Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
712/00.9JFLSB-T.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº Tendo a decisão condenatória transitado em julgado quando estava por decidir a questão da prescrição, suscitada antes desse trânsito e que o Supremo Tribunal de Justiça ordenou fosse apreciada em 1ª instância, aquele trânsito em julgado tem natureza provisória e resolúvel, assim garantido efeito útil à decisão que vier a ser proferida sobre a prescrição;
IIº Tendo o arguido sido condenado por quatro crimes na pena única de dois anos de prisão, por acórdão transitado em julgado nos referidos termos e encontrando-se pendente a apreciação da prescrição invocada em relação a dois desses crimes, deve aquele acórdão condenatório considerar-se inexequível, em relação à pena de prisão, até que transite a decisão relativa à prescrição.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº712/00.9JFLSB, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, em que é arguido A..., na sequência de promoção do Ministério Público (fls.13436) no sentido de serem emitidos mandados de detenção do arguido para cumprimento da pena de prisão decretada, a Mma. Juiz, em 30Jan.12, na parte que aqui interessa, decidiu:

“…..
Vem o Digno Magistrado do M.P. na promoção de fls. 13436, promover a emissão de mandados de detenção do arguido para cumprimento da pena de prisão decretada.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2011 na sua fundamentação verte posições distintas daquelas que a Signatária supra explanou e tem vindo a assumir. Senão, a título de exemplo, vejamos:
É referido naquele acórdão que “Contudo afigura-se-nos que mesmo que ao referido recurso enviado para o Tribunal Constitucional tivesse sido atribuído efeito meramente devolutivo a decisão condenatória não passaria a definitiva sem que o recurso pendente no Tribunal Constitucional fosse julgado ou sem que fosse conhecida a prescrição invocada antes do esgotamentos dos recurso ordinários (ou de constitucionalidade) e das reclamações sobre a decisão condenatória.
(…) Na verdade em 29.SET.2011, se bem vemos, a única decisão condenatória penal existente, é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 13JUL2010, exactamente o que alterou a condenação do arguido de 7 (sete) anos para 2 (dois) anos de prisão efectiva. Ora essa decisão não transitará enquanto estiverem pendentes recursos ordinários, instaurados na pendência do processo, que possam contender com a subsistência dessa decisão condenatória.
(…) A propósito da suscitação da prescrição do procedimento criminal tendo o seu conhecimento sido suscitado durante a pendência do processo (isto é, antes do transito e, portanto, da possível entrada em cumprimento de pena), salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que não podia o Tribunal a quo recusar o seu conhecimento, mesmo que isso não tivesse sido expressamente determinado (como foi) pelo Supremo Tribunal de Justiça. Na verdade, se bem vemos, a simples e atempada invocação da prescrição sempre obstaria à exequibilidade da decisão condenatória.
No Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.12.2011 menciona-se que “a decisão condenatória não transitará em julgado enquanto estiverem pendentes recursos ordinários, instaurados na pendência do processo, que possam contender com a subsistência dessa decisão condenatória”, e bem ainda que “a simples e atempada invocação da prescrição sempre obstaria à exequibilidade da decisão condenatória”.
Conforme se afere da transcrição supra, em tal Acórdão são avançados dois conceitos distintos relacionados com a pendência da questão da prescrição do procedimento criminal: inexistência de trânsito em julgado da decisão condenatória e inexequibilidade da decisão condenatória. Consideramos que ambos os conceitos são usados aí com o mesmo desiderato: não entrada em cumprimento da pena, enquanto a decisão da prescrição do procedimento criminal dos crimes não estiver definitivamente decidida.
O interesse constitucional subjacente ao caso julgado tem de conjugar-se com princípios e valores constitucionais de natureza diversa, mormente, por um lado, o direito à liberdade do arguido e, por outro, à pretensão punitiva do Estado, e atender às várias soluções plausíveis de direito.
Pese embora não partilhemos os entendimentos vertidos na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2011 e tendo como certo que o Tribunal da Relação de Lisboa em 08.11.2011, ao conhecer do incidente de recusa da Signatária, plasmou posição distinta daquela que o Tribunal da Relação de Lisboa agora assumiu na fundamentação do seu Acórdão de 14.12.2011, o certo é também que aquele Tribunal Superior, no Acórdão proferido em 14.12.2011, fez saber à Signatária que preconiza posições diferentes daquela que a mesma Signatária, tem defendido ao longo dos autos.
