Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25234/18.8T8LSB.L2-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTA COLECTIVA SOLIDÁRIA
PROPRIEDADE DOS FUNDOS
FALECIMENTO DO TITULAR
MOVIMENTAÇÃO DA CONTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A conta coletiva solidária caracteriza-se pela faculdade conferida a cada um dos seus titulares de exigir a prestação integral, ou seja, o reembolso pelo banco depositário de toda a quantia que lhe foi entregue.
2. Um tal regime vigora independentemente de quem seja, de facto ou de direito, o dono dos valores ou fundos nela depositados, pois a titularidade da conta não predetermina, a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até, porventura, a um terceiro, não havendo, assim, que confundir a titularidade da dita conta com a propriedade dos valores/importâncias nela depositadas.
3. Em caso de falecimento de um dos contitulares de uma conta bancária solidária, o cabeça-de-casal da herança da falecida e também contitular da conta, pode proceder ao levantamento da totalidade da quantia depositada, a isso não se podendo opor a entidade bancária onde a conta se encontra sedeada.
4. Além de tal resultar do regime de movimentação das contas coletivas solidárias, sempre o poderia fazer na qualidade e no âmbito dos poderes de administração da herança, conferidos pelo artigo 2079.º CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Questão prévia:
O enunciado descrito na sentença recorrida sob o ponto 23. dos factos provados enferma, tal como referido pela ré, de um manifesto lapso de escrita, conforme, aliás, resulta à evidência do teor do documento n.º 16 junto a com a petição inicial.
Assim, onde no referido enunciado de facto consta «em 25/06/2016», passará a constar 25/06/2010.»

I – RELATÓRIO:
AB[1] e MS[2], menor, representada pelo seu progenitor, HS, intentaram a presente ação declarativa de condenação contra Caixa, SA, alegando, em síntese, na extensa e repetitiva petição inicial, que a 1.ª autora é filha e herdeira legitimária de OB e JB.
A 2.ª autora é filha da 1.ª autora, e neta dos referidos OB e JB, sendo herdeira testamentária deste.
OB faleceu em 25 de junho de 2010 e JB faleceu em 6 de setembro de 2016.
Para partilha da herança de OB foi iniciado um processo judicial de inventário ao qual foi cumulado o inventário instaurado na sequência do óbito de JB.
A 1.ª autora foi cabeça-de-casal nas duas heranças:
- na herança aberta por óbito de sua mãe, OB, na sequência de despacho proferido em 29 de abril de 2014, no respetivo processo de inventário, após o decesso de JB, primitivo cabeça-de-casal;
- na herança aberta por óbito de seu pai, JB, desde o início do respetivo inventário.
No âmbito dos dois inventários foi feito um acordo de partilha entre todos os herdeiros, homologado por sentença transitada em julgado em 12 de julho de 2018.
A 2a autora é herdeira testamentária de JB, tendo-lhe sido legado o respetivo quinhão hereditário na herança aberta por óbito de OB e dos pais desta.
JB apresentou a relação de bens da herança aberta por óbito de OB, em 14 de outubro de 2013.
Dessa relação de bens consta, como n.º 3, uma verba assim identificada: “Conta à ordem n.º ____ na Caixa no valor de € 5.728,32. Tendo a prazo € 80.000,00 e instrumentos financeiros € 162.122,32.”
Os referidos instrumentos financeiros eram 20832 unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário F, que teriam, à data e a fazer fé na declaração do cabeça-de-casal, o valor de € 162.122,32.
As unidades de participação estavam registadas na conta solidária com o número __/__/__, da titularidade de OB e JB, associada à conta à ordem com o número __/__/__.
Em janeiro de 2014, a ré declarou, a pedido de JB, e para que tal declaração fosse junta aos autos de inventário, que, à data do óbito de OB, esta era co-titular daquelas unidades de participação F no valor de €164.433,23.
Em 14 de março de 2018, a ré reiterou a existência, à data do óbito de OB, da referidas unidades de participação, no valor de € 164.433,23, naquela conta __/__/__.
Na sequência de interpelação feita à ré em janeiro de 2018, a 1.ª autora tomou conhecimento de que em 7 de julho de 2010, as 20.832 unidades de participação do F tinham sido transferidas para uma conta da titularidade exclusiva de JB.
No dia 30 de junho de 2010 a 1.ª autora informou a ré do óbito de OB, ocorrido, conforme referido, em 25 de junho de 2010.
Apesar disso, a ré permitiu que em 7 de julho de 2010 a conta __/__/__ fosse movimentada, dela tendo sido retiradas por JB todas as unidades de participação que aí estavam depositadas.
Tais unidades de participação foram transferidas para uma outra conta, também sedeada na ré, que tinha sido aberta em 30 de junho de 2010, titulada apenas por JB.
Posteriormente, em 13 de fevereiro de 2013, dessa conta aberta por JB, foram resgatadas 10.277 unidades de participação, a que correspondeu um crédito na referida conta de JB, no montante de € 80.000,00.
Em junho de 2014, ainda a ré informava que se encontravam na conta titulada por OB e JB, as 20.832 unidades de participação no F.
Em 4 de maio de 2015, foram resgatadas da conta aberta por JB mais 6.775 unidades de participação, a que correspondeu um valor de € 50.000,00, e, em 8 de Junho de 2015, foram resgatadas da mesma conta mais 3.780 unidades de participação, a que correspondeu um valor de € 27.000,00, creditados na mesma conta.
Assim, à data do óbito de JB, em 6 de setembro de 2016, nenhum saldo remanescia dessas unidades de participação.
A 1.ª autora nada sabia do sucedido, até ter pedido à ré, em janeiro de 2018, dados actualizados das contas bancárias da titularidade de OB e JB.
As autoras criaram a convicção de que as unidades de participação estavam ainda à guarda da ré, depositadas na conta com a terminação 944 e incluídas na relação de bens de OB.
A ré prestou, de forma consciente e grave, falsas informações, pois, sabendo que as unidades de participação tinham sido transferidas em 7 de julho de 2010 da conta com a terminação 944, afirmou perante os autos de inventário que as unidades de participação continuavam na conta com aquela terminação, em três ocasiões diferentes, 6 de Janeiro de 2014, 25 de Junho de 2014 e 28 de Dezembro de 2016, quando, em janeiro e junho de 2014, quando já unidades de participação equivalentes a € 80.000,00 tinham sido resgatadas por JB e, em dezembro de 2016, já não havia nenhuma unidade de participação subscrita.
Trata-se de uma conduta ilícita por parte da ré, que impediu as autoras, além do mais que enunciam, de pedir a prestação de contas a JB.
A ré, sem que estivesse demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais por parte da herança jacente e dos herdeiros, consentiu na movimentação de valores de uma conta bancária em que era titular a autora da sucessão.
Imputam ainda à ré a violação do dever de guarda.
Após cálculo daquilo que, em seu entender, lhes seria devido, caso tivesse sido considerado o valor das unidades de participação, que entendem ter desaparecido por culpa exclusiva da ré, e até, subsidiariamente, no âmbito de partilha adicional, concluem assim a petição inicial:
«Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser julgada totalmente procedente a presente ação, por integralmente provada, e, em consequência, ser a ré condenada no pagamento:
A. De € 45.675,89 à autora AB por conta do que esta deixou de receber na herança dos seus falecidos pais OB e JB, e
B. De € 27.405,54 à autora MS por conta do que esta deixou de receber na herança de JB de que era legatária.
Em ambos os casos acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data de 7 de julho de 2010 e até integral pagamento.
Assim se não entendendo. e subsidiariamente, o que apenas se consente por cautela, deve a ré ser condenada no pagamento
A. De € 27.405,54 à autora AB e de € 27.405,54 à autora MS por conta da partilha que teria sido feita do bem da herança de OB que a ré permitiu que desaparecesse, em ambos os casos acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data de 7 de julho de 2010 e até integral pagamento.»
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A ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Em sede excetiva invocou a exceção dilatória consistente na ilegitimidade das autoras, já que se constata da análise do testamento outorgado por JB em 15.11.2013, no qual este instituiu como herdeira do remanescente dos seus bens, ML, que, todavia, não é parte na acção.
Assim, e de modo a assegurar que a sentença a proferir nos autos produza o seu efeito útil normal, isto é, resolva definitivamente o litígio, deveriam figurar no lado activo da relação processual todos os herdeiros.
Em sede de impugnação, considera que:
- ocorreu um lapso na indicação de um saldo, em 15-05-2014, de 20.832 unidades de participação F;
- a ré não poderia ter agido de outro modo, dado que um dos titulares podia levantar a totalidade do saldo, e JB poderia ter procedido, como procedeu, ao resgate das unidades de participação, na data em que o fez, da conta de activos financeiros com o n.º ____, quanto mais não fosse como cabeça-de-casal;
- as unidades de participação não estavam sujeitas a imposto de selo e que não foi violado o dever de guarda, não estando reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar.
