Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30690/15.3T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISCUSSÃO DE FACTO E DE DIREITO
REENVIO PREJUDICIAL
INDEMNIZAÇÃO POR INFORMAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Sumário: 1. O ato do juiz facultar às partes a discussão de facto e de direito para conhecimento imediato, na audiência prévia, total ou parcialmente, do mérito da causa, previsto na al. b) do n.º 1 do art. 591.º, do C.P.C­., não se cinge aos factos já por elas alegados nos articulados, nem às posições jurídicas já por elas assumidas.
2. Um tal procedimento, para realizar cabalmente a finalidade a que se destina, deve abranger a prévia identificação, pelo juiz, das normas que pretende aplicar, assim como a interpretação que delas venha a fazer, pois que a sentença, seja ela proferida após produção de prova em audiência final e consequente julgamento de matéria de facto, ou em sede de saneador, logo, sem a ocorrência de tal julgamento, não pode deixar de constituir uma decisão com que as partes contem, que seja para elas previsível, tando no âmbito da matéria de facto que deve ser considerada provada na decisão a proferir, como no âmbito do direito que se propõe aplicar.
3. É, por isso, nulo o despacho do juiz proferido na audiência prévia, a conceder a palavra aos mandatários das partes para “alegações”, a fim de, em seguida, passar a conhecer de imediato e na sua totalidade, do mérito da causa, quando, no despacho que marcou a diligência, não fez sequer constar, entre os fins da mesma, facultar às partes a discussão de facto e de direito para aquele efeito.
4. Por se tratar, no entanto, de uma nulidade secundária, estando as partes presentes na audiência prévia, acompanhadas dos seus mandatários, era até ao final da diligência que elas poderiam e deveriam ter arguido a nulidade daquele despacho, sob pena de, não o fazendo, a mesma ficar sanada, logo, insuscetível de arguição e conhecimento em momento posterior.
5. O reenvio prejudicial é um instrumento jurídico que visa a aplicação uniforme do direito comunitário pelos tribunais nacionais dos estados membros, tendo por objeto questões colocadas pelos juízes nacionais, pois que aquela aplicação depende de uma interpretação uniforme das mesmas regras jurídicas comunitárias, constituindo, ao mesmo tempo, fundamento e consequência da aplicabilidade directa e da primazia das normas de direito comunitário;
6. Para que se verifique e se torne necessária a intervenção do TJUE por via do mecanismo do reenvio prejudicial, essencial é que esteja em causa a aplicação do direito comunitário ao caso concreto, posto que aquilo que se pretende é interpretar e aplicar este direito de modo uniforme, e não o direito nacional, pois que, estando em causa a interpretação e aplicação deste direito, não há lugar ao reenvio prejudicial, quer dizer, à intervenção daquele tribunal.
7. Logo, no reenvio prejudicial, não se colocam questões:
- relativas à interpretação ou apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno;
- relacionadas com a compatibilidade destas normas ou regulamentos com o direito comunitário;
- respeitantes à validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais.
8. A ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, pode revestir duas modalidades:
- pode traduzir-se na violação do direito de outrem, ou seja, na infração de um direito subjectivo;
- pode consistir na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
9. Além daquelas duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º do C.C., este código trata ainda de modo especial alguns casos de factos antijurídicos, como é o caso dos conselhos, recomendações ou informações, que podem, excepcionalmente, envolver responsabilidade civil.
11. A obrigação de indemnizar por informações, apenas existe:
a) quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos;
b) quando haja o dever jurídico de os dar e se tenha agido culposa ou dolosamente;
c) quando o procedimento do agente seja criminalmente punível.
11. Quando haja o dever jurídico de dar a informação, a obrigação de indemnizar só aproveita à pessoa perante quem se esteja vinculado, e não ao terceiro que eventualmente foi lesado com a informação errónea.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
OAV[1] e Jmc[2] intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível de Lisboa, tendo sido distribuída pelo Juiz 12, a presente ação declarativa contra AIC (Europe) LTD[3] e ACRC – SROC[4], pedindo:
a) que a 2ª ré seja «condenada a reconhecer que a avaliação da BAEP, S.A., por si efectuada, para a determinação da contrapartida a oferecer no âmbito da perda de qualidade de sociedade aberta por cada acção, comporta erros graves e considerações contrárias às constantes na Certificação Legal de Contas que a invalidam como fonte de informação sobre o preço justo a ser considerado no mercado»;
b) que a 2.ª ré seja «condenada a reconhecer o valor unitário justo da venda de ações da BAEP, S.A. que decorrerá de nova avaliação independente a ser realizada por entidade distinta competente»;
c) que a 1.ª ré seja «condenada, caso se venha a demonstrar que o contrato de seguro à data dos factos era válido e eficaz a indemnizar os ora AA., pelo montante correspondente à diferença de preço pelo qual as acções foram alienadas e o valor justo que resulte de uma mera avaliação independente a ser realizada, por entidade distinta competente, que se virá a apurar em sede de incidente de liquidação»; ou
d) que a 2.ª ré seja «condenada, caso o contrato de seguro de responsabilidade civil à data dos factos seja inválido e ineficaz a indemnizar os ora AA., pelo montante correspondente à diferença de preço pela qual as acções foram alienadas e o valor justo que resulte de uma nova avaliação independente a ser realizada, por entidade distinta competente, que se virá a apurar em sede de incidente de liquidação»;
e) que a 1.ª ré ou a 2.ª ré sejam condenadas «no pagamento dos juros que se vierem a vencer sobre a quantia que se vier a apurar até efetivo e integral pagamento».
*
A 2.ª ré contestou, começando por arguir as exceções dilatórias consistentes:
- na incompetência absoluta do tribunal onde a ação foi instaurada, em razão da matéria;
- na sua ilegitimidade para os termos da presente ação.
No mais, impugna a factualidade alegada pelos autores na petição inicial.
Conclui assim a contestação:
«Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve a ACRC, ora 2.ª R. ser absolvida da instância por ser manifesta a sua ilegitimidade relativamente à pretensão formulada pelos Autores (...).
Caso assim se não entenda (...), deve a ACRC, ora 2.ª R. ser absolvida da instância por ser o presente tribunal absolutamente incompetente para conhecer dos pedidos formulados pelos AA (...).
Se ainda assim não se entender (...), a presente ação deve ser julgada totalmente improcedente por não provada e a ACRC, ora 2.ª R., absolvida dos pedidos.
Deverão ainda os AA. ser condenados como litigantes de má fé em multa e indemnização a favor da ora 2.ª R., no montante de, pelo menos, 20.000,00 (...), cada um».
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A 1.ª ré também contestou a ação, alegando em suma, que é co-seguradora da 2.ª ré, juntamente com a L (Europe) LTD.
No mais, impugna a factualidade alegada pelos autores, concluindo no sentido de que a ação deve ser julgada improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido.
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Na sequência da notificação que lhe foi ordenada pelo despacho de fls. 248, vieram os autores responder à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.
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Seguidamente, no Juízo Local Cível de Lisboa, a juíza a quo a quem o processo foi inicialmente distribuído, proferiu o despacho de fls. 273-273 vº, datado de 8 de fevereiro de 2017, com o seguinte teor:
«Para a realização da audiência prévia sugere-se o dia 16 de Março de 2017, pelas 10.30 horas.
Esta audiência tem o seguinte objecto:
• tentativa de conciliação e, caso a mesma não se concretize,
• facultar às partes a discussão de facto e de direito com vista à apreciação das excepções dilatórias e eventual conhecimento (total ou parcial) do mérito da causa.
Se daquele debate e discussão não resultarem elementos suficientes que permitam o conhecimento (total ou parcial) do mérito da causa, a audiência terá ainda a finalidade de
• permitir a discussão das posições das partes com vista à delimitação dos termos do litígio;
• suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam (ou se tornem patentes na sequência do debate);
• proferir despacho saneador nos termos do artigo 595.°, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC);
• decidir de eventuais reclamações e
• programar os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração, e designar as respectivas datas – cfr. artigo 591.º n.º 1 do CPC».
*
Na audiência prévia realizada no Juízo Local Cível de Lisboa, a que se reporta a ata de fls. 339-342, a juíza a quo inicialmente titular do processo, proferiu despacho pelo qual convidou os autores a apresentarem nova petição inicial aperfeiçoada com vista:
- ao preenchimento do «conteúdo das expressões conclusivas “erro” e “vício” de que padece, na alegação dos autores, o relatório do ROC, a partir do que se determinou o valor de € 2.22 para cada acção da BAEP, S.A.»;
- à quantificação, pelo menos parcialmente, dos seus prejuízos.
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Os autores corresponderam a tal convite, tendo apresentado nova petição inicial, na qual, além de deduzirem o incidente de intervenção principal provocada da companhia de seguros L (Europe) LTD, acabam formulando os seguintes pedidos:
a) que a 2ª ré seja «condenada a reconhecer que a avaliação da BAEP, S.A., por si efectuada, para a determinação da contrapartida a oferecer no âmbito da perda de qualidade de sociedade aberta por cada acção, comporta erros graves e considerações contrárias às constantes na Certificação Legal de Contas que a invalidam como fonte de informação sobre o preço justo a ser considerado no mercado»;
b) que a 2.ª ré seja «condenada a reconhecer o valor unitário justo da venda de ações da BAEP, S.A. que decorrerá de nova avaliação independente a ser realizada por entidade distinta competente»;
c) que a 1.ª ré e a R. chamada seja «condenada, caso se venha a demonstrar que o contrato de seguro à data dos factos era válido e eficaz a indemnizar os ora AA., pelo montante correspondente à diferença de preço pelo qual as acções foram alienadas e o valor justo que resulte de uma mera avaliação independente a ser realizada, por entidade distinta competente, que se virá a apurar em sede de incidente de liquidação»;
d) (...) sem prejuízo do montante apurado e peticionado pelos AA. no valor global de Euros 192.632,00 (...);
e) que as sejam «condenadas no pagamento dos juros que se vierem a vencer sobre a quantia que se vier a apurar até ao efetivo e integral pagamento»[5].
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Apresentada a nova petição inicial, a juíza a quo a quem o processo inicialmente foi distribuído, por despacho de fls. 380-382:
- fixou à ação o valor de € 192.632,00;
- julgou o Juízo Local Cível de Lisboa incompetente em razão do valor para tramitar e julgar a presente ação, considerando competente para o efeito a «Secção Cível Instância Central de Lisboa», para onde os autos foram remetidos para distribuição;
- considerou ser a «Secção Cível da Instância Central de Lisboa», a competente para decidir o incidente de intervenção principal provocada da L (Europe) LTD.