Face à posição tida por plausível pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2011, último acórdão proferido por Tribunal Superior nestes autos e sopesando ainda a “ultima ratio” em que deve consistir a privação da liberdade, decide-se, por ora, não ordenar a emissão de mandados de detenção do arguido para o cumprimento de pena.
Notifique. …”.
2. O Ministério Público, interpôs recurso deste despacho, concluindo:
1-) São basicamente dois os argumentos contidos no despacho recorrido, para não deferir por ora os mandados de detenção promovidos para execução da pena de prisão: a-) A posição tida por plausível na fundamentação do Acórdão da Relação de 14-12-2011 (com a qual não concorda) b-) A “ultima ratio” em que deve consistir a privação da liberdade.
2-) Nenhum destes argumentos tem, salvo o devido respeito, o menor cabimento.
3-) Na verdade, seguir uma fundamentação, não vinculativa e com a qual não se concorda, de um Acórdão de um Tribunal Superior (em tudo contrária à de outro Tribunal Superior que se tinha pronunciado anteriormente sobre o mesmo tema, como refere a Mma. Juíza) representa um grave atropelo e alienação de princípios básicos de independência do poder judicial plasmados, para além do mais, nos artigos 203º da Constituição da República e 3º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
4-) A invocação da “ultima ratio” em que deve consistir a privação da liberdade para inviabilizar, por ora, a emissão de mandados de detenção para o cumprimento de pena só pode constituir um mero lapso ou um erro pouco aceitável.
5-) Na verdade, a ultima ratio em que deve consistir a privação da liberdade já foi apreciada por quem tinha que o fazer, nomeadamente, o Tribunal de Círculo de Oeiras e o Tribunal da Relação de Lisboa que condenaram o arguido em pena efectiva de prisão, não competindo à Mma. Juíza recorrida aferir da pertinência da aplicação da prisão efectiva: competia-lhe, tão só, ordenar a execução do que está decidido.
6-) E o despacho recorrido ao mesmo tempo que segue, sem concordar, a fundamentação de um Acórdão a que não devia obediência, não cumpre outros a que devia estrita obediência, ou seja, ao Acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Lisboa de dois anos de prisão, que refere expressamente transitado em julgado e ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com aquele interligado, no que respeita ao pedido cível.
7-) No caso em apreço, com o aludido trânsito em julgado, a controvérsia sobre a condenação acabou e o acto jurisdicional tornou-se irrevogável, impondo-se a todos (art.º 205 CRP) e aos demais tribunais.
8-) Sufragar, directa ou indirectamente, a pretensão do arguido de, após percorrer todas as instâncias de recurso (Tribunal da Relação, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional), recomeçar de baixo e percorrer novamente todas as instâncias (sem a execução do julgado) é um verdadeiro e desprestigiante case study mundial que urge atalhar pois só um sistema que contivesse em si próprio germes de doença fatal poderia engendrar decisões contraditórias com decisões transitadas da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça.
9-) Considerando a Mma. Juíza a decisão condenatória definitivamente estabilizada a 31-10-2011 (preferimos sempre nos autos, como é sabido, a expressão transitada em julgado de forma incontroversa) torna-se bem claro que deveria ter sido logo deferida a primeira das promoções do Ministério Público de 09-11-2011, como se historiou.
10-) A posição do despacho recorrido representa uma assumida, reiterada, incompreensível e inaceitável violação de execução de decisões condenatórias penal e cível que assume transitadas em julgado e uma gravíssima violação de regras básicas de funcionamento do sistema judicial e de princípio basilares de confiança no estado de direito que carecem de reposição rápida e integral.
Em suma:
11-) As decisões condenatórias, penal e cível, respectivamente, da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça são imutáveis, não podem ser afrontadas por quaisquer outras decisões, e já deviam estar em execução, pelo menos, desde 9 de Novembro de 2011.
12-) O despacho recorrido convoca um argumentário sem qualquer fundamento para violar um dos princípios estruturantes do Estado de Direito: o caso julgado como acto de autoridade soberana e fundamento constitucional.
