 2022, com avaliação positiva.
Esteve em gozo de LSAE de 14.04.20 a 18.06.21, a qual foi revogada em 18.06.21 em virtude do mesmo ter pernoitado em casa da namorada, infringindo a obrigação de confinamento, alegando A que, para além disso, saiu ao sábado para trabalhar, representando a revogação da LSAE um retrocesso no seu percurso prisional.
Retomou o benefício das medidas de flexibilização da pena em junho de 2022.
As licenças de saída e o cumprimento de pena em regimes abertos constituem etapas indispensáveis para que o recluso possa ser testado através de contactos e solicitações vindas do exterior, pelo que necessita de ser mais testado, de gozar mais medidas de flexibilização, o que no caso assume particular relevância, considerando a gravidade dos crimes praticados, a personalidade evidenciada pelo recluso e o insucesso da LSAE. Só assim se saberá se o recluso adquiriu a mínima preparação para o reingresso na sociedade.
O condenado sobrevaloriza as suas competências aos níveis social, pessoal e laboral, de modo a estas sobressaírem ao percurso criminal, avaliado como desfasado do seu modo de vida.
Demonstra, pelo seu discurso, capacidade de censura face ao seu comportamento delituoso, conseguindo refletir acerca das consequências do mesmo para as vítimas e quanto aos bens jurídicos protegidos.
Verbaliza sentimentos de arrependimento e denota penalização à situação de reclusão, cotando, contudo, de forma mais negativa, os danos emocionais que causou a si e à sua dinâmica familiar: “o crime não compensa”, “o atraso de vida que a cadeia dá”, “não é vida para ninguém”, “perdeu a juventude do filho”, “perdeu dois irmãos e a mãe”.
Assume os crimes, sendo que a prática criminal é vista como uma sucessão de episódios circunstanciais, associada a desorganização emocional provocada pela separação conjugal e constrangimentos de ordem financeira resultantes de situação de desemprego e fase aguda de consumos alcoólicos, tendendo legitimar as suas ações, tal como o faz relativamente ao incumprimento que levou à revogação da LSAE.
Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Tem, pois, o recluso ainda um caminho a percorrer para efeitos de interiorização do desvalor da sua atuação e a severidade das consequências desta.
A encetou relação afetiva significativa durante o benefício da licença de saída administrativa extraordinária (LSAE), contando com o apoio da namorada, B, pretendendo em meio livre integrar o agregado desta, o qual, para além da própria, é constituído pelos seus dois filhos com 12 e 6 anos de idade.
B vive em casa térrea de tipologia V3, arrendada desde 2019 e as condições habitacionais são adequadas para acolher o condenado em situação de benefício de medidas de flexibilização da pena.
Em termos de colocação laboral em meio livre o recluso refere que vai trabalhar como empregado de mesa em festas e excursões, bem como numa roulotte de venda de comida, a qual pertence ao primo, situações que carecem de confirmação.
No entanto, dada a experiência e hábitos laborais do condenado, a sua colocação laboral não suscita preocupações.
As despesas do condenado serão asseguradas numa fase inicial pela namorada, a qual, para além do seu salário, recebe pensão de alimentos dos 2 filhos.
A avaliação remete para a existência de condições suficientes de enquadramento aos níveis familiar, habitacional e económico.
A penalização quanto à privação de liberdade e o suporte familiar que dispõe por parte da namorada surgem como fatores de proteção na sua futura reinserção social. São-lhe ainda reconhecidas competências pessoais que poderão facilitar uma reinserção social adaptada, sobretudo atendendo à sua motivação para a reorganização familiar, social e laboral.
Apesar de penalizado com a privação da liberdade e de apresentar um percurso prisional globalmente positivo, persistem défices ao nível da descentração, sobressaem nos processos de tomada de decisão os seus interesses, em detrimento do cumprimento do estipulado e convencional, mesmo sabendo que tal poderá colocar em risco a preparação da sua liberdade, situação que ocorreu durante a LSAE. Prevalece a sua impulsividade no controle e gestão da resolução dos problemas. Assim, a intervenção a que tem estado sujeito da parte dos serviços da justiça parece ainda não o ter capacitado da necessidade de mudança atitudinal, não permitindo uma prognose positiva no que concerne ao seu processo de ressocialização.