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Os autos foram então remetidos ao Juízo Central Cível de Lisboa, onde foram distribuídos pelo Juiz 14, que começou por decidir assim o incidente de intervenção principal provocada da L (Europe) LTD:
«Apresentada como pedido de “intervenção principal”, a pretensão dos Autores é a de demandar (também) a Seguradora “L (EUROPE) LTD” enquanto, alegadamente, co-responsável (em 75%).
Assim, deverá considerar-se tal entidade como co-Ré/demandada na ação.
Cite-se (...)».
*
A chamada L (EUROPE) LTD contestou, pugnando para que a ação seja, relativamente a si, julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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Em seguida, a juíza a quo designou data para a realização da audiência prévia, «com os seguintes fins:
- realizar tentativa de conciliação;
- proferir despacho saneador;
- discutir a posição das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio;
- identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova;
- programar os atos a realizar na audiência final, designando a respetiva data».
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Consta da ata da audiência prévia realizada no dia 23 de março de 2018, no Juízo Central Cível de Lisboa, a que se reportam fls. 449-451, além do mais, o seguinte:
«(…) pela Mmª Juiz foi transmitido entender o Tribunal que o processo parece conter todos os elementos necessários com vista a ser proferida uma decisão, chamando ainda a atenção para o facto de haver várias “alegações” e “conclusões” em artigos da P.I. que, porventura careceriam de maior concretização, nomeadamente em termos da relação causal entre a alegada conduta da Ré e os prejuízos alegadamente sofridos pelos Autores.
Dada a palavra quer ao Autor presente quer ao ilustre mandatário do co-Autor, pelos mesmos foi dito entenderem que tal tal como estão alegados os “factos” são suficientes para estabelecer o “nexo causal”.
Nessa sequência, foi posta à consideração, nomeadamente dos Autores, a indicação dos factos alegados na petição inicial que possam carecer de prova por se mostrarem controvertidos.
Pelos Autores foram indicados os artigos 42°, 45°, 46°, 49°, 50°, 51° 56°, 88° e 89° da petição inicial aperfeiçoada.
Dada a palavra à ilustre mandatária das Rés Seguradoras, pela mesma foi dito nada ter a opor, mas no pressuposto que se reitera tudo o que foi alegado na sua contestação.
Dada a palavra ao ilustre mandatário do 2° Réu pelo mesmo foi dito que como já foi identificado desde o início, quer em primeira audiência quer agora em segunda audiência, a petição inicial aperfeiçoada em nada veio alterar, ainda que provem todos estes factos que agora se propõem provar, tal não é suficiente para condenar as Rés conforme é pretensão dos Autores, só isso é suficiente para votar ao insucesso a petição dos Autores, mas se tal for considerado conveniente a 2a Ré propõem-se contraprova dos factos que os Autores propõem».
Perante isto, a juíza a quo proferiu, na mesma diligência, o seguinte despacho:
«Os artigos que foram indicados consubstanciam “alegações” que partem daquilo que são factos já assentes, que têm a ver com o teor do relatório e com tudo o mais que tem a ver com aquilo que foi o procedimento da OPA e das decisões, nomeadamente da CMVM e, com base nisso, vou dar a palavra para alegações»[6].
Seguidamente, pelos advogados presentes foi requerido prazo para alegarem por escrito, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias para o efeito.
*
Subsequentemente:
a) os autores apresentaram as extensas alegações escritas que constam de fls.  453-470, nas quais:
- arguiram a denominada «nulidade da audiência prévia»»;
- reproduziram a factualidade alegada na petição inicial e teceram alguns considerandos sobre os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e da obrigação de indemnização,
para concluirem como na petição inicial aperfeiçoada.
b) os réus e a chamada apresentaram igualmente alegações por escrito, concluindo como o haviam feito nas respetivas contestações[7].
*
Após a apresentação das alegações escritas pelas partes, foi proferido:
a) o despacho de fls. 502-503 (1.ª parte), que julgou não verificada a invocada e denominada «nulidade da audiência prévia»;
b) o saneador-sentença de 503 (2.ª parte)-518, que:
- julgou a ação improcedente e absolveu os réus dos pedidos;
- absolveu os autores do pedido consistente na sua condenação como litigantes de má-fé.
*
O 2.º autor recorreu do assim decidido, concluindo deste modo as respetivas alegações:
«1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente improcedente todos os pedidos deduzidos pelo Apelante.
2. O saneador-sentença ora posto em crise enferma, salvo o devido respeito, de dois vícios essenciais, a saber; (i) nulidade da audiência prévia; (ii) falta de pronúncia sobre o reenvio prejudicial para o TJUE; (iii) matéria de facto incorretamente julgada e (iv) erro da aplicação do direito[8].
3. A Mmª Juiz desde logo não cumpriu os requisitos para o qual convocou a audiência prévia,
4. nem cumpriu os requisitos previstos no artigo 591º do CPC nomeadamente na apreciação das excepções invocadas pelas Rés e,
5. não houve qualquer abertura para que o Apelante pudesse apresentar os temas da prova e identificasse o objecto de litígio que determina a propositura da presente acção.
6. Para além de que a Mmª Juiz não se coibiu de demonstrar a sua pretensão de decidir através de saneador-sentença a presente Acção, facto que acabou por impossibilitar uma transacção entre as Rés e o Apelante que estava eminente.
7. Por conseguinte, o Tribunal “a quo”, não se pronunciou relativamente ao facto do apelante ter suscitado o reenvio prejudicial para o TJUE.
8. Nos termos do disposto no artigo 267º do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), qualquer órgão jurisdicional dispõe do poder de submeter ao TJUE, um pedido de decisão prejudicial, relativamente à interpretação de uma regra de Direito da União Europeia, quando o considerar necessário para resolução do litígio que lhe tenha sido submetido.
9. Por razões de economia processual e sobretudo visando evitar uma manifesta errada e distorcida interpretação da norma por parte dos Tribunais Portugueses,
10. é de absoluta importância que tal pedido seja desde já formulado, tanto mais que pode ser particularmente útil, quando se trata de uma questão de interpretação nova que apresente um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
11. O reenvio prejudicial, é um processo exercido perante o TJUE que permite a uma jurisdição nacional, interrogar o TJUE sobre a interpretação ou a validade do Direito Europeu, garantindo como supra se referiu a segurança jurídica através de uma aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
12. Pese embora, a apresentação do pedido de decisão prejudicial acarrete a suspensão da instância no processo nacional até à data da decisão do TJUE, o mesmo tem particular relevância.
13. Assim, será crucial que se faça desde já, como anteriormente se referiu por razões de economia processual, a consulta ao TJUE, a propósito de saber qual será a melhor interpretação, à luz do Directiva Comunitária,
14. especialmente sobre o entendimento da avaliação das Empresas cotadas em Bolsa e sua forma de cálculo.
15. Contudo, o despacho saneador-sentença nada refere quanto a esta pretensão do Apelante, motivo pelo qual existe aqui uma falta de pronúncia grave, que deverá ser suprida com as legais consequências sem prescindir de que seja agora efectuada a consulta ao TJUE pelos Venerandos Desembargadores.
16. Relativamente aos factos, ficou provado que o apelante é accionista da empresa BAEP, S.A..
17. Após o anúncio da OPA, o Apelante, pressionado pela mesma, foi obrigado a vender a maior parte das Acções que detinha.
18. Como contrapartida e o preço oferecido por cada acção foi, no entender do Apelante, um valor muito baixo, relativamente ao valor real das mesmas.
19. Essa avaliação, foi efectuada pela Ré ACRC – SROC, a pedido da Oferente TGS.
20. Ora, logo aqui, o Apelante não consegue compreender o motivo pelo qual, foi a Oferente a escolher a sociedade que iria proceder à avaliação do valor das acções da BAEP, S.A. .
21. A única razão que o Apelante encontra para tal facto, é do favorecimento da Oferente relativamente aos accionistas minoritários que adiante vamos demonstrar, para além do conflito de interesses e da violação do Estatuto das SROC.
22. O Relatório de Avaliação da Empresa BAEP, S.A., efectuado pela Ré ACRC – SROC, apresenta vários erros de cálculo que o Apelante identificou e vai aqui demonstrar e que o prejudicou gravemente...
23. Esta demonstração era para ter tido lugar em audiência de julgamento através de depoimento testemunhal, contudo a Mmª Juiz do Tribunal “a quo” não o permitiu...
24. Não só o Apelante identificou esses erros, como também a B, D & CO., sociedade de gestão de activos, autorizada e regulada pela AMF, com o número de registo ___ e sede em Rue, Paris, França, vinha a alertar constantemente a CMVM, dos erros constantes da avaliação, que determinou a injusta contrapartida a oferecer pelas acções da BAEP, S.A..
25. Tendo inclusivamente efectuado a sua avaliação conforme o Doc. 4 junto aos Autos que demonstra que o valor calculado pela Ré ACRC – SROC, é manifestamente baixo.
26. Começando por identificar os erros, a Ré ACRC – SROC, deveria ter tido sempre como preço de partida o valor das acções oferecido na OPA de Euros 2,76, o que não o fez...
27. De referir, que mesmo este valor, foi contestado e é pública a tomada de posição de um Administrador, onde considerou que o valor de Euros 2,76 por acção, não reflectia o valor real das acções da Empresa.
28. Ora, ninguém melhor que um Administrador da Empresa, para saber qual o verdadeiro valor real da Empresa BAEP, S.A..
29. Tal facto poderá ser comprovado através da Acta do Conselho de Administração junto aos Autos, facto que foi irrelevante para o Tribunal “a quo”.
30. É certo que a CMVM procedeu à simples publicação do mecanismo de contrapartida que foi fixado em Euros 2,10 por acção, sem que tal, formalmente signifique a sua validação ou ratificação por parte desse órgão.
31. Tal publicação, em caso algum, não poderá ser entendida como um escrutínio e aprovação do valor constante no Relatório de Avaliação efectuado pela Ré ACRC – SROC.
32. Os Revisores Oficiais de Contas (cfr. artigo 8º da Lei nº 140/2015), são aqueles que se encontram obrigatoriamente inscritos na respetiva lista (cfr. artigo 8.º da Lei n.º 140/2015).
33. A Ré é uma sociedade de Revisores Oficiais de Contas que consta dessa lista.
34. A auditoria às contas, o exercício de quaisquer outras funções que por lei exijam a intervenção própria e autónoma de Revisores Oficiais de Contas sobre determinados factos patrimoniais de Empresas ou de outras entidades constituem actos próprios e exclusivos dos Revisores Oficiais de Contas e das sociedades de Revisores Oficiais de Contas (cfr. artigo 41º, nº 1, al. b) da Lei nº 140/2015).
35. Constituem também actos próprios dos Revisores Oficiais de Contas e das sociedades de Revisores Oficiais de Contas, os inerentes a quaisquer outras funções de interesse público que a lei lhes atribua com carácter de exclusividade (cfr. artigo 41º, nº 2 da Lei nº 140/2015).
