Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
93/07.0TBMFR.L1-2
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (do relator).

1- A apreciação da prova pelo tribunal a quo tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre.

2- Em face desse princípio o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

A … propôs acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra B ….

Pediu a condenação no pagamento da quantia de 7.373,59€, acrescida de juros vencidos e vincendos, contabilizados desde 01.06.1995 até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese: casou com a R no regime de bens da comunhão de adquiridos, tendo na sua vigência contraído os empréstimos que melhor identifica, em proveito comum do casal, os quais pagou já após a dissolução do casamento, por divórcio; e, por isso, é credor da R no montante de metade do entregue para pagamento das dívidas.

A R contestou, em súmula, impugnando e excepcionado a extinção da dívida, através da partilha do património comum do casal.

O A respondeu e manteve a sua posição inicial.

Foi proferido despacho saneador, fixando-se os factos assentes e a base instrutória, sem que reclamação houvesse.

Efectuou-se audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença, em 18.10.2013, pela qual se decidiu a matéria de facto e condenou-se a R a pagar ao A a quantia de 7.373,59€, acrescida de juros de mora, contabilizado à taxa legal para os juros civis, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A R recorreu, recurso admitido como apelação, com subida nos autos, imediatamente e com efeito devolutivo.

Extraiu as seguintes conclusões:

1 – No entender da Recorrente deveria ter sido dado como não provado que as movimentações realizadas a crédito na conta bancária em causa, fossem anuídos pela Recorrente e que as mesmas se destinassem aos encargos da vida do casal, tendo em conta os depoimentos gravados das testemunhas supra referidas.

2 – No entender da Recorrente deveria ter sido dado como provado que durante todo o ano de 1993, já tinham Recorrente e Recorrido decidido divorciar-se e já se encontravam separados, vivendo com economias separadas, tendo em conta os depoimentos gravados das testemunhas supra referidas.

3 – No entender da Recorrente, o empréstimo referido no ponto 8 da Decisão da Matéria de Facto da Sentença é só do Recorrido, tendo em conta os extractos bancários juntos pelo Recorrido com a P.I., e a declaração junto pelo Recorrido como doc. nº 3 e nº 4 e a declaração emitida pela … junta pela R. Recorrente.

4 – Não sendo tal empréstimo da responsabilidade da Recorrente, apenas é da responsabilidade desta, o saldo negativo existente na conta conjunta à data da entrada do pedido de divórcio, que era 2.419.660$00 acrescido de juros vencidos até 31/5/1995, tendo tal quantia e juros sido paga em 16/6/1995 e entrado na Partilha por divórcio.

5 – Mesmo que se considerasse que o empréstimo fosse da responsabilidade da Recorrente e Recorrido, no entender da Recorrente ele está inserido no saldo devedor liquidado em 16/6/1995, porque se venceu em 22/9/1994 e só foi pago em 16/6/1995.

6 – No entender da Recorrente não foi produzida prova suficiente para com a necessária segurança condenar a Recorrente no pagamento do saldo devedor em 15/9/1994 de 2.419.660$00 acrescido de juros, por haver a possibilidade de tal saldo corresponder em parte ao saldo devedor existente em 16/6/1995 acrescido de outros débitos gerados pelo Recorrido na conta à ordem, conforme extracto junto pelo mesmo como doc. nº 2 da P.I., e em consequência requer seja a Sentença Recorrida revogada e a Recorrente absolvida do pedido.

O A contra-alegou, concluindo pela confirmação da sentença.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer revertem para a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e se proceder para a inexistência de dívida do casal a partilhar, após inventário para o efeito.

Considerou-se a matéria assente nos seguintes termos:

1. A e R. celebraram entre si, a 21.06.1986, casamento católico, sem precedência de convenção antenupcial;

2. O casamento acima referido foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida a 06.04.1995 no processo n.º 315/94 que correu termos no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Mafra, que esteve pendente desde 22.08.1994;

3. Por apenso ao acima referido processo de divórcio, correu termos processo especial de inventário na sequência de divórcio, na qual foi relacionada e partilhada a dívida de Esc. 3.707.836$00;

4. A 18.12.1992, a … concedeu às aqui partes um empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º 92012094.4, no valor de Esc. 1.000.000$00;

5. A 18.12.1994, venceu-se o empréstimo referido em 4.¸ no montante de Esc. 500.000$00 de capital, e Esc. 100.179$00 a título de juros vencidos desde 18.12.1993, quantias pagas pelo A. a 05.01.1995, por débito na conta de depósitos da sua titularidade;