Efetivamente, o retrocesso verificado no seu percurso prisional decorrente da revogação da LSAE, numa fase crucial da execução da pena, remete para reservas quanto à sua capacidade para processar a sua ressocialização de modo responsável. A beneficiaria com a sua integração em programas específicos de valorização pessoal (promovidos e aplicados pelos SAEP), com vista à aquisição de competências pessoais e emocionais direcionadas para a manutenção de um estilo de vida pró-social.
Acresce o facto de apenas recentemente ter retomado o benefício das licenças de saída, que são passadas com a sua namorada, sendo o gozo de mais medidas de flexibilização de importância fulcral para validar o seu comportamento nas reaproximações ao meio livre.
Assim, não é possível formular quanto ao recluso e à sua conduta futura um juízo de prognose favorável, não lhe podendo ser concedida a liberdade condicional.
(…).
*
3. Apreciação do recurso:
Questão prévia: do erro na liquidação da soma das penas de prisão em cumprimento sucessivo decorrente da revogação da Licença de Saída Administrativa Extraordinária.
Resulta dos factos descritos na decisão recorrida, que o recluso terá a cumprir mais 1 ano, 2 meses e 8 dias de prisão em virtude da revogação da Licença de Saída Administrativa Extraordinária (LSAE). Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que do artigo 4.º, da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, não se retira que uma vez revogada a LSAE, se imponha um acréscimo no cumprimento da pena, igual ao período que vai desde a saída do estabelecimento prisional no momento da concessão da primeira licença, até ao momento em que o recluso reingressa em meio prisional na sequência do despacho de revogação proferido pelo Director Geral dos Serviços prisionais.
Na verdade, a Licença de Saída Administrativa Extraordinária prevista no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 9/2020 de 10 de Abril, diploma que estabeleceu um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID -19, podia ser concedida, pelo diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais ou, por delegação deste, pelos subdiretores-gerais de Reinserção e Serviços Prisionais, desde que se verificassem os requisitos definidos nas alíneas a), b) e c) daquele mesmo artigo, por um período máximo de 45 dias, a qual poderia ser renovada «mais do que uma vez e por períodos de até 45 dias, por decisão do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em função da conduta assumida pelo recluso e do contexto sanitário decorrente da doença COVID -19». Ora, sendo assim, segundo este regime, não podia haver uma única licença de saída administrativa extraordinária, por um período de vários meses como parece resultar na decisão recorrida em relação ao recluso.
De tal forma assim é que no fim de cada LSAE, era necessária uma nova decisão administrativa a conceder uma nova licença, por mais 45 dias, se o recluso tivesse cumprido com as obrigações inerentes à usufruição da mesma.
Assim sendo, no caso de ocorrer a revogação de uma das LSAE pela entidade administrativa, teria o recluso de reingressar em meio prisional, não contando como cumprimento de pena, o período de tempo que mediou desde a data da última renovação[1].
Considerar em sede de recontagem de pena, todo o período que mediu entre o gozo da primeira licença e a revogação da última, resultaria numa excessiva penalização do recluso que certamente o legislador não pretendeu contemplar. A razão de ser da limitação de 45 dias de cada licença, prendia-se com a necessidade de ser feita uma avaliação constante do modo da sua execução, de modo a permitir um maior controlo do comportamento do recluso em meio livre, acautelando sempre as exigências previstas, em termos gerais, para a concessão de licenças de saída, no artigo 78.º do CEPMPL.
Qualquer outra interpretação redundará num desequilíbrio no tratamento legal dado aos incumprimentos das licenças de saída jurisdicionais ou administrativas (cf. o artigo 85.º do CEPMPL). Veja-se o caso da prática de um crime de condução com álcool, em que o recluso seja condenado numa pena de multa, durante o período de ausência do meio prisional:  se o novo crime for cometido durante uma LSJ ou uma LCD, tendo o recluso regressado atempadamente ao estabelecimento prisional, a consequência para a sua conduta será o acréscimo do período da licença, no máximo de 7 dias (se estiver em regime aberto), mas se for cometido durante uma LSAE, a consequência seria um acréscimo que poderia chegar a vários meses. E se, neste último caso, em vez de ter praticado um novo crime, o recluso tivesse apenas incumprido a obrigação de pernoitar na morada que lhe foi fixada, chegaríamos à conclusão que, face as respetivas consequências, seria mais grave a pernoita num local não autorizado, do que a eventual prática de um novo crime durante o período de ausência.
