Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18/10.5PFLRS.L2-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: FRAUDE FISCAL
PENA SUSPENSA
CONDIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: - O artigo 14º, nº 1, do RGIT impõe que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada seja condicionada ao pagamento das quantias correspondentes à “prestação tributária e acréscimos legais” ou ao “montante dos benefícios indevidamente obtidos”, podendo ler-se no Acórdão nº 8/2012, do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012, de 12/09/2012, in D.R. I Série, nº 206, de 24/10/2012que “a escolha da pena de substituição é um priusem relação à imposição da condição.
- De acordo com a linha de pensamento do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 12/09/2012, in D.R. I Série, nº 206, de 24/10/2012 haverá que efectuar um “juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte dos condenados, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura” decidindo-se a final em conformidade com tal ponderação e após prévia justificação da suspensão da execução das penas e da proporcionalidade de aplicação da condição do pagamento tributário.
- A imposição do condicionamento da pena suspensa ao pagamento das quantias equivalentes aos benefícios indevidamente obtidos, constitui sanção pelo cometimento de crime de natureza fiscal, ou melhor integra-se na pena fixada ao arguido, condenado como responsável pelo crime de fraude fiscal qualificada, e não deriva diretamente da qualidade de sujeito passivo da relação jurídica de imposto em falta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I - RELATÓRIO


1. Nos presentes autos com o NUIPC 18/10.5PFLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo Central Criminal de Loures, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foram os arguidos L. , V. e A. condenados, por acórdão de 13/04/2018, nos seguintes termos:

L. , como autor de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 anos de prisão;

Na convolação da acusação pública, como autor de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

Após cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e ao dever de pagar o imposto em dívida no valor de 206.618,26 euros, nos termos do artigo 14º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, a comprovar nos autos no prazo de 3 anos;

V. , na convolação da acusação pública, como autor de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita ao dever de pagar o imposto em dívida no valor de 183.970,98 euros, nos termos do artigo 14º do Regime Geral das Infracções Tributárias, a comprovar nos autos no prazo de 18 meses;

A. , na convolação da acusação pública, como autor de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita ao dever de pagar o imposto em dívida no valor de 183.970,98 euros, nos termos do artigo 14º do Regime Geral das Infracções Tributárias a comprovar nos autos no prazo de 2 anos e 6 meses.

2. O arguido V. não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. O tribunal recorrido julgou incorretamente a matéria de facto constante dos pontos 62 e 79, dos factos considerados provados.
2. Porquanto, parte daquela matéria de facto, não tem na prova produzida qualquer apoio.
3. Com efeito, dos depoimentos prestados pelos arguidos, em sede de audiência de julgamento, jamais o acórdão recorrido poderia dar como assente que o ora recorrente agiu em "conjugação de esforços" com o arguido A. e, muito menos, que aquele tenha agido "de forma livre" e "deliberada".
4. Compulsado o depoimento do recorrente, vislumbra-se que por este foi declarado que na execução da sua prestação laboral sempre actuou sob orientação do arguido A. ; no que concerne à falsificação de facturas, referiu que foi ameaçado pelo referido A. , para o fazer, sob pena de ser despedido; por fim, referiu que teve medo, na altura dos factos, de contar tais acontecimentos à sua companheira, testemunha M.P. , por ser filha de A. , também arguido nos presentes autos.
5. Por seu lado, o arguido A. , pese embora não tenha contribuído para a descoberta da verdade material, pois que, não explicou os factos que sobre si recaiam, referiu tão só, que não ameaçou o ora recorrente, mas que, todavia, o que este fez foi sob as suas instruções.
6. Salvo melhor opinião, da prova produzida em tribunal, forçoso será concluir que foi o arguido A. quem decidiu defraudar o erário público, mas jamais o ora recorrente.
7. Tendo este apenas cometido tal ilicitude, por ter sido ameaçado com o mal do seu despedimento, bem como devido ao receio de vir a existirem problemas junto da sua companheira.
8. Por tal motivo, jamais poderemos falar em conjugação de esforços, tanto mais que, para além de o recorrente praticar factos ilícitos por sofrer ameaças, a verdade é que os referidos arguidos nunca partilharam de um mesmo objectivo comum.
9. Por outro lado, confrontado o depoimento do ora recorrente com as parcas declarações prestadas pelo arguido A. , pese embora a falta de colaboração para a descoberta da verdade material, certo é que decidiu o tribunal recorrido não dar como assente a ameaça a que aquele foi sujeito.
10. Tendo afirmado, que tal factualidade resulta inequivocamente desmentida pelos depoimentos prestados pelas testemunhas A.S. e M.P. , testemunhos que foram considerados pelo tribunal recorrido como "muito espontâneas e directas, sendo reputados de verdadeiros os depoimentos por si prestados, pelo Tribunal", tendo contribuído "para infirmar a versão do arguido V. de que era ameaçado pelo arguido A. para a prática dos factos que lhe são imputados".
11. O da primeira testemunha, na medida em que declarou que o recorrente era a pessoa que fazia o ele de ligação entre a O. e a empresa de contabilidade onde aquela trabalhava,
12. e o da segunda testemunha, porque sendo companheira do ora recorrente, afirmou que por este nunca lhe foi confidenciado que foi alvo de ameaças do seu pai, para perpetuar a falsificação de facturas.
13. Todavia, não se alcança como poderão tais testemunhos terem sido decisivos para infirmar o depoimento do recorrente.
14. Na verdade, a testemunha A.S. , apenas conhecia o recorrente como sendo o colaborador da O.  que lhe entregava a documentação para realizar a contabilidade, e nada mais.
15. Tal testemunha jamais poderia contribuir para desacreditar o que foi dito pelo recorrente pelo simples facto de não ser sua amiga, colega de trabalho ou alguém que partilhasse o seu dia a dia.
16. Por seu lado, pela testemunha M.P.  foi de forma perentória afirmado que o seu companheiro, o ora recorrente, lhe confidenciou que o seu pai o ameaçava para falsificar as facturas a que alude os presentes autos.
17. Assim, a matéria de facto constante dos pontos 62 e 79 dos factos provados, deverá ser considerada não provada, pois que face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, não resulta que o ora recorrente tenha agido em "conjugação de esforços" e, muito menos, que tenha agido "de forma livre" e "deliberada".
18. Em consequência, o acórdão recorrido ao ter considerado como provado factos para os quais não foi produzida prova, violou o princípio in dúbio pro reo, vertido no artigo 32.º n.º 2 da CRP.
19. Por conseguinte, a ser dado provimento, nesta parte, ao presente recurso, fruto da ameaça a que o ora recorrente foi sujeito, ter-se-á de considerar excluída a ilicitude do seu comportamento com respaldo no artigo 34.º do Código Penal.
20. Acresce que, o acórdão recorrido ao ter suspendido a execução da pena de prisão ao recorrente, sob condição de pagar o montante do benefício indevidamente obtido, violou o artigo 14.º do RGIT, devendo, em consequência, tal condição ser revogada, no que ao recorrente diz respeito.
21. Com efeito, o acórdão recorrido deu como provado, que os factos que deram origem aos presentes autos, ocorreram no ano de 2005 e 2006.
22. Deu ainda como provado, que arguido "A. foi o único gerente efectivo da sociedade até 7 de Janeiro de 2009...".
23. E ainda, que o referido arguido, com a falsificação de facturas obteve "uma redução do IVA e IRC a pagar à administração fiscal por parte da sociedade de que era gerente, obtendo dessa forma uma vantagem patrimonial para a O. .
24. Isto é, alcance-se da referida matéria de facto, que foi o arguido A. , o único interveniente a ter um benefício económico para a sociedade de que era gerente, com redução do IVA e IRC.
25. Tanto mais que, os tributos alvo de redução apenas dizem respeito à tributação da pessoa coletiva.
26. Sendo que, o ora recorrente apenas foi um simples trabalhador da O. , e jamais foi nomeado gerente da dita sociedade.
27. Dito de outra maneira, não se tratam de tributos, responsabilidade do ora recorrente, e que a este tenham aproveitado.
28. Por tal motivo, não pode a suspensão da execução da pena de prisão, do ora recorrente, sob condição de pagamento das quantias em causa, ter suporte legal no artigo 14.º do RGIT, pela razão de que este arguido não era sujeito passivo do IVA e IRC em falta, não tendo, em consequência, contraído para com o Erário Público qualquer dívida tributária, bem obtido qualquer benefício económico indevido.
29. Dito de outra forma, a suspensão da pena de prisão, pela prática de crimes fiscais, sob condição de pagar os montantes do benefício indevidamente auferido, nos termos do referido 14.º, apenas se aplica ao sujeito passivo da relação tributária.
30. Na verdade, ao ter o acórdão recorrido decidido como fez, não só violou o artigo 14.º do RGIT, como também põe em causa o princípio da pessoalidade das penas.
31. Todavia, e em consequência do que se deixa escrito, jamais poderá o recorrente deixar de beneficiar de uma suspensão da execução da pena de prisão, por não ter condições económicas para pagar a condição imposta ou por não estar legalmente sujeito ao seu pagamento, pois que, tal configuraria uma verdadeira prisão por dividas.
32. Tanto mais que, o acórdão recorrido faz um juízo de prognose, sob todos os aspectos, positivo, para que o ora recorrente possa beneficiar de uma suspensão da execução da pena de prisão.
33. Por outro lado, tendo o tribunal recorrido entendido que o recorrente reúne todas as condições para que a pena de prisão imposta seja suspensa na sua execução,
34. não o devendo sujeitar a uma sanção mais gravosa, maxime, a pena de prisão,
35. e tendo igualmente concluído, fruto do juízo de prognose a que se encontrava vinculado por força do acórdão n.º 8/2012 do STJ, que o recorrente não conseguirá liquidar a condição imposta para usufruir daquela suspensão, decorrente do artigo 14.º RGIT,
36. por não ter rendimentos para tal,
37. deveria a instância recorrida ter suspendido a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, como veio a suceder, mas ao invés, não lhe ter imposta a condição de liquidar a quantia de 183.970,986 para usufruir da sua liberdade.
38. Neste ponto, veja o decidido nos acórdãos 104/12.7IDLSB.L1-9 e 1467/11.7IDLSB.L1-3, ambos do Tribunal da Relação de Lisboa.
39. Alias, o entendimento do artigo 14.º do RGIT, feito pelo tribunal recorrido, no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão terá necessariamente de ficar condicionada ao pagamento da condição que fora imposta ao recorrente, não obstante esse mesmo tribunal ter considerado não ter o arguido V. condições de a liquidar, tal interpretação é inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 1.º, 13.º e 18.º, todos da CRP.
40. Com efeito, o artigo 14.º do RGIT não afasta a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 51º do Código Penal, o qual materializa a proteção constitucional da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade e da proporcionalidade.
41. Acresce ainda que, caso a condição de pagamento a que foi sujeito, não seja revogada, o que só se concebe por mera cautela de patrocínio, entende então o recorrente que o acórdão recorrido aplicou de forma incorrecta o artigo 14.º do RGIT.
42. Com efeito, referindo-se o acórdão recorrido, aos arguidos V. e A. , deu como provado que "os arguidos actuaram com o propósito de simularem facturação, bem sabendo que as facturas não correspondiam a qualquer transação comercial realizada entre os mesmos".
43. Ainda com referência aos aludidos arguidos, deu como provado o acórdão recorrido, que "actuaram os arguidos em conjugação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente".
44. Sucede que, compulsado o acórdão recorrido, nela se vislumbra que ambos os arguidos viram a execução da pena de prisão, a que foram sujeitos, suspensa, mas sob a condição de cada um proceder ao pagamento da quantia de 183.970,98 €.
45. Ora, pagando cada um dos referidos arguidos, o montante a que foram condenados, constituirá inevitavelmente o erário público numa situação de enriquecimento sem causa, uma vez que irá receber o dobro do montante beneficio que aqueles indevidamente tiveram.
46. Por tal motivo, e como é reconhecido pela nossa jurisprudência, deveria a sentença recorrida ter definido, relativamente a cada um dos condenados abrangidos pela decisão, a respectiva quota-parte, no global da condição fixada.
47. Sob pena de se colocar em causa, inclusive, o princípio da pessoalidade das penas.
48. A tudo acresce que, a sentença recorrida aplicou incorretamente o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.
49. Por conseguinte e, trazendo à colocação o que deu como provado o acórdão recorrido, nos pontos 34 e 35 desta conclusão, entendeu o tribunal a quo, dar como assente que os arguidos A. e V. actuaram em conjugação de esforços.
50. Sucede que, o disposto no referido comando legal, impõe que se puna a celebração de um negócio simulado, nos termos nele melhor estatuídos, prossupondo um acordo de vontades entre dois intervenientes.
51. Porém, compulsada a decisão, vertida no acórdão recorrido, ali se alcança que, quer o arguido V., quer o arguido A., foram respetivamente, apenas condenados como autores de um crime de fraude fiscal.
52. E não como co-autores como de um crime de fraude fiscal, como se impunha.
53. Por fim, entende o recorrente que o acórdão recorrido padece ainda do vício de omissão de fundamentação, no que concerne à determinação da medida concreta da pena aplicada ao recorrente.
54. Violando, dessa forma as normas constantes dos artigos 71.º n.º 3, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a), todos do CPP.
55. De resto, a interpretação do citado artigo 71.º n.º 3 do CP, no sentido de apenas se invocar algumas das circunstâncias prevista no n.º 2 do artigo 71.º do CP, sem se fazer referência às demais, e ser completamente omisso quanto às circunstâncias que poderiam ser favoráveis ao ora recorrente, é violador das garantias de defesa, do princípio do contraditório e do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrados nos artigos 32.º n.ºs 1 e 5 e 205.º n.º 1, ambos da CRP.