6. As aqui partes eram titulares da conta de depósitos à ordem n.º 03679.01, aberta na …, na qual existia a 02.01.1992, um saldo devedor de Esc. 3.237.269$00;

7. A 02.06.1992, a … concedeu às aqui partes um crédito em plafond atribuído à conta à ordem acima identificada, até ao montante de Esc. 3.000.000$00;

8. A 22.09.1993, foi concedido ao A. pela … o empréstimo n.º 9301256.2, no valor de Esc. 3.000.000$00, que se venceu a 22.09.1994 pelo valor do capital mutuado;

9. O A. procedeu às movimentações bancárias por aqueles contratos permitidas com a autorização da R., tendo o dinheiro obtido com recurso aos créditos concedidos pela … sido aplicado na construção de um edifício no qual seria instalado um estabelecimento de minimercado, em estufas para a agricultura e na empresa de transportes do casal;

10. A 15.09.1994, por virtude dos pagamentos dos empréstimos em 6. e 7., a conta melhor identificada em 6., apresentava um saldo negativo de Esc. 2.419.660$00;

11. Montante esse que venceu juros, à taxa anual de 24%, nos seguintes valores, nas datas referidas:

i. 30.09.1994 – Esc. 51.346$99;

ii. 31.101994 – Esc. 51.252$00;

iii. 30.11.1994 – Esc.53.986$00;

iv. 30.12.1994 – Esc. 54.960$00;

v. 31.01.1995 – Esc. 63.264$00;

vi. 27.02.1995 – Esc. 56.199$00;

vii. 31.03.1995 – Esc. 69.568$00;

viii. 28.04.1995 – Esc. 91.952$00;

ix. 31.05.1995 – Esc. 74.628$00.

12. A 01.06.1995, o A. entregou à … a quantia de Esc. 2.956.545$00 a fim proceder ao pagamento da dívida de capital e juros melhor identificada em 10 e 11.

Posto isto.

A R impugna a decisão relativa à matéria de facto.

Atem-se com bastante brevidade aos ónus previstos no artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC, máxime quanto à alª c) do primeiro número e à alª a) do segundo.

No entanto não se rejeitará, por julgarmos entender o que a recorrente pretende dela e não se constatar por isso prejuízo para o exercício do contraditório da parte contrária.  

Desaprova as respostas às bases 2 a 4.

O teor desses números e das respostas obtidas são as seguintes:

2- Tendo A. procedido às movimentações bancárias por aqueles contratos permitidas com a autorização da R.? – provado;

3- O dinheiro obtido com recurso aos créditos concedidos pela … foi aplicado na construção de um edifício no qual a R. instalou e passou a explorar um estabelecimento de mini-mercado, em estufas para a agricultura e na empresa de transportes do casal? – provado apenas que tendo o dinheiro obtido com recurso aos créditos concedidos pela … sido aplicado na construção de um edifício no qual seria instalado um estabelecimento de minimercado, em estufas para a agricultura e na empresa de transportes do casal;

4- A 15.09.1994, por virtude dos pagamentos dos empréstimos referidos nos Factos Assentes, a conta melhor identificada em F), foi movimentada a débito no montante de Esc. 2.419.660$00, tendo passado a apresentar um saldo negativo naquele valor? – provado apenas, que a 15.09.1994, por virtude dos pagamentos dos empréstimos em 6. e 7., a conta melhor identificada em 6., apresentava um saldo negativo de Esc. 2.419.660$00.

Pretendem-se, segundo também o entendimento que advém da exposição de motivos do recurso, as seguintes respostas:

às bases 2 e 3 – o A procedeu às movimentações bancárias por aqueles contratos sem autorização da R, tendo apenas parte do dinheiro obtido com recurso aos créditos concedidos pela … sido aplicada na construção que não foi acabada.

à base 4 – apenas se referindo que não se devia dar como provado o que consta na mesma, parte-se do principio que como matéria alegada pelo recorrido será negativa.

O tribunal a quo fundamentou-se no seguinte:

“Sucede que da conjugação da prova testemunhal realizada com a basta documentação junta aos autos, logrou este Tribunal convencer-se para lá de qualquer dúvida relativamente à factualidade demonstrada e consignada de 9. a 12.

Passando a explicar:

No que respeita ao pagamento das quantias melhor discriminadas a 10. e a 12.