36. A CMVM fez depender o deferimento do pedido de perda da qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A. da “adoção de um mecanismo que garanta, pelo menos aos acionistas minoritários a quem foi dirigida a OPA sobre a BAEP, S.A., a possibilidade de alienarem, em termos que acautelem adequadamente os seus interesses, as acções que detêm nesta sociedade (…) [com o] compromisso de adquirir aos mesmos accionistas as acções que não tenham alienado na OPA, por uma contrapartida determinada nos termos do mecanismo previsto no artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, por uma contrapartida fixada por um Auditor independente (ROC independente dos accionistas e da sociedade visada)”.
37. Como mecanismo de saída, a Ré propôs uma contrapartida de Euros 2,10 por acção, afirmando que a mesma se encontra justificada por Relatório elaborado por Revisor Oficial de Contas nos termos do artigo 490º nº 2 do CSC.
38. Diz o artigo 490º, nº 2 do CSC o seguinte: “[n]os seis meses seguintes à data da comunicação, a sociedade dominante pode fazer uma oferta de aquisição das participações dos restantes sócios, mediante uma contrapartida em dinheiro ou nas suas próprias quotas, acções ou obrigações, justificada por relatório elaborado por Revisor Oficial de Contas independente das sociedades interessadas, que será depositado no registo e patenteado aos interessados nas sedes das duas sociedades”.
39. O Revisor Oficial de Contas desempenha as funções supra referidas em regime de completa independência funcional e hierárquica relativamente às empresas ou outras entidades a quem presta serviços (cfr. artigo 49º, nº 1 da Lei nº 140/2015).
40. Daqui resulta que, nos termos conjugados do artigo 490º, nº 2 do CSC e dos artigos 41º, nº 1, al. b) e nº 2 e 49º, nº 1, ambos da Lei nº 140/2015, o Relatório elaborado pela Ré para determinação da contrapartida a ser fixada pelas acções da BAEP, S.A., não pode ser alterado ou sindicado por nenhuma entidade, muito menos pela CMVM que não é uma entidade preparada ou com poderes para actos próprios e exclusivos dos Revisores Oficiais de Contas e das sociedades de Revisores Oficiais de Contas.
41. Contudo, o Tribunal “a quo” quer fazer passar a imagem de que a CMVM teria esses poderes de sindicância o que não é verdade...
42. A verdade, como tem vindo a ser prática por toda a Europa, inclusivamente em Portugal, o Regulador não avalia ou sindica o aludido Relatório, mas tão-somente se limita a produzir os actos administrativos necessários à escolha do Revisor Oficial de Contas independente, publicação dos resultados do Relatório (valor da contrapartida) e fixação da contrapartida em consequência desses resultados.
43. Assim se recorta com elevada nitescência que a responsabilidade pelo Relatório e respetivo conteúdo é somente de quem o produz, neste caso a Ré ACRC – SROC e não de quem, sem ter poderes para o sindicar ou avaliar, o utiliza para fixar a contrapartida em causa, como fez a CMVM.
44. Em todo o caso, mesmo que assim não fosse, é um absoluto absurdo considerar que a Ré estaria afastada da sua responsabilidade apenas porque uma qualquer entidade, seja ela qual for, tinha secundado (mesmo que mal) as suas conclusões.
45. Aceitar isso, significaria dizer que, numa analogia forçada, que o homicida que desferiu a facada mortal não era responsável pelo assassino de uma pessoa, só porque a seguir veio alguém pontear a pessoa depois de morta.
46. Ainda quanto ao valor por acção a que a Ré ACRC – SROC chegou e fez constar do seu Relatório, a própria Oferente TGS, decidiu alterar este valor, passando do valor de Euros 2,10 para 2,22 por acção, por achar que o valor era baixo e não reflectia o valor real da Empresa.
47. Ora logo aqui não assiste razão ao Apelante de que o Relatório efectuado pela Ré ACRC – SROC foi errado?!?!
48. Obviamente que sim.
49. Quanto ao Relatório e aos seus erros, é muito difícil de aceitar que um Revisor Oficial de Contas independente e competente, avalie a BAEP, S.A. no montante de Euros 2,10 por acção – valor inicial da avaliação quando existiram erros gravíssimos de análise conforme vamos demonstrar:
50. Realizar uma avaliação a uma empresa da complexidade da BAEP, S.A. em meia dúzia de dias úteis, quando a informação disponibilizada pela Administração da Empresa sobre as expectativas futuras na geração de fluxos de caixas livres e a estrutura de capital deveriam ser devidamente ponderadas e confirmadas perante um juízo profissional razoável e aderente à realidade actual e futura, o que não foi feito, pois existiram duas transacções de duas Concessionárias da BAEP, S.A. que culminou com a posterior distribuição de dividendos aos Accionistas em que o 2º A. já recebeu ainda no passado dia 31 de Maio de 2017 mais Euros 534,24 (quinhentos e trinta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos) a título de dividendos pelas acções que ainda detém na Empresa conforme documento junto aos Autos.
51. Na ausência de preços de mercado relevantes e passíveis de servir de boa referência para o valor justo dos instrumentos patrimoniais a avaliar, uma avaliação deve sempre considerar as transacções desses instrumentos em bases comutativas, entre partes devidamente informadas, voluntárias e interessadas no negócio que também não foi feito pela Ré ACRC – SROC.
52. O pedido de perda de qualidade aberta dá-se na sequência de uma OPA que é considerada uma transacção entre partes devidamente informadas, voluntárias e interessadas no negócio, pelo que este valor deveria ser sempre o valor de partida e o valor mínimo a considerar, que não foi.
53. No caso da OPA em questão e, na origem do pedido de perda de qualidade aberta, a Oferente e a Requerente respectivamente, são a mesma entidade, assim logicamente tinha um juízo fundamentado sobre as expectativas futuras da Empresa e é inconcebível que estas se tenham alterado em apenas meia dúzia de meses desde a conclusão da OPA e pedido da perda de qualidade aberta pois a TGS ofereceu Euros 2,76 (dois euros e setenta e seis cêntimos) por cada acção na BAEP, S.A. , logo este valor tem de ser considerado como um valor justo mínimo e que não foi tido em consideração pela Ré aquando da sua avaliação.
54. O próprio CVM, reconhece que o preço da contrapartida em OPA é uma boa referência do preço justo em caso de aquisição ou alienação potestativa, pois é esse o valor, que serve de referência para a contrapartida a pagar aos accionistas remanescentes em tais operações, pelo que a Ré, ao não ter em consideração este pressuposto, mais uma vez se demonstra que errou na quantificação do valor a atribuir a cada acção.
55. Desde a altura da OPA, até pelo curto período de tempo decorrido, nada mas nada, justificava, que se assistisse a uma redução substancial do preço praticado na OPA – Euros 2,76 o qual no mínimo, sempre deveria ter sido encarado no Relatório como preço justo, adequado e proporcional e como preço decisivo de referência a ter em atenção na operação de saída de bolsa.
56. Tem sido veiculado e nunca desmentido, que a TGS contraiu um financiamento junto dos principais bancos portugueses, nomeadamente junto do BCP, BES e CGD, dando como garantia as acções da BAEP, S.A. avaliadas a Euros 6,00 (seis euros) cada uma ora, nesta situação as acções valem o valor supra mencionado e noutra já valem menos de metade?!? Obviamente que não...
57. A BAEP, S.A. vendeu 30% da BCR por Euros 770.000.000,00 (setecentos e setenta milhões de euros), o que significa que só na BCR a participação actual da BAEP, S.A., conforme resulta de uma mera operação aritmética tem um valor de Euros 1.796.666.666,00 (mil e setecentos e noventa e seis milhões seiscentos e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e seis euros) valor esse que também não foi tido em consideração pela Ré ACRC – SROC aquando da elaboração do Relatório.
58. A BAEP, S.A. pagou para além do dividendo identificado na al. a), um dividendo extraordinário de Euros 0,69 em 2013, 59. em 2015 outro dividendo aos seus acionistas de Euros 1,30 por acção, num total aproximado de Euros 456.000.0000,00 aos seus acionistas, sendo que Euros 400.000.000,00 foram directamente para o Grupo José de Mello, seu accionista maioritário.
60. Pelo que, podemos concluir que a avaliação levada a cabo pela Ré foi claramente errada e desvirtuada da realidade da Empresa, o que causou graves prejuízos ao Apelante e que mais uma vez o Tribunal “a quo” não considerou relevante.
61. Foi com este Relatório, que a TGS forçou os accionistas minoritários a vender as suas acções a um valor de contrapartida mais baixo que o valor oferecido na OPA e conseguiram controlar cerca de 90,2% da Empresa BAEP, S.A..
62. Pelo supra exposto, não entende o Apelante como é que a Mmª Juiz do Tribunal “a quo” refere que o Apelante não identificou factos susceptíveis de serem controvertidos.
63. Quanto à Responsabilidade Civil da Ré ACRC – SROC sempre podemos dizer o seguinte:
64. Nos termos do preceituado no artigo 483º do CC "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
65. Ali se estabelece pois o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios – comportamento ilícito.
66. Para que desse facto irrompa a consequente responsabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.
67. A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.
68. A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado.
69. Este dever de indemnizar, compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, conforme o disposto no artigo 564º do CC.
70. O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.
71. Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).
72. A reparação dos danos deve efectuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar-se a indemnização em dinheiro.
73. A responsabilidade extracontratual ou aquiliana resulta da prática de factos ilícitos culposos violadores de direitos ou interesses alheios juridicamente protegidos, causadores de prejuízos a outrem; como resulta dos seus próprios termos, esta responsabilidade gera-se fora do círculo de uma relação obrigacional entre as partes.
74. Na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, cabe ao lesado provar a culpa do lesante.
75. Entre os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, cuja regra base está contida no artigo 483, nº 1, do CC, figuram o facto voluntário e o nexo de causalidade entre o facto do lesante e o dano.
76. O facto voluntário, embora consista, em regra, numa acção, ou seja, num facto positivo, pode traduzir-se também num facto negativo, numa abstenção ou omissão.
77. Mas as simples omissões só dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente de outros requisitos legais, exista, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.
78. Quer dizer, as omissões só geram responsabilidade civil, desde que se verifique um pressuposto específico, que é a existência de um dever jurídico da prática do acto omitido e, designadamente, desde que esteja presente o nexo de causalidade, por forma a que possa afirmar-se que o acto omitido teria seguramente ou com a maior probabilidade obstado ao dano (Antunes Varela; das Obrigações em Geral; Vol. I, 9ª ed, págs. 545/546; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 485; Pedro Nunes de Carvalho, Omissão e Dever de Agir em Direito Civil, 1999, págs 115, 116 e 137).