13-) Violou, com a sua actuação, o art. 3º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o art.º 677 do Código de Processo Civil (CPC) e o 467 n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) devendo a decisão recorrida ser revogada e satisfeita a pretensão apresentada, ordenando-se a detenção do arguido para o cumprimento da pena aplicada e a execução do julgado.

3. O arguido respondeu, concluindo pelo não provimento do recurso.
4. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e sem efeito suspensivo.
5. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta teve vista.
6. Após os vistos legais, realizou-se a conferência.
7. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se a pena de dois anos de prisão, a que o arguido A... foi condenado nestes autos, pode ser executada de imediato.
*     *     *
IIº 1. Antes de mais, importa fazer um resumo das vicissitudes deste processo, de modo a que se compreenda o contexto em que foi proferido o despacho recorrido:
-Condenado nestes autos, como autor de quatro crimes, na pena conjunta de 7 anos de prisão, o arguido A..., interpôs recurso desta condenação, mas antes disso já tinha interposto um outro recurso contra a decisão judicial (de 09/01/2009, a fls. 8913 a 8915) que lhe indeferira pedido de intervenção do Tribunal do Júri;
-Apreciando esses recursos, este Tribunal da Relação, por acórdão de 13Julho10, além do mais, decidiu:
“…
I – Anular o acórdão recorrido quanto à condenação do arguido A…, pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito (por reporte aos factos relativos a J… A…), também no que se refere à pena acessória de perda do mandato, determinando-se a reabertura do audiência de julgamento para, no que se refere ao processo por este crime, ser dado cumprimento do disposto no art.359, nº.s 2 e 3 do CPP [por força da alteração dos factos decorrente da falta de prova da ligação entre os ocorridos em 1992 e 1996, ou seja, por se terem dados como não provados os factos sob a) a g) da matéria relativa a J… A…].
II - Para o efeito (reabertura da audiência de julgamento do crime de corrupção), ao abrigo do art. 426/3 do CPP, ordenar a separação de processos. Esta separação será concretizada materialmente se e quando este acórdão transitar em julgado e na medida do que então se revelar necessário.
III – Revogar a condenação do arguido pelo crime de abuso de poder, absolvendo-o do mesmo (por não terem ficado provados factos suficientes para a condenação), e suprimir alguns dos factos, nos termos concretizados acima;
IV – Alterar a condenação do arguido relativamente aos factos relativos à fraude fiscal, no sentido de o condenar, agora, por três crimes de fraude fiscal (um do art. 23 do RJIFNA e dois do art. 103/1 do RGIT), na pena de 4 meses de prisão por cada um.
V – Alterar a condenação do arguido, pela prática de um crime de branqueamento de capitais [art. 2/1, als. a) e b) do Dec. Lei 325/95, de 2/12, na redacção introduzida pela Lei 10/2002 de 11/02, tendo em conta o nº. 2 do art. 2 desse Dec. Lei, bem como a moldura penal do crime de fraude fiscal], baixando-a para 1 ano e 5 meses de prisão.
VI – Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas, nos termos do art. 77 do CP, condena-se o arguido na pena única de 2 anos de prisão.
…”.
-O arguido A... não se conformou com este acórdão, dele tendo recorrido para o S.T.J. em 12JAN2011;
-Esse recurso foi admitido, com efeito suspensivo, a subir de imediato e nos próprios autos.
-O STJ admitiu o recurso apresentado pelo arguido relativamente ao Acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Lisboa e fixou-lhe efeito suspensivo.

-O STJ por Acórdão de 27ABR2011 decidiu não conhecer do recurso interposto pelo arguido A..., na parte criminal, rejeitando-o por inadmissibilidade legal, bem como rejeitou o recurso interposto pelo mesmo arguido na parte cível, por manifestamente improcedente e deu, ainda, parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
-Em 13MAI2011, o aludido arguido invocou a nulidade do Acórdão proferido pelo STJ por omissão de pronúncia.
-Em 17MAI2011, o arguido A... requereu ao STJ a apreciação, conhecimento e decisão sobre a prescrição do procedimento criminal relativo aos crimes de fraude fiscal de 2001 e 2002, requerendo que dessa decisão fossem retiradas as necessárias consequências.