Conclui assim a contestação:
«Termos em que deverá a R. ser absolvida da instância, ou, a ser sanada a ilegitimidade, absolvida do pedido com as legais consequências.»
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Foi marcada audiência prévia, diligência na qual foi proferido despacho a convidar as autoras «a fazerem intervir nos autos os demais herdeiros de JB, a saber ML, sob pena preterição de litisconsórcio necessário.»
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As autoras não corresponderam a tal convite, pelo que no dia 30 de maio foi proferida decisão de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Em consequência, e face à ausência de resposta das AA ao convite que lhes foi feita para fazer intervir nos autos a herdeira de JB acima indicado, procede a invocada excepção de ilegitimidade activa. Deste modo, e nos termos dos arts. 30º, 33º e 278º, nº1, al. e) do CPC, absolvo a Ré Caixa SA da instância.»
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Inconformadas, as autoras recorreram dessa decisão, que foi confirmada por acórdão da R.L. de 9 de julho de 2020.
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Notificadas desse acórdão, e antes do respetivo trânsito em julgado, as autoras vieram, através de requerimento apresentado em 27 de outubro de 2020, deduzir o incidente de intervenção principal de PB e de ML, alegando que as chamadas são, juntamente com as autoras iniciais, as únicas herdeiras de JB.
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­­­Por decisão de 5 de novembro de 2020, foi admitida a requerida intervenção e considerada renovada a instância nos termos do n.º 1 do art. 261.º.
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Citadas as chamadas, PB veio, mediante requerimento apresentado a 18 de dezembro de 2020, declarar «fazer seus os articulados das Autoras, aceitando o processo no seu estado actual.»
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Com dispensa da audiência prévia, a senhora juíza a quo proferiu, em 15 de março de 2021, despacho saneador, no qual, além do mais, proferiu o despacho a que alude o n.º 1 do art. 596.º:
i) Identificando assim o objeto do litígio:
«O direito das AA, aos valores peticionados decorrentes da violação de deveres por parte da ré».
ii) Enunciando assim os temas da prova:
- «Das informações prestadas pela Ré à A.; sua finalidade»;
- «Da violação e guarda por parte da Ré.»
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Nenhuma das partes reclamou desse despacho, realizando-se, na subsequente tramitação dos autos, a audiência final, após o que foi proferida sentença, datada de 24 de janeiro de 2022, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção improcedente e consequentemente, absolver a Ré Caixa, S.A. do pedido contra si formulado.»[3].
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Inconformadas, as autoras interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«i. A aplicação do direito aos factos que ficaram provados (a grande maioria ou mesmo totalidade dos alegados pelas autoras) padece de erro na sua aplicação, tendo resultado na errada e injusta absolvição da ré dos pedidos contra si formulados.
ii. Para lá disso, julgam as autoras que o tribunal ignorou factos relevantes para a boa decisão da causa que têm que se considerar provados tendo em conta a abundante prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
iii. os procedimentos internos da ré relativamente à movimentação das contas bancárias após o óbito de um dos titulares são factos sujeitos a prova e que, na opinião das apelantes, ficaram cabalmente demonstrados, tendo em consideração e ponderando a prova produzida, em particular testemunhal que se poderá ouvir a partir do suporte digital nos momentos que se indicam e conforme se transcreveu oportunamente:
Transcrição do depoimento da testemunha CT, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 6’30’’ e termo em 12’33’’.
Transcrição do depoimento da testemunha CT, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 7’28’’ e termo em 8’54’’.
Transcrição do depoimento da testemunha CT, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 7’58’’ e termo em 9’15’’.
Transcrição do depoimento da testemunha CT, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 11’15’’ e termo em 12’20’’.
Transcrição do depoimento da testemunha OG, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 10’15’’ e termo em 11’26’’.
Transcrição do depoimento da testemunha OG, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 11’40’’ e termo em 13’11’’.
Transcrição do depoimento da testemunha OG, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 22’30’’ e termo em 24’57’’.
Transcrição do depoimento da testemunha ABL, em audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2021, com início em 13’30’’ e termo em 14’20’’.
iv. É, portanto, seguro dizer que o procedimento da própria ré era o de bloquear as contas bancárias, sempre que havia notícia de que um dos titulares tivesse falecido, ainda que não houvesse obrigação legal (e havia): apesar disso, a ré deixou que uma conta bloqueada fosse movimentada.
v. Está provado que a ré teve conhecimento do óbito de que uma pessoa dos dois cotitulares da conta em 30 de junho de 2010, tendo consentido na movimentação da conta em 5 de julho de 2010.
vi. Em face da prova testemunhal abundantemente produzida teria o tribunal recorrido que ter considerado como provados, em complemento dos que foram julgados como tal, os seguintes factos que resultam da alegação apresentada pelas autoras (designadamente dos artigos 102.º, 104.º, 106.º e 107.º da petição inicial):
vii. Que era obrigação da CGD não permitir a movimentação da conta identificada nos autos a partir de 30 de junho de 2010, antes que houvesse habilitação de herdeiros (que só foi outorgada em 12 de janeiro de 2011) ou autorização judicial no âmbito do processo de inventário;
viii. Que o procedimento interno da ré CGD era o de bloquear todas as contas a partir do momento em que tinha conhecimento do óbito de um dos titulares;
ix. Que o procedimento interno da ré CGD foi incumprido no caso dos autos.
x. Houve manifestamente a violação de um dever de guarda por parte da ré: não só por violação de lei e das normas do Banco de Portugal, mas também por violação dos procedimentos internos da ré.
xi. o movimento que a ré permitiu que o falecido JB realizasse em 5 de julho de 2010 foi ilegal.
xii. Mesmo não alterando os factos considerados como provados aditando os que as autoras sugerem, da matéria provada já se impugna uma decisão diferente daquela que veio a ser tomada.
xiii. Com a notícia do óbito de um titular da conta, que a ré reconhece ter obtido em 30 de junho de 2010, deixa de importar o regime da movimentação das contas bancárias (solidárias ou conjuntas).
xiv. A partir de então a ré não poderia permitir a movimentação das contas, antes de ser feita prova do cumprimento das obrigações fiscais (o que apenas veio a acontecer em 16 de setembro de 2010) ou apresentada escritura de habilitação de herdeiros (o que só veio a acontecer em 12 de janeiro de 2011).
xv. Todas as testemunhas o confirmaram e a própria ré anuncia esses procedimentos no seu site e nos contratos de abertura de conta em uso.
xvi. Está provado que a conta foi movimentada em 5 de julho de 2010 tendo sido levantados a totalidade dos valores aí depositados, de € 160.000,00.
xvii. Esse comportamento da ré violou a lei (em particular o art 63.º-A e 29.º do Código do Imposto de Selo), as instruções do Banco de Portugal (caderno 9 em particular) e os seus próprios procedimentos internos.
xviii. As normas do imposto de selo têm aplicação generalizada, como todas as leis, e não apenas à ré, como sustenta a sentença recorrida, apoiando-se no teor do n.º 2 do art 63.º-A.
xix. Ora, a violação do previsto no n.º 1 desse artigo constituiu uma violação de lei – para efeitos do art 483.º do Código Civil – sem prejuízo de logo se fixar (no n.º 2) uma sanção para alguns dos seus destinatários.
xx. Também não seria o facto de o falecido JB ser cabeça-de-casal (o que a ré nem sequer sabia antes da outorga da habilitação de herdeiros, em 12 de janeiro de 2011) que o autorizaria a movimentar a conta, considerando que tais poderes não lhe seriam conferidos por esse estatuto (nos termos do art 2091.º do Código Civil).
xxi. A sentença recorrida errou igualmente ao desconsiderar as normas produzidas pelo Banco de Portugal: a jurisprudência e doutrina são unânimes a conferir valor a tais instruções, recordando que a ré fez delas procedimentos internos (como confirmaram as testemunhas ouvidas).
xxii. a ré violou a lei, as normas do Banco de Portugal e os próprios procedimentos internos, nos termos e para os efeitos do art 483.º do Código Civil.
xxiii. São obrigações do depositário guardar o bem confiado a pedido dos dois depositantes que eram os titulares da conta, ambos confiando que apenas em cumprimento das regras conhecidas e aceites seriam esses valores movimentados: a responsabilidade pelo cumprimento do contrato foi assumida pela ré perante os dois depositantes (JB e OB) e não apenas perante o sobrevivo.
xxiv. Ao violar o contrato de depósito que tinha para com a cotitular OB da conta identificada nos autos, a ré violou a lei, as instruções do Banco de Portugal e os seus procedimentos internos.