79. No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adoptou a designada doutrina da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
80. A propósito deste pressuposto, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que, segundo a doutrina da causalidade adequada, consagrada no artigo 563º do CC, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, que em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano.
81. Com efeito, a teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado.
82. Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, adequado e apropriado para provar o dano.
83. Tal significa que a doutrina da causalidade adequada determina que o nexo da causalidade co-envolva matéria de facto (nexo naturalístico: o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado) e matéria de direito (nexo de adequação: que o facto, em abstracto ou geral, seja causa adequada do dano).
84. Assim, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta, nexo de que o Tribunal pode conhecer, por ser questão de direito.
85. Como ensina Galvão Telles (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 578) "determinada acção será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar".
86. Daqui resulta, como bem se observa no Ac. S.T.J. de 15-1-2002 (Col. Ac. S.T.J., X, 1º, 38 ), que, "de acordo com a teoria da adequação, só deve ser tida em conta como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano”.
87. Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria.
88. Do exposto flui que a teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.
89. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal, ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.
90. Na formulação negativa (mais ampla), o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
91. Por mais criteriosa, deve reputar-se adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (Antunes Varela, Obra citada, págs 921, 922 e 930; Pedro Nunes de Carvalho (Obra citada, pág. 61).
92. Consequentemente, o comando do artigo 563º do CC deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. IV, 4º ed, pág. 579).
93. Do nexo causal há pois a dizer o seguinte:
94. Mesmo que o relatório da Ré ACRC – SROC visasse apenas expressar uma opinião sobre o justo valor da sociedade avaliada com carácter meramente informativo ou auxiliar de uma tomada de decisão, haveria sempre responsabilidade se o Relatório e respetivo conteúdo elaborado contivesse erros manifestamente graves não consentâneos com os limites de um juízo profissional e técnico, com o intuito de levar os utentes dessa informação a fazer um juízo errado.
95. No entanto, in casu, o Relatório tem um carácter vinculativo e não meramente informativo, pois é por intermédio desse Relatório (que não pode ser afastado a não ser por recuso à via judicial) que a contrapartida a receber pelo Apelante foi fixada (cfr. artigo 490º, nº 2 do CSC).
96. O Apelante não tinha outra hipótese que não fosse aceitar essa contrapartida, assim fixada e inafastável, ou então sujeitarem-se a serem acionistas de uma sociedade completamente diferente daquelas onde tinham investido no que refere à qualidade de sociedade aberta, ou seja, foi a precisa actuação da Ré ACRC – SROC que causou o prejuízo do qual o Apelante agora reclama.
97. Com efeito, a Ré sabia que:
98. Praticava um acto inerente a uma função de interesse público ao qual a lei (artigo 490º, nº 2 do CSC) lhe atribuiu carácter de exclusividade,
99. e que portanto não podia ser secundado ou alterado por terceiros, sendo as suas conclusões as finais.
100. Que essas conclusões iriam servir, de forma vinculativa, para fixar o preço da contrapartida que o Apelante iria receber pelas suas acções,
101. que uma contrapartida de valor injusto causaria sério prejuízo ao Apelante.
102. Isto é, a Ré praticou os factos representando que a sua conduta preenchia o tipo (elemento cognitivo do dolo) e quis realizar aqueles actos, naqueles exactos termos – produzir o Relatório da forma que produziu, utilizando métricas, critérios e pressupostos que não são consentâneos com a experiência profissional e diligência que lhe é requerida e nem com o juízo profissional e técnico dentro dos limites para o qual convergiriam outros Revisores Oficiais de Contas – tal como resulta do próprio Relatório, ou seja, agiu com a intenção de realizar o tipo (elemento volitivo do dolo).
103. Ou seja, não só a Ré ACRC – SROC conhecia, como quis realizar, os factos que preenchem a causa do prejuízo do Apelante, pelo que a infracção em causa foi praticada pela Ré ACRC – SROC a título de dolo directo e agiu consciente e voluntariamente na prática que lhe é imputada: praticou os factos representando que a sua conduta preenchia o tipo (elemento cognitivo do dolo) e agiu com a intenção de realizar o tipo (elemento volitivo do dolo).
104. Assim, a Ré ACRC – SROC ao produzir o Relatório da forma como produziu, utilizando as métricas, pressupostos e critérios que utilizou, de forma manifestamente errada, cuja prova de tal erro é o facto público e notório da sociedade ter distribuído nos três anos seguintes dividendos que ultrapassaram o valor atribuído pela Ré ACRC – SROC à sociedade por força do aludido Relatório (sendo que a sociedade continua a existir e gerar free cash flow positivo).
105. Acresce que a falta de justeza da contrapartida fixada por intermédio do relatório produzido pela Ré ACRC – SROC viola ostensivamente as Directivas 2004/25/EU e 2013/50/EU.
106. O Apelante considera ter sido prejudicado num valor bastante considerável, correspondente à diferença entre o valor atribuído no Relatório de Avaliação efectuado pela Ré ACRC – SROC de Euros 2,20 e pela média do valor que consideram ser justo atribuir a cada acção como sendo Euros 3,41 (três euros e quarenta e um cêntimos) o que dá uma diferença de Euros 1,21 (um euro e vinte e um cêntimos).
107. Tendo o Apelante detido 150.000 acções, multiplicando pelo valor de Euros 1,21 perfaz um prejuízo total de Euros 181.500,00, 108. valores estes que são da responsabilidade da Ré ACRC – SROC.
109. O Apelante pelas razões supramencionadas viu-se forçado a alienar as suas acções, a esse preço manifestamente muito injusto e longe daquilo que seriam as legitimas expectativas fundadas nos preços alvos (e respectivas análises) acima referidas e pelas declarações públicas do próprio Presidente da BAEP, S.A..
110. Tal permitiu à TGS enriquecer à custa do Apelante e beneficiar com o prejuízo do mesmo, comprando as acções “escandalosamente” abaixo do seu valor certo e considerado justo, o que só foi possível devido à avaliação feita no Relatório produzido pela Ré ACRC – SROC e da sua única responsabilidade.
111. Estando assim mais que provado o nexo causal que levou ao prejuízo do Apelante e dos princípios da responsabilidade civil extracontratual.
112. Motivo pelo qual, o Apelante não se conforma com o Tribunal “a quo” quando julgou concluir pela falta de verificação dos pressupostos que permitiriam imputar à 2ª Ré qualquer responsabilidade civil e, como tal, justificar a pretensão indemnizatória do Apelante contra si e, concomitantemente, contra as Rés Seguradoras.
113. Relativamente à actividade da Ré ACRC – SROC, esta está obrigada a deter um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional.
114. Este contrato de seguro é disponibilizado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
115. Relativamente à Apólice de Seguro nº ____, verificamos que a Ré ACRC – SROC transferiu a sua responsabilidade para as Rés Seguradoras AIC (EUROPE) LTD e L (EUROPE) LTD.
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116. Conforme podemos também verificar, esta responsabilidade foi transferida nas condições de uma cota de participação de 25% para a AIC (EUROPE) LTD e 75% para a L (EUROPE) LTD.
117. Pelo que, quando existe uma solidariedade de Seguradoras, cada uma das co-seguradoras responde pelo sinistro na proporção da quota-parte que garantiu ou à parte percentual do capital assumido.
118. Assim, provada e apurada então a responsabilidade da Ré ACRC – SROC pela errada avaliação da Empresa BAEP, S.A., deverão as Rés Seguradoras ser condenadas a pagar o valor de prejuízo aqui demonstrado pelo Apelante.
119. Porquanto resulta aqui assente, que foi a Ré ACRC – SROC a única responsável pelos prejuízos causados ao Apelante, decorrente da avaliação incorrecta que deu no Relatório de Avaliação da BAEP, S.A..
120. O que releva e demonstra só por si a culpa que, com a sua conduta, demonstrou notoriamente desconhecer regras fundamentais da sua actividade profissional, susceptíveis de prejudicar os seus clientes e/ou terceiros a quem presta um serviço cobrando um preço e/ou a quem esse serviço prestado poderá afectar.
121. Porquanto, foi em resultado de uma avaliação errónea e viciada conforme se demonstrou, que resultaram como consequência directa e necessária ao Apelante, diversos danos de natureza patrimonial, que merecem a tutela do direito atenta a sua manifesta gravidade.
122. O artigo 458º, nº 2 do CC, dispõe que existe obrigação de indemnizar quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar ou quando o procedimento constitua facto punível.
123. Por sua vez o artigo 496º, nº 1 do CC dispõe que, na fixação da indemnização deve atender-se, para além dos danos patrimoniais, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
124. Já o artigo 562º do CC vem enunciar que “(...) quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que se obriga à reparação”.
125. Assim, por força do acima exposto, tem o Apelante direito a ser indemnizado pelas Rés, no montante peticionado, ou seja, o valor de Euros 181.500,00.
126. Como já se referiu, os danos do Apelante imputam-se em exclusivo à Ré ACRC – SROC.
127. A Ré ACRC – SROC, possui seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, decorrente da sua actividade profissional, conforme prevê o artigo 73º do E.O.R.O.C. (Dec. Lei nº 487/99 de 16/11).
128. Ao abrigo do supra referido contrato de seguro, a responsabilidade civil decorrente dos danos patrimoniais sofridos pelo Apelante foram transferidos para as Rés Seguradoras na proporção de 25% e 75%.
129. Sendo que todos os danos que se possam apurar para além do montante peticionado pelo Apelante, decorrente do Relatório de Avaliação produzido pela Ré ACRC – SROC estão assim reunidos e verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual.
130. Como tal, sendo a Ré ACRC – SROC responsável exclusiva pela produção dos danos, verificada a validade e eficácia do contrato de seguro, recairá sobre as Rés Seguradoras a responsabilidade civil inerente, incumbindo-lhes assegurar o pagamento de todos os valores devidos a título de ressarcimento dos danos provocados indicados pelo Apelante e ainda nos que se poderão vir a apurar.
Termos em que, deverá o douto despacho saneador-sentença recorrido, ser revogado e, em sua substituição ser proferida outro que decida pela procedência integral dos pedidos deduzidos pelo Apelante, assim se fazendo a costumada justiça![9]».
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
- a questão da denominada «nulidade da audiência prévia»;
- a questão do reenvio prejudicial para o TJUE;
- se o saneador-sentença deve ser revogado e substituído por outra decisão que julgue procedentes os pedidos formulados na petição inicial.
*
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
O saneador-sentença recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. O 1º Autor deteve ações da “BAEP, S.A.”, das quais vendeu 9.199 em maio de 2013, através de uma ordem de venda, dirigida ao ABANK, onde as tinha depositado.