-O arguido A... em 20MAI2011 interpôs recurso do Acórdão do STJ de 27ABR2011 (decisão que rejeitou conhecer do recurso da parte penal interposto para aquele Supremo por inadmissibilidade legal do mesmo) para o Tribunal Constitucional.
-Por Acórdão do STJ de 15JUN2011, foram indeferidos os requerimentos do arguido A..., por falta de fundamento legal.
-Por despacho proferido pelo Senhor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça datado do mesmo dia foi determinado o envio dos autos principais para o Tribunal Constitucional com vista a apreciação do recurso interposto pelo arguido A... do Acórdão desse mesmo Supremo Tribunal.
-O arguido A..., em 16JUN2011, veio alegar factos que considerou relevantes para a apreciação da medida da pena ou para a sua suspensão (pagamento de impostos reportados aos anos de 2001, 2002 e 2003, juros de mora e acréscimos legais) e requerer a reabertura da audiência de julgamento e remessa dos autos para a 1.ª instância para o efeito.
-Por Acórdão de 22JUN2011 tal requerimento foi classificado como manifestamente infundado e considerado como meio dilatório susceptível de obstar à remessa do processo para o Tribunal Constitucional, o que levou a que fosse julgado improcedente, bem como a que se tivesse ordenado nos termos do art.720, nº3 do Código de Processo Civil, ex vi do art. 4.º do Código de Processo Penal, a extracção de traslado a prosseguir no Supremo Tribunal de Justiça, se fosse caso disso, prosseguindo os autos principais para o Tribunal Constitucional.
-Em 27JUN2011, o arguido A... arguiu a irregularidade e correcção do Acórdão do STJ, de 15JUN2011, por não conhecer da prescrição do procedimento criminal.
-Em 05JUL2011, o arguido A... arguiu, também, a nulidade do acórdão do STJ, de 15JUN2011, por omissão de pronúncia quanto à prescrição do procedimento criminal e remessa dos autos para o Tribunal de 1ª Instância.
-O arguido, em 07JUL2011, arguiu a irregularidade e correcção do acórdão do STJ de 22JUN2011.
-Por acórdão do STJ, proferido em 13JUL2011, foi decidido que inexistia qualquer omissão de pronúncia, nem nulidade ou qualquer irregularidade relativamente aos acórdãos do Supremo, tendo sido, por isso, indeferidos os preditos requerimentos do arguido por manifestamente infundados no que vinha impetrado quanto aos acórdãos proferidos pelo Supremo sobre o conhecimento de questões postas, ao mesmo tempo que se determinou que a questão suscitada pelo arguido – prescrição do procedimento criminal – deveria ser decidida pelo Tribunal de 1ª Instância, enquanto a decisão condenatória não transitasse em julgado, tendo sido remetido o traslado (Processo 712/00.9JFLSB-N) para tal efeito.

-O Tribunal Constitucional proferiu decisão sumária, com trânsito em julgado de 19SET2011 e, por força disso, o Supremo Tribunal de Justiça, em 22SET2011, ordenou a remessa, a título definitivo, dos autos principais à 1.ª Instância.
-O arguido A... interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho, proferido pelo Tribunal de 1.ª instância, que indeferiu a intervenção do Tribunal do Júri.
-O Tribunal da Relação de Lisboa, no já referido Acórdão de 13JUL2010, num segmento decisório prévio, relativo à competência do Tribunal Colectivo, decidiu julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido;
-O arguido inconformado com esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, em 13SET2010, a fls. 12350/12351, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
-Por despacho de 21SET2010 (cf. fls. 12367), reportando-se ao recurso interposto pelo arguido para o Tribunal Constitucional (sobre o indeferimento da intervenção do Tribunal do Júri), o Senhor Desembargador Relator do Tribunal da Relação, decidiu que oportunamente apreciaria a sua admissão.