xxv. O tribunal recorrido parece considerar que as autoras teriam outros meios à disposição para defender aquele depósito ignorando um facto essencial: as autoras foram mantidas, pela ré, na ilusão de que tais valores se mantinham na conta da herança: não só as medidas cautelares não seriam necessárias como não seriam possíveis, tendo em conta a falta de interesse que então se verificaria.
xxvi. As apelantes alegam que a ré não prestou a informação que deveria ter prestado e que, por essa razão, ficaram impedidas de tomar medidas que pudessem prevenir os danos que vieram a suportar: parece agora evidente que assim foi, depois de produzida a prova.
xxvii. Foi garantido às apelantes – é o documento 14 da petição inicial – que o F continuava, naquela data de 25 de junho de 2014, a ter um valor aproximado de € 162.000,00: sabe-se que já não existia desde 5 de julho de 2010.
xxviii. As regras da boa-fé exigiram, ademais, a partilha de toda a informação relevante ao assunto em tratamento, aí se incluindo por certo a informação de que os valores que estavam na conta em 30 de junho tinham sido na sua totalidade movimentados para outra conta logo em 5 de julho.
xxix. A sentença recorrida julga ter existido um ilícito e pelo menos culpa por parte da ré: concorda-se com essa perceção.
xxx. à data em que a falsa informação foi prestada ainda estavam cerca de € 80.000,00 na conta para a qual o falecido JB movimentou os valores da herança, ou seja, cerca de metade: ainda estavam em tempo de tomar medidas para segurar esse valor ao menos.
xxxi. ao ter prestado essa informação falsa, impediu que as autoras tomassem quaisquer diligências, o que constitui uma verdadeira perda de chance.
xxxii. O dano resulta da inexistência (física, não jurídica) de € 160.000,00.
xxxiii. se a ré tivesse atuado de acordo com a lei, com as normas do Banco de Portugal e com os seus próprios procedimentos não teria permitido que essa ilegalidade tivesse sido cometida, pelo que é lógico concluir que foram as condutas da ré a causar o dano das autoras:
xxxiv. quando permitiu que a conta fosse movimentada, e quando ocultou informação e apresentou às autoras dados falsos que as impediram de defender os seus direitos.
vii – Do pedido.
Nestes termos, nos demais de direito aplicáveis, devem ser recebidas, conhecidas e julgadas procedentes as presentes alegações de recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do pedido, substituindo-a por outra de que resulte a sua condenação no pedido formulado pelas autoras na sua petição inicial,
Assim se fazendo justiça.»
*
A ré contra-alegou, concluindo assim:
«1) Inexiste fundamento para se aditar/alterar a matéria de facto nos moldes pretendidos pelas apelantes;
2) O Tribunal a quo no âmbito da apreciação da matéria de facto em  apreço nestes autos procedeu a uma pormenorizada análise crítica dos meios de prova, em adequado alinhamento com o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, e fundamentou devidamente o seu juízo quanto à matéria de facto que entendeu considerar provada e não provada, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou, sendo esta análise e conclusão o resultado encontrados segundo o princípio da livre convicção e apreciação da prova, que aqui não cabe censurar, não havendo assim qualquer erro de julgamento, e não havendo por isso fundamentos ou razões para alterar a resposta dada pelo tribunal a quo;
3) Quanto ao pretendido aditamento de que era obrigação da CGD não permitir a movimentação da conta identificada nos autos a partir de 30 de junho de 2010, antes que houvesse habilitação de herdeiros (que só foi outorgada em 12 de janeiro de 2011) ou autorização judicial no âmbito do processo de inventário, trata-se de matéria que não contém factos, mas apenas uma mera conclusão jurídica;
4) Quanto ao pretendido aditamento de que o procedimento interno da ré CGD era o de bloquear todas as contas a partir do momento em que tinha conhecimento do óbito de um dos titulares trata-se de matéria nova que as AA. só agora, já em sede recursória, vieram carrear para os autos e que consequentemente não foi submetida a qualquer contraditório nem a prévio juízo decisório do Tribunal recorrido, pelo que não pode ser apreciada;
5) Quanto ao pretendido aditamento de que o procedimento interno da ré CGD foi incumprido no caso dos autos também aqui as AA. pretendem que seja integrada no elenco dos factos provados um mero juízo conclusivo de natureza jurídica (o incumprimento de alegado procedimento interno da CGD);
6) O banco não estava obrigado após o decesso de OB impedir a movimentação da conta por JB, cônjuge supérstite, que, em vida da falecida contitular, podia, sem qualquer restrição, movimentar a conta atenta a sua natureza solidária;
7) Não tendo as apelantes alegado em sede e momento processual próprio que existem regras internas do banco que obrigavam ao bloqueio ou congelamento de contas em caso de decesso de contitulares não podem agora invocá-las como fonte de direito para demonstrarem tal alegada obrigação da apelada;
8) Tratando-se, como se tratava, de uma conta solidária a obrigação do banco é a de permitir a movimentação da conta, por qualquer dos contitulares, sem curar de saber a quem pertence a propriedade dos valores depositados, questão esta na qual o banco não tem que se intrometer;
9) JB podia, após o óbito da contitular OB levantar a totalidade das quantias depositadas, o que tal resulta não só do regime de movimentação das contas coletivas solidárias, como também de que sempre o poderia fazer na sua qualidade e no âmbito dos próprios poderes de administração da herança, conferidos pelo artigo 2079.º do Código Civil, sem que o banco pudesse reter ou congelar o saldo credor existente na mesma, ou impedir o resgate de fundos;
10) Se a CGD tivesse impedido a movimentação da conta bancária na sua totalidade, ou apenas em 50% à luz do preceituado nos artigos 512º e 516º do Código Civil, estaria a intrometer-se na questão da titularidade dos valores e, ipso facto, a antecipar a resolução de um eventual litígio quanto à propriedade dos valores, confrontando o titular da conta e os herdeiros da falecida titular com um resultado imposto por si;
11) A CGD não podia, assim, opor ao contitular cônjuge sobrevivo o facto de o depósito pertencer também ao outro contitular falecido, ou aos demais herdeiros, impedindo-o de levantar a totalidade do valor depositado, sob pena de, se o fizer, violar os deveres que sobre si impendem atinentes ao contrato de depósito;
12) À CGD apenas importa assegurar que a conta foi movimentada por quem o podia fazer à data em que o foi, cabendo exclusivamente aos herdeiros nas suas relações internas – e não à CGD - determinar e apurar não só o quantum que caberá a cada um deles, mas também a forma de o assegurar;
13) Não existe lei alguma que obrigue a CGD ou qualquer banco a “congelar” ou a impedir a movimentação de uma conta bancária após o óbito de um dos seus contitulares;
14) O art. 63º-A nº 1 do Código de Imposto de Selo tem por destinatários as instituições de crédito e tem por exclusiva finalidade a salvaguarda do recebimento do imposto de selo pela Fazenda, nos casos em que este seja devido;
15) A obrigação (de natureza tributária) que esta norma institui é uma obrigação que existe por parte das instituições de crédito face à Fazenda Nacional, e não face aos herdeiros dos titulares de contas, sendo do interesse do banco que a conta não seja movimentada antes de demonstrado o pagamento do selo que for devido, sob pena de este se constituir obrigado tributário, mas tal obrigação não tem um correspetivo direito na pessoa das aqui apelantes;
16) Sempre se esclarecerá que o regime fiscal aplicável à transmissão por morte de Unidades de Participação em Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário é o da não sujeição a imposto do selo (art. 1º nº 5 alínea b) do Código do Imposto do Selo), pelo que não seria o relacionamento ou a falta deste no processo de Imposto do Selo que impediria o Sr. JB de resgatar/movimentar os referidos produtos, pois a transmissão gratuita gerada com o óbito de Unidades de Participação em Fundos de Investimento (o produto em apreço) não é sujeita a Imposto do Selo, mas apenas a declaração fiscal de isenção;
17) Assim, o art. 63.º-A/1 do Código do Imposto de Selo) não confere aos herdeiros dos depositantes nenhum direito, que seja correspetivo da obrigação (de natureza tributária) que impende sobre as instituições de crédito, e cujo escopo se destina a salvaguardar o recebimento pela Fazenda do que eventualmente lhe seja devido por decorrência de um verificado óbito;
18) Pelo que se conclui que esta norma não confere aos herdeiros o direito de exigir ao banco que congele contas bancárias ou impeça a sua movimentação por contitulares dessas contas que possam movimentá-las por força da natureza da própria conta (conta solidária), pelo que a sua violação não confere às apelantes o direito a obter da CGD qualquer indemnização;
19) As apelantes argumentam ainda com aquilo a que denominam os “regulamentos emitidos pelo Banco de Portugal” para afirmarem a sua tese da existência de obrigação de congelamento de contas em caso de óbito de contitular, mas não enunciam nem identificam nas suas alegações nenhum concreto e identificado Aviso ou Instrução do Banco de Portugal que considerem ter sido violado, limitando-se, vagamente, a mencionar a expressão “regulamentos emitidos pelo Banco de Portugal” para, seguidamente mencionarem os “Cadernos do banco de Portugal”, como sendo a fonte de tal obrigação;
20) Os denominados “Cadernos do Banco de Portugal”, não são nem podem ser confundidos com os “Avisos do Banco de Portugal” nem com as “Instruções do Banco de Portugal” pelo que não têm qualquer natureza normativa, (nem sequer regulamentar), e muito menos conferem quaisquer direitos aos particulares atendendo a que não são fontes de direito.
