Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
126332/18.7YIPRT.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: DIREITOS CONEXOS
DIREITOS DE AUTOR
COBRANÇA DE REMUNERAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O critério para a determinação da competência material do tribunal incide sobre a estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação e julgamento na versão constante da petição, isto é, tendo em conta o pedido e a causa de pedir.
- A causa de pedir é constituída pelos factos concretos donde emerge a pretensão constante da petição.
- Esta apreciação apenas deve ser ponderada a causa de pedir imediata, pois é nessa, que a concreta pretensão formulada se radica.
- Numa injunção em que é pedido pagamento de serviços prestados, por entidade competente, no âmbito de licenciamento de actividade prevista no artigo 184º nº 2 do CDAC, em face do teor da petição inicial apenas se discute a dívida, pelo que a causa está excluída competência material  do Tribunal da Propriedade Intelectual.
- A previsão do artigo 111º alínea a) da lei 62/2013 atribui ao Tribunal da Propriedade Intelectual as causas em que esteja em discussão o próprio conteúdo, âmbito e atribuição do direito de autor e direitos conexos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Nos autos foi proferido o seguinte despacho:
 
A A, veio requerer a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, a qual se iniciou com um requerimento de injunção, contra P, ambas com os sinais dos autos, requerendo o pagamento da quantia global de € 2.413,21.
Alega em síntese que no âmbito da sua actividade de licenciamento e cobrança de remunerações de produtores fonográficos e videográficos, e na sequência do pedido de licenciamento Passmúsica pela R., enquanto exploradora do estabelecimento comercial denominado “Bar A…..”, onde executa publicamente fonogramas e/ou vídeos musicais e com o propósito de obter tal autorização, emitiu e enviou-lhe dois avisos de licenciamento com vencimento em Novembro e Dezembro de 2017 e no valor total de €2.286,65, que não foram pagos na data dos respectivos vencimentos nem até à data.
                                         *
Da (in)competência do Tribunal
Nos termos do disposto no art. 111.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário) compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a:
a) Ações em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos;
b) Ações em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei;
c) Ações de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial;
d) Recursos de decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P. (INPI, I. P.) que concedam ou recusem qualquer direito de propriedade industrial ou sejam relativas a transmissões, licenças, declarações de caducidade ou a quaisquer outros atos que afetem, modifiquem ou extingam direitos de propriedade industrial;
e) Recurso e revisão das decisões ou de quaisquer outras medidas legalmente suscetíveis de impugnação tomadas pelo INPI, I. P., em processo de contraordenação;
f) Ações de declaração em que a causa de pedir verse sobre nomes de domínio na Internet;
g) Recursos das decisões da Fundação para a Computação Científica Nacional, enquanto entidade competente para o registo de nomes de domínio de.PT, que registem, recusem o registo ou removam um nome de domínio de.PT;
h) Ações em que a causa de pedir verse sobre firmas ou denominações sociais;
i) Recursos das decisões do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.) relativas à admissibilidade de firmas e denominações no âmbito do regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas;
j) Ações em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial;
k) Medidas de obtenção e preservação de prova e de prestação de informações quando requeridas no âmbito da proteção de direitos de propriedade intelectual e direitos de autor.
Ora, embora a A. seja uma entidade de gestão colectiva de direitos conexos e desenvolva, como alega, o licenciamento de direitos conexos dos produtores de fonogramas/videogramas, o que está em causa nesta acção é a falta de pagamento pela R. dos avisos de licenciamento por si emitidos para cobrança do licenciamento Passmusica solicitado pela R.
 Ou seja, a causa de pedir desta acção não respeita aos direitos conexos do direito de autor e sim ao incumprimento de uma obrigação pecuniária decorrente do custo do licenciamento da R. para execução pública de fonogramas/videogramas.
Não são os direitos conexos dos produtores pela comunicação pública das suas obras protegidas que está em causa nesta acção, e sim a falta de liquidação dos avisos de licenciamento emitidos pela A. para cobrança das quantias monetárias devidas como contraprestação do licenciamento da R. para proceder àquela comunicação pública; o cumprimento da obrigação de pagamento das quantias monetárias estabelecida entre as partes aquando do licenciamento e não a existência dos direitos conexos em questão e da obrigação de pagamento de uma contraprestação pela comunicação pública das obras protegidas.