3. O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, concluindo pela sua improcedência.

4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1.   Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente/verificação dos pressupostos do direito de necessidade.

Nulidade do acórdão por falta de fundamentação da medida da pena concreta.

Não aplicabilidade da condição estabelecida para a suspensão da execução da pena.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1 A sociedade SCC , Lda, adiante designada por "SCC " era uma sociedade por quotas com sede em S. Domingos de Rana, Cascais, com o objecto de construção civil.
2 - JSM era o único sócio gerente efectivo da sociedade.
3 - A sociedade SCC , Lda foi extinta, por dissolução e cancelamento de matrícula em 30 de Dezembro de 2008.
4 - A dada altura, foi verificado pela autoridade tributária que existiam diversas entidades colectivas que haviam declarado facturação emitida pela SCC , Lda não tendo esta sociedade declarado a facturação em causa pelo que lhe foi instaurado procedimento inspectivo e criminal.
5 - No entanto, a facturação difundida ao longo dos anos de 2005, 2006 e 2007 foi utilizada por terceiros sem qualquer relação com a SCC , Lda.
6 - Assim, de modo e em data não concretamente apurada, foi solicitada a produção de facturação em nome da SCC , Lda às tipografias “JC" no volume de 1150 e "GRS" no volume de 500 facturas.
7 - Tais facturas não foram requisitadas pelo representante legal da SCC , Lda.
8 - Tais facturas apresentavam lay-out diferente das facturas efectivamente emitidas pela sociedade SCC , Lda.
9 - Na posse de tais facturas, indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, fizeram-nas difundir por diversas empresas relacionadas com a actividade de construção civil.
10 - Tal difusão visava a contabilização de tais facturas como custo de actividade podendo depois ser deduzidos os seus valores em sede de IVA e IRC com vista a obter uma diminuição do valer de imposto a pagar ao Estado.
11 - LCC, Lda era uma sociedade com sede no Prior Velho, dedicada à actividade de construção civil.
12 - Os seus gerentes eram JC e L. .
13 - A sociedade foi dissolvida e cancelada a matrícula por inscrição no registo de 10 de Julho de 2007.
14 - Esta sociedade declarou facturação emitida em nome da SCC , Lda no ano de 2005.
15 - L.  era também gerente da sociedade RRS , Lda relativamente à qual foi declarada facturação emitida em nome da SCC , Lda nos anos de 2006 e 2007.
16 - A sociedade RRS , Lda dedicava-se à actividade de construção civil, reconstrução, remodelação e restauro de imóveis, serviços de canalização, electricidade e acabamentos.
17 - L.  decidiu, a dada altura, emitir e contabilizar facturas em nome da SCC , Lda para efeitos de contabilização como custos nas sociedades de que era gerente com vista à diminuição dos valores de imposto a pagar ao Estado.
18 - L.  entrou na posse das facturas emitidas em nome da SCC , Lda de forma não concretamente apurada.
19 - Na posse de tais facturas, L.  preenchia-as com valores cobrados a clientes onde prestava serviços sem ter de proceder ao pagamento de qualquer imposto à administração fiscal.
20 - O arguido L.  emitiu facturação em nome da SCC , Lda, tendo emitido facturação à sociedade "AL , Lda.", recebendo por inteiro o valor ali facturado o qual nunca foi declarado uma vez que não tinha qualquer relação estatutária com a sociedade emitente.
21 - No ano de 2006, pessoa não concretamente apurada emitiu oito facturas em nome da SCC , Lda à sociedade "CJV . Lda."