-O arguido A... em 17MAI2011 (cf. fls. 1267) requereu ao STJ o reenvio dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para ser apreciada admissão do recurso por si interposto a fls. 12350/12351 para o Tribunal Constitucional (relativo ao indeferimento do Júri);
-Por despacho de fls.12700/12701, em 01JUN2011, o STJ determinou o envio de translado ao Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação do recurso para o Tribunal Constitucional;
-Em 05JUL2011, o Tribunal da Relação de Lisboa, por força de requerimento apresentado pelo arguido A... a reclamar do efeito atribuído ao recurso, dá razão a este arguido, invocando um mero lapso de escrita, e altera o efeito do recurso para suspensivo.
-O Tribunal Constitucional, por despacho de 12JUL2011, atribuiu ao recurso efeito suspensivo, por remissão ex lege para o efeito antecedentemente atribuído pelo Tribunal da Relação.
- O Tribunal Constitucional, por acórdão de 11Out.11, decidiu “…julgar improcedente o recurso interposto por A... do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nestes autos em 13 de Julho de 2010, na parte em que confirmou a decisão de não admitir a intervenção de um tribunal do júri”.
-O recorrente, em 25Out.11, arguiu nulidades processuais relativas à tramitação que antecedeu a prolação do acórdão de 11Out.11 e em 28Out.11, suscitou diversas causas de nulidade do acórdão de 11Out.11, tendo o Tribunal Constitucional, por acórdão de 31Out.11, invocado o disposto nos arts.84, nº8, LTC e 720, do CPC e determinado que “…o processo deverá prosseguir os seus regulares termos no tribunal recorrido, sem ficar à espera do despacho que venha a incidir sobre os referidos requerimentos, o qual será proferido por traslado após o pagamento das referidas custas, considerando-se entretanto transitado em julgado, na data de hoje, o acórdão proferido em 11Out.11…”.
-Por despacho de 28SET2011, a Mma Juiz de Oeiras decidiu “[…] consideramos que, na presente data, mostra-se afastada a possibilidade de apreciação e conhecimento da prescrição do procedimento criminal suscitada pelo arguido A..., face ao trânsito em julgado da decisão condenatória e, em consequência, indefere-se o requerimento apresentado pelo arguido.”.
-Desse despacho recorreu o arguido, tendo este Tribunal da Relação, por acórdão de 14Dez.11, decidido “… revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que conheça da questão da prescrição tempestivamente colocada pelo arguido em cumprimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13JUL2011, consignando-se que tal conhecimento não será afectado pelo trânsito em julgado de qualquer Acórdão do Tribunal Constitucional incidente sobre normas alheias a tal questão, que foram oportunamente objecto de impugnação”.
-Na sequência daquele acórdão de 14Dez.11, foi proferido o despacho recorrido;

2. De acordo com o art.467, nº1, do CPP “As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva …”.
Coloca-se, assim, a questão de saber se existe decisão penal condenatória transitada em julgado.
A decisão condenatória invocada pelo recorrente é o acórdão deste Tribunal da Relação de 13Julho10, que condenou o arguido A..., ao decidir nos termos seguintes:
“…
IV – Alterar a condenação do arguido relativamente aos factos relativos à fraude fiscal, no sentido de o condenar, agora, por três crimes de fraude fiscal (um do art. 23 do RJIFNA e dois do art. 103/1 do RGIT), na pena de 4 meses de prisão por cada um.
V – Alterar a condenação do arguido, pela prática de um crime de branqueamento de capitais [art. 2/1, als. a) e b) do Dec. Lei 325/95, de 2/12, na redacção introduzida pela Lei 10/2002 de 11/02, tendo em conta o nº. 2 do art. 2 desse Dec. Lei, bem como a moldura penal do crime de fraude fiscal], baixando-a para 1 ano e 5 meses de prisão.
VI – Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas, nos termos do art. 77 do CP, condena-se o arguido na pena única de 2 anos de prisão.
…”.
O arguido recorreu deste acórdão para o STJ, que por acórdão de 27Abr.11, rejeitou esse recurso. O arguido invocou nulidades, requereu a apreciação de outras questões, arguiu irregularidade e pediu correcção, indeferidas por sucessivos acórdãos (de 15Junho2011, 22Junho2011 e 13Julho2011).
O arguido recorreu daquele acórdão de 27Abr.11 para o Tribunal Constitucional que rejeitou o recurso por decisão sumária, transitada em 19Set.11.