21) Com efeito, no âmbito dos seus poderes de supervisão o Banco de Portugal pode emitir Avisos e Instruções, que terão de ser acatados pelas entidades que estão sujeitas à sua supervisão e que são nos termos do art. 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, as “instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas”, e não os cidadãos ou as empresas;
22) E no que respeita ao levantamento de depósitos por contitulares ou herdeiros do falecido titular o aludido Caderno nº 9 do Banco de Portugal - enunciado pelas apelantes - limita-se a enunciar o normativo constante do art. 63.º-A/1 do Código do Imposto de Selo, norma esta que não confere qualquer direito aos herdeiros;
23) Pelo que há que concluir que inexiste norma legal que confira às aqui apelantes o direito de exigir ao banco que congelasse ou impedisse a movimentação da conta em questão até à exibição ao banco de escritura de habilitação de herdeiros e até ter sido demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais;
24) A douta sentença menciona subsidiariamente que o Sr. JB “sempre poderia” movimentar a conta na sua qualidade de cabeça de casal mas o fator principal por ela levado em consideração para legitimar a movimentação da conta não residiu primordialmente nessa qualidade, mas sim no facto de o Sr. JB ser contitular dessa conta solidária;
25) O Sr. JB era de facto cabeça de casal na herança aberta pelo óbito de sua esposa OB, tal como aliás as AA. expressamente reconhecem no nº 16º da petição inicial da ação, e, nessa qualidade assistia-lhe sempre o direito de administração da herança (art. 2087º nº 1 do CC) não cabendo ao banco substituir-se aos Tribunais para determinar o que são ou não são in casu atos de administração ordinária ou extraordinária da herança;
26) A afirmação de que para as apelantes “a preocupação em comunicar à ré o óbito da cotitular da conta bancária tinha, precisamente, o objetivo de garantir que, após esse conhecimento, a conta não seria movimentada” constitui matéria nova que não só não está provada como nem sequer foi alegada pelas AA., pelo que sobre ela não houve nem contraditório nem pronúncia;
27) Mas, se realmente tinham a preocupação de que as contas poderiam ser movimentadas, conforme agora expressamente confessam, então deveriam logo a seguir ao óbito de OB ter requerido o arrolamento dos bens da herança, nomeadamente dos saldos das contas bancárias existentes, informação esta (identificação de contas) que podiam obter muito facilmente junto dos bancos ou de forma centralizada através do banco de Portugal, pelo que não podem alegar que “para poderem tomar alguma medida conservatória teriam que ter conhecimento de que tal medida seria necessária”;
28) No nº 23 dos factos provados consta que “Em 14 de Março de 2018 a ré CGD reiterou a existência, em 25/06/2016 do valor de € 164.433,23 na conta __/__/__, referindo que em 06/09/2016 o saldo era €00,00” (doc. 16);
29) Este nº 23 dos factos provados enferma de um lapso notório atendendo a que se constata claramente da leitura do doc.16 que o que lá consta é que o saldo da conta __/__/__ em 25/06/2010 (e não em 25/06/2016, conforme erradamente consta provado no nº 23) era de € 164.433,23, e que em 06/09/2016 o saldo era €00,00;
30) Tratando-se de um erro absolutamente notório (lapso manifesto) atenta a evidência do doc. 16 desde já se requer a respetiva retificação da redação do nº 23 dos factos provados para que a data de 25/06/2016 seja alterada para 25/06/2010 (data do óbito de OB), ao abrigo do preceituado no art. 614º nº 1 do CPC;
31) Conforme se constata do nº 15 da contestação da CGD esta assumiu desde logo que a informação remetida a Tribunal no âmbito do sobredito processo de inventário e junta sob doc. 14 com a p.i. enferma efetivamente de um lapso quando indica “saldo em 15.05.2014, 20.832 unidades de participação F”, porquanto em 15.05.2014 a conta de ativos financeiros com o nº ____ já não tinha efetivamente saldo de “20.832 unidades de participação F”;
32) Todavia, desta errada informação não resultou nenhum dano, nem existe nexo causal entre tal errada informação e o alegado desaparecimento do dinheiro;
33) Desde logo as apelantes não demonstraram nenhum “desaparecimento” do montante de € 164.433,23, respeitante aos ativos financeiros (F) do acervo hereditário resultante dos óbitos de OB e JB;
34) Com efeito, os valores que foram resgatados ao longo do tempo por JB integraram o património deste, porquanto os montantes resultantes dos respetivos resgates foram transferidos para conta pelo mesmo detida e titulada, e, por óbito deste (ocorrido em 06 de setembro de 2016, cfr. nº 6 dos factos provados) passaram a integrar o acervo patrimonial (herança) dos herdeiros, a que as AA. se habilitaram;
35) Não consta em lado algum da matéria de facto provada pelo Tribunal que os montantes resultantes dos resgates das Unidades de Participação do Fundo F operados por JB se evaporaram ou que “desapareceram sem deixar rasto” do acervo patrimonial hereditário partilhável e a partilhar pelos herdeiros, pelos verificados óbitos de OB e JB, não bastando às apelantes alegar que o dinheiro desapareceu sendo também preciso demonstrá-lo, e tal não sucedeu;
36) Desconhece-se qual o destino final dado a esses montantes podendo assim perfeitamente o dinheiro resultante do resgate dessas ditas Unidades de Participação ter sido aplicado noutras instituições de crédito, ou na aquisição ou melhoramento de bens imóveis, ou na aquisição de obras de arte, ou ainda em qualquer outro tipo de ativos afetos às heranças abertas pelos óbitos do dissolvido casal JB e OB, sendo certo que o ónus da prova sobre tal “desaparecimento cabia às AA.;
37) O que se sabe é que esse dinheiro saiu de uma conta solidária titulada por JB e OB, e que o saldo resultante dos operados resgates foi sendo transferido para uma conta titulada apenas por JB, na CGD, e ainda que o respetivo saldo da conta de ativos financeiros integrou a relação de bens (cfr. nºs 14 e 15 dos factos provados) no âmbito do processo de inventário referido no nº 7 dos factos provados apresentada por JB;
38) Pelo que não se pode concluir que o dinheiro desapareceu, ou que foi sonegado às heranças seja de OB seja de JB e OB, e aos respetivos processos de inventário;
39) O valor das unidades de participação que existia à data da morte de OB foi declarado no processo de inventário, pelo que, poderia e deveria ter sido considerado para efeitos de determinação do quinhão hereditário de cada um dos herdeiros e, eventualmente, preenchido com recurso a outros bens de JB;
40) Em face de tal declaração, não haveria qualquer necessidade de, como invocam as AA., requerer o arrolamento de bens (porque o bem foi relacionado), nem de prestação de contas (porque o cabeça de casal as prestou ao relacionar aquele valor), afigurando-se que inexistiu qualquer dano, não tendo havido sonegação;
41) E, mesmo que se concluísse que houve algum dano para as AA. – que não houve - não estaria verificado o requisito do nexo de causalidade atendendo a que não foi o facto ilícito praticado pela Ré (a informação falsa prestada pela CGD) que determinou o dano, nem era apta a produzi-lo;
42) O dano em causa, a existir terá sido causado por atos de terceiro, isto é, de JB que transferiu os ativos financeiros para conta da sua exclusiva titularidade e os resgatou, o que teria acontecido independentemente da informação prestada pelo Banco;
43) Pelo que não se verificam os requisitos constitutivos da responsabilidade civil.
Termos em que deve a douta sentença recorrida ser mantida na íntegra, com exceção da questão aludida nas conclusões nºs 29 e 30.
Assim se fará Justiça!»
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, “ex vi” do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se ré incumpriu os indicados deveres de informação e guarda que sobre si impediam enquanto instituição bancária e, consequentemente, se deve ser condenada a indemnizar as autoras nos termos peticionados.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 - A sentença considerou provado que:
«1. A autora AB é filha e herdeira legitimária de OB e JB. (doc. 1);
2. A autora MS é filha da autora AB e neta de OB e JB (doc. 2)
3. Por testamento outorgado em 15/11/2013, JB deixou à sua neta MSBR:
a) os seus quinhões hereditários nas heranças abertas por óbito de seus pais, EB e MZ, ou os bens que lhe vierem a ser adjudicados por partilha das mesmas;
b) O seu quinhão hereditário na herança aberta por óbito de sua mulher OB FPRB ou os bens que lhe vierem a ser adjudicados por partilha da mesma; (doc. 3)
4. Pelo mesmo testamento JB instituiu herdeira do remanescente dos seus bens ML (doc. 3)
5. OB faleceu em 25 de Junho de 2010,(doc. 4)
6. JB faleceu em 6 de Setembro de 2016, (doc. 5)
7. Para partilha da herança de OB foi iniciado um processo judicial de inventário que correu termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível, Juiz _, sob o número de processo ___/__.9YXLSB - inicialmente correspondendo ao 7º juízo cível (doc. 6)
8. A autora AB assumiu funções de cabeça de casal no inventário por óbito de OB em 22/05/2014.
9. O inventário por óbito de JB foi cumulado ao inventário instaurado por óbito de OB, mantendo a AB as funções de cabeça de casal.
10. No âmbito das duas heranças abertas na sequência dos óbitos de OB e JB, foi feito um acordo de partilha entre todos os herdeiros, homologado por sentença transitada em julgado em 12 de Julho de 2018, (doc.9)
11. Foi JB, primeiro cabeça-de-casal na herança aberta por óbito de OB, quem apresentou, em 16/09/2010, junto do Serviço de Finanças, a relação de bens a partilhar por óbito de OB (doc. 10)
12. Da relação de bens comunicada às finanças não consta qualquer conta bancária (doc. 10)
13. Em 12 de Janeiro de 2011 foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros de OB, FPRB (doc. 11)
14. No âmbito do inventário referido em 7., JB apresentou a relação de bens da herança de OB (doc. 12)
15. Dessa relação de bens consta, para o que aqui importa, a verba número 3 assim identificada: Conta à ordem nº ____ na Caixa no valor de € 5.728,32. Tendo a prazo € 80.000,00 e instrumentos financeiros € 162.122,32.
16. Os referidos instrumentos financeiros eram unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário F: 20.832 unidades de participação que o cabeça de casal avaliou em 162.122,32.
17. As unidades de participação estavam registadas na conta solidária com o número __/__/__ da titularidade de OB e JB (associada à conta à ordem com o número __/__/__).
18. Em 06 de Janeiro de 2014, a ré CGD declara, a pedido de JB, que no dia 25 de Junho de 2010, JB e OB eram titulares das seguintes contas, com os seguintes saldos: Conta de depósito à ordem – __.__.__ – 3725,82€; F-__.__.__- 164.433,23 (doc. 13)
19. Em Junho de 2014, a CGD informa os autos de inventário de que, em 25 de Junho de 2010, havia 20.832 unidades de participação F na conta de activos financeiros com o n.º __.__.__, e que tais unidades ainda existiam, e no mesmo número, em 15 de Maio de 2014. (doc. 14).
20. Do mesmo documento constava que havia um depósito a prazo no valor de € 75.000,00 em 25 de Junho de 2010 que já não existia em 15 de Maio de 2014. (doc. 14)
21. Em 28 de Dezembro de 2016 a ré CGD emite declaração da qual consta “conforme nos foi solicitado, pela Sra. Dra. ABB, vimos por este meio informar os saldos existentes em Fundo Imobiliário F, à data de 25/06/2010, associados às contas de depósitos à ordem n.ºs __.__, cujos titulares são JB e OB Fernanda P. Rosa Branco, e 0391.009474100, cujos titulares são OB, JB e AB. Assim, a conta n.º __.__, apresentava depositadas 20.832 unidades de participação do Fundo Imobiliário F, a que correspondia o valor de 164.143,66 Euros e a conta n.º __.__ apresentava um depósito de 1.139 unidades de participação do Fundo Imobiliário F, a que correspondia o valor de 8.996,62 Euros”.
22. Voltou a confirmar à autora AB a existência daquelas unidades de participação e do seu valor, à data do óbito de OB, conforme documento 15 que ora se junta e tem por integral e fielmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
23. Em 14 de Março de 2018 a ré CGD reiterou a existência, em 25/06/2010 do valor de € 164.433,23 na conta __/__/__, referindo que em 06/09/2016 o saldo era €00,00 (doc. 16)
24. JB e OB casaram em 24/01/1965 sem convenção antenupcial. (doc. 17)
25. No dia 30 de Junho de 2010 a autora AB informou a ré do óbito de OB, (doc. 19)
26. As unidades de participação F foram, na totalidade e depois do óbito de OB, transferidas para uma outra conta, também sedeada junto da ré CGD, com o número ____, que tinha sido aberta em 30 de Junho de 2010, na titularidade apenas de JB.
27. Posteriormente, e da conta aberta apenas na titularidade de JB para onde foram transferidas tais unidades, foram resgatadas 10.277 unidades de participação, em 20 de Fevereiro de 2013, a que correspondeu um crédito na conta de JB no valor de € 80.029,05.
28. Em 11 de Maio de 2015 foram resgatadas adicionais 6.775 unidades de participação a que correspondeu um valor de € 50.025,92 creditados na conta de JB.
29. Em 16 de Junho de 2015 foram resgatadas 3.780 unidades de participação a que correspondeu um valor de € 27.666,95 creditados na mesma conta.
30. Consta do Caderno 9 do Banco de Portugal, referente a “abertura e movimentação de contas de depósito”, nomeadamente no ponto 34 que “o falecimento de um titular de uma conta de depósito deve ser prontamente comunicado à instituição de crédito onde está sedeada a conta. Os herdeiros poderão ter acesso à referida conta desde que comprovem a sua qualidade junto da instituição de crédito, que indicará quais os documentos a ser apresentados para o efeito (por exemplo, certidões de óbito e de habilitação de herdeiros, etc.) [ver questões 59 e 60]”, e no ponto 59: “O que acontece se falecer o titular, ou um dos titulares da conta? Neste caso, os herdeiros terão acesso à conta, desde que, devidamente habilitados nos termos legais, comprovem a sua qualidade junto da respectiva instituição de crédito [ver questões 34 e 60]. As instituições de crédito que, por qualquer forma, obtenham conhecimento do falecimento de um titular de conta de depósito, estão obrigadas a não autorizar o levantamento de quaisquer depósitos, sem que os herdeiros demonstrem, pelos meios legalmente fixados, que se encontra pago o imposto de selo relativo à transmissão desses depósitos, ou, caso se verifique a isenção deste imposto, que se encontra cumprida a obrigação de declaração da transmissão junto do serviço de finanças competente (art.º 63º-A do Código de Imposto de selo)”, conforme doc. 22 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
31. Em 27.05.1986 foi aberta a conta à ordem nº 30786, constando como titulares da mesma JB (primeiro titular) e OB (segundo titular), conforme doc. 1 da contestação.
32. Da ficha de abertura de tal conta consta, no campo respeitante às “condições”: “Os recibos de levantamentos, cheques, ou requisições dos mesmos, precisam de conter a assinatura de: Conta solidária”.
33. A conta bancária de activos financeiros com o nº ____ foi aberta apenas pelo Sr. JB em ano anterior a 2005, e estava associada à conta (base) DO com o nº 30786.
34. Em 05.07.2010 foi ordenada pelo Sr. JB a transferência de 20.832 Unidades de Participação no montante de 164.545,71€ daquela sobredita conta ____0011 para a conta ____ titulada apenas pelo Sr. JB, conforme doc. 2 da contestação.
35. A conta bancária à ordem com o nº ____ tinha sido aberta por JB em 30.06.2010 (doc. 3).»
3.1.2 – (...) e não provado que:
«1. A autora AB é filha e herdeira legitimária de OB e JB. (doc. 1).»
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3.2 – Mérito do recurso:
3.2.1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
As autoras entendem que deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.
Além de não terem cumprido os ónus cumulativamente impostos pelo art. 640.º, os enunciados que pretendem ver aditados à matéria de facto provada:
- «Era obrigação da CGD não permitir a movimentação da conta identificada nos autos a partir de 30 de junho de 2010, antes que houvesse habilitação de herdeiros (que só foi outorgada em 12 de janeiro de 2011) ou autorização judicial no âmbito do processo de inventário.»
Trata-se, não de um facto jurídico, mas de um juízo meramente conclusivo.