2. O 2º Autor deteve ações da “BAEP, S.A.” das quais vendeu 149.000 até ao dia 10 de Abril de 2013.
3. No documento dirigido ao ABANK, o 1º Autor diz que considera ilegal o “mecanismo de saída” instituído pela CMVM e utilizado pela TGS, acionista maioritária e Requerente da perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A., e que discorda do valor da contrapartida oferecida pelas ações remanescentes da BAEP, S.A., por ser claramente insuficiente.
4. O 2º Autor vendeu as supra citadas ações nas mesmas condições do 1º e, para tal, comunicou à CMVM que o faria, ficando a deter apenas 10.000 ações.
5. O 1º Autor vendeu a um preço de € 2.22 por ação e o 2º Autor alienou a preços inferiores a € 2.22.
6. O valor da contrapartida oferecido na OPA foi de € 2.66.
7. Valor que foi depois revisto em alta, para o montante de € 2.76.
8. A Oferta decorreu no período compreendido entre 17 de Julho e 8 de Agosto de 2013.
9. A TGS (Oferente) escolheu a ACRC – SROC para avaliar a BAEP, S.A., para efeitos de determinação da contrapartida a oferecer pelas ações que pretendia adquirir aos restantes acionistas.
10. Em 14 de Março de 2013, a TGS requereu à CMVM a validação do mecanismo de determinação da contrapartida, que seria fixado em € 2,10 por ação, justificada com base no Relatório da 2ª Ré.
11. A CMVM considerou que não se verificava a existência de quaisquer erros ou vícios relevantes e censuráveis no Relatório justificativo da contrapartida produzido pela 2ª Ré.
12. Em 5 de Abril de 2013, a TGS decidiu alterar o valor da contrapartida a oferecer, subindo para os € 2.22, ficando estabelecido esse como o valor definitivo, da contrapartida.
13. Nessa mesma data, a “BAEP, S.A.”, comunicou ao mercado a perda da sua qualidade aberta e a forma e termos como a mesma havia sido deliberada pela CMVM.
14. As ações da “BAEP, S.A.” foram excluídas da negociação no mercado no dia 11 de Abril de 2013.
15. O Relatório elaborado pela 2ª Ré não foi disponibilizado ao mercado mas foi disponibilizado nas sedes da CMVM e da BAEP, S.A. a quem fizesse prova da sua qualidade acionista.
16. A 2ª Ré transferiu a sua responsabilidade civil profissional para as Seguradoras AIC (EUROPE) LTD e L (EUROPE) LTD - Apólice de Seguro nº ____ - nas condições de uma cota de participação de 25% para a primeira e 75% para a segunda.
17. A 29 de março de 2012, a “TGS” anunciou o lançamento de uma oferta pública geral e obrigatória de aquisição sobre a totalidade das ações ordinárias da BAEP, S.A., oferecendo o preço de € 2,66 por ação.
18. O capital social da BAEP, S.A. ascendia, em 29 de março de 2012, a € 600.000.000,00, representado por 600.000.000 ações com o valor nominal de € 1,00 cada.
19. Na referida data, a BAEP, S.A. era uma sociedade aberta com ações admitidas ao mercado regulamentado do Euronext.
20. O objeto da OPA lançada pela “TGS” cifrava-se em 255.523.722 ações, número que corresponde à diferença entre os 600.000.000 de ações representativas do capital social da BAEP, S.A. e as ações bloqueadas para efeito da oferta pública de aquisição (297.239.436 ações imputáveis à oferente TGS e 47.236.842 ações próprias da sociedade).
21. Em 16 de julho de 2012, a “TGS” publicou o prospeto de OPA, tendo melhorado a contrapartida para € 2,76 por ação da BAEP, S.A. e tendo a oferta decorrido entre 17 de julho e 8 de agosto de 2012.
22. Os resultados da OPA foram apurados na Sessão Especial de Mercado Regulamentado pela Bolsa e divulgados em 9 de agosto de 2012:
- passaram a ser imputáveis à “TGS” 508.899.116 ações, correspondentes a 84,817% do capital social da BAEP, S.A., correspondentes a 92.06% dos direitos de voto da BAEP, S.A., devido à detenção por esta de ações próprias representativas de 7,87% do capital social da BAEP, S.A.;
- a “TGS” adquiriu durante o período da oferta 211.659.680 de ações, correspondentes a 83% do objeto da oferta;
- não foram adquiridas na OPA n.º ____ ações representativas de 7,31% do capital social da BAEP, S.A..
23. Em 4 de setembro de 2012, e de acordo com a possibilidade que se encontrava prevista no Prospeto, a “TGS” requereu à CMVM a perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A. ao abrigo da alínea a) do nº 1 e do nº 2 do artigo 27º do CVM, com base no facto de, na sequência da OPA, ter ficado a deter, nos termos do artigo 20.º do CVM, 92,06% dos direitos de voto da BAEP, S.A..
24. Em 10 de dezembro de 2012, a BAEP, S.A. tornou público um comunicado da “TGS”, nos termos do qual esta, por instruções da CMVM, informou o mercado que tinha sido notificada, no dia 5 de dezembro daquele ano, de um projeto de decisão da CMVM sobre o seu requerimento para a perda da qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A., projeto de decisão esse que anexou ao referido comunicado.
25. Do projeto de decisão dado a conhecer ao mercado, a CMVM propunha-se deferir a perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A., “desde que, pelo menos aos acionistas minoritários a quem foi dirigida a oferta pública de aquisição que precedeu o requerimento objeto da presente decisão, seja assegurada a possibilidade de saída da sociedade em termos similares aos que resultariam do acionamento de algum dos mecanismos suprarreferidos nos pontos 20 e 21 desta decisão”.
26. Os pontos 20 e 21 da decisão referiam como possíveis formas de saída, as seguintes possibilidades: o mecanismo previsto no artigo 27º, nº 1, b) do CVM (deliberação da perda de qualidade de sociedade aberta em assembleia geral), o mecanismo previsto no artigo 196º do CVM (alienação potestativa mobiliária) ou o mecanismo previsto no artigo 490º do CSC (aquisição e alienação potestativas societárias).
27. Concluiu a CMVM no projeto de decisão que “o requerente deverá assumir formalmente o compromisso de adoção de um mecanismo de saída nos termos que venham a ser por si definidos e divulgá-lo ao mercado após ratificação pela CMVM”.
28. Após pronúncia da “TGS” no âmbito do procedimento administrativo da perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A. perante a CMVM e da apresentação, por imposição da CMVM, de um mecanismo de saída destinado a possibilitar a alienação das ações detidas pelos acionistas minoritários da BAEP, S.A., a CMVM deu conhecimento à “TGS”, no dia 8 de Fevereiro de 2013, do teor do ato de deferimento do pedido de perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A., condicionado à implementação daquele mecanismo de saída.
29. No dia 3 de março de 2013, a BAEP, S.A. tornou público o comunicado da “TGS” nos termos do qual se informava que: “na sequência da notificação recebida da CMVM no passado dia 8 de Fevereiro de 2013 relativa ao seu pedido de perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A. ao abrigo do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Valores Mobiliários, e sem prejuízo de manter o entendimento que manifestou à CMVM de que é contrária à lei a imposição de quaisquer condições para o deferimento de tal pedido, comunicou àquela entidade:
(a) que se encontra a efetuar diligências tendentes à implementação de um mecanismo de saída para, pelo menos, os acionistas da BAEP, S.A. que não venderam as suas ações na OPA, em conformidade com o requerido pela CMVM;
(b) que, para efeitos de determinação do preço de compra das ações, optou pelo método previsto no n.º 2 do artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais, tendo posto já em curso o processo de designação do revisor oficial de contas independente.
A implementação do mecanismo de saída anteriormente referido pressupõe, todavia, que não ocorra qualquer um dos seguintes factos, alheios à vontade da TGS:
(a) Que o relatório que a TGS receba do ROC não justifique o valor que a TGS tenha condições de propor como contrapartida;
(b) Que a TGS não consiga obter todas as aprovações e compromissos dos bancos financiadores que sejam necessários para implementar, através deles, o referido mecanismo de saída”.
30. No dia 5 de abril de 2013, a CMVM emitiu um comunicado ao mercado no qual informava ter deliberado o seguinte:
a) Aceitar o mecanismo de saída e de determinação da contrapartida, validando o deferimento do pedido de perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A., por se verificar a compatibilidade dos seus termos com os pressupostos de que aquele deferimento se encontrava dependente;
b) Considerar que a perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A. e, em consequência, a contemporânea exclusão de negociação em mercado regulamentado das respetivas ações produzem efeitos a partir de 11 de abril de 2013, inclusive, tendo em conta que na presente data foi transmitida pela TGS ao BCP, S.A. ordem irrevogável para que o mecanismo de saída venha por este a ser executado;
c) Determinar a imediata divulgação pela TGS dos exatos termos e condições da implementação do mecanismo de saída a que se refere a alínea a)”.
31. Nessa mesma data, a BAEP, S.A. comunicou ao mercado que para cumprimento da condição a que a CMVM sujeitou a deliberação de perda de qualidade de sociedade aberta da BAEP, S.A., a “TGS” iria implementar um mecanismo de saída para os acionistas da BAEP, S.A. que pretendessem alienar as suas ações com as seguintes características, e que foi objeto de ratificação pela CMVM:
“a) Mecanismo de saída: a TGS fica irrevogavelmente comprometida a, através do BCP, S.A., desde o dia 11 de Abril até ao dia 13 de Maio de 2013, aceitar as propostas de alienação de ações da BAEP, S.A., livres de ónus ou encargos, que lhe venham a ser dirigidas por qualquer acionista da BAEP, S.A. que não a própria BAEP, S.A., a TGS ou entidades que direta ou indiretamente controlem esta última.
b) Contrapartida: o preço de aquisição de ações BAEP, S.A. pela TGS ao abrigo deste mecanismo será de € 2,22 (dois euros e vinte e dois cêntimos) por ação, a qual foi determinada em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais, através de justificação elaborada por Revisor Oficial de Contas independente, que se encontra disponível nos termos legais”.
32. Em consequência, a Bolsa publicou o Aviso nº ___/13, de 9 de abril, em que determinou a exclusão da negociação das ações da BAEP, S.A. a partir do dia 11 do mesmo mês.
33. Os ora Autores intentaram um processo cautelar de suspensão do ato administrativo contra a TGS e a BAEP, S.A., requerendo a suspensão da decisão da CMVM de 5 de abril de 2013, alegando que a decisão da CMVM que aprovou a perda de qualidade de sociedade aberta, bem como o Mecanismo de Saída, enfermava de ilegalidades.
34. Esse processo que correu os seus termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, na 2.ª Unidade Orgânica, sob o n.º ___/__._BELSB, foi julgado improcedente.