Do julgamento de facto, e bem assim dos montantes de juros vencidos descriminados a 11. daquele lugar, este Tribunal formou a sua convicção com recurso aos documentos de fls. 20, 21, 22, 28 a 60 e 160, com especial enfoque para o vertido a fls. fls. 52 a 55, e 57 a 60.

Semelhante factualidade integrava os pontos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória de fls. 199 verso dos autos, sendo que do que aí se questionava, apenas ficou por demonstrar que o saldo devedor existente na conta de depósitos em causa a 15.09.1994 abrangesse a dívida resultante do mútuo identificado em 8., já que resulta do aí vertido que esta apenas se venceu a 22.09.1994, ou seja, dias depois do momento em que se apurou o saldo em apreço.

No que respeita a ter movimentado o A. as contas bancárias nas quais se encontraram depositados os montantes mutuados nos termos melhor descritos a 9. da decisão em fundamentação, a concernente factualidade quedou-se adquirida com recurso à conjugação dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento.

Na verdade, todas elas, sem excepção, informaram este Tribunal que as aqui partes se dedicavam profissionalmente à exploração de um minimercado, à agricultura em estufas e à actividade de transportes, sendo a R. quem estava encarregue da gestão do referido minimercado, e o A. das restantes actividades elencadas.

Mais explicaram que era de tais actividades que A. e R. proviam ao sustento do seu agregado familiar, tendo ainda explicitado as testemunhas … e …, esta última mãe da R., que os produtos hortícolas provenientes da exploração das estufas, eram parcialmente comercializados no estabelecimento da R..

Acresce ter afirmado a mãe da R. acima identificada que, sendo sabedora que o seu ex genro havia recorrido ao crédito bancário para financiar as actividades comerciais e bem assim a construção de uma moradia, para cujo rés-do-chão seria transferido o minimercado da R. e destinando-se o primeiro andar à habitação da família constituída pelo casal, esse crédito seria necessariamente pago pelo A. já que os rendimentos que a filha, aqui demandada, retirava da exploração do estabelecimento em causa, mal davam para sustentar o agregado.

Ora, em face do acima exposto, conjugado com o facto de todas a testemunhas que a tanto depuseram, terem afirmado que a construção da moradia em causa se iniciou ainda estavam as partes casadas uma com a outra, e de derivar das regras da experiência que quem possui negócios, com caracter de normalidade recorre ao crédito bancário para se financiar, não restaram dúvidas a este Tribunal quanto aos créditos contraídos pelo R. e enumerados de 4. a 8. do julgamento em fundamentação, o terem sido com o fito de financiar as actividades comerciais dos cônjuges e de custear a construção da moradia aí melhor identificada.

Logrou, assim, o R. (A) demonstrar a factualidade que constava a 2.º e 3.º da Base Instrutória do despacho de condensação, como era seu ónus, atenta a natureza constitutiva do direito por esta via exercido, excepção feita à parte de ter sido instalado no edifício aí mencionado o estabelecimento da R..

Na verdade, o que resultou da prova testemunhal produzida foi que a R. explorava um estabelecimento, e que se dispôs o casal a construir uma edificação nova, para a qual transitaria o referido estabelecimento nos termos acima já mencionados. Porém, declararam uniformemente as testemunhas que a tanto depuseram que, ainda não havia a edificação acabado de ser erguida, o casal separou-se, acabando por se divorciar, nunca tendo naquela funcionado o minimercado explorado pela R..

Assim, somente ficou demonstrado nos termos dos artigos 324.º, n.º 1, 349.º, e 351.º do Cód. Civil, conjugado com o artigo 414.º do Cód. Proc. Civil, a factualidade consignada a 9. da decisão que se pretende fundamentada pela presente.

É, assim, evidente que a R. anuiu nas movimentações realizadas a crédito pelo R. conta bancária em causa, na medida em que as mesmas se destinaram a ocorrer aos encargos da vida familiar e da economia doméstica ou em prol desta, ou a encargos por ambos assumidos e pretendidos; sendo certo que parte dessas dívidas inclusivamente se destinou a financiar a actividade comercial das partes.

Não escamoteia este Tribunal que a R. contraditou a factualidade em apreço, nomeadamente, o destino dado pelo A. ao dinheiro obtido com recurso aos mútuos dos autos, afirmando que este não contribuía para a economia doméstica, sendo que o empréstimo solicitado em 1993, o foi em momento em que o casal já se havia separado, não tendo qualquer economia comum.