N.º de FacturaIVATotal
279€ 2.520,00€ 14.520,00
285€ 4.410,00€ 25.410,00
292€ 4.095,00€ 23.595,00
291€ 4.725,00€ 27.225,00
294€ 6.195,00€ 35.695,00
296€ 4.095,00€ 23.595,00
453€ 4.095,00€ 23.595,00
462€ 6.195,00€ 35.695,00

22 - Tais valores foram pagos pela sociedade "CJV , Lda." à pessoa que lhe emitiu as facturas supra referidas que os fez seus não os declarando como não o poderia fazer em virtude de não ter qualquer ligação estatutária à sociedade SCC , Lda.
23 - A dada altura, L. decidiu utilizar facturas emitidas em nome da SCC, Lda com vista a deduzir os valores constantes das mesmas na contabilidade das suas empresas, primeiro na sociedade LCC. Lda e depois na sociedade RRS , Lda de modo a obter uma diminuição do valor de imposto de lRC e IVA a pagar ao Estado.
24 - Na posse de tais facturas, L. preenchia-as com valores sem correspondência a qualquer prestação de serviço ou fornecimento de mão-de-obra.
25 - Em seguida, entregava tais facturas nos serviços de contabilidade das empresas para efeitos de dedução como custos de actividade das mesmas.
26 - Na prossecução deste plano o arguido procedeu ao preenchimento e emissão de facturas emitidas em nome da SCC , Lda no ano de 2005, nos seguintes termos:

N.º de FacturaDataIVATotal
25204-04-2005€ 1.425,00€ 8.925,00
25429-04-2005€ 1.368,00€ 8.568,00
25905-06-2005€ 950,00€ 5.950,00
26031-05-2005€ 1.406,00€ 8.806,00
26530-06-2005€ 1415,50€ 8.895,50
2005/06T € 6.564,50€ 41.144,50
28415-11-2005€ 4.200,00€ 24.200,00
28818-12-2005€ 4.095,00€ 23.595,00
28130-10-2005€ 3.738,00€ 21.538,00
2005/12T € 12.033,00€ 69.333,00
Total de 2005€ 18.597,50€ 110.477,50

27 - Tais facturas foram contabilizadas por parte da sociedade LCC Lda de que era representante.
28 - O arguido sabia que tal facturação não tinha correspondência com qualquer subcontratação de pessoal ou serviços.
29 - Tal facturação permitiria, como permitiu, a L.  obter uma redução do IRC a pagar à administração fiscal por palie (assim no original) da sociedade LCC, Lda de que era gerente, obtendo dessa forma uma vantagem patrimonial para a mesma a que o arguido sabia não ter direito.
30 - O arguido actuou com o propósito de simular facturação, bem sabendo que as facturas não correspondiam a qualquer transacção comercial com a SCC , Lda.
31 - O arguido L.  obteve a referida facturação apenas tendo em vista a sua dedução fiscal aos valores de imposto de IVA e IRC apurados a pagar ao Estado.
32 - A redução dos valores apurados de imposto a pagar era obtida através da realização de deduções indevidas de IVA e imputações de custos fictícios no apuramento do rendimento tributável de IRC nas declarações de impostos apresentadas à administração fiscal.
33 - Com base nas facturas acima indicadas, o arguido L. , actuando em nome e representação da sociedade LCC, Lda declarou-as como custo à administração fiscal, obtendo como obteve vantagens patrimoniais correspondentes ao IRC a pagar ao Estado.
34 - Ao contabilizar as facturas acima descritas como custo, o arguido L. , na qualidade de gerente da sociedade LCC, Lda obteve vantagens patrimoniais superiores a 15.000 Euros relativamente ao imposto IRC que deixou de liquidar no montante de 86.312,07 Euros.
35 - O arguido L.  actuou da forma descrita, em nome e representação da sociedade LCC, Lda, de forma livre, deliberada e consciente.
36 - O arguido L. , sabendo que poderia obter vantagens fiscais com a contabilização de facturas falsamente emitidas em nome da sociedade SCC , Lda decidiu preencher e utilizar facturação a favor da sociedade RRS , Lda nos anos de 2006 e 2007.
37 - Na posse das facturas que detinha em nome da SCC , Lda, L.  preenchia-as com valores sem correspondência a qualquer prestação de serviço ou fornecimento de mão-de-obra.
38 - Em seguida, entregava tais facturas nos serviços de contabilidade das empresas para efeitos de dedução como custos de actividade das mesmas.
39 - Na prossecução deste plano o arguido procedeu ao preenchimento e emissão de facturas emitidas em nome da SCC , Lda nos anos de 2006 e 2007, nos seguintes termos:

Exercício de 2006
N.º FacturaData emissãoBaseIVATotal
27230-01-2006€ 17.000,00€ 3.570,00€ 20.570,00
27625-02-2006€ 13.000,00€ 2.730,00€ 15.730,00
27831-03-2006€ 4.124,88€ 885,12€ 5.100,00
28230-03-2006€ 13.500,00€ 2.835,00€ 16.335,00
1º Trimestre€ 47.714,88€ 10.020,12€ 57.735,00
28930-04-2006€ 15.000,00€ 3.150,00€ 18.150,00
29030-06-2006€ 18.250,00€ 3.832,50€ 22.082,50
2º Trimestre€ 33.250,00€ 6.982,50€ 40.232,50
46430-10-2006€ 16.000,00€ 3.360,00€ 19.360,00
46825-11-2006€ 18.800,00€ 3.948,00€ 22.748,00
47023-12-2006€ 19.540,00€ 4.103,40€ 23.643,40
4º Trimestre€ 54.340,00€ 11.411,40€ 65.751,40
Totais de 2006€ 135.304,88€ 28.414,02163.718,90
Exercício de 2007
N.º FacturaData emissãoBaseIVATotal
47531-01-2007€ 23.900,00€ 5.019,00€ 28.919,00
47730-03-2007€ 17.500,00€ 3.675,00€ 21.175,00
1º Trimestre € 41.400,00€ 8.694,00€ 50.094,00
48325-08-2007€ 13.000,00€ 2.730,00€ 15.730,00
48430-09-2007€ 12.150,00€ 2.551,50€ 14.701,50
3º Trimestre€ 25.150,00€ 5.281,50€ 30.431,50
48625-10-2007€ 7.400,00€ 1.554,00€ 8.954,00
4º Trimestre€ 7.400,00€ 1.554,00€ 8.954,00
Total de 2007€ 73.950,00€ 15.529,50€ 89.479,50

40 - Tais facturas foram contabilizadas por parte da sociedade RRS , Lda.
41 - O arguido sabia que tal facturação não tinha correspondência com qualquer subcontratação de pessoal ou serviços.
42 - Tal facturação permitiria, como permitiu, a L.  obter uma redução do IRC a pagar à administração fiscal por parte da sociedade RRS , Lda de que era gerente, obtendo dessa forma uma vantagem patrimonial para a mesma a que o arguido sabia não ter direito.
43 - O arguido actuou com o propósito de simular facturação, bem sabendo que as facturas não correspondiam a qualquer transacção comercial com a SCC , Lda.
44 - O arguido L.  obteve a referida facturação apenas tendo em vista a sua dedução fiscal aos valores de imposto de IVA e IRC apurados a pagar ao Estado.
45 - A redução dos valores apurados de imposto a pagar era obtida através da realização de deduções indevidas de IVA e imputações de custos fictícios no apuramento do rendimento tributável de IRS nas declarações de impostos apresentadas à administração fiscal.
46 - Com base nas facturas acima indicadas, o arguido L. , actuando em nome e representação da sociedade RRS , Lda declarou-as como custo à administração fiscal, obtendo como obteve vantagens patrimoniais correspondentes ao IRC a pagar ao Estado.
47 - Ao contabilizar as facturas acima descritas como custo, o arguido L., na qualidade de gerente da sociedade RRS , Lda obteve vantagens patrimoniais superiores a 15.000 Euros relativamente ao imposto IRC que deixou de liquidar.
48 - Assim, e quanto ao IRC do ano de 2006, a sociedade RRS , Lda através do arguido declarou matéria colectável no valor de 6.643,60 € apurando-se o imposto a pagar de 1.868,64€.
49 - Após correcções referentes à contabilização abusiva das facturas fictícias emitidas em nome da SCC , Lda apurou-se matéria colectável no valor de 141.948,48€ dando lugar ao pagamento do imposto de IRC no total de 39.077,48€.
50 - Quanto ao imposto de IRC de 2007, foi apurado o valor de imposto a pagar no montante total de 18.687,69 Euros.
51 - O arguido L.  actuou da forma descrita, em nome e representação da sociedade RRS , Lda, ao longo dos períodos de imposto de 2006 e 2007, confiando na inércia da administração fiscal.
52 - O arguido actuou sempre de forma livre, deliberada e consciente.
53 - O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
54 – A sociedade O. , Lda tinha sede em Odivelas.
55 - A sociedade em causa dedicava-se à actividade de construção e obras públicas, prestação de serviços de armação de ferro e betão armado.
56 - A. foi o único gerente efectivo da sociedade até 7 de Janeiro de 2009, data em que foi nomeada a sua filha MP .
57 - A sociedade arguida encontra-se enquadrada em sede de IRC no regime geral com contabilidade organizada e em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral no ano de 2005 e mensal no ano de 2006.
58 - A dada altura, A decidiu utilizar facturas emitidas em nome da SCC , Lda com vista a deduzir os valores constantes das mesmas na sua contabilidade de modo a obter uma diminuição do valor de imposto de IRC e IVA a pagar ao Estado.
59 - Tais facturas foram obtidas através de indivíduo não concretamente apurado que entregava as facturas impressas pela JC já com uma rubrica e um carimbo forjados, sem qualquer correspondência com a real sociedade SCC , Lda.
60 - Na posse de tais facturas, A preenchia os valores que seriam depois deduzidos para efeitos de custos.
61 - A dada altura A passou a solicitar a V. , companheiro da filha e que trabalhava também na O., Lda, que preenchesse tais facturas com os valores que lhe eram indicados pessoalmente por A. , ao que V. acedeu.
62 - Na prossecução deste plano e em conjugação de esforços, os arguidos procederam à respectiva emissão e utilização das facturas, no ano de 2005, nos seguintes termos:

N.º FacturaDataValor BaseIVATotal
68701-03-2005€ 38.100,00€ 7.239,00€ 45.339,00
68628-02-2005€ 37.780,00€ 7.178,20€ 44.958,20
68327-01-2005€ 32.330,00€ 6.142,70€ 38.472,70
2005/03T€ 108.210,00€ 20.559,90€ 128.769,90
89230-06-2005€ 48.150,00€ 9.149,00€ 57.299,00
89025-05-2005€ 44.130,00€ 8.385,00€ 52.515,00
88824-04-2005€ 65.750,00€ 12.493,00€ 78.243,00
2005/06T€ 158.030,00€ 30.027,00€ 188.057,00
894 € 23.250,00€ 4.882,50€ 28.132,50
2005/09T€ 23.250,00€ 4.882,50€ 28.132,50
Ano de 2005€ 289.490,00€ 55.469,40€ 344.959,40

63 Actuando de forma idêntica, os arguidos procederam à respectiva emissão e utilização das facturas, no ano de 2006, nos seguintes termos:

N.º FacturaDataValor baseIVATotal
102503-02-2006€ 5.500,00€ 1.155,00€ 6.655,00
105124-02-2006€ 5.000,00€ 1.050,00€ 6.050,00
105327-02-2006€ 4.255,00€ 893,55€ 5.148,55
Total 200602€ 14.755,00€ 3.098,55€ 17.853,55
105501-03-2006€ 5.950,00€ 1.249,50€ 7.199,50
105606-03-2006€ 5.785,12€ 1.214,88€ 7.000,00
105713-03-2006€ 5743,80€ 1.206,20€ 6.950,00
Total 200603€ 17.478,92€ 3.670,58€ 21.149,50
106403-07-2006€ 5.950,41€ 1.249,59€ 7.200,00
106710-07-2006€ 6.100,83€ 1.281,17€ 7.382,00
106814-07-2006€ 6.091,74€ 1.279,26€ 7.371,00
106919-07-2006€ 6.087,60€ 1.278,40€ 7.366,00
107024-07-2006€ 5.890,91€ 1.237,09€ 7.128,00
107231-07-2006€ 5.578,51€ 1.171,49€ 6.750,00
Total 200607€ 35.700,00€ 7.497,00€ 43.197,00
108201-09-2006€ 5.578,51€ 1.171,49€ 6.750,00
108404-09-2006€ 6.050,42€ 1.270,58€ 7.321,00
108505-09-2006€ 5.743,80€ 1.206,20€ 6.950,00
108608-09-2006€ 5.867,77€ 1.232,23€ 7.100,00
108711-09-2006€ 5.910,74€ 1.241,26€ 7.152,00
108815-09-2006€ 5.785,13€ 1.214,87€ 7.000,00
108918-09-2006€ 5.619,84€ 1.180,16€ 6.800,00
109122-09-2006€ 5.991,74€1.258,26€ 7.250,00
109225-09-2006€ 5.748,76€ 1.207,24€ 6.956,00
109329-09-2006€ 6.038,41€ 1.268,07€ 7.306,48
Total 200609€ 58.335,12€ 12.250,36€ 70.585,48
109402-10-2006€ 5.172,88€ 1.086,30€ 6.259,18
110204-10-2006€ 5.785,12€ 1.214,88€ 7.000,00
110309-10-2006€ 5.702,48€ 1.197,52€ 6.900,00
110513-10-2006€ 5.371,90€ 1.128,10€ 6.500,00
110716-10-2006€ 5.306,61€ 1.114,39€ 6.421,00
110920-10-2006€ 5.867,77€ 1.232,23€ 7.100,00
111023-10-2006€ 4.962,80€ 1.042,20€ 6.005,00
111130-10-2006€ 5.408,26€ 1.135,74€ 6,544,00
Total 200610€ 43.577,82€ 9.151,36€ 52.729,18
111302-11-2006€ 6.132,23€ 1.287,77€ 7.420,00
111403-11-2006€ 6.099,17€ 1.280,83€ 7.380,00
111506-11-2006€ 6.091,74€ 1.279,26€ 7.371,00
111808-11-2006€ 5.995,87€ 1.259,13€ 7.255,00
112010-11-2006€ 5.986,78€ 1.257,22€ 7.244,00
112113-11-2006€ 5.771,90€ 1.212,10€ 6.984,00
112315-11-2006€ 6.055,37€ 1.271,63€ 7.327,00
112417-11-2006€ 5.390,08€ 1.131,92€ 6.522,00
112720-11-2006€ 6.119,83€ 1.285,17€ 7.405,00
12823-11-2006€ 6.142,98€ 1.290,02€ 7.433,00
112924-11-2006€ 6.090,08€ 1.278,92€ 7.369,00
113127-11-2006€ 5.950,41€ 1.249,59€ 7.200,00
1058/11330-11-2006€ 6.115,70€ 1.284,30€ 7.400,00
Total 200611€ 77.942,14€ 16.367,86€ 94.310,00
Ano 2006€ 247.789,00€ 52.035,71€ 299.824,71

64 - Estas facturas não tinham qualquer correspondência com transacções comerciais efectivamente realizadas apenas visando a dedução dos valores constantes das mesmas aos impostos a liquidar.
65 - Nenhuma prestação de serviços, nomeadamente com colocação de mão-de-obra, foi realizada pela SCC , Lda ou por qualquer outra entidade em seu nome.
66 - Os trabalhos realizados pela O., Lda foram sempre realizados, com os seus próprios funcionários.
67 - Os arguidos sabiam que tal facturação não tinha correspondência com qualquer subcontratação de pessoal ou serviços.
68 - Para reforçar a credibilidade de tais facturas eram depois entregues, por indivíduo não concretamente identificado, contratos supostamente realizados com o representante da SCC, Lda e que não detinham correspondência com qualquer obra ou fornecimento de mão de-obra.
69 - Tal facturação permitiria como permitiu, a A obter uma redução do IVA e IRC a pagar à administração fiscal por parte da sociedade de que era gerente, obtendo dessa forma uma vantagem patrimonial para a O, Lda a que sabia não ter direito.
70 - Os arguidos actuaram com o propósito de simularem facturação, bem sabendo que as facturas não correspondiam a qualquer transacção comercial realizada entre os mesmos.
71 - O arguido A obteve a referida facturação apenas tendo cm vista a sua dedução fiscal aos valores de imposto de IVA e IRC apurados a pagar ao Estado.
72 - A redução dos valores apurados de imposto a pagar era obtida através da realização de deduções indevidas de IVA e imputações de custos fictícios no apuramento do rendimento tributável de IRC nas declarações de impostos apresentadas à administração fiscal.
73 - Com base nas facturas acima indicadas, o arguido A., actuando em nome e representação da sociedade O.  , Lda declarou-as como custo à administração fiscal, obtendo como obteve vantagens patrimoniais correspondentes ao IVA e IRC a pagar ao Estado.
74 - Relativamente ao IVA, o arguido A, em nome e representação da sociedade O., Lda, deduziu o IVA contabilizado nas facturas acima referidas como custos de aquisição, tendo procedido à sua dedução no IVA liquidado como recebido do produto das vendas por si realizadas.
75 - Ao contabilizar as facturas acima descritas como custo, o arguido A., na qualidade de gerente da sociedade O. , Lda obteve para esta vantagens patrimoniais superiores a 15.000 Euros relativamente ao imposto indevidamente deduzido, nos seguintes termos:

Período ImpostoValor indevidamente deduzido
2005/03T€ 20.559,90
2005/06T€ 30.025,70
2006/11€16.367,86

76 - Ao contabilizar as facturas acima descritas como custo, o arguido A., na qualidade de gerente da sociedade O.  , Lda obteve para esta vantagens patrimoniais superiores a 15.000 Euros relativamente ao imposto IRC que deixou de liquidar no montante de 76.465,87 Euros relativamente ao ano de 2006.
77 - O arguido A actuou da forma descrita, em nome e representação da sociedade O.  , Lda, ao longo dos períodos de imposto dos exercícios de 2005 e 2006 confiando na inércia inspectiva da administração fiscal, o que facilitou a sua conduta ao longo do referido período temporal.
78 - O arguido V. actuou em conjunto com o arguido A., sabendo que com tal conduta produzia facturação sem correspondência com a realidade.
79 - Actuaram os arguidos em conjugação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente.
80 - Os arguidos bem sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
81 - Do Certificado de Registo Criminal do arguido L.  consta que:
a) Por sentença de 16 de Dezembro de 2010, transitada em 31 de Janeiro de 2011, o arguido foi condenado na pena de 200 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 1.000,00, pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada em 28 de Dezembro de 2005 (Processo n.º 1449/06.0TALRS), a qual foi substituída por 200 horas de trabalho a favor da comunidade e após, extinta, pelo cumprimento.
82 - Do Certificado de Registo Criminal do arguido A. consta que:
a) Por sentença de 08 de Julho de 2014, transitada em 23 de Setembro de 2014, o arguido foi condenado na pena de 250 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 1.250,00, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social em 2009 (Processo n.º 4884/10.6TALRS).
83 - Do Certificado de Registo Criminal do arguido V. nada consta.
Provou-se ainda que:
84 – Do relatório social do arguido L.  consta o seguinte:
“L.  nasceu em Lisboa, segundo o arguido o seu processo de socialização decorreu no seio de uma família de condição socioeconómica média, em que o progenitor, através de hábitos de trabalho na área da construção civil, conseguiu proporcionar ao arguido e aos dois irmãos condições de vida satisfatórias, existindo por parte dos progenitores a preocupação na transmissão das regras e dos valores socialmente normativos, valorizando o trabalho como factor de organização pessoal
L.  abandonou o sistema de ensino quando contava com 14 anos de idade tendo concluído o 6º ano de escolaridade e iniciou o seu percurso laboral com 14 anos de idade na área da construção civil, juntamente com o progenitor.
Quando contava com certa de 30 anos criou uma empresa na área da construção civil que declarou falência em 2008, devido à falta de clientes.
O arguido, em termos profissionais, revelou sempre hábitos regulares de trabalho na área da construção civil. Desde 2008 encontra-se desempregado realizando biscates nesta área e obtém rendimentos variáveis.
A nível afetivo o arguido contraiu matrimónio quando contava com 28 anos de idade com a companheira, fruto dessa relação nasceram dois filhos maiores de idade.
A relado com a companheira sofreu uma rutura há cerca de um ano e desde essa data o arguido reside na habitação da irmã, com esta, o cunhado e dois filhos do casal.
A nível económico o arguido referiu que a sua situação é precária dado os parcos rendimentos que obtém na construção civil. Paralelamente usufrui de 80 euros mensais provenientes do Rendimento Social de Inserção.
No que concerne aos tempos livres, L. , usufrui dos mesmos para conviver com os membros do seu agregado familiar
No que se refere ao contacto do arguido com o Sistema da Administração da Justiça, o mesmo regista uma condenação; por um crime de ofensa à integridade física tendo, a seu pedido, sido a respetiva multa substituída por trabalho a favor da comunidade; tendo o arguido cumprido a mesma sem registo de anomalias.
II - Condições sociais e pessoais
À data da instauração do presente processo, L.  encontrava-se a residir com a irmã, o cunhado e dois sobrinhos numa habitação própria pertença do casal.
Atualmente a situação sócio económica e profissional do arguido mantém-se idêntica a data da instauração do presente processo.
III - Impacte da situação jurídico-penal
L.  manifestou apreensão face ao desfecho do presente processo, denotando ansiedade com o seu envolvimento no entanto, o arguido, o mesmo revela diminuto raciocínio crítico e falta de capacidade para ajuizar quanto ao bem jurídico em causa e sua necessidades de proteção.
Ao nível do impacto que o presente processo provocou no arguido, verifica-se que o mesmo mantém um estilo de vida idêntico, encontrando-se desempregado e familiarmente integrado.”
85 - Do relatório social do arguido A. consta o seguinte:
“I - Dados relevantes do processo de socialização
A. nasceu e cresceu numa família constituída por casamento sendo filho único desta união. O agregado familiar era composto pelo arguido e os progenitores e residia na freguesia de Odivelas, uma freguesia de classes médias emergentes à época.
O processo de socialização e crescimento do arguido ocorreu numa família estruturada de condição económica abastada. O pai era encarregado numa empresa de armação de ferro numa fase inicial empresa que mais tarde veio a adquirir tendo-se tornado empresário e a mãe era operária fabril. As dinâmicas familiares eram pautadas pelo bom ambiente familiar e partilha de tarefas. A relação sócio afetiva era assente em fortes laços de afeto e sentido de pertença.
Na idade infantil a vida de A. foi marcada pelos cuidados e proteção. Até aos 3 anos foi cuidado por uma Ama durante o dia enquanto os pais iam trabalhar depois desta idade e quando já tinha idade para isso, ingressou numa creche privada para maiores de três anos. Aos 6 anos ingressou na Escola Pública, percurso que terminou aos 17 anos com o 9º ano de escolaridade completo e duas retenções. Estas retenções foram associadas pelo arguido ao fraco interesse que tinha pela escola e pelo muito interesse que tinha na vida das obras que o pai construía e onde passava muito do seu tempo a acompanhar o pai.
Em termos laborais aos 17 anos ingressou no mercado de trabalho na empresa do pai como aprendiz de armador de ferro e onde se profissionalizou. Trabalhou com o pai até aos 39 anos quando este faleceu. Nesta altura constituiu a sua própria empresa O.  empresa que manteve durante mais de 20 anos, e que faliu com a crise da construção civil que teve origem no início do século da qual deu baixa em 2013. Desde então nunca mais trabalhou por motivos de saúde.
Como se verifica pelo seu percurso profissional A. denota estabilidade a nível profissional e empresarial.
Por decisão transitada em julgado em 13/09/2014 o arguido foi condenado na pena de multa de 250 dias substituídos por trabalho comunitário pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada. Dada a fragilidade da sua saúde e insuficiência económica encontra-se em acompanhamento nesta Direção-Geral no âmbito da suspensão da prisão subsidiária de multa pelo período de um ano.
A nível afectivo A. constituiu família por casamento aos 23 anos, de que resultaram um filho e uma filha. Este casamento terminou em divórcio que aconteceu na sequência da falência da empresa O. .
II - Condições sociais e pessoais
À data da instauração do presente processo A. encontrava-se a residir em família unipessoal e partilhava casa com amigos.
Presentemente o arguido tem família constituída por união de fato, que e composta por si próprio, a companheira e um filho de ambos de 7 meses. Integra o agregado familiar do irmão da companheira que é composto pelo próprio, a companheira, o filho e o cunhado. Este agregado é economicamente suprido pelo arguido que recebe 335.40 € de subsídio de desemprego e dos rendimentos provenientes do trabalho do cunhado. A companheira não trabalha e não tem quaisquer rendimentos ou apoios. Considera esta família gratificante e segura, sendo o seu hiato de sobrevivência.
Ao nível da organização dos tempos livres, não tem tempos livres estruturados ocupando-os com a família, a visitar obras frequentemente e encontrar-se com amigos num Clube de Futebol em Odivelas onde jogou a bola em criança.
De uma forma geral A. é uma pessoa aberta espontânea, segura, determinada e afável, o que faz com que mantenha dinâmicas relacionais de proximidade e de partilha com o agregado em que se integra, bem como com restantes familiares e outros entes.
Em termos de futuro, o arguido não apresenta projetos ou planos centrando-se na doença de que é portador, referindo que não pode esperar muito da vida, tendo em conta a idade que já tem e a saúde frágil, de que padece. O arguido sofre de problemas ao nível de coluna vertebral com irradiação para os membros inferiores, apresentando perturbação na marcha. Aguarda nova cirurgia à coluna no Hospital Beatriz Ângelo onde se encontra em acompanhamento.
III - Impacto da situação jurídico-penal
Relativamente à presente situação processual A. revela consciência da noção e da necessidade de reparação do bem jurídico em causa, apresentando sentido crítico e pensamento consequencial.
Ao nível de impacto da presente situação jurídico-penal na esfera pessoal de arguido releva-se a sua preocupação e instabilidade que lhe está a causar em virtude de recear as consequências que da mesma possam advir, designadamente a privação de liberdade ou pagamentos que tenha de efectuar porque não tem condições económico-financeiras para assumir tais pagamentos.
A nível pessoal e familiar evidencia uma atitude de empenho perante a vida assente no grupo de pertença e na família por quem expressa grande preocupação face ao que lhe possa acontecer na sequência deste processo.
Ao nível do acompanhamento de que tem sido alvo por parte desta Equipa que decorre até 17/03/2017, o arguido tem-se revelado empenhado no cumprimento das obrigações impostas comparecendo com regularidade às entrevistas agendadas pela Equipa da DGRSP mantendo um comportamento adequado com a técnica responsável pelo seu acompanhamento tem diligenciado para a continuidade do seu acompanhamento clínico e tem procurado formas de subsistência nomeadamente tendo iniciado o processo de reforma por invalidez.”
86 - Do relatório social do arguido V. consta o seguinte:
“I - Dados relevantes do processo de socialização
V. é natural de Lisboa, sendo o único filho de um casal que se separou quando o arguido ainda era bebé. Desde a separação dos pais que deixou de manter relação com o pai, tendo vindo a assumir como figura paterna o cônjuge da mãe. Mãe e cônjuge providenciaram as condições materiais e afetivas que possibilitaram adequadas condições de desenvolvimento e concretização de objetivos.
V. entrou para a escola em idade própria tendo concluído o 12º ano de escolaridade aos 18 anos, no âmbito de um curso de formação profissional na área da contabilidade; conta com uma retenção no 7º ano de escolaridade no seu percurso escolar, não tendo referido problemas de comportamento em contexto escolar.
V. iniciou atividade laboral, em regime de tempo parcial (fins-de-semana) ainda quando se encontrava a estudar, aos 16 anos de idade como empregado de balcão numa pastelaria, tendo vindo a trabalhar a tempo integral no mesmo local aos 19 anos de idade. Posteriormente, passou a exercer funções de administrativo na empresa “O. ” onde se manteve até ao encerramento desta empresa em 2009.
Aos 19 anos de idade V. iniciou relação de namoro com aquela que mantém como companheira, tendo passado a viver em união de facto com esta aos 24 anos. Têm um filho recém-nascido, e mantém relação harmoniosa e satisfatória, ainda que esta tivesse sido temporariamente afetada pelo presente processo, atendendo a que o coarguido A. é pai da sua companheira.
V. não referiu anteriores contactos com o Sistema de Administração de Justiça Penal (SAJP)
II - Condições sociais e pessoais
À data dos factos de que se encontra acusado, V. residia com a sua companheira num imóvel que ambos adquiriram através de empréstimo bancário em Samora Correia onde viveram até 2010, altura em que através de permuta de imóveis vieram residir para a morada indicada por esse Tribunal. O imóvel em compropriedade veio a ser penhorado na parte relativa à sua companheira na sequência dos factos na origem do presente processo. Posteriormente, o arguido e a sua mãe conseguiram liquidar os montantes em dívida, tendo este ficado como único proprietário do móvel e pagando à entidade bancária credora cerca de 100€/mês. Arguido e companheira mantém bom relacionamento, ainda que temporariamente a relação tenha sido afetada pelos factos na origem do presente processo, e também pelo facto do arguido ter emprestado 30.000€, dinheiro proveniente duma poupança que tinha em conjunto com a sua mãe, ao pai da companheira o qual não veio a liquidar. Presentemente, as divergências entre o casal decorrentes do acima mencionado estão ultrapassadas
V. após ter saído da empresa “O. ” beneficiou 1 mês de subsídio de desemprego, tendo posteriormente regressado ao seu primeiro emprego, na pastelaria “ED”, mas com funções de administrativo, onde permaneceu 1 ano e até vir a entrar como auxiliar de ação médica no Hospital Beatriz Ângelo, do qual faz parte do quadro de pessoal no presente.
V. conheceu o coarguido no âmbito da sua atividade profissional mantendo com este uma relação estritamente dessa natureza. Deixou de manter contacto com o arguido quando deixaram de trabalhar juntos.
V. aparenta ser um indivíduo que não se identifica com trajetórias delitivas e que possui adequada capacidade para ajuizar adequadamente entre o lícito e o ilícito.
III - Impacto da situação jurídico-penal
V. referiu compreender a sua constituição como arguido, a qual atribui ao exercício de funções profissionais na empresa do pai da sua companheira, não externalizando, todavia, responsabilidades e possuindo sentido crítico e de responsabilidade sobre a presente situação judicial.
Com a emergência da presente situação judicial teve algumas divergências com a companheira pelo facto do pai desta ser coarguido e seu ex-patrão.
V. compreende os bens jurídicos em causa e a necessidade da sua proteção. V. deixou de manter relação com o coarguido desde 2012, não só pelos factos constantes na presente situação judicial, mas também por problemas de natureza económica.
V. caso venha a ser condenado possui condições para uma medida de execução na comunidade.”
Provou-se, quanto ao pedido cível os seguintes factos:
87 - Por ofício registado datado de 02 de Julho de 2009, dos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, CJV , Lda notificada para exercer o direito de audição prévia, previsto no artigo 60º da LGT e no artigo 60º da RCPIT, no âmbito do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, por alegada utilização de facturas indiciadas como falsas, emitidas pela primeira participada S. .
88 - A referida notificação foi recebida por CJV , Lda no dia 08 de Julho de 2003.
89 - CJV , Lda respondeu nos termos do requerimento de fls. 18 a 20 dos autos.
90 - Não tendo sido atendidos os argumentos expendidos no requerimento referido em 90, veio a ser proferido despacho ordenando a realização das correcções propostas no dito relatório, de que resultou um saldo de € 50.923,49, a título de IRC e um saldo de IVA de € 36.330,00.
91 - CJV , Lda tem por actividade a construção civil.
92 - CJV , Lda lançou as facturas referidas no artigo 21º na sua contabilidade.
93 – A SCC , Lda não declarou as facturas referidas em 21 para efeitos fiscais, designadamente como rendimento para efeitos de IRC.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

a) Tal difusão era realizada, em regra, em troca de uma percentagem no volume de negócios ou por venda simples das facturas contra um determinado preço.
b) A sociedade "RRS , Lda" encontra-se nesta data dissolvida.
c) O arguido L. , entretanto, cessou a actividade comercial da LCC, Lda criando sociedade RRS, Lda.
d) A sociedade em causa iniciou actividade depois de L.  cessar a actividade da "LCC, Lda.".
e) O arguido L.  praticou os factos descritos em 21 e 22.
f) Na prossecução deste plano o arguido procedeu ao preenchimento e emissão das seguintes facturas emitidas em nome da "SCC " no ano de 2005, além das referidas em 26, nos seguintes termos:

N.º de FacturaDataIVATotal
2005/03T € 1.235,00€ 6.500,00
- 01-2005€ 1.235,00€ 6.500,00
-05-2005€ 1.425,00€ 8.925,00

g) No âmbito da sua actividade e como empreiteira, CJV , Lda, no ano de 2006 levou a efeito diversas obras de construção civil, designadamente nos lotes 13, 14, 15, 16, 17 e 23 … Vila Franca de Xira, para a dona da obra C. , S.A., com sede em Loures.
h) Face ao elevado volume de trabalhos adjudicados, à urgência da sua execução e à impossibilidade prática de os executar por si mesma, CJV , Lda subadjudicou à S  a realização de diversos trabalhos.
i) Trabalhos esses que a S realizou com os seus equipamentos e trabalhadores/
j) À medida da realização dos trabalhos acordados, a S  foi emitindo as respectivas facturas, correspondentes às descritas no artigo 21 dos factos provados.
k) CJV , Lda pagou à S  as mencionadas facturas.
l) As relações entre CJV , Lda e a S  processaram-se através do arguido L. , que se intitulava "dono da firma".
m) Se bem que não tivesse contactos com o referido L. , CJV , Lda conhecia-o em virtude de o mesmo também andar a prestar serviços noutros lotes do empreendimento e, também, por lhe ter sido indicado como com cumpridor das obrigações que assume.
n) Em consequência da descrita situação, já foi apreendido o imóvel que a Queixosa possui, na execução que lhe foi instaurada pelo Serviço de Finanças para cobrar o seu aludido crédito de IRC e de IVA de 2006 não dispondo CJV , Lda de quaisquer outros bens, não tem capacidade financeira para se candidatar a concursos para a realização de obras, encontrando-se, assim, numa situação económica muito difícil.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos :

(…)

Apreciemos.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo

Conforme estabelecido no artigo 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, no que se denomina de “revista alargada”, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 05/06/2008, Proc. nº 06P3649 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in www.dgsi.pt - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre confinada aos limites fornecidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do CPP.

Esta modalidade de impugnação não visa, porém, a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Tal recurso não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados – cfr. Ac. do STJ de 29/10/2008, Proc. nº 07P1016 e Ac. do STJ de 20/11/2008, Proc. nº 08P3269, que podem ser lidos no referenciado sítio.

Resulta assim que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, as conclusões de recurso têm de fazer a discriminação estabelecida no artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP.

Analisando a peça processual recursória, constata-se que o recorrente impugna em concreto a factualidade dada como provada nos pontos 62 e 79 dos fundamentos de facto do acórdão recorrido, afirmando que a prova produzida, dada a sua insuficiência e errada apreciação, conduz a conclusões diversas quanto a eles, tendo cumprido as exigências legais.

Assim se entendendo, importa analisar então a prova produzida com o objectivo de determinarmos se consente a convicção formada pelo tribunal recorrido, norteados pela ideia-força de que o tribunal de recurso não procura uma nova convicção, mas apurar se a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si (partindo das concretas provas indicadas pelo recorrente que, na sua tese, impõem decisão diversa, mas não estando por estas limitado) sendo certo que apenas poderá censurar a decisão revidenda, alicerçada na livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis e plausíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum - artigo 127º, do CPP.

E, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção”, pois “doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

Cumpre ter em atenção também que os diversos elementos de prova não devem ser analisados separadamente, antes devem ser apreciados em correlação uns com os outros, de forma a discernir aqueles que se confortam e aqueles que se contradizem, possibilitando ou a remoção das dúvidas ou a constatação de que o peso destas é tal que não permite uma convicção segura acerca do modo como os factos se passaram.

Analisemos então a factualidade que provada foi considerada, que o recorrente critica, sob a óptica da censura que lhe faz e se tem ela suporte na prova produzida.

Afirma o arguido que em audiência de julgamento declarou que na execução da sua prestação laboral actuou sempre sob orientação do arguido A.

No que diz respeito à falsificação de facturas foi ameaçado por aquele para a fazer sob pena de despedimento e teve medo de, na altura dos factos, relatar tais acontecimentos à sua companheira M.P. , por ser filha de A. .