Deste modo, a questão relativa aos factos praticados pelo arguido, subsunção dos mesmos a três crimes de fraude fiscal e um crime de branqueamento de capitais, respectiva pena por esses crimes e pena única por esses quatro crimes, ou seja os limites e termos em que este Tribunal julgou pelo acórdão de 13Julho10, considera-se definitivamente fixada em 19Set.11.

Nessa data estava pendente outro recurso no Tribunal Constitucional, interposto do referido Acórdão de 13JUL2010, na parte que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido do despacho que indeferira a intervenção do Tribunal do Júri.
O Tribunal Constitucional, por acórdão de 11Out.11, julgou improcedente este recurso.
O recorrente arguiu nulidades, tendo o Tribunal Constitucional, por acórdão de 31Out.11, invocado o disposto nos arts.84, nº8, LTC e 720, do CPC e determinado que “…o processo deverá prosseguir os seus regulares termos no tribunal recorrido, sem ficar à espera do despacho que venha a incidir sobre os referidos requerimentos, o qual será proferido por traslado após o pagamento das referidas custas, considerando-se entretanto transitado em julgado, na data de hoje, o acórdão proferido em 11Out.11…”.
Esta decisão de 31Out.11, proferida ao abrigo dos arts.720, do C.P.C. e 84, nº8, da LTC, tem carácter sancionatório, que visa obstar a um comportamento de chicana processual, operando-se o trânsito em julgado do acórdão que conheceu do objecto da causa − o que o art. 720.º do CPC, na sua actual redacção, expressamente reconhece − e é ordenada a baixa do processo a fim de poder ser dada execução ao decidido, prosseguindo o suscitado incidente no traslado, onde deverá ser apreciado qualquer outro eventual incidente que o recorrente venha a suscitar.
Mesmo que da decisão fundada no disposto no art.720, do CPC venha a ser objecto de recurso, reclamação ou pedido de aclaração, a interposição de tal recurso ou a apresentação dessa reclamação não surtirão reflexo na decisão final, cujo trânsito em julgado, ainda que provisório, resulta directa e imediatamente da decisão antiobstrucionista.
A nova redacção deste preceito corrobora este entendimento ao determinar, no nº5, que “a decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado[1].
Assim, também a decisão relativa à intervenção do tribunal de júri já transitou, esta em 31Out.11.

Reconhecemos, deste modo, que a condenação do arguido pelo acórdão deste Tribunal da Relação de 13Julho10, transitou em julgado.
Contudo, ao contrário do que defende o recorrente, isso não significa que aquela decisão seja imutável.
O Supremo Tribunal de Justiça, tem admitido a figura do trânsito em julgado, com cariz provisório e resolúvel, instável, por uso condenável do processo na fase de recurso, sendo ainda manifestações dessa provisoriedade as causas legais de revogação do perdão declarado em leis da amnistia, da suspensão da execução da pena, a aplicabilidade da lei mais favorável em caso de sucessão de leis penais, a extensão dos efeitos do recurso ao comparticipante, não recorrente, desde que aquele se não funde em razões meramente pessoais, etc.[2]-[3].
Essa natureza provisória e resolúvel do caso julgado, permitirá garantir efeito útil, ao determinado pelo acórdão deste Tribunal de 14Dez.11, já transitado em julgado, que impôs o conhecimento da questão da prescrição oportunamente suscitada pelo recorrente “…tal conhecimento não será afectado pelo trânsito em julgado de qualquer Acórdão do Tribunal Constitucional incidente sobre normas alheias a tal questão, que foram oportunamente objecto de impugnação”.
A decisão daquela questão, em cumprimento daquele douto acórdão, pode levar à modificação da pena única fixada no acórdão condenatório, em caso de reconhecimento da prescrição de um ou dos dois crimes de fraude fiscal em relação aos quais o conhecimento da prescrição foi suscitada.
É certo que apenas em relação a dois dos quatro crimes, cujas penas parcelares foram integradas no cúmulo jurídico, está pendente a apreciação da prescrição.