Porém, a verdade é que não logrou a R. produzir contraprova nos termos e para os efeitos do artigo 346.º do Cód. Civil.

No que respeita à destinação dos empréstimos, do que acima se verteu ficou claro que os mesmos tiveram o destino de financiar as actividades económicas/comerciais que as aqui partes prosseguiam à data da sua contracção, existindo até comunicação entre essas actividades, já que as estufas exploradas pelo A. até forneciam produtos ao estabelecimento da R..

Por outro lado, as testemunhas que depuseram quanto à matéria da data da separação das aqui partes, a saber … e …, apesar de terem referido que aquela aconteceu antes do divórcio ter sido decretado, não o terá antecedido mais de um ano. Ora, estando demonstrado nos autos que a sentença dissolutória do casamento foi proferida a 06.04.1995, então a separação terá acontecido a partir de Abril de 1994; e ainda que recuássemos à data da propositura do processo de divórcio, teríamos necessariamente que situar aquela separação por volta de Agosto de 1993, já que demonstrado está que a respectiva acção foi intentada a 22.08.1994.

Ora, se é verdade que se a separação de facto das aqui partes tivesse ocorrido em Agosto de 1993, o empréstimo identificado em 8. não se poderia considerar realizado em proveito comum do casal dada a inexistência de uma economia comum, a verdade é também que em face dos testemunhos prestados pela amiga e pela própria mãe da R., com quem esta foi residir após a referida separação, não permitem localizar no tempo aquela ruptura da comunhão de vida das aqui partes, já que de ambos os depoimentos perpassou a mensagem e que entre o estado de divorciados e a referida separação, não terá mediado mais de um ano.

Donde, os depoimentos em apreço não foram suficientemente esclarecedores quanto a tal matéria a ponto de tornar dubitativa a factualidade referente a ser diferente destino dado ao produtos dos mútuos em apreço.

Ademais, após a análise da documentação junta aos autos, não restaram dúvidas a este Tribunal que o mútuo identificado em 8. da decisão de facto foi relacionado e partilhado no âmbito do processo de inventário descrito a 3. do julgamento que se pretende fundamentar.

Explicando, encontra-se demonstrado pelo inscrito a fls. 60, que a 15.06.1995, o aqui A. procedeu ao pagamento da quantia que acabou por ser relacionada no inventário em apreço; fê-lo com recurso à conta de depósitos melhor identificada nos autos e nos termos da ordem por si dada à instituição bancária, documentada a fls. 22.

Ora, tal quantia é exactamente aquela a que se refere o documento de fls. 21, por reporte ao empréstimo melhor identificado a 8. da decisão de facto, cuja dívida foi efectivamente relacionada e partilhada no âmbito do processo de inventário, tal como resulta de fls. 27 dos autos.

Sucede que a questão da comunicabilidade da dívida ficou nessa sede decidida, sendo que nestes autos até pugna a R. por semelhante comunicabilidade, afirmando que os montantes peticionados por reporte ao empréstimo referido em 4. e 5. estavam englobados na assim partilhada.

Porém, nenhuma prova testemunhal sobre tal produziu a R., sendo certo que o que resulta da prova documental, pré-existente nos autos, é que a dívida proveniente do mútuo identificado a 4. e 5. da decisão de facto, foi paga em momento anterior ao acima reportado, e respeita a outra relação negocial, não se encontrando assim englobada no pagamento que foi tido em conta no âmbito do processo de inventário – cfr. fls. 58.

Logo, ficou cabalmente demonstrado nos autos a não correspondência à verdade do alegado pela R. e que transitou para 7.º da Base Instrutória, sendo que o ónus da prova inscrevia-se na sua esfera jurídico-processual, atenta a natureza extintiva da factualidade invocada em face do direito exercido pelo A..

Por fim, resta referir a motivação da não demonstração da factualidade que se encontrava vertida a 1.º da Base Instrutória.

No que a tanto respeita, o respectivo ónus incumbia ao A., na medida em que a subscrição dos contratos que justificam as atribuições patrimoniais em apreço, subsumir-se-ia à previsão normativa da primeira parte alínea a) do n.º 1 do artigo 1691.º do Cód. Civil, não restando quaisquer dúvidas quanto à comunicabilidade da dívida deles emergentes.

Sucede que nenhuma prova produziu o A. quanto a tal, sendo certo que a mesma deveria revestir o cariz de documental, atenta o que verte o artigo 364.º, n.º 1 do Cód. Civil.”.