Assim sendo, este Tribunal é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção ( neste sentido, o Ac. do TRL de 17.01.2019, proc. 116952/18.5YIPRT.L1-8, in www/htpp dgsi.)
A incompetência em razão da matéria é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância (cf. arts. 65.º, 576.º, n.º2, 577.º, al. a), 578.º do CPC).
Em conformidade foi decretada a incompetência, em razão da matéria, para conhecer da presente acção e, em consequência, absolveu a R. da instância.
Deste despacho apelou a requerente que lavrou as seguintes conclusões:
(…)
4. Ora, dispõe o artigo 111º, número 1, alínea a), da LOSJ que “1 – Compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a: a) Ações em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos.”.
5. A lei portuguesa define como causa de pedir o facto jurídico concreto que constitui o efeito pretendido pelo Autor, pelo que, constituindo aquela o suporte lógico da pretensão deduzida, entre o pedido formulado e os factos concretos invocados deve existir uma relação, um nexo, de correspondência lógica e normativa.
6. Para delimitar a competência material do Tribunal da Propriedade Intelectual, o legislador nacional “foi claro ao definir que a competência material deste tribunal se aferirá pela causa de pedir”.
7. Pois bem, o valor constante dos documentos peticionados nos autos corresponde à remuneração equitativa devida à ora Apelante em virtude da actividade de execução ou comunicação pública de fonogramas por parte da Ré, no estabelecimento pela mesma explorado.
8. Resultante da celebração de um contrato de licenciamento (autorização concedida pela Apelante à Ré para a utilização de um direito conexo) o qual constitui o substrato da emissão daquela.
9. Assim, a determinação e subsequente cobrança de tal remuneração insere-se no âmbito de matérias tão especificas e reguladas quer no C.D.A.D.C., quer na Lei 26/2015, de 14 de Abril (a qual estabelece, inclusive, um procedimento próprio para a sua fixação), que faz com que sejam, precisamente, um elemento essencial e integrante da causa de pedir.
10. Ora, sendo esta a base/substrato fático do presente litígio, daí se retira que não obstante o objecto imediato da presente acção versar sobre uma obrigação pecuniária emergente do supra aludido contrato, dúvidas não restam que como objecto mediato da lide temos um direito conexo.
11. Para apreciação do qual o Tribunal da Propriedade Intelectual já é competente para conhecer.
12. Por conseguinte, ao Tribunal de Propriedade Intelectual, por força daquele normativo legal determinativo da sua competência, deverão ser atribuídas não só todas as causas cujo fundamento imediato seja um direito de autor ou um direito conexo, mas também as causas em que o direito de propriedade intelectual seja o objecto mediato (núcleo essencial da questão de facto) da relação jurídica controvertida, tal como sucede nos presentes autos.
13. Só assim é possível entender a intenção do legislador em criar um Tribunal de competência especializada com âmbito nacional para decidir, de forma exclusiva, tais questões – como aliás resulta do preâmbulo do diploma legal que procedeu à sua instituição.
14. Aliás, no caso das execuções das decisões proferidas pelo Tribunal da Propriedade Intelectual (independentemente do teor das mesmas) o legislador, de forma clara e expressa, consagrou a competência daquele para as apreciar, e nas quais de forma imediata também poderá em causa “meras obrigações pecuniárias”.
15. Assim, mutatis mutantis, forçosamente se terá de considerar que no espirito do legislador, como defende entre nós a doutrina, estava a competência daquele tribunal especializado para conhecer das questões relativas às acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias – como a ora em causa.
16. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 552º, número 1, alínea d), do Código de Processo Civil, os artigos 184º, do C.D.A.D.C. e artigo 111º, número 1, alínea a) da LOSJ.
Objecto do processo
São as conclusões da apelante que delimitam o âmbito da matéria a conhecer por este Tribunal, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso
Nesta senda o recurso coloca como questão a decidir saber se  cabe ao Tribunal da Propriedade Intelectual a competência material para conhecer da acção de cobrança de divida proveniente do licenciamento e cobrança de remunerações de produtores fonográficos e videográficos.