Voltando ao caso dos autos, entendemos que o acréscimo na liquidação do somatório das penas em cumprimento sucessivo, decorrente da revogação da LSAE, deve, assim, ser feito nos seguintes termos:
Considerando que segundo informações entretanto recolhidas junto do Tribunal recorrido, o recluso iniciou a última LSAE no dia 09/05/2021 e reingressou no estabelecimento prisional no dia 18/06/2021, (a última renovação tinha sido concedida para o período de 09/05/2021 até 23/06/2021), há que acrescentar o período de 09/05/2021 a 18/06/2021, ou seja, 41 dias, uma vez que o período de saída não é considerado tempo de execução da pena por a licença ter sido revogada (mas apenas a que foi revogada pela última vez), nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 10, da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril).
 Tendo esses elementos em conta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 141.º, al. h) e al. j), do CEPMPL e artigo 4.º, n.º 8, da Lei n.º 9/2020, e considerando a liquidação feita no Tribunal recorrido pelo Ministério Público em 21/03/2017, homologada por despacho de 06/04/2017 (que previa os dois terços da soma das penas em 23/05/2021, 5/6 da soma em 23/04/2023 (despacho judicial de 25/07/2019) e termo da soma das penas em 13/02/2025), os dois terços da soma das penas ocorreram em 03/07/2021, os 5/6 da soma irão ocorrer em 03/06/2023 e o termo da soma das penas em cumprimento sucessivo ocorrerá em 26/03/2025.
Aqui chegados, cumpre apreciar se deve ser mantida a decisão recorrida que indeferiu a concessão da liberdade condicional ao recluso ora recorrente, tendo em conta a esta liquidação.
Vejamos.
O instituto da liberdade condicional é regulado pelos artigos 61.º e 63.º do Código Penal e tem em vista a libertação antecipada, mas não definitiva, do recluso, após cumprimento de uma parte da pena de prisão em que foi condenado. Como escreve a propósito Anabela Rodrigues (inA Fase de execução de Penas e medidas de segurança no Direito português, BMJ n.º 380, página 26), «a liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade». A aplicação da liberdade condicional facultativa assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.
Constituem pressupostos de natureza formal os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61.º, n.º 1, do Código Penal;
b) O cumprimento de pelo menos seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, n.º 2 e 63.º, n.º 2, do Código Penal);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, números 2, 3 e 4 e 63.º, n.º 2, do Código Penal.
Por outro lado, constituem pressupostos materiais ou substanciais a 1/2 da pena, como é o caso dos autos:
a) Um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (alíneas a) e b), do artigo 61º, do Código Penal), o qual assenta numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
Quanto apreciada aos 2/3 a pena, os pressupostos para a concessão da liberdade condicional são apenas os referidos em a).
Por fim, quando referida a 5/6 das penas superiores a seis anos, (liberdade condicional obrigatória), a liberdade condicional não está dependente daqueles pressupostos materiais, sendo indiferente que o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do condenado (apreciação relativa à prevenção especial positiva), seja positivo ou negativo.
No caso dos autos, está em causa a apreciação da eventual concessão da liberdade condicional, com referência aos dois terços da soma das penas em execução que como acima liquidámos, ocorreu no dia 03/07/2021. Tendo o recluso prestado o seu consentimento e tendo sido cumprido há muito, o mínimo de seis meses de cumprimento de pena, não está em causa o preenchimento dos pressupostos formais necessários para a concessão da liberdade condicional ao meio da pena.
Quanto ao preenchimento dos pressupostos de natureza substantiva.