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3.2 – Do mérito do recurso:
3.2.1 – Da denominada «nulidade da audiência prévia»:
O despacho proferido no Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 14, que marcou data para a realização da audiência prévia (fls. 447):
- ignorou por completo o anterior despacho proferido no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 12, que também havia marcado data para a realização de tal diligência com indicação dos respetivos fins;
- ao contrário do despacho referido no item anterior, entre os fins da audiência prévia, a juíza a quem o processo foi distribuído no Juízo Central Cível de Lisboa, não fez constar aquele a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 591.º, do C.P.C.[10], ou seja, facultar às partes a discussão de facto e de direito por tencionar conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa[11].
Sucede que, na audiência prévia realizada no Juízo Central Cível de Lisboa, no dia 23 de abril de 2018, documentada pela ata de fls. 449-451, além da tentativa de conciliação[12], não foi realizado nenhum dos outros fins indicados no despacho que a marcou (fls. 447), acabando a juíza a quo por proferir o despacho acima transcrito[13].
Trata-se de um despacho, importa desde já dizê-lo, que além de não primar pelo rigor, clareza, objetividade e certeza que deve caracterizar qualquer decisão judicial que não seja de mero expediente é, efetivamente, nulo, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do C.P.C., por preterição de uma formalidade essencial.
Não sendo claro, rigoroso e objetivo, dele se retira, no entanto, seguinte:
- apesar de no despacho que marcou a audiência prévia não constar indicado, entre os seus fins, o previsto na al. b) do n.º 1 do art. 591.º, do C.P.C.;
- na própria audiência prévia, a juíza a quo decidiu passar a conhecer imediatamente, e na sua totalidade, do mérito da causa­;
- tendo, para o efeito, concedido a palavra aos mandatários das partes, para «alegações», o que significa que, para a concretização de tal intenção, lhes facultou a discussão de facto e de direito.
Parece evidente que à juíza a quo estava vedada a prolação de um tal despacho, nos termos em que o fez, com vista ao conhecimento imediato do mérito da causa.
Conforme esclarecidamente refere Paulo Pimenta, «a marcação da audiência é feita por meio de despacho, o qual deve indicar, concretamente, o seu objecto e finalidade (art. 591º 2). O teor desse despacho é muito importante. Na realidade, a previsão desta audiência no nosso processo civil resulta do reconhecimento das vantagens do diálogo proporcionado pelo contacto directo dos intervenientes no processo. Tal diálogo só será proveitoso se todos forem preparados para o mesmo.
Ora, essa preparação supõe que as partes e seus mandatários saibam o que vai acontecer, o que vai discutir-se, o que vai tratar-se na audiência prévia. Disso devem ser informados pelo despacho que marca a audiência. O mesmo é dizer que o juiz deve ter o cuidado e o rigor de indicar, expressamente, o objecto da audiência prévia, tanto mais que, podendo, em abstracto, a audiência prévia cumprir diversas finalidades, há que definir quais as finalidades a considerar em cada concreto processo.
Nessa conformidade, se pretender procurar a conciliação das partes, o juiz deve referir isso no despacho. Se pretender ouvir as partes acerca de uma excepção dilatória, deve identificar a excepção. Se a audiência tiver por fim esclarecer este ou aquele ponto de facto alegado nos articulados deve ser dada nota disso. Se o juiz projectar conhecer do mérito da causa e houver vários pedidos formulados (originais ou reconvencionais) ou houver excepções peremptórias, é indispensável indicar de qual aspecto do mérito da causa pretende conhecer-se, para que as partes preparem a sua intervenção sobre esse tema. Não é adequado, nem cumpre a lei, o despacho que contenha singelas referências genéricas ou que se limite a remeter para as alíneas do nº 1 do art. 591º ou a reproduzi-las»[14].
Acrescenta o mesmo Autor, mais adiante, que «quando o juiz, findo o período dos articulados e considerando o estado do processo, entender que dispõe de condições para decidir já o mérito da causa, decisão que, a ter lugar, será incluída no despacho saneador, a proferir, em princípio, nessa audiência [arts. 591º l.d), 595º l.b) e 595º 2], a audiência prévia será então destinada a facultar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o juiz projecta decidir. É de toda a conveniência que o juiz não decida o litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais, de facto e de direito, acerca do mérito da causa, sendo que o âmbito dessas alegações depende do caso concreto. Assim, nessas alegações, as partes poderão fazer os considerandos que tenham por convenientes, no sentido de justificar e fundamentar a procedência das respectivas pretensões. Além disso, as alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre eventuais excepções peremptórias não discutidas nos articulados, mas que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente. Acresce que deve ser proporcionada às partes a possibilidade de produzirem alegações quando o juiz se proponha decidir o mérito da causa num enquadramento jurídico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados.
A convocação das partes para a audiência prévia, no contexto da alínea b) do n.º 1 do art. 591º, é pertinente a vários títulos. Antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art. 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito. Expressão disso mesmo é a segunda parte do n.º 2 do art. 591º, referindo que o despacho determinativo da audiência prévia para este efeito não constitui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa, de modo a não vincular o juiz à intenção por si manifestada. Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações complexas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria»[15].
A propósito do n.º 2 do art. 591.º[16], referem Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, «o facto de o juiz considerar possível o conhecimento imediato do pedido e o indicar como finalidade da convocação da audiência prévia não o vincula a fazê-lo no despacho saneador. É o que se quer significar, no n.º 2, com a negação da constituição de “caso julgado sobre a possibilidade de apreciação do mérito da causa” (...). O juiz permanece, pois, livre de, no despacho saneador, após a discussão entre as partes ou mesmo que esta acabe por não ter lugar, entender que o processo deve prosseguir»[17].
­É este o sentido correto da norma contida no n.º 2 do art. 591.º do C.P.C..
Ora, não constando sequer do despacho que marcou a audiência prévia, como um dos seus fins, o conhecimento imediato, e no seu todo, do mérito da causa, com a prolação do despacho que, para aquele efeito, concedeu a palavra aos mandatários das partes para «alegarem», foi preterida uma formalidade essencial: precisamente a indicação, no despacho designativo da audiência prévia, daquela finalidade.
Além de que se trata, evidentemente, de uma decisão surpresa, proibida nos termos nos termos do art. 3.º, n.º 3, do C.P.C.
Sempre se diga, ainda, que um tal despacho, concedendo de imediato a palavra aos mandatários das partes para «alegações», não poderia deixar de os prevenir, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implicaria a enunciação e comunicação às partes, das questões a solucionar, em respeito pelos princípios da igualdade, boa-fé processual e da recíproca cooperação entre elas e o juiz.
O facultar às partes a discussão de facto e de direito não se cinge aos factos já por elas alegados nos articulados, nem às posições jurídicas já por elas assumidas.
Um tal procedimento, para realizar cabalmente a finalidade a que se destina, deve abranger a prévia identificação, pelo juiz, das normas que pretende aplicar, assim como a interpretação que delas venha a fazer, pois que a sentença, seja ela proferida após produção de prova em audiência final e consequente julgamento de matéria de facto, seja ela proferida em sede de saneador, logo, sem a ocorrência de tal julgamento, não pode deixar de constituir uma decisão com que as partes contem, que seja para elas previsível, tando no âmbito da matéria de facto que deve ser considerada provada na decisão a proferir, como no âmbito do direito que se propõe aplicar.
É nisto, e para isto, que consiste o ato de o juiz, em cumprimento do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 591.º, do C.P.C., facultar às partes a discussão de facto e direito sempre que tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte do mérito da causa.
Ora, no caso concreto, a juíza a quo não fez nada disto, sendo, por isso, manifesta, nos termos do art. 3.º, n.º 3, e 195.º, n.º 1, do C.P.C., a nulidade do despacho a que nos vimos reportando.
Porém, como reagiram as partes, presentes que estiveram na audiência prévia e acompanhadas dos seus mandatários, perante um tal despacho?
Não reagiram contra ele, não arguiram a sua nulidade, antes o aceitaram e com ele se conformaram, pois que se limitaram a requerer «prazo para apresentaram as alegações por escrito».
Era logo ali, na audiência prévia, que qualquer uma das partes, querendo, poderia (e deveria) ter arguido a nulidade do despacho em causa.
Tratando-se de uma nulidade secundária, ou seja, não referida no art. 198.º, do C.P.C., dispõe o n.º 1 do art. 199.º do mesmo código, que se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência».
Por conseguinte, “in casu”:
- estando o autor presente na audiência prévia, diligência onde a nulidade foi cometida, por si e através do seu mandatário, conforme resulta respetiva ata (fls. 449-451);
- não tendo, até ao fim da diligência, arguido a nulidade daquele despacho,
ela ficou sanada, sendo, por isso, insuscetível de arguição e conhecimento em momento posterior.
Termos em que, pelas razões expostas, se desatende a arguição da denominada «nulidade da audiência prévia».
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3.2.2 – Da questão do reenvio prejudicial para o TJUE:
Foi nas alegações escritas apresentadas na sequência do despacho analisado em 3.2.1, que os autores vieram dizer o seguinte:
«Considerando que a decisão final a proferir nos presentes Autos será objecto de oportuna revisão por parte do TJUE, por clara e manifesta violação da Directiva Comunitária das OPA, do artigo 3º, nºs 1 in fine, 4, artigo 16º, nº 2 da Directiva Europeia 2004/25/EC, artigo 7º da Directiva Europeia 2004/109/EC e artigos 21º, nº 1 e 30º, ponto 19 dos considerandos, entre outros da Directiva Europeia 2006/43/EC.
Desde já e em fase prévia à realização ou não, de nova Audiência Prévia, requer-se assim o Reenvio Prejudicial nos termos do disposto no artigo 267º do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) porquanto, qualquer órgão jurisdicional dispõe de poder de submeter ao TJUE, um pedido de decisão prejudicial, relativamente à interpretação de uma regra de Direito da União Europeia, quando o considerar necessário para resolução do litígio que lhe tenha sido submetido.
Por razões de economia processual e sobretudo visando evitar uma manifesta errada e distorcida interpretação da norma por parte dos Tribunais Portugueses, é de absoluta importância que tal pedido seja desde já formulado, tanto mais que pode ser particularmente útil, quando se trata de uma questão de interpretação nova que apresente um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
O reenvio prejudicial, é um processo exercido perante o TJUE que permite a uma jurisdição nacional, interrogar o TJUE sobre a interpretação ou a validade do Direito Europeu, garantido como supra se referiu a segurança jurídica através de uma aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
Ao contrário dos outros processos jurisdicionais, o reenvio prejudicial não é um recurso formado contra um acto europeu ou nacional, mas sim uma pergunta relativa à aplicação do Direito Europeu.
O reenvio prejudicial, favorece a cooperação activa entre as jurisdições nacionais e o TJUE e a aplicação uniforme do Direito Europeu em toda a União Europeia, sendo que, apesar de ser um pedido de Juiz para Juiz, poderá ser solicitado por uma das partes no pleito que, neste caso, são os Autores.
Pese embora, a apresentação do pedido de decisão prejudicial acarrete a suspensão da instância no processo nacional até à data da decisão do TJUE, o mesmo tem particular relevância.
Assim, será crucial que se faça desde já, como anteriormente se referiu por razões de economia processual, a consulta ao TJUE, a propósito de saber qual será a melhor interpretação, à luz do Directiva Comunitária, especialmente sobre o entendimento da avaliação das Empresas cotadas em Bolsa e sua forma de cálculo».
E concluem assim:
«Termos em que se requer a V.Exa. que seja solicitado ao TJUE parecer relativamente à situação supra descrita».
O saneador-sentença recorrido não se pronunciou sobre tal questão.
É manifesto, salvo o devido respeito, o equivoco em que o recorrente labora quanto a esta questão.
É verdade que o reenvio prejudicial, a efectuar, nos termos do art. 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), justifica a suspensão da instância, desde que, obviamente, se verifiquem os pressupostos necessários para o desencadeamento desse procedimento.
Dispõe o referido art. 267.º do Tratado:
«O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.»
Assim, o TJUE é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
É prejudicial a questão que um órgão jurisdicional nacional de um qualquer Estado-Membro considere necessária para a resolução de um litígio suscitado pendente perante si, respeitante à interpretação ou à apreciação de validade do Direito da União, excecionada a apreciação de validade dos Tratados.
Sempre que uma questão:
a) sobre a interpretação dos Tratados;
b) sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, os órgãos ou os organismos da União,
seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um Estado-Membro, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao TJUE que sobre ela se pronuncie.
O reenvio prejudicial consiste, assim, num instrumento jurídico-processual destinado a garantir a uniformidade na aplicação e interpretação do direito da União, pois que o TJUE, ao responder da mesma forma às questões suscitadas, substancialmente idênticas, permite que os tribunais nacionais dos Estados Membros apliquem de forma uniforme do direito comunitário.
Importa ter presente que o reenvio prejudicial não assume a natureza de um recurso de decisões dos tribunais nacionais, pois que não se destina a modificar uma decisão já tomada, mas, antes, a facultar ao juiz nacional, antes ainda da decisão sobre o mérito da causa, indicações úteis quanto ao conteúdo das disposições de direito comunitário aplicáveis na resolução do caso concreto submetido à sua apreciação.
Por isso, entre o tribunal nacional do estado-membro reenviante e o TJUE “apenas” existe uma relação de colaboração processual entre os juízes deste tribunal e os juízes dos tribunais nacionais, detentores de legitimações e competências específicas, todos vinculados, no entanto, ao dever comum de boa aplicação do direito comunitário.
Estamos, pois, perante um relacionamento que não tem por base um qualquer princípio de hierarquia entre órgãos jurisdicionais da mesma ordem jurídica, mas, antes, o princípio da harmonização da actuação dos órgãos jurisdicionais do mesmo grau, ao serviço de uma incumbência comum, precisamente a de garantir o respeito pelo direito comunitário em todos os setores da vida de qualquer estado-membro.
Resulta de tudo quanto antecede que no âmbito do reenvio prejudicial não se colocam questões:
- relativas à interpretação ou apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno;
- relacionadas com a compatibilidade destas normas ou regulamentos com o direito comunitário;
- respeitantes à validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais.
Importa ainda referir que mesmo no âmbito do reenvio obrigatório, o mesmo é dizer, naqueles casos em que a decisão do tribunal nacional não é passível de recurso, vem sendo consensualmente entendido que perante uma norma de direito comunitário cuja interpretação não suscite nenhuma dúvida razoável, por respeitar a um caso em que, embora outras interpretações sejam possíveis, qualquer jurista ainda que pouco informado sempre optaria pela solução do juiz nacional, haverá lugar à dispensa da obrigação de reenvio.
Em suma:
- o reenvio prejudicial é um instrumento jurídico que visa a aplicação uniforme do direito comunitário pelos tribunais nacionais dos estados membros, tendo por objeto questões colocadas pelos juízes nacionais, pois que aquela aplicação depende de uma interpretação uniforme das mesmas regras jurídicas comunitárias, constituindo, ao mesmo tempo, fundamento e consequência da aplicabilidade directa e da primazia das normas de direito comunitário;
- para que se verifique e se torne necessária a intervenção do TJUE por via do mecanismo do reenvio prejudicial, essencial é que esteja em causa a aplicação do direito comunitário ao caso concreto, posto que aquilo que se pretende é interpretar e aplicar este direito de modo uniforme, e não o direito nacional, pois que, estando em causa a interpretação e aplicação deste direito, não há lugar ao reenvio prejudicial, quer dizer, à intervenção daquele tribunal.
Ora, face ao objeto do processo, tal como os autores o configuram na petição inicial, integrado pelo pedido e pela causa de pedir que o sustenta, nesta ação não está em causa:
a) a interpretação de qualquer tratado da UE;
b) a validade e a interpretação de qualquer acto adoptado pelas instituições, os órgãos ou os organismos da UE.
Nestes autos, tal como está estruturada a petição inicial que introduziu a ação em juízo, está “apenas” e só em causa a interpretação e aplicação de normas legislativas internas do Estado Português, concretamente as normas contidas nos arts. 483.º, 485.º, n.º 2, 496.º, n.º 1, 562.º e 563.º, do C.C.
Carece, assim, de todo e qualquer fundamento a pretensão de reenvio prejudicial para o TJUE, a qual, assim, se desatende.
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3.2.3 – Da revogação do saneador-sentença e da sua substituição por outra decisão que determine a procedência dos pedidos formulados na petição inicial.
Movemo-nos, sem qualquer dúvida, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
É no nº 1 do artigo 483º do Código Civil que reside o preceito regra em matéria de responsabilidade civil extracontratual subjetiva.
Aí se dispõe este preceito que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual:
- o facto ilícito (facto voluntário violador de direitos alheios ou de interesses juridicamente protegidos);
- o nexo de imputação do facto ao agente (a título de dolo ou negligência);
- o dano ou prejuízo;
- e o nexo de causalidade entre este e o comportamento do agente (danos resultantes da violação ou causados pelo facto).
Naturalmente que não se verificando qualquer facto ilícito, carece de sentido a invocação do instituto da responsabilidade civil extracontratual.
A ilicitude pode revestir duas modalidades:
a) Pode traduzir-se na violação do direito de outrem, ou seja, na infração de um direito subjectivo;
b) Pode consistir na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
A propósito da primeira modalidade, escreve Sinde Monteiro: «Em primeiro lugar não pode duvidar-se que esta modalidade de ilicitude implica ou pressupõe a violação de direitos subjectivos, como aliás também resulta com clareza da história da lei.
(…). Um mínimo de coerência sistemática no próprio “contexto da lei” obriga a aceitar que por “direitos de outrem” se devem entender direitos subjectivos e não meros interesses, embora juridicamente protegidos (se toda a causação culposa de danos houvesse em princípio de ser considerada ilícita por virtude da primeira cláusula (…), então a 2ª alternativa tornar-se-ia tautológica ou inútil).
Em segundo lugar, reguladas no capítulo do incumprimento das obrigações (arts. 798 s.) as consequências da violação da mais importante categoria de direitos relativos (direitos de crédito), parece razoável admitir (salvo quando o contrário resulte da lei) que aqui, em sede de responsabilidade extracontratual, é aos direitos absolutos que autor norma se quer referir.
Esta é inequivocamente a intenção do legislador histórico, em correspondência com a concepção que subjaz à divisão da ilicitude em dois grupos fundamentais (violação de direitos e violação de disposições legais de protecção), tal como a encontramos no direito comparado»[18].
Menezes Cordeiro afirma, por sua vez, que «a contraposição feita no artigo 483º/1 entre direitos e (…) qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios (…) inculca que “direitos” é, efectivamente, o direito subjectivo próprio sensu. A tutela aquiliana é concedida, apenas, perante permissões específicas de aproveitamento de bens»[19].
Segundo Menezes Leitão, «a primeira variante da ilicitude prevista no art. 483º, nº 1 do Código Civil consiste na violação de direitos subjectivos. Esta modalidade de ilicitude tem a como característica especial o facto de, ao se exigir uma lesão de um direito subjectivo específico, se limitar a indemnização à frustração das utilidades proporcionadas por esse direito, não se admitindo assim nesta sede a tutela dos danos puramente patrimoniais (pure economic loss). Efectivamente, neste caso a função da primeira variante de ilicitude prevista no art. 483º, nº 1, não se reconduz à tutela genérica do património do sujeito, mas antes à tutela das utilidades que lhe proporcionava o direito subjectivo objecto de violação.
(…) é evidente que são abrangidos por esta modalidade de ilicitude os direitos sobre bens jurídicos pessoais como a vida, corpo, saúde e liberdade, cuja protecção tem, aliás, dignidade constitucional (cfr. arts. 24º e ss. da Constituição). A lesão de qualquer um destes bens é assim sancionada com a indemnização pelos prejuízos causados. Também os outros direitos absolutos como os direitos reais, os direitos de propriedade industrial e os direitos de autor se encontram tutelados pela responsabilidade civi1. Haverá assim ilicitude sempre que o agente venha a lesar alguma das utilidades proporcionadas por esses direitos.
Já os direitos de crédito não são abrangidos pelo art. 483º, uma vez que, conforme já se referiu, a sua tutela apenas se efectua nos termos da responsabilidade contratual (art. 798º), ou da cláusula geral do abuso de direito (art. 334º).
(…) haverá ilicitude sempre que sejam violados direitos de personalidade, como o direito ao nome e ao pseudónimo (arts. 72º a 74º); à não divulgação de escritos confidenciais (arts. 75º a 78º), à imagem (art. 79º) e à intimidade da vida privada (art. 80º)»[20].
Antunes Varela afirma que «ficam compreendidos nesta rubrica os casos mais nítidos da de ilicitude civil e, por isso, os mais fáceis de determinar.
Os direitos subjectivos aqui abrangidos (desde que o não-cumprimento, o cumprimento tardio e o cumprimento defeituoso dos direitos de crédito são abrangidos pela responsabilidade contratual), são, principalmente os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas (corpóreas ou incorpóreas) ou direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual (…)»[21].
Almeida Costa refere também que «neste primeiro dispositivo – violação de direitos subjectivos – incluem-se caracterizadamente as ofensas de direitos absolutos, de que constituem exemplos os direitos reais (arts. 1251º e segs.) e os direitos de personalidade (arts. 70º e segs).
(…).
A matéria da violação dos direitos de crédito não se encontra, evidentemente, aqui contemplada, pois, como sabemos, o legislador ocupou-se dela em lugar à parte (arts. 798º e segs.)»[22].
Perante, isto, salta à evidência que na petição inicial não é alegado um único facto concreto consubstanciador de uma conduta ilícita da 2.ª ré, suscetível de enquadramento na primeira modalidade de ilicitude prevista no art. 483º, nº 1, do C.C..
E quanto à segunda das modalidades de ilicitude ali previstas, ou seja, a violação de uma disposição legal de protecção?
Segundo Antunes Varela[23] neste ponto em consonância com a doutrina alemã, para que se verifique uma violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, são necessários três requisitos:
- que à lesão dos interesses do particular corresponda uma norma legal;
- que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada; e,
- que o dano se tenha registado no círculo dos interesses privados que a lei visa tutelar.
Almeida Costa afirma, a propósito desta modalidade da ilicitude: «tem-se agora em conta a ofensa de deveres impostos por lei que vise a defesa de interesses particulares, mas sem que confira, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos. (…).
Saliente-se, contudo, que a invocação do referido fundamento da responsabilidade depende de se verificarem os seguintes requisitos próprios: 1) que à lesão dos interesses dos particulares corresponda a ofensa de uma norma legal, entendendo-se esta expressão em termos amplos (…); 2) que se trate de interesses alheios legítimos ou juridicamente protegidos por essa norma e não simples interesses reflexos ou por ela apenas reflexamente protegidos, enquanto tutela interesses gerais indiscriminados (…), 3) que a lesão se efective no próprio bem jurídico protegido ou interesse privado que a lei tutela»[24].
Menezes Leitão considera que «esta categoria de ilicitude exige os seguintes pressupostos:
a) a não adopção de um comportamento, definido em termos precisos pela norma;
b) que o fim dessa imposição seja dirigido à tutela de interesses particulares;
c) a verificação de um dano no âmbito do circulo de interesses tutelados por esta via.
Exige-se, assim, em primeiro lugar, que alguém tenha desrespeitado determinado comando, sem o que não haverá base para estabelecer o juízo de ilicitude. Não basta, porém, qualquer norma jurídica, exigindo-se que o fim da norma consista especificamente na tutela de interesses particulares e não do interesse geral. Se a norma for dirigida a proteger o interesse público e só reflexamente atingir interesses particulares, estará naturalmente excluída a possibilidade de um particular exigir indemnização.
Finalmente, exige-se que o dano se verifique no círculo de interesses que a norma visa tutelar, sendo excluída a indemnização relativamente a outros danos, ainda que verificados em consequência do desrespeito pela norma.
Ao contrário do que sucede na categoria da ilicitude anterior, neste caso está naturalmente admitida a indemnização dos danos puramente patrimoniais»[25].
Menezes Cordeiro afirma que «numa certa preocupação importada da fonte alemã [o § 823, II, do BGB], o artigo 483º/1, na parte em que se reporta à ilicitude “normas de protecção”, restringiu o seu âmbito: pretendeu evitar que, havendo inobservância de normas jurídicas, qualquer pessoa que se entendesse prejudicada pudesse reclamar uma indemnização. Podemos, deste modo, fixar uma grelha de requisitos relativa à aplicação do preceito em causa, na parte referente às normas de protecção:
1.º Requer-se a presença de uma norma de conduta, devidamente aplicável;
2.º Essa norma deve destinar-se a proteger determinados interesses alheios, como tal se entendendo vantagens juridicamente protegidas e cuja supressão dê azo a um dano;
3.º A adopção, pelo agente, de um comportamento contrário à referida norma de conduta;
4.º De tal maneira que sejam precisamente atingidos os interesses protegidos pela norma violada»[26].
À luz destes ensinamentos, também não se vislumbra que na petição inicial tenha sido alegado qualquer facto concreto traduzível numa conduta, por parte da 2.ª ré, violadora de uma qualquer norma de protecção do apelante (ou do outro co-autor não recorrente).
Acontece que, relativamente à ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º do C.C. (violação de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios), acabadas de abordar, o Código Civil trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos.
Um desses casos é o dos conselhos, recomendações ou informações, que podem, excepcionalmente, envolver responsabilidade civil.
Os conselhos, recomendações e informações não responsabilizam em princípio, quem os dá.
Eles não representam, em regra, o cumprimento de uma obrigação, nem se pretende, com eles, assumir a responsabilidade pelas suas consequências, conforme decorre do art. 485.º, do C.C.
Este princípio comporta, no entanto, as excepções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, onde se impõe a obrigação de indemnizar:
a) quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos;
b) quando haja o dever jurídico de os dar e se tenha agido culpa ou dolosamente;
c) quando o procedimento do agente seja criminalmente punível[27].
Não estando em causa as hipóteses referidas em a) e c), para que o comportamento da 2.ª ré pudesse ser considerado antijurídico, necessário seria que, para além de ter dado um mau conselho, feito uma má recomendação ou prestado uma inexacta informação, ela tivesse o dever legal ou negocial de os prestar[28].
Ora, quando haja o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação, a obrigação de indemnizar só aproveita à pessoa perante quem se esteja vinculado, e não ao terceiro que eventualmente foi lesado com a informação errónea dada a seu respeito ou com a recomendação efectuada[29].
Não resulta alegado em qualquer ponto da petição inicial que a 2.ª ré se tenha vinculado perante qualquer um dos autores, a prestar-lhe qualquer informação.
Assim, ainda que resultasse provada toda a matéria alegada na petição inicial, tal, jamais determinaria a procedência, sequer parcial, da presente ação.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso e, confirmando, em consequência, o saneador-sentença recorrido, ainda que por razões não coincidentes com a 1.ª instância.
Custas pelo apelante – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C..

Lisboa, 18 de junho de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)
Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara

[1] Doravante identificado como 1.º autor.
[2] Doravante identificado como 2.º autor.
[3] Doravante identificada por 1.ª ré.
[4] Doravante identificada por 2.ª ré.
[5] Na petição inicial aperfeiçoada, os autores alteram o requerimento probatório que haviam apresentado na primeira petição com que introduziram em juízo a presente ação, sendo de realçar que no novo articulado apresentado requerem a produção de prova pericial, indicando como perito, «o 1º A. Octávio Adolfo Romão Viana». Ora, como é sabido, resulta do art. 470.º, n.º 1, do C.P.C., que «é aplicável aos peritos o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes, com as necessárias adaptações», sendo que, nos termos do art. 115.º, n.º 1, al. a), do C.P.C., «nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária (...) quando seja parte na causa, por si ou como representante de outra pessoa, ou quando nela tenha um interesse que lhe permitisse ser parte principal». Trata-se apenas um dos equívocos em que, salvo o devido respeito, os autores laboram nestes autos, como adiante melhor se verá.
[6] Trata-se, salvo o devido respeito, de um despacho que, no mínimo, não prima pela clareza e objetividade.
[7] Consigna-se que se impunha a extensão do relatório do presente acórdão para melhor compreensão do que vai ser decidido.
[8]  A referência a dois vícios essenciais deve-se, assim, a manifesto lapso.
[9] Os apelantes desenvolvem a sua alegação de recurso em 73 pontos e as respetivas conclusões em 54 pontos.
Conforme refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, pp. 147-149, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação.
As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar na sua essência cada uma das alíneas do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso.
Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no n.º 2. Apesar de a lei adjetiva impor o patrocínio judiciário, são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas.
Ainda que algumas das situações exemplificadas justificassem efeitos mais gravosos, foi adotada uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento. Ao invés do que ocorre quando faltam pura e simplesmente as conclusões, em que o juiz a quo profere despacho de rejeição imediata do recurso, qualquer intervenção no sentido do aperfeiçoamento das irregularidades passíveis de superação foi guardada para o relator no tribunal ad quem, como se extrai, com toda a clareza, do n.º 3 do art. 639.º e da al. a) do n.º 3 do art. 652.º.
O relator a quem o recurso seja distribuído deve atuar por iniciativa própria, mediante sugestão de algum dos adjuntos ou, em último caso, em resultado do deliberado em conferência, nos termos do art. 658.º. Por isso, tal como se verifica na fase do saneamento do processo, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões o relator deve identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem decorrer da sua inércia ou do deficiente acatamento do convite.
A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. Para isso pode ser conveniente tornar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reacção do recorrido manifestada nas contra-alegações de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras.
(…)
Sem embargo do que se referiu, a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso: em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os Tribunais Superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade (e também para que a parte recorrente não seja prejudicada), avançar para a decisão, na qual é feita a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Agindo deste modo, os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal».
É exatamente por esta razão que não se determina o aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso do apelante, deixando-se no entanto claro que constituem um texto repetitivo, complexo e prolixo, cuja extensão de forma alguma se justifica, extravasando manifestamente o objeto do processo, desvirtuando, em suma, o sentido da lei quando impõe que o recorrente conclua a sua alegação de forma sintética, indicando os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
[10] Pertencem ao C.P.C./2013 os preceitos legais que vierem a ser mencionados sem indicação da respetiva fonte.
[11] Recorde-se que, ainda que singelamente, limitando-se a reproduzir os dizeres da lei, no despacho proferido no Juízo Local Cível de Lisboa, que inicialmente marcou data para a realização da audiência prévia, constava como um dos fins da diligência, o de «facultar às partes a discussão de facto e de direito com vista [a] eventual conhecimento (total ou parcial) do mérito da causa».
[12] Importando recordar que já no Juízo Local Cível de Lisboa havia sido tentada a conciliação entre as partes, a qual resultou infrutífera.
[13] «Os artigos que foram indicados consubstanciam “alegações” que partem daquilo que são factos já assentes, que têm a ver com o teor do relatório e com tudo o mais que tem a ver com aquilo que foi o procedimento da OPA e das decisões, nomeadamente da CMVM e, com base nisso, vou dar a palavra para alegações».
[14] Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 225.
[15] Ob. Cit., pp. 230-232.
[16] «O despacho que marque a audiência prévia indica o seu objeto e finalidade, mas não constitui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa».
[17]  Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 646.
[18] Responsabilidade por Conselhos, Recomendações e Informações, Coleção Teses, Almedina, 1989. pp. 181 ss.
[19] Tratado de Direito Civil, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, 2010, p. 447.
[20] Direito das Obrigações, Vol. I, 8ª Ed., Almedina, 2009, pp. 292 ss.
[21] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, pp. 533 ss.
[22] Direito das Obrigações, 8ª Ed., Almedina, 2000, pp. 505 ss.
[23] Ob. Cit., pp. 539-540.
[24] Ob. Cit., pp. 506-507.
[25] Ob. Cit., pp. 297-298.
[26] Ob. Cit., pp. 451-452.
[27] Fernando Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Reimpressão, 1999, Almedina, pp. 310 e 311.
[28] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, 2003.p. 549.
[29] Pres de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 487. No mesmo sentido, cfr. o Ac. do S.T.J. de 155.11.2012, Proc. n.º 247/10.3YRLSB (Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.