- «O procedimento interno da ré CGD era o de bloquear todas as contas a partir do momento em que tinha conhecimento do óbito de um dos titulares.»
Trata-se de matéria nova, não alegada pelas autoras na petição inicial, não submetida à apreciação do tribunal a quo, e que, por conseguinte, não pode ser apreciada pela Relação.
- «O procedimento interno da ré CGD foi incumprido no caso dos autos.»
Trata-se, uma vez mais, não de um facto jurídico, mas de um juízo meramente conclusivo.
Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, por manifestamente desnecessários, se desatende a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.2.2 – Notas prévias:
Da forma como o tribunal a quo enunciou os temas da prova:
O tribunal a quo enunciou assim os temas da prova:
- «Das informações prestadas pela Ré à A.; sua finalidade»;
- «Da violação e guarda por parte da Ré.»
O segundo dos enunciados não configura, na realidade, qualquer tema de prova.
Conforme salienta Paulo Pimenta, «por isso é que o art. 410.º, sobre o objecto da instrução, diz que esta tem por objeto “os temas da prova enunciados”. Como é evidente, a prova recai sobre factos e não sobre temas. O que o art. 410.º pretende significar é que, na produção de prova, os factos a considerar serão todos os que tenham atinência com os temas da prova enunciados.»[4].
Afirma ainda o Autor que «quando mais adiante o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.
Estamos aqui perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo direto entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos[5], seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer formuladas.
Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos temas da prova, cumpre dizer que o modelo a empregar é fluído, não sendo suscetível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as relativas ao questionário e à base instrutória.
Agora, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas. Nessa conformidade, os temas da prova serão aqueles que os exactos termos da lide justifiquem. (...) pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo ou dos tipos legais accionados pelas alegações das partes, o que implica que o juiz e os mandatários atentem nisso. Para essa ponderação contribuirá também a circunstância de, nos termos do CPC de 2013, a enunciação dos temas da prova ocorrer em seguida à identificação do objecto do litígio, já que esta identificação logo demandará uma adequada consciencialização daquilo que está realmente em jogo em cada acção.»[6].
A este respeito, refere Lebre de Freitas que «(...) a decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais: o tribunal relata tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado, ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da prova.
Sobre esta distinção apenas a decisão de direito se preocupará. Consequentemente, se o tribunal de recurso, em apelação ou em revista, vier a fazer uma interpretação diferente da do tribunal da 1.ª instância, da norma, geral ou especial, de distribuição do ónus da prova, os factos que interessem a esta noa perspetiva constarão todos da decisão de facto, que por esse motivo deverá ser alterada ou completada[7].
A distinção entre matéria de facto e matéria de direito esbate-se no despacho do art. 596, que poderá enunciar temas da prova usando qualificações jurídicas que na anterior base instrutória eram inadmissíveis»[8].
Ou seja, os  temas da prova constituem, por isso, a vertente normativa ou jurídica dos factos principais integradores da causa de pedir ou das exceções (ou seja, factos essenciais, complementares e concretizadores - art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. b)) que subsistem controvertidos, factos esses sobre os quais incidirá a produção da prova, enquanto atividade desenvolvida em juízo com vista ao convencimento do julgador acerca da realidade de um determinado facto, e que passa utilização de meios de prova.
Os temas da prova, constituindo a dita vertente normativa ou jurídica dos factos principais, assumem normalmente um cariz vago, genérico, por vezes conclusivo e até jurídico, representando um instrumento delimitador do âmbito da atividade instrutória da causa, que terá por objeto mediato, como se frisou, não os temas da prova enunciados, mas os concretos factos jurídicos em que eles se traduzem e desdobram, e sobre os quais incidirá o juízo probatório, nos termos dos arts. 607.º, n.ºs 3 e 4[9].
Nisto se traduzem, no essencial, os temas da prova!
Parece, assim, evidente, que o enunciado «Da violação e guarda por parte da Ré», não constitui um tema da prova, nada delimitando quanto à atividade instrutória da causa.
Acresce que, não estando vedado ao juiz a enunciação, após contraditório, dos factos já assentes, sobre os quais não terá que incidir mais prova[10], é evidente que a enunciação desses factos já plenamente provados, nunca poderia ser apresentada como se de temas da prova se tratassem.
Os temas da prova são, como se disse, a vertente normativa ou jurídica dos factos principais integradores da causa de pedir ou das exceções (ou seja, factos essenciais, complementares e concretizadores - art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. b)) que subsistem controvertidos, e não, naturalmente, dos factos já plenamente provados, p. ex., por documentos dotados de força probatória plena, por acordo ou por confissão.
Essa matéria, a que já se encontra plenamente provada aquando da prolação do despacho a que alude o n.º 1 do art. 596.º, não pode, nem deve, desde logo por manifesta inutilidade, ser objeto dos temas de prova.
É por isso que, embora a lei o não diga expressamente, os factos que no momento da prolação daquele despacho já se encontrem assentes, devem ser como tal enunciados no despacho saneador, de modo a evitar que as partes, por cautela e receio, na audiência final, venham a produzir sobre eles prova testemunhal, sem qualquer resultado útil.
O que nunca podem é, reitera-se, ser enunciados como temas da prova.
No caso concreto, aquando da prolação do despacho saneador, já se encontravam plenamente provados por documentos, muitos dos factos que mais tarde, a sentença recorrida veio a integrar entre a factualidade considerada provada.
No entanto, o tribunal a quo não os considerou desde logo assentes no despacho saneador, limitando-se então, como já se viu, à enunciação em dois itens, ainda que incorretamente, dos temas da prova.
Da forma como na sentença recorrida estão enunciadas as questões a resolver:
A estrutura de uma sentença integra, nos termos definidos nos artigos 607.º, n.º 2 e 3, e 608.º do CPC, vários segmentos, o primeiro dos quais, o relatório, no qual devem ser:
- identificadas as partes e o objeto do litígio;
- enunciadas as questões a resolver.
Além da identificação das partes, na sentença recorrida o tribunal a quo limitou-se a enunciar assim as questões a solucionar:
«- Da violação dos deveres de informação e guarda por parte da CGD.»
Recorde-se que na audiência prévia o tribunal a quo:
- havia identificado assim o objeto do litígio:
«O direito das AA, aos valores peticionados decorrentes da violação de deveres por parte da ré»;
- e enunciado assim os temas da prova:
- «Das informações prestadas pela Ré à A.; sua finalidade»;
- «Da violação e guarda por parte da Ré.».
Ou seja, aquilo que o tribunal a quo enunciou na audiência prévia como tema da prova, identificou agora, na sentença recorrida, como «questões a solucionar».
O objeto do litígio fixado na fase intermédia do processo deve coincidir com as questões a decidir na sentença.
Conforme referem Rita Lobo Xavier/Inês Folheada/Gonçalo Andrade e Castro, «o despacho do art. 596.º supõe que o tribunal identifique as questões controvertidas tendo em conta também as impugnações do réu e as exceções que este deduziu.»[11].
Não é por acaso que o legislador manda identificar o objeto do litígio numa fase intermédia do processo (art. 596.º, n.º 1), e não apenas na sentença (art. 607.º, n.º 2).
Fá-lo, desde logo para que fique afastado o risco de a parte a quem os factos essenciais complementares e/ou concretizadores que devem integrar a causa de pedir da ação ou da reconvenção, ou a matéria de exceção perentória, aproveitam, por absurdo - e contra factum proprium -, não os inclua no contexto do litígio, afastando-os, assim, do âmbito de cognição do juiz em sede de sentença.
Presentemente, o objeto do litígio é fixado por despacho proferido em momento anterior ao início da instrução, rectius, à produção da prova constituenda (art. 596º, nº 1), sujeito a reclamações (art. 596º, nº 2), havendo possibilidade de recurso do despacho proferido sobre elas (art. 596º, nº 3), pelo que as parte sabem, sem que isso lhes cause surpresa, que a elas é imputado o pedido de consideração de todos os factos essenciais abrangidos pelo objeto do litígio, alegados ou não, assim se explicando, atualmente, a desnecessidade de uma nova manifestação de vontade das partes quanto ao aproveitamento dos factos essenciais complementares e/ou concretizadores, sendo o direito da parte interessada em influenciar um tal desenvolvimento processual assegurado através do respeito pelo princípio do contraditório[12].
Assim, o objeto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando a causa de pedir[13], não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença[14].
No caso concreto, tal como as autoras estruturaram a presente ação, o objeto do litígio consiste, resumidamente, no seguinte:
«O direito das autoras a serem indemnizadas pela ré, nos termos peticionados, em consequência de esta:
- após ter conhecimento do óbito de OB, ter permitido a transferência, por JB, viúvo daquela, de 20.832 unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário F, registadas na conta coletiva solidária com o número __/__/__, da titularidade de ambos, associada à conta à ordem com o número __/__/__; e,
- lhes ter prestado informações erradas.