Nesta fase do cumprimento das penas, cumpridos os dois terços da sua execução, a concessão de liberdade condicional depende de um juízo de prognose favorável assente na ponderação de razões de prevenção especial quer negativa (expectativa fundada de que o condenado não voltará a delinquir), quer positiva (existência de condições objectivas e subjectivas favoráveis à sua reinserção social) e também na evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/02/2016, proferido no processo n.º 40/14.2TXPRT). Deve o Tribunal atender, além do mais, às repercussões do cumprimento da pena na evolução da personalidade do recluso, devendo as expectativas de reinserção ser manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade (ver Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, - As Consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2005). Escreve a propósito Maria João Antunes (in Consequências jurídicas do crime, notas complementares, 2006/07, página 26), que o índice de ressocialização e de um comportamento futuro sem o cometimento de crimes, deve aferir-se tendo em consideração as circunstâncias do caso, a vida anterior do condenado, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena.
A decisão recorrida fundamenta-se por um lado, na necessidade de consolidação do juízo crítico do recluso que “tem ainda um caminho a percorrer para efeitos de interiorização do desvalor da sua actuação e a severidade das consequências destas”, porque “quem não logra percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta”.
Ora, também nós temos como determinante no juízo de prognose, a evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão e no caso dos autos, é verdade que lendo o que foi escrito no auto de audição (quase ilegível, sendo ainda manuscrito, o que há muito não víamos), o recluso quando foi ouvido a seguir ao Conselho Técnico, referiu que “relativamente aos crimes cometidos…na altura não tinha emprego e consumia bebidas alcoólicas” e também que tinha “efetuado” um “processo de separação com a ex-companheira”. Também é verdade que estas justificações que o recluso dá à sua conduta criminal, são um sinal de alguma desresponsabilização, com o consequente risco de uma vez em idênticas circunstâncias, o recluso poder praticar o mesmo tipo de actos. Como decidiu a propósito numa situação idêntica o Tribunal da Relação do Porto (Acórdão de 11/01/2017 proferido nos autos n.º 210/14.3TXPRT-I.P1), esta explicação para a sua conduta criminosa, “é uma forma de auto-desculpabilização que permite afirmar que o condenado manifesta, ainda, insuficiente capacidade de autocensura, incapacidade de, verdadeiramente, interiorizar a censurabilidade da sua conduta e a admonição contida na condenação sofrida, o que justifica uma maior exigência quando se pondera se o condenado reúne condições para, uma vez em liberdade, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável….”.
Porém, da decisão recorrida, também resulta que o recluso já “demonstra, pelo seu discurso, capacidade de censura face ao seu comportamento delituoso, conseguindo refletir acerca das consequências do mesmo para as vítimas e quanto aos bens jurídicos protegidos”, o que, apesar de tudo, mitiga de alguma forma, o risco de reincidência porque se admite que seja capaz de, em meio livre, não voltar a cometer crimes. Acresce que não se pode ignorar que o recluso esteve em meio livre, beneficiando de LSAE, sucessivamente renovadas, de 14/04/2020 até 18/06/2021, ou seja, mais de um ano, não havendo notícia da prática de novos ilícitos criminais. Esta conduta em meio livre, atenua de forma acentuada, as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir.
Por outro lado, o Tribunal recorrido justifica o tempo acrescido de reclusão, com o facto de persistirem, “défices ao nível da descentração, sobressaem nos processos de tomada de decisão os seus interesses, em detrimento do cumprimento do estipulado e convencional, mesmo sabendo que tal poderá colocar em risco a preparação da sua liberdade, situação que ocorreu durante a LSAE”. Ora, é verdade que o recluso não cumpriu uma das condições que lhe foram impostas para usufruir a LSAE, porque passou “4 ou 5 fins-de-semana”, com uma namorada que conheceu, entretanto, numa rede social, regressando à morada autorizada ao Domingo, aí permanecendo até à sexta-feira seguinte.
No entanto, entendemos que não é se sobrevalorizar este comportamento, tendo em conta que o recluso já foi sancionado pela sua conduta, além do mais, com a revogação da licença e com a revogação do regime aberto.
Acresce que resulta da decisão recorrida, um percurso muito positivo do recluso em meio prisional, assente, além do mais, no investimento realizado em termos de formação profissional (concluiu o 9º ano através do curso de formação profissional na área da canalização), na atividade laboral desenvolvida, na lavandaria e como faxina no bloco administrativo, “existindo referências positivas na assiduidade e empenho”, na padaria e em regime aberto “na brigada de trabalho exterior na Câmara Municipal da Barquinha, onde exercia tarefas indiferenciadas de jardinagem e manutenção dos espaços/equipamentos urbanos”, estando atualmente a trabalhar na lavandaria.