Nesta fundamentação, formalmente não se vislumbra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição. As partes também nada referiram a propósito.

Discorda-se da matéria contante das respostas às bases 2 e 3, em virtude dos depoimentos das testemunhas …, amiga da recorrente e de …, mãe da mesma.

Da constante da resposta à base 4 ainda decorrente dessa prova testemunhal e da documentação bancária.

A alteração da decisão sobre a matéria de facto impõe-se quando a prova produzida impuser decisão diversa (artº 662º, nº 1, do CPC).

Procedendo à reapreciação da prova, pela audição e análise documental afigura-se-nos que o tribunal substantivamente também fez a apreciação da prova de forma criteriosa, nada permitindo concluir que houve qualquer erro na apreciação da prova.

Os depoimentos e os documentos referidos não podem valer de outro modo senão como foram relevados.

Essa apreciação da prova pelo tribunal a quo tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento.

As respostas questionadas são coerentes em si e no contexto das demais.

A matéria das bases 2 e 3.

A primeira parte da resposta sugerida pela recorrente é desde logo inaceitável porquanto opta por uma versão negatória da matéria dessas bases, nomeadamente da 2, extravasando-a.

No mais, efectivamente bem considerou o tribunal a quo que foi com a anuência da recorrente o movimento bancário aí retratado.

Com fundamento também na prova testemunhal como a que foi invocada pela recorrente.

Embora de tais depoimentos se pudessem retirar algumas ilações como a recorrente expôs, na verdade a economia comum de um casal é muito mais complexa que aquilo que permitem descortinar.

De qualquer modo do teor desses depoimentos não se pode concluir que era apenas do trabalho da recorrente que se “sustentava a casa”, pagando a mesma tudo, dando “as coisas da mercearia para a casa” e que havia negócios só do recorrido (estufas e camiões), sendo que o casal enquanto tal destas actividades não retirava qualquer proveito.

Certo é também que se estas testemunhas não afirmaram “que a R. utilizava a conta bancária em causa” isso por si não implica que o inverso seja verdadeiro e nem contraria a tese da matéria destas bases de que a movimentação da conta bancária pelo recorrido era em conformidade com a vontade e autorização da recorrente e o dinheiro obtido com recurso aos créditos daí resultantes foi aplicado designadamente no desenvolvimento do património do casal.

Não constamos ainda que tenha sido dito por elas algo que contrarie globalmente essa matéria e a fundamentação que a propósito foi expendida pelo tribunal a quo com recurso ainda a outra prova testemunhal e que a recorrente não coloca em crise.

É de realçar por isso que não se pode concluir dos seus registos, os quais não deixaram de ser vagos e genéricos sobre matéria que não era tão aparente e mais dependente das decisões íntimas do casal, que a actividade da recorrente no minimercado fosse também ela uma actividade comercial exclusiva sem qualquer comunicabilidade com a do recorrido, em termos de não beneficiar desta.

Qualquer dessas testemunhas afirmaram, por exemplo, que esse comércio era fornecido por produtos das aludidas estufas.

E era o recorrido, segundo a mãe da recorrente, que orientava a obra e que não parou apesar da separação.

Ademais não tendo a recorrida negado que era no interesse do casal a construção, reforçou-se assim a ideia que “a destinação dos empréstimos tiveram o destino de financiar as actividades económicas/comerciais que as aqui partes prosseguiam à data da sua contracção, existindo até comunicação entre essas actividades”, “sendo certo que parte dessas dívidas inclusivamente se destinou a financiar a actividade comercial das partes”.

A segunda parte da resposta sugerida, considerando a prova que se invoca também não pode ser nela fundada, pelo que continuam a ser pertinentes os fundamentos tecidos pelo tribunal sobre tal.

Tais como os argumentos quanto à data da separação de facto do casal e tudo o que possa envolver, em que desses depoimentos só se poderá deduzir que poderá ter ocorrido em Abril de 1994.

Sem esquecer que na sentença pela qual se decretou o divórcio não se fixou o momento em que a coabitação cessou (artº 1789º do CC) e o que dos mesmos depoimentos não resulta é que se “teve como referência a data da decisão de pedir o divórcio, o que não significa ser a data do divórcio, nem tão pouco, ser a data da propositura da acção”.

O mesmo acontecendo quanto à exclusão do empréstimo concedido em 22.09.1993, vencido a 22.09.1994 pelo valor do capital mutuado e da concordância da recorrente e esta acaba por justificar somente com o momento que perfilha para a separação de facto, devendo-se no entanto considerar também o teor inequívoco de fls 20 a 22, 27, 58 e 60: “Donde, os depoimentos em apreço não foram suficientemente esclarecedores quanto a tal matéria a ponto de tornar dubitativa a factualidade referente a ser diferente destino dado ao produtos dos mútuos em apreço.”, “ademais, após a análise da documentação junta aos autos, não restaram dúvidas a este Tribunal que o mútuo identificado em 8. da decisão de facto foi relacionado e partilhado no âmbito do processo de inventário descrito a 3. do julgamento que se pretende fundamentar”, “sucede que a questão da comunicabilidade da dívida ficou nessa sede decidida, sendo que nestes autos até pugna a R. por semelhante comunicabilidade, afirmando que os montantes peticionados por reporte ao empréstimo referido em 4. e 5. estavam englobados na assim partilhada”, “porém, nenhuma prova testemunhal sobre tal produziu a R., sendo certo que o que resulta da prova documental, pré-existente nos autos, é que a dívida proveniente do mútuo identificado a 4. e 5. da decisão de facto, foi paga em momento anterior ao acima reportado, e respeita a outra relação negocial, não se encontrando assim englobada no pagamento que foi tido em conta no âmbito do processo de inventário – cfr. fls. 58.” e “logo, ficou cabalmente demonstrado nos autos a não correspondência à verdade do alegado pela R. e que transitou para 7.º da Base Instrutória, sendo que o ónus da prova inscrevia-se na sua esfera jurídico-processual, atenta a natureza extintiva da factualidade invocada em face do direito exercido pelo A..”

A matéria da base 4.

Os argumentos expendidos pela recorrente não podem proceder atento ao teor da documentação bancária que permite sindicar o movimento a descoberto até à data referida na base.

Quanto ao que é referido nos pontos 6 e 7 dos factos assentes sobre o débito, o saldo negativo persistente desde 1993 a 1995 não contraria o valor de débito de 15.09.1994, com a origem indicada na resposta.

Segundo os extractos de fls 28 a 60, desde o ano de 1992 até Junho de 1995 que existiam saldos negativos, com excepção de um curto período de 1994 (fls 50), justificado pelo teor de fls 65 com instruções do recorrido à entidade bancária.

Daí que deverá ser conjugado também este documento para melhor se interpretar a declaração da … de fls 160 ao reportar-se ao plafond liquidado em 04.04.1994 e o extracto de fls 50 referente a esse dia.

E, obviamente, assim sendo, os movimentos bancários desse dia não conseguem inverter a conclusão sobre a razão de ser da sucessão de movimentos negativos a partir daí até ao que consta em 15.09.1994, precisamente por causa dos créditos em plafond antes atribuídos. 

Igualmente a resposta negativa não se poderia impor por se partir do pressuposto que o relacionado débito à mesma entidade bancária no inventário para partilha do património do casal incluía esse saldo negativo de 15.09.1994.

É matéria bem fundada na sentença na parte em que se decidiu a matéria de facto e outra não podia ser a conclusão, dado o teor do mapa da partilha desse inventário, o despacho de fls 23 e 24 do mesmo, da reclamação da relação de bens aí efectuada pelo recorrido, da documentação bancária de fls 20 a 22 e do extracto de fls 60, o que torna inviável tal possibilidade.

E por tudo isto é incongruente afirmar também que “a quantia paga em 15/6/1995 corresponde ao empréstimo identificado no ponto 8 da Decisão de Facto e corresponde ao saldo negativo gerido pelo A. desde 4/4/1994, até porque o empréstimo identificado no ponto 8, se venceu a 22/9/1994 conforme consta da Sentença”.

Mais se poderá dizer, se bem que a recorrente expressamente não pugne pela alteração da respectiva resposta, que estas conclusões igualmente justificarão a resposta negativa à base 7. 

No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

E outra não poderia ser a decisão do tribunal a quo face também ao disposto no artº 516º do CPC (cfr ainda artº 346º do CC).   

Improcede, pois, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Esta mantendo-se sem qualquer modificação isso implica que se julgue desde já o recurso improcedente.

Com efeito, a pretendida absolvição do pedido pela recorrente nos moldes por ela perfilhada depende necessariamente da viabilidade da impugnação que se acaba de conhecer.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- A apreciação da prova pelo tribunal a quo tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre.

2- Em face desse princípio o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

*****

29.01.2015

Eduardo Azevedo

Olindo Geraldes

Lúcia de Sousa