3.2.2.1.1 – Da enunciação factológica:
Na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz deve usar uma metodologia que permita uma fácil apreensão da realidade que considera demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, deve determinar, sem margem para dúvidas o desfecho da ação.
É isso mesmo que inequivocamente resulta do disposto na 2.ª parte do n.º 4 do art. 607.º, ao estatuir que o juiz deve compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica a tal descrição linear, lógica e cronológica da realidade objeto do litígio, em lugar de uma sequência desornada de factos atomísticos, que, total ou parcialmente, se limita a transcrever pontos alegados nos articulados das partes.
Por outro lado, o teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respetivas fontes de conhecimento.
As referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
No caso concreto, a enunciação dos factos provados:
- não é apresentada de forma linear, lógica e cronológica;
- é feita, na sua grande maioria, com referência aos documentos que lhes servem de fonte
3.2.3 – Enquadramento jurídico:
No caso concreto, está em causa saber, essencialmente, se a ré, ao permitir que JB transferisse as unidades de participação da conta que foi solidariamente titulada por si e pela sua falecida esposa, após o decesso desta, atuou de forma ilícita culposa ou, pelo contrário, se agiu com a diligência e prudência devidas e exigíveis face aos padrões de atuação média de um profissional bancário[15].
Importa recordar que os instrumentos financeiros em causa, as 20.832 unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário F, estavam registadas na conta bancária coletiva solidária com o número __/__/__, titulada OB e JB (associada à conta à ordem com o número __/__/__).
A conta coletiva solidária caracteriza-se pela faculdade conferida a cada um dos seus titulares de exigir a prestação integral, ou seja, o reembolso pelo banco depositário de toda a quantia que lhe foi entregue[16].
Um tal regime vigora independentemente de quem seja, de facto ou de direito, o dono dos valores ou fundos nela depositados. A titularidade da conta não predetermina, a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até, porventura, a um terceiro, não havendo, assim, que confundir a titularidade da dita conta com a propriedade dos valores/importâncias nela depositadas[17].
No Ac. da R.L. de 23.02.2016, Proc. n.º 5558/15.7T8LSB.L1-7 (Alziro Cardoso), in www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:
«A sentença recorrida julgou a acção procedente, com base, essencialmente nos seguintes fundamentos:
“As contas bancárias são susceptíveis de diversas qualificações, das quais se podem destacar, fundamentalmente, aquelas cuja diferenciação assenta no número dos seus titulares e nas regras a que fica sujeita a movimentação do depósito que lhe está associado.
Como elucida o Professor ANTÓNIO PEDRO A. FERREIRA, “A relevância deste último aspecto sobressai a propósito da movimentação do depósito a débito, isto é, da determinação de quem pode reclamar a restituição do saldo da respectiva conta, ou dispor de parte do mesmo durante a vigência do contrato” (Obra citada, página 647).
Assim, quanto à titularidade, a conta pode ser individual ou colectiva, consoante se trate de apenas um ou de dois ou mais titulares.
Por sua vez, nesta última modalidade – colectiva - a conta bancária pode ser solidária, conjunta ou mista.
No primeiro caso, qualquer dos titulares pode movimentar sozinho a conta; o banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um dos titulares.
No segundo, a movimentação exige a intervenção de todos os titulares.
Na terceira, que não é mais do que uma derivação da segunda, desenvolvida pela prática bancária, a movimentação só pode ser efectuada por alguns titulares, embora não necessariamente todos, eventualmente com a intervenção obrigatória de um determinado titular (MENEZES CORDEIRO e PEDRO A. FERREIRA, obras citadas, respectivamente, página 461 e página 647).

Como já foi referido, a conta em causa nos autos tinha a modalidade de conta solidária.
E, com base nessa conta, foi aberta uma conta de depósitos a prazo.
O fulcro da discordância entre as partes assenta nos efeitos que resultam daquelas contas estarem sujeitas às condições das contas bancárias na modalidade de conta colectiva solidária, nomeadamente no que respeita à propriedade das quantias depositadas.

No que ao caso importa, num primeiro momento, interessa-nos apenas que nos detenhamos sobre as contas solidárias, importando distinguir os efeitos que dai derivam para a relação contratual entre o cliente e o banco, ou seja, no plano das relações externas, daqueles outros que respeitam às relações entre os titulares da conta, estes situados no plano das relações internas.
Como escreve MENEZES CORDEIRO (Obra citada, página 461, nota de rodapé (701), citando o Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 4 de Maio de 1997, CJ, XXII, página 189 a 192), a propósito das contas solidárias, “(...) a solidariedade, aqui presente, diz respeito, apenas, às relações entre o cliente e o banqueiro; no tocante à titularidade do saldo, que rege as relações entre os titulares da conta, há que indagar, sendo ilidível a presunção de igualdade do artigo 516.º do Código Civil”.
Dito de outro modo, nas relações externas entre os seus titulares e o banco, a natureza solidária da conta releva apenas quanto à legitimidade da sua movimentação e débito. O que significa, como acima ficou dito, que qualquer dos titulares pode movimentar sozinho a conta, no limite, exonerando-se o banqueiro com a entrega da totalidade do depósito a um dos titulares.
Mas essas regras de movimentação, fixadas relativamente a determinada conta, nada têm a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas. Esta é uma questão que apenas respeita às relações internas estabelecidas entre os titulares da conta.
Como é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Outubro de 2004 (disponível em www.dgsi.pt), “São perfeitamente distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários - que se traduz num poder de mobilização do saldo - e o direito real que recai sobre o dinheiro, direito que pode pertencer, apenas, a algum ou alguns dos titulares da conta ou, até, a terceiro”.
Quando é aberta uma conta conjunta solidária, para a entidade bancária é indiferente a participação que cada um dos titulares tenha na abertura da conta, bem como nos depósitos que eventualmente venham a ser feitos no futuro. A obrigação contratual do banco é apenas a de permitir que a conta seja movimentada nos termos da modalidade acordada quando a conta foi aberta, ou seja, neste caso, facultando a qualquer um dos titulares e em qualquer altura a possibilidade de fazer levantamentos ou outras movimentações, desde que o montante dessas operações não exceda o do valor depositado.
Consequentemente, vale isto por dizer, que qualquer litígio que surja entre os titulares de determinada conta relativamente à propriedade dos valores aí depositados, ou entre os titulares e os herdeiros de um dos falecidos titulares, é uma questão que apenas respeita às relações internas entre estes, situando-se para além da relação contratual estabelecida entre aqueles e o banco, quando procederam à abertura da conta.
Ao banco apenas interessa saber qual a modalidade da conta.
(...) qualquer litígio que surja entre os titulares de determinada conta relativamente à propriedade dos valores aí depositados, ou entre os titulares e os herdeiros  e um dos falecidos titulares, é uma questão que apenas respeita às relações internas entre estes, situando-se para além da relação contratual estabelecida entre aqueles e o banco, quando procederam à abertura da conta.
(...)
Estando em causa, uma conta em que foi escolhido o regime de solidariedade para a sua movimentação, a propriedade das quantias depositadas é uma questão que apenas respeitava àqueles, situando-se no âmbito das relações internas entre eles, pelo que, à Ré, no caso, apenas, interessava saber a modalidade da conta que tinham contratado e, não poderia ter agido do modo que agiu, já que qualquer um dos titulares podia levantar a totalidade do saldo.
Os titulares de conta bancária solidária têm o direito de crédito de poder exigir do Banco a restituição integral do depósito, nem sempre coincidindo tal direito, com o direito real de propriedade, ou compropriedade sobre o dinheiro depositado (Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 5 de Novembro de 1998, CJSTJ, Tomo III, página 95).
Como se referiu no Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (de 10 de Maio de 2004, www.dgsi.pt):
“I-A faculdade de qualquer dos contitulares de depósito bancário, sem a autorização dos demais, poder levantar a totalidade da quantia depositada exprime um regime de solidariedade activa.
II-O que, sociologicamente, está na base da opção por este tipo de contas solidárias é, normalmente, a relação de confiança que existe entre os seus titulares, que de modo tácito se consentem, reciprocamente, a faculdade ou o direito de procederem a levantamentos por sua exclusiva vontade, não carecendo do consentimento dos demais.
III-Os titulares de conta bancária solidária têm o direito de crédito de poder exigir do Banco a restituição integral do depósito (...)”.»
No caso concreto, esse direito era pertença de OB e de seu marido, JB, os dois únicos titulares da conta bancária solidária com o número __/__/__, onde estavam registadas as 20.832 unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário F.