Conhecendo:
Fundamentação de Facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.
Fundamentação de Direito:
Sobre questão idêntica pronunciou-se já o Acórdão do TRL de 17.01.2019, proc. 116952/18.5YIPRT.L1-8, in www/htpp dgsi, referido na decisão apelada e cuja Relatora é a Desembargadora aqui 1ª adjunta.
Convocamos aqui o entendimento constante do referido arresto que subscrevemos, pois.
Posto que “a competência reparte-se pelos tribunais em razão da matéria, valor, hierarquia e território, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser os casos especialmente previstos na lei; valendo o princípio especial da «perpetuatio jurisditionis ou perpetuatio fori».
No que à competência em razão da matéria concerne, os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem judicial cfr artigos 37º a  40º da lei 62/2013 de 26/8.
Os tribunais de comarca desdobram-se em tribunais de competência genérica ou especializada cabendo-lhes preparar e julgar processos relativos às causas não abrangidas pela competência de outros tribunais (cfra art. 80º) .
O Tribunal da Propriedade Industrial é um tribunal de competência especializada competindo-lhe conhecer, entre outras, das questões relativas às acções  em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos (cfr. art. 83º e 111º a) da mesma lei.
A competência em razão da matéria depende do thema decidendum concatenado com a causa de pedir, ou seja, com o quid disputatum. Segundo o Ac. do Tribunal de Conflitos de 31/05/2006, Proc.º 05/06, “a determinação do tribunal materialmente competente deve partir da análise da estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação e julgamento do tribunal, segundo a versão apresentada em juízo pelo autor, isto é, tendo em conta a pretensão concretamente formulada e os respectivos fundamentos”
É pacífico tal qual a apelante vem defender que a causa de pedir é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer – cfr. A. Reis e Lebre de Freitas, in Comentário ao CPC, vol. II – 375 e Introdução ao Processo Civil, Coimbra Edit. 1996 – 54.
Sucede que o litígio tal como vem desenhado na petição inicial refere-se a incumprimento de contrato de prestação de serviços – não pagamento do preço devido pelo licenciamento, não se desconhecendo que a matéria está regulada no CDADC mormente no artigo 184º nº 2 que dispõe: «Carecem também de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a difusão por qualquer meio, a execução pública dos mesmos e a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido»
Todavia aqui o que se discute é a dívida, resultante do licenciamento, o que compete à jurisdição comum.
As causas da competência do Tribunal da Propriedade Intelectual que cabem na alínea a) do artigo 111º da Lei 62/2013 são aquelas que se prendem com o próprio conteúdo âmbito e atribuição do direito de autor e direitos conexos e face à petição inicial esta matéria não está em discussão, não se acompanhando a teoria da causa de pedir mediata que a apelante convoca em defesa da sua posição.
Donde que vai confirmada a decisão apelada.
Sumário:
O critério para a determinação da competência material do tribunal incide sobre a estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação e julgamento na versão constante da petição, isto é, tendo em conta o pedido e a causa de pedir.
A causa de pedir é constituída pelos factos concretos donde emerge a pretensão constante da petição.
Nesta apreciação apenas deve ser ponderada a causa de pedir imediata, pois é nessa, que a concreta pretensão formulada se radica.
Numa injunção em que é pedido pagamento de serviços prestados, por entidade competente, no âmbito de licenciamento de actividade prevista no artigo 184º nº 2 do CDAC, em face do teor da petição inicial apenas se discute a dívida, pelo que a causa está excluída competência material  do Tribunal da Propriedade Intelectual.
A previsão do artigo 111º alínea a) da lei 62/2013 atribui ao Tribunal da Propriedade Intelectual as causas em que esteja em discussão o próprio conteúdo, âmbito e atribuição do direito de autor e direitos conexos.
Segue deliberação:
Na improcedência da apelação mantém-se a sentença apelada.
Sem custas atenta a isenção de que goza a apelante.
Lisboa 21 de Março de 2019

Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas