Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA ENTREGA DA COISA FALTA DO PAGAMENTO DO PREÇO RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/28/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE / ALTERADA | ||
Sumário: | - Em conformidade com o disposto no art. 886º do C.Civil, transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço. - Tal preceito não retira totalmente ao vendedor o direito à resolução do contrato, já que a recusa de resolução só tem lugar desde que efectuada a entrega da coisa. - Assente a falta de pagamento do preço devido, na qual o autor funda a resolução do contrato, será ao réu, por se tratar de facto extintivo do direito invocado (art. 342º, nº2, C.Civil), que incumbe a alegação e prova da entrega, ao adquirente, do imóvel que daquele constituiu objecto. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa : 1. M... propôs, contra S..., massa insolvente de S..., credores da massa insolvente de S... e Banco ..., acção com processo comum, distribuída à comarca de Lisboa - Instância Central, pedindo se declare a falsidade da declaração de quitação constante da escritura pela qual a A. efectuou a venda de imóvel à 1ª R., decretando-se a resolução do contrato respectivo. Contestaram os RR. massa insolvente de S..., Banco ... e Caixa … - concluindo pela improcedência da acção. Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção parcialmente procedente, declarando-se a falsidade da aludida declaração de quitação - e absolvendo-se os RR. do demais peticionado. Inconformada, veio a A. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões : - A resolução do contrato promessa de compra de venda tem como fundamento, na presente acção, dois factos cumulativos: o não pagamento do preço; a não entrega do bem vendido, neste caso, o imóvel identificado nos autos. - Entendeu o Tribunal que "da matéria de facto dada como provada resulta indubitável que a Autora através de prova documental e testemunhal infirmou a declaração de quitação do preço que o seu procurador fez na escritura pública de compra e venda, ou seja, demonstrou o não recebimento do preço devido", razão pela qual considerou procedente "a acção quanto ao pedido de declaração de falsidade da declaração de quitação constante da escritura pública de compra e venda outorgada em 13 de Julho de 2007”. - No entanto, já quanto à não entrega do bem, o Tribunal entendeu que a aqui recorrente não logrou "como lhe incumbia, demonstrar a inexistência da entrega do bem à compradora, ou seja da traditio a favor da Ré S...". - Conclusão a que o Tribunal chegou por, em sua opinião, dever dar-se como provado "pelo menos em Junho de 2015 a Ré aí - no imóvel - viveu". - A recorrente discorda frontalmente desta parte da sentença, pelo que o Mº Juiz a quo : errou na apreciação da prova produzida; violou o princípio do contraditório ao utilizar como meio de prova dois documentos constantes de um processo judicial no qual a recorrente não é parte, não a tendo confrontado com os mesmos; errou na prolação da sentença uma vez que a matéria dada como provada - em Junho de 2015 a R. S... vivia no imóvel - é insuficiente para a decisão proferida. - O Tribunal deu como não provado que a A. não tivesse entregue o imóvel à R. - Tratando-se da prova de um facto negativo - nunca entregou o imóvel - tem o Tribunal que ancorar-se nos indícios que resultarem dos autos, dando ênfase à ausência de contra prova, ou seja, a de que o imóvel foi entregue, a qual poderia ser feita por qualquer das RR. na acção. - Desde logo, e como consta da própria sentença, "Da prova testemunhal produzida vieram M…., amiga da Autora desde sempre, e T... asseverar que a Ré S... não habita o duplex objecto mediato destes autos há longos anos, desde que saiu da casa da mãe para constituir a sua própria família". - E inclusive que já não habitava nesse imóvel na data da escritura - 13.07.2007 (Testemunha T...) uma vez que "estava numa casa arrendada, um T1" e "já tinha uma filha, precisava de uma casa maior". - O Tribunal recorrido considerou infirmados os depoimentos de três testemunhas que "revelaram conhecimento directo dos factos, face à relação pessoal mantida com a Autora e com a Ré S..., filha daquela" com base em dois factos instrumentais, constantes dos autos principais, a saber: A recorrida S... nos autos principais de insolvência declarou, na procuração que outorgou ao seu mandatário judicial, que o seu domicílio se situava no imóvel em questão, cfr. fls. 89 dos autos principais; E foi aí citada pessoalmente, por contacto pessoal de funcionário judicial, cfr. fls. 115-117. - Daqui concluindo que "tais factos demonstram que, pelo menos, em Junho de 2015 a recorrida S... habitava o apartamento sito na Rua ...". - É verdade que a R. S... indicou na procuração forense como sua morada a do imóvel, mas verdade é também que na escritura de compra e venda, mãe e filha indicaram viver no mesmo imóvel. - Conclusão também errada porque, mesmo a ser verdade que aí tenha sido citada pessoalmente - o que não resulta da certidão de citação - o facto de se indicar como domicílio um determinado endereço - aliás a morada de solteira da R. - e de ter sido encontrada nessa casa, a da mãe, por um funcionário judicial, não legitima por si só a conclusão que nesse dia - 19/6/2015 - "habitava o apartamento sito na Rua ...”. - Sendo certo que do auto da inspecção ao local - para se "saber em concreto onde reside a Ré/insolvente S..., designadamente se na fracção autónoma objecto destes autos” - não resulta que a mesma tivesse aí vivido na idade adulta: não foi encontrada qualquer peça de roupa da R. e a inscrição "S...” na porta de um dos quartos tem características claramente juvenis, como resulta das regras da experiência. - A única conclusão possível de tudo isto é que no dia 19/6/2015 a R. S... estaria naquele local. - Estes factos instrumentais são insuficientes para contrariar três testemunhas que o próprio Tribunal a quo considera credíveis e com conhecimento directo dos factos bem como as conclusões da própria inspecção ao local. - Devem considerar-se como incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto: “A Ré reside na Rua ...” (ii dos factos provados) - o que deveria ter sido considerado como não provado - depoimentos das testemunhas M…, T... e A..; "Desde a data da escritura até hoje, a R. S... nunca utilizou como sua habitação permanente ou sequer eventual' (1. dos factos não provados) - o que deveria ter sido considerado provado - depoimentos das testemunhas M..., T… e A…. e acta da inspecção ao local. - A reapreciação da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento impõe uma diferente conclusão quanto à não entrega do imóvel à recorrida S..., concatenada com o resultado da inspecção ao local e as regras da experiência comum. - Conforme resulta da sentença proferida o Tribunal a quo considera, tendo por base os factos 10, 11 e 12 dos factos dados como provados que a recorrida S... habitava o imóvel em questão. - A contrario, dá como não provado o facto 1 dos factos não provados. - E chega a essa conclusão pelo facto de os "(...) autos principais revelam factos instrumentais relevantes que infirmam a versão dada pelas testemunhas em causa", cfr. se transcreve da matéria de facto. - Nomeadamente a recorrida S... foi citada no imóvel em causa, e "nos autos principais de insolvência declarou, na procuração que outorgou ao seu mandatário judicial, que o seu domicílio se situava no imóvel em questão, cfr. fls. 89 dos autos principais, sendo que foi aí citada pessoalmente, por contacto pessoal de funcionário judicial, cfr. fls. 115-117" cfr. se transcreve da matéria de facto. - A recorrente nunca foi parte nos autos principais, razão pela qual é surpreendida na sentença com estes factos. - Deveria a recorrente ter sido confrontada com os mesmos, para poder exercer o contraditório, uma vez que estamos perante prova por documentos, a certidão da citação pessoal por funcionário judicial, fls. 115 - 117 dos autos principais de insolvência, e a procuração forense outorgada pela recorrida S..., fls. 89 dos mesmos autos principais de insolvência. - O Tribunal a quo violou o princípio do contraditório, pois a recorrente não foi confrontada com tais factos (documentos) no decurso do processo. - Assim deveria o Mº Juiz a quo ter ordenado a junção ao processo dos documentos de que funcionalmente teve conhecimento (arts. 412º/2 e 415º do CPC), dando oportunidade às partes, nomeadamente à recorrente, para sobre os mesmos se pronunciarem e, se assim o entendessem, requerer a produção de prova, nos termos previstos na lei do processo. - Estamos assim perante uma sentença surpresa, tendo em conta que não foi facultada à recorrente sequer a hipótese de efectuar a contradita de factos consubstanciadores da decisão ora proferida. - Dada a contradição existente entre a prova que o Mº Juiz a quo vislumbrou no processo principal e a produzida em audiência, mais se impunha a produção de prova sobre os documentos em causa, o que recorrente facilmente poderia promover, quer por declarações de parte, de depoimento de parte da recorrida S..., quer por notificação da Secção de Serviço Externo para prestar informação sobre o local onde ocorreu a citação. - O mesmo se dirá quanto à conclusão que o Tribunal retira do facto de constar da procuração forense emitida pela recorrida, junta aos autos do processo de insolvência, onde se lê que o seu domicílio é o endereço do imóvel em litígio nestes autos. - Na verdade, trata-se de um documento particular, o qual, não fazendo prova plena, admite impugnação e prova em contrário, nomeadamente testemunhal. - Vigora aqui o princípio geral de que todo o documento é susceptível de interpretação ou impugnação, para a qual é admissível prova testemunhal, com o objectivo de determinar o sentido que a parte atribuí a determinado texto inserto num documento. - Neste âmbito, a recorrente poderia ter promovido a inquirição do ilustre mandatário da recorrida S..., certamente o autor da procuração em causa, e que, também certamente, viria dizer aos autos que fez aquilo que a generalidade dos sdvogados fazem ao minutar uma procuração: colocam a morada que está na petição inicial. - Estamos assim perante a violação do disposto no nº3 do art. 3º do C.P.Civil, integrando deste modo a violação do princípio do contraditório, susceptível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, pois está subjacente a uma irregularidade cometida que se mostra capaz de influir no exame ou decisão da causa, como é o caso. - A sentença, nesta parte, é nula, por violação do princípio do contraditório, pois não foi observado este direito que à recorrente assiste quanto aos documentos invocados para prova dos factos dados como provados (11 e 12) e quanto ao facto dado como não provado (1) cf. estabelecido nos arts. 412º, nº2, 415º e 3º, nº3, todos do CPC. - O Mº Juiz a quo parte do pressuposto que um evento isolado no tempo, o acto de citação pessoal da recorrida, que, repete-se, não é verdadeiro, traduz uma realidade factual concreta e imutável: que o imóvel objecto do presente litígio foi entregue à compradora, a recorrida S..., quando a restante prova produzida nos autos indicava em sentido contrário. - Ou seja, o facto de a recorrida ter sido citada na Rua ... poderia ter resultado de uma passagem fortuita da mesma pelo imóvel em causa. - É manifestamente insuficiente infirmar a conclusão lógica do depoimento inequívoco das três testemunhas já mencionadas: os factos por si relatados indiciam claramente que nunca o imóvel foi entregue à recorrida S.... - Outra conclusão não se pode aceitar senão a de considerar que, neste aspecto específico, a matéria dada como provada, a contrario, é insuficiente para a decisão proferida. - Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto e revogada a decisão na parte recorrida. Em contra-alegações, pronunciou-se o apelado Banco Popular pela confirmação do julgado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual : 1. Por sentença proferida a 1.10.2015, transitada em julgado, S... foi declarada insolvente, tendo sido dado como provado que: i. S... nasceu em 1/6/75, na freguesia de Mártires, concelho de Lisboa e é filha de A... e de M.... ii. A requerida é solteira e reside na Rua ... iii. Por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, lavrada pelo Cartório Notarial de Carlos Manuel da Silva Almeida, em 13.7.2007, de fls. 79 a fls. 82 v do livro 177 A de Escrituras Diversas e respectivo documento complementar, o requerente emprestou à mutuária a seu pedido a quantia de € 250.000. iv. Ficou convencionado que o empréstimo venceria juros sobre o capital em dívida a taxa nominal anual igual a soma do indexante. arredondada a milésima, com um spread de 1%, sendo o indexante calculado pela média das cotações diárias das taxas Euribor a 12 meses do mês anterior ao inicio do período de contagem de juros, sendo a taxa nominal anual à data do contrato de 5,568% a qual correspondia a taxa anual efectiva de 5,888%. v. Na cláusula 9ª do documento complementar à escritura convencionou-se que "o Banco poderá considerar os seus créditos vencidos e exigíveis e promover a execução da hipoteca se: b) não forem liquidadas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas". vi. Para garantia do empréstimo referido em 3), a requerida constituiu, na mesma escritura, a favor do Banco reclamante, hipoteca voluntaria fracção autónoma designada pela letra "O", que corresponde ao 4º e 5º andares lado direito - duplex, habitação e uma arrecadação e sótão, do prédio urbano sito na Rua ..., afecto ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo 1221, de que é proprietária. vii. A hipoteca voluntária encontra-se registada a favor do Banco requerente pela Ap. 35 de 2007/07/30, garantindo o capital de 250.000 €, despesas no valor de 10.000 €, tudo até ao montante máximo de 342.500 €. viii. O montante referido em 3) foi transferido, com data valor de 13.7.2007, para a conta nº 0046-0375 060-04205 de que é titular a requerida. ix. Aquando da transferência do montante de 250.000 €, a conta nº 0046-0375 060-04205 apresentava o saldo negativo de - 235.051,37 €. x. Em 13.7.2007, antes da transferência do montante de 250.000 €, foram efectuados dois débitos na conta nº 0046-0375 060-04205, no valor de 92.800 € e de 128.430,00 €, referentes a regularização de dívidas das empresas C... e G…. respectivamente. xi. A partir de 13.9.2008, a requerida deixou de pagar as prestações acordadas no empréstimo identificado em 3. xii. Em 9.4.2015, do empréstimo identificado em 3) estavam por pagar: a) 247.892,76 € de capital; 147.930,13 € de juros remuneratórios calculados entre 13.9.2008 e 13.3.2015; b) 128,70 € de comissões de processamento; c) 2.915,27 € de comissões de recuperação de valores em dívida; d) 12.878,26 € de juros de mora até 9.4.2015 e e) 121,51 € Imposto de Selo, f) Num total de 311.866,63 €. xiii. Por escritura de mútuo com hipoteca e fiança, lavrada pelo Cartório Notarial de Carlos Manuel da Silva Almeida, em 13.7.2007, de fls. 83 a fls. 85 verso do livro 177 A de Escrituras Diversas e respectivo documento complementar, a requerida constituiu, a favor do Banco requerente, hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma melhor identificada em 6). xiv. Garantido por esta hipoteca voluntaria sobre o prédio urbano, o Banco requerente concedeu à sociedade N…. Lda., de que a requerida é sócia, a seu pedido a quantia de 350.000 €. xv. Ficou convencionado que o empréstimo venceria juros sobre o capital em dívida a taxa nominal anual igual a soma do indexante, arredondada a milésima e acrescida de um spread de 2,5%, sendo o indexante calculado pela média aritmética simples das taxas Euribor a 12 meses, apurada com referência ao mês anterior ao do início de cada período de contagem de juros, sendo a taxa nominal anual a data do contrato de 7,117% a qual correspondia a taxa anual efectiva de 7,35%. xvi. Esta hipoteca voluntária encontra-se registada a favor do Banco requerente, pela Ap. 36 de 2007/07/30, garantindo o capital de 350.000 €, despesas no valor de 14.000 €, tudo ate ao montante máximo de 511.000 €. xvii. O empréstimo concedido à sociedade N…. Lda, na escritura referida em 13) destinou-se a "liquidação de responsabilidades anteriormente assumidas". xviii. Na escritura referida em 13), a requerida constitui-se fiadora da sociedade N... Lda., pelas responsabilidades decorrentes do empréstimo concedido à referida sociedade, tendo renunciado expressamente ao benefício da excussão prévia. xix. Em 13.7.2007, a quantia referida em 14) foi depositada na conta à ordem nº 015816700109 de que é titular sociedade N…. Lda. xx. Em 13.7.2007 foram efectuados dois débitos na conta referida em 19), no valor de 220.537,47 € e de 129.766,83 €. xxi. A partir de 13.11.2008, a mutuária deixou de pagar as prestações acordadas no empréstimo identificado em 14). xxii. Em 9.4.2015, do empréstimo identificado em 14) estavam por pagar: a) 339.235,59 € de capital; b) 136.031,82 € de juros calculados entre 13.11.2008 e 13.3.2015; c) 313,88 € de comissões de processamento; d) 8.264,15 € de comissões de recuperação de divida; e) 67.844,57 € de juros de mora até 9.4.2015; f) 8.498,07 € de Imposto de Selo, g) Num total de 560.188,08 €. xxiii. A requerida é ainda titular de uma conta de depósitos à ordem, junto da requerente, com o nº 0046 0375 060 04205-24, a qual apresenta, em 9.4.2015, um saldo devedor no montante de 5.427,84 €. xxiv. A requerida é titular das seguintes participações sociais: a) uma quota no valor nominal de 5.000 € na sociedade G... Lda, e b) uma quota no valor nominal de 10.000 € na sociedade S… Lda. xxv. Uma das sociedades identificadas em 24) explora um restaurante no Centro Comercial ... xxvi A outra sociedade identificada em 24) explora dois quiosques de café. xxvii. A requerida é proprietária de um veiculo automóvel. 2. Em 13.7.2007, no Cartório Notarial de Carlos Manuel da Silva Almeida, Notário, sito na Avenida Defensor de Chaves, 51-B, em Lisboa, foi outorgada escritura de compra e venda e mútuo como hipoteca e fiança, da qual consta que a A., representada pelo seu procurador T..., declarou vender à R. S..., e esta declarou comprar, pelo preço de € 250.000 a fracção autónoma designada pela letra "O", que corresponde ao quarto e quinto andares, lado direito, duplex, habitação e uma arrecadação no sótão do prédio urbano sito na Rua ..., o qual se destinaria a sua residência permanente. 3. Mais declararam os outorgantes nesta escritura que a R. S... solicitou ao Banco ... um empréstimo no mesmo montante de € 250.000, ao abrigo do Regime Geral de Crédito à Habitação, destinado à aquisição da supra identificada fracção. 4. Bem como a R. S... declarou constituir sobre a mesma fracção uma hipoteca destinada a garantir o bom pagamento da quantia mutuada, juros e outros valores que nessa escritura se mencionam. 5. O procurador da A. declarou ainda que para a mesma já tinha recebido da R. S... o preço, ou seja, € 250.000. 6. A R. S... não pagou à A. o preço indicado na escritura de compra e venda. 7. Nem na data da escritura, nem posteriormente, até à propositura desta acção. 8. A A. confrontou a R. S... e o seu filho, enquanto procurador outorgante da escritura, com estes factos. 9. A R. S... informou a A. que a R. Banco ... antes de creditar na sua o valor do empréstimo que com a mesma contratou, debitou nessa mesma conta valores devidos por outras empresas. 10. A A., actualmente, não vive na fracção autónoma indicada em 2), sendo detentora da chave da mesma. 11. Nos autos principais de insolvência, a R. S... foi citada, por contacto pessoal de funcionário judicial, na Rua .... 12. A R. S... , nos autos principais de insolvência, declarou, na procuração que outorgou ao seu mandatário judicial, que o seu domicílio se situava no imóvel identificado em 2) e 11). 3. Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da pretendida resolução do contrato de compra e venda celebrado entre a A., ora apelante, e a 1ª R. Em conformidade com o disposto no art. 886º do C.Civil, transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço. Tal preceito não retira, assim, totalmente ao vendedor o direito à resolução do contrato, já que a recusa de resolução só tem lugar desde que efectuada a entrega da coisa. Ou seja, “se o vendedor a não tiver entregue e o comprador se recusar a pagar o preço no momento devido, nada impede que, nos termos já indicados, ele possa vir a obter a resolução da venda” (P. Lima - A.Varela, Código Civil Anotado, vol. II, pág. 178). No caso, assente, de acordo com a matéria provada, a falta de pagamento do preço devido, na qual a apelante funda a resolução do contrato, entende-se, ao invés do decidido que, por se tratar de facto extintivo do direito invocado (art. 342º, nº2, C.Civil), seria aos RR. apelados que incumbiria a alegação e prova da entrega, à adquirente, do imóvel que daquele constituiu objecto. Resulta, todavia, dos correspondentes articulados que, abstendo-se de o alegar, reconheceu até, implicitamente, qualquer dos contestantes jamais haver a aludida entrega sido efectuada - não constando, em consequência, tal facto da matéria assente. Na ausência do apontado óbice legal, forçoso se torna, pois, reconhecer à ora apelante o direito de resolver o contrato de compra e venda por si celebrado - quedando-se prejudicadas as demais questões suscitadas nas alegações respectivas. 4. Pelo acima exposto, se acorda em conceder provimento ao recurso e, julgando a acção, nessa parte, igual- mente procedente, declarar a resolução do contrato em causa. Custas, em ambas as instâncias, pelos RR. apelados. 28.6.2018 Ferreira de Almeida – relator Catarina Manso - 1ª adjunta Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta |