Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
822/14.5IDLSB-A.L1-9
Relator: ORLANDO NASCIMENTO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: PRAZO DO RECURSO
REGISTO DA PROVA
JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE
Decisão: DEFERIDA
Sumário: 1. Apresentado o pedido de entrega de cópia da gravação de prova o Tribunal dispõe do “prazo máximo de 48 horas” para o satisfazer, como dispõe o art.º 101.º, n.º 4, do C. P. Penal.
2. A entrega de cópia da prova gravada neste curto espaço de tempo, não interfere com o prazo de recurso, não o dilatando, não o suspendendo, nem permitindo a prática do ato depois de o mesmo terminado.
3. Se tal “prazo máximo” não for respeitado, o decurso do tempo entre o pedido de entrega de cópia da prova gravada e o recebimento poderá ter efeito sobre o prazo de recurso, permitindo a entrega deste fora de prazo, desde que se prove justo impedimento, como dispõe o art.º 107.º, n.º 2, do C. P. Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

1-Relatório:


Elisa ..., arguida nos autos, reclama nos termos do disposto no art.º 405.º, do C. P. Penal, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 2/5/2016, o qual não admitiu, por extemporâneo, o recurso por ela interposto da sentença proferida e depositada a 4/2/2016, pedindo que o recurso seja mandado admitir com fundamento, em síntese, em que o prazo de recurso se iniciou no dia seguinte ao depósito da sentença, suspendendo-se entre o dia em que pediu cópia da gravação (15/2/2016) e o dia em que lhe foi entregue (22/2/2016), pelo que o prazo de recurso terminou a 14/3/2016, devendo a secretaria dar cumprimento ao disposto no art.º 139.º, n.º 6, do C. P. Civil, pelo fato de o recurso ter sido entregue a 15/3/2016 sem o pagamento da multa correspondente ao 1.º dia útil após o decurso do prazo de 30 dias.

O despacho reclamado, a fls. 65, não recebeu o recurso, por extemporâneo, uma vez que o respetivo prazo se iniciou a 5/2/206 e terminou a 7/3/2016 e o recurso deu entrada por fax a 15/3/2016.

Conhecendo.

Como é pacífico nos autos, a sentença foi depositada a 4/2/2016 e o recurso, cujo prazo terminava a 7/3/2016, deu entrada, por fax, a 15/3/2016.

Atenta tal factualidade processual, o cerne da presente reclamação consiste em saber se o prazo de recurso se suspendeu entre os dias 15/2/2016 e 22/2/2016, datas de pedido e de recebimento de cópia da prova gravada, como pretende a reclamante.

Como destes autos consta, a arguida apresentou nos correios, às 18:14:21 horas, de 15/2/2016, um pedido de entrega de cópia da prova gravada, o qual foi recebido no tribunal a 16/2/2016.

No dia 17/2/2016 o tribunal enviou à reclamante, pela mesma via, a requerida cópia de gravação, a qual foi por ela recebida.

Sendo indubitável que a reclamante dispunha do prazo de 30 dias para recorrer, a contar do depósito da sentença, como resulta do disposto no art.º 411.º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal, a vexata questio desta reclamação consiste em saber se esse prazo deve ser suspenso entre o pedido e recebimento de cópia da prova gravada.

A nossa lei processual penal não contém norma expressa sobre essa questão, o mesmo acontecendo com a lei processual civil, pelo que, em cumprimento do disposto no art.º 4.º, do C. P. Penal, a mesma deverá ser decidida com recurso aos princípios gerais do processo penal.

O princípio geral de processo penal que, nesta situação concreta, se nos afigura dever aplicar-se, que também o é do processo civil, é o estabelecido pelo art.º 107.º, n.º 2, do C. P. Penal, que permite a prática do ato fora do prazo estabelecido por lei desde que se prove justo impedimento.

O justo impedimento é definido pelo art.º 140.º, n.º 1, do C. P. Civil, como “...o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato

Em aplicação deste instituto processual, o decurso do tempo entre o pedido de entrega de cópia da prova gravada e o recebimento só poderá ter efeito sobre o prazo de recurso, permitindo a entrega deste fora de prazo, como dispõe o art.º 107.º, n.º 2, do C. P. Penal, ou suspendendo esse mesmo prazo, como pretende a reclamante, se esse lapso de tempo não for imputável à própria recorrente.

Tratando-se de recurso da sentença, como resulta da norma que impõe o seu depósito e o início da contagem do prazo a partir dele, a recorrente pode pedir a entrega de cópia da gravação de prova a partir desse mesmo depósito, ou seja, desde o primeiro dia do prazo de recurso.

Apresentado esse pedido, como impõe o art.º 101.º, n.º 4, do C. P. Penal, o Tribunal dispõe do “prazo máximo de 48 horas” para o satisfazer.

No silêncio da nossa lei processual penal, a entrega de cópia da prova gravada neste curto espaço de tempo, não interfere com o prazo de recurso, não o dilatando, não o suspendendo, nem permitindo a prática do ato depois de o mesmo terminado.

Com o estabelecimento deste “prazo máximo” de entrega o legislador presume, juris et de jure, que não existe prejuízo para o sujeito processual na prática do ato, cujo prazo assim se mantém inalterado.

Diversamente acontecerá se tal “prazo máximo” não for respeitado, caso em que deverá aquilatar-se, em concreto, (1) a quem é imputável tal desrespeito e (2) a repercussão dessa falta sobre o prazo do ato conexo, no caso, o recurso da sentença.

No caso sub judice o tribunal reclamado cumpriu o disposto no art.º 101.º, n.º 4, do C. P. Penal, uma vez que recebeu o pedido da reclamante a 16/2/2016 e o satisfez a 17/2/2016, utilizando a via que a reclamante elegeu para o efeito, a saber, o envio pelos correios.

Alega a reclamante que recebeu a cópia da gravação a 22/3/2016, o que se nos afigura verosímil, apesar de não demonstrado nos autos, mas essa é uma decorrência da sua própria vontade e dinâmica processual.

A reclamante podia ter apresentado o seu pedido, presencialmente, no tribunal, no dia 5/2/2016 ou em qualquer outro dia útil e optou por fazê-lo pelo correio, fora das horas de expediente (às 18:14:21 horas de 15/2/2016), pedindo o envio de cópia prova gravada também pelo correio.

Nestas circunstâncias, o lapso de tempo entre o pedido e a entrega, não só se não configura como “...o evento não imputável...que obste à prática atempada do ato”, pressuposto do justo impedimento estabelecido pelo art.º 140.º, n.º 1, do C. P. Civil, como é, precisamente, o ato de sinal contrário, ou seja, o evento que lhe é imputável, a si reclamante e à sua escolha de meios.

Não integrando a situação dos autos a figura do justo impedimento e completando-se o prazo de recurso a 7/3/2016, não poderá admitir-se a prática do ato, interposição do recurso, a 15/3/2016.

Nestas condições processuais, o recurso não podia deixar de ser rejeitado e a reclamação não pode deixar de improceder, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 405.º, n.º 4, do C. P. Penal, o que agora se declara.
Custas do incidente pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em ½ UC.
Notifique.



Lisboa, 7 de julho de 2016.



(Orlando Nascimento – Vice-presidente)