Após a morte de OB, esse direito passou a ser pertença, em exclusivo, do outro titular da conta, o seu sobrevivo marido, o referido JB.
Não está, pois, em causa, a propriedade das unidades de participação, mas apenas e só saber, se JB, viúvo de OB, cabeça de casal da herança aberta em consequência do óbito desta, contitular sobrevivo da conta solidária onde aqueles instrumentos financeiros se encontravam registados, as podia resgatar.
E resposta não pode deixar de ser positiva!
Tal como se afirma no citado Ac. da R.L. de 23.02.2016, «além de tal resultar do regime de movimentação das contas colectivas solidárias, sempre o poderia fazer na qualidade e no âmbito dos poderes de administração da herança, conferidos pelo artigo 2079.º do Código Civil. A questão de saber se a totalidade ou parte do dinheiro depositado[18] era propriedade da falecida contitular, não é objecto da presente acção.»
Em suma, e conforme decidido nesse acórdão, «em caso de falecimento de um dos contitulares de uma conta bancária solidária, a cabeça–de–casal da herança do falecido e também contitular da conta pode proceder ao levantamento da totalidade da quantia depositada.»
No caso ora sujeito à apreciação deste coletivo, concordando-se e seguindo-se este entendimento, conclui-se que a JB era permitido resgatar as unidades de participação nos termos em que o fez, sem que fosse lícito à ré opor-se a tal, não obstante lhe ter sido participado o óbito da outra titular da conta bancária solidária onde os instrumentos financeiros se encontravam registados.
Dizem as autoras que a ré, ao permitir o resgate das unidades de participação, nos termos que ficaram descritos, violou o disposto no art. 63.º-A, n.º 1 do Código do Imposto de Selo.
No entanto, dispõe o art. 1.º, n.º 5, al. b), do mesmo código, que «não são sujeitas a imposto do selo as seguintes transmissões gratuitas:
(...)
b) De valores aplicados em fundos de poupança-reforma, fundos de poupança-educação, fundos de poupança-reforma-educação, fundos de poupança-ações, fundos de pensões, fundos de investimento mobiliário e imobiliário ou sociedades de investimento mobiliário e imobiliário».
Seja como for, ainda que a ré, ao permitir o resgate das unidades de participação por parte de JB, tivesse violado algum preceito fiscal, isso não representava, relativamente às autoras, a prática de um facto ilícito com repercussão nas suas esferas jurídicas: é que isso não se traduziria na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses delas.
Não está demonstrado, e nem sequer vem alegado, qualquer facto concreto suscetível de, uma vez provado, permitir concluir no sentido da existência de nexo causal entre qualquer informação incorretamente fornecida pela ré e os danos invocados pelas autoras.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a sentença recorrida.
Custas da apelação pelas autoras.

Lisboa, 14 de julho de 2022
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
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[1] Doravante identificada como 1.ª autora.
[2] Doravante identificada como 2.ª autora.
[3] Nessa sentença, a senhora juíza a quo identificou assim as questões a solucionar: «Da violação dos deveres de informação e guarda por parte da CGD.».
[4] Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 281, nota 646.
[5] «Por isso é que o n.º 1 do art. 516.º, acerca do regime do depoimento testemunhal, refere que “a testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova”.»
[6] Processo Civil Declarativo cit., pp. 281-283 e nota 647.
[7] «Ao invés, num sistema de quesitos formulados na perspetiva do ónus da prova, a que haverá que responder “provado” ou “não provado”, uma nova perspetiva do tribunal de recurso pode implicar a baixa do processo à 1.ª instância para obter prova do facto, de efeito contrário ao não provado, que a Relação entenda dever ser apurado, uma vez que não é lícito retirar ilações probatórias das respostas negativas aos factos quesitados.»
[8] A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 197-198 e nota 51.
[9] Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 482.
[10] Cfr. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 198, nota 52.
[11] Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral, Princípios, Pressupostos, Universidade Católica Editora - Porto, 2014, p. 105. O destacado a negrito é da nossa autoria.
[12] Cfr. Ramos de Faria / Ana Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44.
[13] Neste sentido se inclinam conceituados processualistas brasileiros como Santos Bedaque: «a causa de pedir revela o nexo existente entre direito material e processo, sendo que o próprio objeto mediato da ação (bem da vida pretendido) é identificado em função da causa de pedir, ou seja, a partir dos fatos e do fundamento jurídico da demanda, chega-se ao pedido.» - cfr. Santos Bedaque, Os Elementos Objetivos da Demanda Examinados a Luz do Contraditório. Causa de Pedir e Pedido no Processo Civil (questões Polêmicas), 2002, p. 29); Tucci: «o objeto litigioso é o pedido identificado com a causa de pedir.» (cfr. José Rogério Cruz e Tucci, A Causa Petendi no Processo Civil, 2ª Ed., 2001, p. 159); Eduardo Talamini, cujas significativas palavras merecem particular atenção: «a causa de pedir está para a pretensão assim como a vida de uma pessoa está para essa pessoa. Não se pode dizer que a vida de alguém seja alguém. Um aspeto é o ser, sua essência, seu espírito; o outro, sua experiência. No entanto, não há como tentar compreender o que alguém é ou foi senão compreendendo a sua vida, o que fez, disse, passou, deixou de fazer … qualquer tentativa de compreensão que prescinda disso, será, quando muito, um simples retrato, um resumo de dados burocráticos (nome, endereço, documentos de identificação, telefone (…) ou coisa que o valha. Do mesmo modo a tentativa de compreensão e identificação da pretensão processual sem a consideração da causa de pedir incidiria no mesmo defeito.» (cfr. Eduardo Talamini, Coisa Julgada e sua Revisão, 2005, p. 80.), todos apud Souza e Silva, Executividade da Sentença de “Improcedência” Proferida no Processo Civil, 2013, pp. 27-28, obra onde se referem algumas das teses em confronto acerca do conceito de objeto do processo. Em Espanha, por exemplo, afirma Montero Aroca que os elementos objetivos da pretensão são o que se pede (ou petitum) e a causa de pedir (ou causa petendi), impondo o princípio dispositivo que o juiz seja congruente com o que é pedido pelas partes, não podendo ter em conta mais que os factos aduzidos como causa de pedir dessa pretensão. A individualização da pretensão, ou seja, a sua distinção de todas as demais possíveis, consta, além de um elemento subjetivo, de um elemento objetivo: o que se pede e a causa de pedir. A petição determina o objeto do processo civil porque, tratando-se de direitos subjetivos privados, o demandante tem completa liberdade para fixar o que pede. Mas esse objeto também o determina a razão pela qual se pede (cfr. Montero Aroca, La Prueba en el Proceso Civil, 7ª Edição, Pamplona, Thomson Reuters, Civitas, 2012, p. 31). Em Itália, onde a maioria da doutrina identifica objeto do processo com pretensão e considera esta como sinónimo de pedido, já Chiovenda advertia que a identidade objetiva do processo se traduz na identificação do bem da vida que é objeto de discussão, bem controvertido esse que se individualiza através do “petitum” (o que se pede) e da causa de pedir (“com qué titulo o fundamento se pide”) - cfr. Giuseppe Chiovenda, Instituciones de Derecho Procesal Civiil, Vol. I, 1954, p. 420.
[14] Cfr. Teixeira de Sousa, Sobre a Teoria do Processo Declarativo, Coimbra Editora, 1980, pp. 160-161.
[15] Sobre os deveres que recaem sobre o banqueiro, cfr. Armindo Saraiva Matias, Direito Bancário, Coimbra Editora, 1998, pp. 84 e 92.
[16] Neste sentido, cfr. António Menezes Cordeiro, Depósito Bancário e Compensação, C.J, Acs. do S.T.J., X, 1, 5-10, Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, 1998, pp. 131, 132 e 237, Carlos Lacerda Barata e Fernando Conceição Nunes, Direito Bancário, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, II, p. 22, e Armindo Saraiva Matias, Direito Bancário cit., p. 101, e, entre outros, os Acs. do STJ de 26/10/2004 (Proc. n.º 04A3101), de 06/10/2005 (Proc. n.º 04B2753), de 15/03/2012 (Proc. n.º 492/07.TBTNV.C2.S1), de 04/06/2013 (Proc. n.º 226/11.1TVLSB.L1.S1), e de 24/03/2017 (Proc. n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt, doutrina e jurisprudência esta citada no Ac. do S.T.J. de 15.11.2017, Proc. n.º 79/14.9TBSSB.E1.S1 (António Piçarra), in www.dgsi.pt.
[17] Cfr. o citado Ac. do S.T.J. de 15.11.2017 e a doutrina nela citada quanto a esta questão.
[18] No caso “sub judice”, das unidades de participação.