Contudo, os princípios da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito (art.2, da Constituição da República Portuguesa), da mínima restrição dos direitos, liberdades e garantias (art.18, nº2, C.R.P.) e da dignidade humana do condenado (arts.1 e 30, nº5, da C.R.P.), impõem que não seja reconhecida, no caso concreto, exequibilidade à decisão condenatória já transitada, em relação à pena de prisão, enquanto se puder verificar a condição resolutiva do trânsito em julgado, pela eventual procedência da prescrição invocada.
Esta condição resolutiva, derivada do conhecimento da prescrição, não pode ser equiparada à resultante da procedência de incidentes apreciados em traslado extraído nos termos dos nºs3 e 4, do citado art.720.
Na verdade, em relação a esta última hipótese, é a própria lei que determina a execução do decidido antes da decisão do traslado (nºs3 e 5, daquele art.720), como forma de sancionar um comportamento processual censurável.
Quanto à questão concreta da prescrição em apreciação nestes autos, o seu conhecimento foi determinado por acórdão transitado em julgado “…tal conhecimento não será afectado pelo trânsito em julgado de qualquer Acórdão…”, não existindo, até ao momento, justificação para qualquer censura por comportamento processual do arguido em relação a tal questão.
Caso a tese do recorrente quanto à prescrição seja acolhida, perante a verificação da condição resolutiva em relação ao caso julgado formado quanto à pena única (2 anos de prisão efectiva), passam a restar as penas parcelares de 4 meses de prisão (por um crime de fraude fiscal) e 1 ano e 5 meses de prisão (por um crime de branqueamento de capitais), o que determinará a reformulação do cúmulo jurídico, em audiência a designar pelo tribunal competente, que proferirá então novo acórdão, fixando a nova pena única e onde terá de ponderar, além do mais, a possibilidade de suspensão da execução da nova pena única (art.50, C.P.), ou mesmo a opção por pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58, C.P.), esta por eventual aplicação do regime concreto mais favorável ao arguido.
Por outro lado, pretendendo-se com a execução da pena de prisão a satisfação das necessidades de prevenção e a reintegração do condenado na sociedade, é importante que este inicie esse cumprimento sem dúvidas sobre a medida exacta e modo de execução da pena que tem a cumprir, o que não acontecerá enquanto tiver a expectativa de obter a declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, em relação a crimes cujas penas foram integradas no cúmulo jurídico que fixou a sua pena em dois anos de prisão efectiva.
Assim, apesar do trânsito em julgado da decisão condenatória, deve a mesma considerar-se inexequível até ao trânsito da decisão relativa à prescrição suscitada pelo arguido, em apreciação no apenso “U”, destes autos.
*     *     *

IIIº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando o despacho recorrido.
Sem tributação.

Lisboa, 24 de Abril de 2012

Relator: Relator: Vieira Lamim;
Adjunto: Adjunto: Artur Vargues;
---------------------------------------------------------------------------------------
[1] Neste sentido Ac. do Trib. Relação do Porto de 26Maio10, Relator ERNESTO NASCIMENTO, acessível em www.dgsi.pt, citado pelo Ministério Público na sua resposta em 1ª instância, que decidiu: “Não é pelo facto de se interpor recurso para o STJ de uma decisão irrecorrível, proferida pela Relação, que, não sendo admitido, suscita reclamação para o Presidente do Tribunal para o qual se recorre, que a decisão que é objecto de tal recurso não transita nem pode transitar em julgado antes de definitivamente julgada a reclamação apresentada. II- De igual modo, não é o facto de se interpor recurso para o Tribunal Constitucional (TC) do despacho do Presidente do STJ que decidiu aquela Reclamação, que permite entender que o trânsito do acórdão proferido pela Relação – que não constitui a decisão recorrida para o TC – apenas ocorre com a decisão do TC. III- O entendimento deixado expresso não colide com o princípio constitucional que impõe ao processo criminal assegurar todas as garantias de defesa”.
[2] Neste sentido, Ac. do S.T.J de 11Ago.06, proferido no Pº nº3077/06 - 3.ª Secção, Relator Cons. Armindo Monteiro, sumário acessível em ww.stj.pt.
[3] No mesmo sentido, António Abrantes Geraldes, in Recuso de Processo Civil, pág.331, citado no despacho recorrido, referindo-se a trânsito sujeito a condição resolutiva, no caso do art.720, nº5, C.P.C.