Pondera-se ainda que no “meio prisional e no decurso do benefício das medidas de flexibilização da pena não evidenciou a manutenção de consumos de natureza aditiva” e que beneficiou 5 Licenças de saída jurisdicionais e 6 licenças de curta duração, “todas com avaliação positiva.
O Recluso tem apoio em meio livre e face “aos hábitos de trabalho que evidencia”, não se apresenta como necessária uma “intervenção acrescida em meio livre”, quanto à sua integração laboral.
Por último este Tribunal de recurso não pode deixar de ponderar que face à alteração da liquidação da soma das penas acima operada, estamos numa fase adiantada do cumprimento do somatório de penas, a pouco mais de três meses da data em que serão atingidos os 5/6: ora, um recluso só é libertado aos 5/6 da pena ou da soma das penas, se, antes disso, não tiver tido mérito (a não ser que não tenha para tanto dado o seu necessário consentimento). São libertados obrigatoriamente nessa fase da pena, os reclusos que, por via de regra, apresentam um registo disciplinar preenchido, não fazem quaisquer investimentos em termos formativos ou laborais e/ou têm registo de graves incumprimentos de licenças de saída do Estabelecimento Prisional: não é, evidentemente, o caso do recluso ora recorrente.
Em conclusão, entendemos que no caso dos autos, face às circunstâncias acima enunciadas, não restam dúvidas que nesta altura, já é possível fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado, no sentido de que uma vez em liberdade condicional, irá levar uma vida socialmente responsável e sem cometer mais crimes.
Por tudo o que se vem de dizer, concluímos que se deve revogar o despacho recorrido, sendo de lhe conceder a liberdade condicional do recorrente, até ao termo da soma das penas em cumprimento sucessivo.
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c) Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente e, consequentemente, revogando o despacho recorrido, colocam o condenado A, com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional, no âmbito das penas que cumpre nos processos n.ºs 376/13.0PATNV T e 151/12.9PATNV, com efeitos imediatos, durante o período de tempo de prisão que lhe falta cumprir, ou seja, até 26/03/2025, mediante a imposição das seguintes obrigações e regras de conduta:
a) Residir na Rua ..., em Alcanena, não podendo alterar a residência, nem dela se ausentar por mais de dez dias, sem autorização do Tribunal e Execução de Penas;
b) Aceitar a tutela da equipa da DGRSP sita na Rua ..., em Tomar, à qual se apresentará no prazo de 5 dias após libertação e, futuramente, quando e onde ali lhe for determinado;
c) Não frequentar zonas ou locais conotados com a prática de actividades ilícitas, nem acompanhar pessoas ligadas a tais actividades;
d) Dedicar-se, com assiduidade e empenho, a trabalho permitido por lei e manter boa conduta, sem cometer crimes e com observância dos padrões normativos vigentes.
*
Notifique o recluso, com a expressa advertência que, na decorrência do artigo 64.º, n.º 1 do Código Penal, a liberdade condicional será revogada, com a consequente execução da pena de prisão ainda não cumprida, no caso de:
1 - Infringir grosseira ou repetidamente as obrigações e regras de conduta acima fixadas;
2 - Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da liberdade condicional não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
*
Passe de imediato mandado de libertação e envie ao Estabelecimento Prisional.
Notifique o Ministério Público e o ilustre mandatário/defensor oficioso.
Comunique, independentemente de trânsito em julgado à Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) e, sendo caso, aos demais serviços/entidades com intervenção na concedida liberdade condicional.
A DGRSP deverá remeter aos autos relatórios de execução semestrais, um relatório final e sempre que ocorram situações de anomalias.
Após trânsito em julgado, deverá a decisão ser comunicada pelo TEP, ao (s) Tribunal da (s) pena (s) em execução e remetido boletim ao registo criminal.
Diligências necessárias.
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Sem custas.
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Notifique.
*
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2023 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Lima
Micaela Pires Rodrigues
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[1] Esta tem sido a jurisprudência do Tribunal de Execução das Penas do Porto onde o Juiz relator exerceu funções ao longo dos últimos anos, sempre secundada pelos magistrados do Ministério Público.