Tendo-se procedido à audição do depoimento das testemunhas M.P.  (filha do arguido A. e companheira do arguido V.) e A.S. , prestados em audiência de julgamento, na gravação disponibilizada pelo tribunal a quo, resultou o seguinte:

Referiu M.P.  que está de relações cortadas com seu pai desde há cerca de quatro anos, não falando com ele.

O arguido V. era empregado de escritório na “O. ” quando entrou (…) mas para o fim já sim já tratávamos de pagamentos, sempre com ordens do meu pai.

À data dos factos já namorava com V. e este nunca se me queixou de nada.

Pergunta: alguma vez o seu companheiro em concreto se lhe queixou de ter sido ameaçado pelo seu pai para preencher facturas?

Resposta: não.

Pergunta: está a ver o seu pai a ameaçar alguém para passar facturas?

Resposta: Não sei, mas conhecendo pelo que conheço é bem capaz.

Depois de assumir a gerência da empresa, em 2009, quando foi prestar declarações à Autoridade Tributária, foi-lhe dito pelo inspector que havia umas facturas, se tinha conhecimento e eu na altura não tinha conhecimento de facturas nenhumas. De seguida falou com V. e ele, depois de questionado, disse-lhe que tinha sido ameaçado pelo meu pai se não preenchesse tais facturas.

Pergunta: ele confirmou-lhe que efectivamente preencheu algum conjunto de facturas e que tinha sido sob ameaça de seu pai.

Resposta: sim, sim. Sim.

Pergunta: quando falou a respeito do preenchimento dessas facturas, a senhora sabe quais eram as orientações para o preenchimento?

Resposta: não.

Pergunta: sabe se correspondiam, se havia alguma possibilidade de corresponderem a obras ou não?

Resposta: não, não sei. Na altura não.

Pergunta: então como é que interpretou que tivesse de ser um preenchimento feito sob ameaça?

Resposta: É assim, eu acho que acredito no meu namorado, sem dúvida, não é. Eu acho não, eu acredito.

Pergunta: o senhor V. chegou-lhe a explicar porque é que tinha que ser ameaçado?

Resposta: sim, ele na altura o que me falou é que se não preenchesse tais facturas, agora o motivo do preenchimento não sei, é que era despedimento, era ameaçado de despedimento da empresa.

Pergunta: ele seguia as ordens de seu pai para fazer tudo na empresa. O que é que isto era de diferente?

Resposta: sim. Pois.

Quanto à testemunha A.S. , relatou ter trabalhado para o contabilista da empresa “O. ” - Dr. CS - como escriturária de contabilidade, quando o gerente era o arguido A. .

Era habitualmente o V. que lhe levava os documentos, incluindo a facturação, relativos à contabilidade da “O. ”, outras vezes o Dr. CS trazia-os após reunião com pessoas da sociedade.

Pergunta: algum momento a senhora sentiu da parte dele (do arguido V. Coimbra, entenda-se) estar ansioso por causa da entrega dessa documentação?

Resposta: não.

Ora, o tribunal recorrido explicita como formou a sua convicção quanto à materialidade em causa, nos seguintes termos:

Os depoimentos das testemunhas AS, escriturária de contabilidade que procedia ao lançamento dos documentos da O.  , Lda e MP , filha do arguido A. e companheira do arguido V. contribuíram para infirmar a versão do arguido V. de que era ameaçado pelo arguido A. para a prática dos factos que lhe são imputados e que admitiu ter feito. Isto porque a primeira testemunha indicou-o como a pessoa que servia de “elo de ligação” com a contabilidade, levando os documentos para o gabinete de contabilidade e a segunda, já sua namorada à data dos factos, não se recorda de alguma vez o mesmo se ter queixado da existência de pressões ou ameaças do arguido A. , durante o período em que o arguido alega que as mesmas teriam tido lugar, o que seria natural ter acontecido, atenta a relação entre ambos, de namoro, e a relação da testemunha com a pessoa que seria o “agressor”, pois era sua filha. Nesta parte os dois depoimentos em causa foram espontâneos e coerentes entre si, sendo, nesta parte acreditados.

A testemunha M.P. referiu ainda que, apenas após ser chamada à autoridade tributária e perante o facto de as facturas existirem, o arguido, só então, lhe contou que o pai o teria ameaçado para emitir as facturas em causa. Ora, esta conversa, apenas após ser descoberto pelos serviços de finanças a existência das facturas desconformes, não convence o Tribunal de que as ameaças terão efectivamente existido. Tanto mais que a conversa só então existente, não foi acompanhada de uma explicação mais concreta da conduta a que o arguido teria sido obrigado, uma vez que a testemunha M.P.  nem sabia explicar qual a desconformidade das facturas, aventando a hipótese da conduta de V. apenas respeitar ao preenchimento de alguns elementos que o emitente da factura teria olvidado, nem acompanhado de uma explicação das ameaças concretamente utilizadas, julgando a testemunha ser de despedimento. A existência da conversa sobre as ameaças apenas após a descoberta do acto ilícito, afigura-se ao Tribunal como uma desculpa do arguido perante a companheira, mas sem os detalhes para que esta avaliasse a gravidade da conduta, que de resto a mesma pareceu pouco interessada em aprofundar, afirmando perante o Tribunal não ter procurado saber mais detalhadamente os contornos da situação. Em suma, apesar do depoimento da testemunha ter convencido o Tribunal, o momento da conversa do arguido com a testemunha sobre a existência das ameaças, reforça no Tribunal a convicção de que as mesmas não terão sequer existido, aparecendo à posteriori como a desculpa do arguido V. perante a então companheira, para não ser responsável pelos actos que então imputou ao arguido seu sogro.

Como decorre do transcrito, o tribunal de 1ª instância não considerou verosímil a narração efectuada pelo arguido V. à sua companheira, concernente ao preenchimento de facturas sem correspondência com transacções comerciais efectivamente realizadas, por ter sido ameaçado pelo pai desta com o despedimento e nem credível a versão por ele apresentada em audiência de julgamento no mesmo sentido.

Ora, como se salienta no Acórdão R. do Porto, de 21/04/2004, Processo nº 0314013 e Acs. R. de Coimbra de 18/02/2009, Proc. nº 1019/05.0OGCVIS.C1, de 10/11/2010, Proc. nº 2354/08.1PBCBR.C2, e de 09/01/2012, Proc. nº 102/10.5 TAANS.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, entendimento que temos vindo a sustentar sistematicamente neste Tribunal da Relação, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.

E, no âmbito da valoração da prova e de reconstituição dos factos, com o escopo de encontrar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, ao julgador não é imposto ter de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos ou declarações na globalidade, cumprindo-lhe antes, em cada um deles, discernir o que lhe merece crédito, por coerente, ou não, por em desacordo com as regras da experiência, a normalidade das coisas ou os conhecimentos científicos.

No caso sub judice, o tribunal explicita cabalmente as razões da valoração que fez e não se vislumbra esta inadmissibilidade, pois o juízo de não credibilidade efectuado não conflitua, de modo algum, com a boa lógica e a experiência comum (basta atentar que as facturas foram preenchidas em 2005/2006 e o recorrente só desvendou à companheira, que à data dos factos até já era sua namorada, a situação em que se encontrava envolvido e mesmo assim só após esta o ter questionado a propósito depois de ter prestado declarações na Autoridade Tributária sobre essa matéria, o que se não mostra conforme com as regras da experiência, tanto mais que desde Janeiro de 2009 M.P. passara a exercer as funções de gerente da sociedade “O.”) pelo que razão alguma existe para colocar em crise o juízo efectuado relativamente à não credibilidade das declarações do recorrente e da comunicação que fez a M.P. .

Acresce que, pese embora o recorrente tenha actuado de acordo com instruções do arguido A. e, admitamos mesmo, por indicação expressa deste prevalecendo-se do estatuto de gerente da sociedade sua entidade patronal, tal circunstancialismo não afasta que actuou ele no desenvolvimento do plano estabelecido por A. , a que aderiu e em comunhão de esforços entre ambos, deliberada (porque o seu intuito foi precisamente o de preencher as facturas de forma não correspondente com a realidade), de forma livre (porquanto era perfeitamente possível recusar-se à actuação preconizada, ainda que, eventualmente – no pressuposto de que a alegada ameaça traduzia uma vontade real, o que não está, como se viu, demonstrado – tal determinasse a cessação do contrato de trabalho) e consciente.

Chama ainda à colação o recorrente o princípio in dubio pro reo, considerando que se verifica a sua violação.


Mas, sem razão.

A violação do princípio in dubio pro reo, princípio relativo à prova e corolário do da presunção de inocência constitucionalmente tutelado – que se traduz na imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 203 - pressupõe “um estado de dúvida insanável no espírito do julgador”, só podendo concluir-se pela sua verificação quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal encontrando-se nesse estado, optou por decidir contra o arguido (fixando como provados factos dubitativos ao mesmo desfavoráveis ou assentando como não provados outros que lhe são favoráveis) ou, quando embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter – cfr. Acs. do STJ de 27/05/2009, Proc. nº 05P0145 e 30/10/2013, Proc. nº 40/11.4JAAVR.C2.S1; Ac. R. de Évora de 30/01/2007, Proc. nº 2457/06-1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Analisando a decisão recorrida, dela não resulta que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis ao arguido/recorrente e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum ou considerando a prova que gravada se mostra, ou seja, não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter.

Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta violado o invocado princípio.

Para que se proceda à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente, teria este que demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal a quo constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das aludidas regras, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresente uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.

Tal demonstração de que as provas que aponta conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não a fez, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto.

Termos em que, cumpre concluir que da análise efectuada resulta que a factualidade considerada provada objecto de impugnação se apresenta sustentada por prova suficiente, adequada e legalmente permitida, não se registando obliteração das regras da experiência comum, sem margem para dúvidas razoáveis, não havendo, por isso, fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, não podendo proceder a pretensão do recorrente de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do julgador, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada, tendo sido proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção – artigo 127º, do CPP – pelo que se consideram definitivamente assentes os factos como tal dados pela 1ª instância.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente/verificação dos pressupostos do direito de necessidade

Entende ainda o recorrente que é incorrecta a subsunção efectuada pelo tribunal recorrido da sua conduta na alínea c), do nº 1, do artigo 103º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, por se ter dado como provado que “os arguidos actuaram com o propósito de simularem facturação, bem sabendo que as facturas não correspondiam a qualquer transacção comercial realizada entre os mesmos” e bem assim que “actuaram os arguidos em conjugação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente” e no dispositivo do acórdão foi o recorrente (e também o arguido A. ) como autor de um crime de fraude fiscal qualificado e não, como se impunha, como co-autor.

Efectivamente, o recorrente foi condenado como autor de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Contudo, o que consta da acusação pública, de que foi oportunamente notificado, é a imputação da prática do crime de fraude fiscal qualificada como co-autor material, ou seja, sob a forma de co-autoria, o que, aliás, também se verifica quanto ao arguido A. .

E, a factualidade que menciona integra, precisamente, a actuação em comunhão de esforços e desígnios, quer dizer, em co-autoria, não se vislumbrando na decisão revidenda que tenha sido ela afastada pelo tribunal a quo.

Daí que estejamos perante um mero lapso de escrita, a corrigir nos termos do estabelecido no artigo 380º, nº 1, alínea b) e nº 2, do CPP.

Aduz ainda o recorrente, que se verifica a causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 34º, do Código Penal, porquanto actuou por ter sido ameaçado com o despedimento, caso o não fizesse e bem assim pelo receio de virem a existir problemas com a sua companheira.

Só que, a conclusão a que chega sobre a presença da causa de exclusão da ilicitude prende-se com a matéria de facto que pretendia fosse considerada como não provada, com o triunfo da versão que levaram à audiência de julgamento e também a este Tribunal da Relação por via do recurso interposto da decisão da 1ª instância.

Mas, a sua pretensão não teve êxito e, assim, também improcede esta sua argumentação quanto à causa de exclusão da ilicitude.

Nulidade do acórdão por falta de fundamentação da medida da pena concreta

Sustenta ainda o recorrente que o acórdão revidendo padece da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, por omissão da fundamentação relativa à determinação da medida concreta da pena que lhe foi aplicada.

Estabelece-se no artigo 71º, nº 3, do Código Penal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, e, elucida-nos o Ac. do STJ de 12/10/2011, Proc. nº 484/02.2TATMR.C2.S1, consultável em www.dgsi.pt, que a falta de especificação das razões que subjazem à determinação concreta da pena, constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia - prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 379º, do CPP - invalidade que a lei igualmente prevê na alínea a) do mesmo artigo, posto que um dos requisitos essenciais da sentença, conforme preceituado no nº 2, do artigo 374º, é o da obrigatoriedade do tribunal dar a conhecer os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.

Pois bem, concernente à determinação da pena concreta, diz-se no acórdão sob censura:

Quanto ao arguido V. , a sua culpa é média, pois agiu em execução de instruções do arguido A. , embora ciente da ilicitude da sua conduta e de forma livre e esclarecida. A ilicitude é elevada, pois os actos que fez parte atingiram um valor de € 183.970,98 e respeitam a uma actuação que se prolongou durante cerca de 2 anos. O arguido não tem antecedentes criminais e está inserido, social e laboralmente, não havendo quaisquer factores de risco para repetição da conduta delituosa.

Face ao que supra ficou transcrito, é patente que o acórdão levou em linha de conta e de forma correcta, ainda que sinteticamente, os factores relevantes para a determinação concreta da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal e 13º, do RGIT (segundo o qual, na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime), não se verificando a apontada nulidade, nem obliteração alguma das garantias de defesa, do princípio do contraditório ou do dever de fundamentação das decisões judiciais.

Contudo, quanto ao montante da vantagem patrimonial ilegítima obtida, podemos ler na decisão revidenda:

Apurou-se ainda que nos anos de 2005 e 2006 quanto à sociedade O.  , Lda, A e V. fizeram integrar na contabilidade daquela e consequentes declarações de rendimentos (para efeitos de IRC) e declarações periódicas de IVA as facturas descritas nos artigos 62 e 63 do elenco dos factos provados, aparentemente emitidas pela sociedade SCC , Lda, que não tinham subjacente qualquer transacção ou prestação de serviços.

A sociedade O., Lda com a apresentação das declarações periódicas de IVA de 2005 e 2006 obteve uma vantagem patrimonial indevida no que concerne a este imposto, de valor superior a € 15.000,00 em cada um dos anos, correspondente ao imposto indevidamente deduzido sendo de € 55.469,40 no ano de 2005 e de € 52.035,71 no ano de 2006 e em sede de IRC contabilizou nos anos de 2005 e 2006 custos suportados pelas facturas emitidas por aquelas empresas que implicaram uma diminuição na declaração do IRC de valor também superior a € 15.000,00, sendo de € 76.465,87 no ano de 2006, totalizando os valores das vantagens patrimoniais em sede de IVA e IRC o valor de € 183.970,98.

A vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição das receitas tributárias (correspondente ao montante de imposto que o sujeito passivo visou deixar de pagar em consequência da conduta fraudulenta) não se configura como elemento típico essencial para a verificação do ilícito (ocorrendo a consumação do crime mesmo que vantagem patrimonial indevida alguma venha a ocorrer efectivamente), mas enquanto condição objectiva de punibilidade – cfr. entre outros, Acs. R. do Porto de 20/04/2016, Proc. nº 271/03.0IDPRT.P1 e de 09/05/2018, Proc. nº 210/10.2IDAVR.P1, consultáveis em www.dgsi.pt – e tem de ser igual ou superior a 15.000,00 euros, conforme resulta do nº 2, do artigo 103º, do RGIT, na versão introduzida pela Lei nº 60-A/2005, de 30/12, também aplicável no que tange ao crime de fraude fiscal qualificada – assim, Ac. R. do Porto de 16/03/2011, Proc. nº 65/05.9IDAVR.P1, disponível no mesmo sítio - sendo os valores a considerar os que devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária – nº 3.

Assim, não é legalmente admissível que se atenda ao somatório do valor de cada uma das declarações para integrar, quer o tipo base, quer o tipo qualificado e, daí que os valores das declarações apresentadas inferiores a 15.000,00 euros também se não podem adicionar para obter o valor global da vantagem patrimonial ilegítima, como fez o tribunal a quo, conforme se alcança da análise dos quadros constantes dos pontos 62 e 63 dos factos provados em confronto com a factualidade dada como assente nos pontos 75 e 76 da mesma.

E, somando as quantias mencionadas nestes últimos - 20.559,90 + 30.027,00 (a menção a 30.025,70 do quadro sob o ponto 75 integra lapso de escrita como se extrai do quadro sob o ponto 62 nos campos 2005/06T e valor do IVA) + 16.367,86 + 76.465,87 – alcançamos o valor global de 143.420,63 euros.

Inegavelmente, o desvalor do resultado releva para efeitos, desde logo, de determinação da medida concreta da pena a aplicar, como consagrado no artigo 13º, do RGIT.

Assim sendo, importa retirar as devidas consequências e condenar o recorrente V. na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Por força do estabelecido no artigo 402º, nº 2, alínea a), do CPP, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o que não é o caso.

Termos em que, cumpre condenar o arguido (não recorrente) A. na pena 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Não aplicabilidade da condição estabelecida para a suspensão da execução da pena

Inconformado se mostra ainda o recorrente por a suspensão da execução da pena ter sido condicionada ao pagamento da quantia de 183.970,98 euros – valor do imposto em dívida, de acordo com o dispositivo do acórdão recorrido - no prazo de 18 meses, nos termos do artigo 14º, do RGIT, fundando-se em que não era sujeito passivo do IVA e IRC em falta, pelo que não contraiu para com o erário público qualquer dívida tributária, nem obtido qualquer benefício económico indevido.

Mas, na verdade e com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que, no caso concreto, assim se não pode entender.

Nos termos do artigo 2º, nº 1, do RGIT, constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior, considerando-se praticada a infracção no momento e no lugar em que o agente actuou ou devia ter actuado, sendo que, no que concerne a infracções tributárias omissivas, consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários – artigo 5º, nºs 1 e 2.

O tribunal recorrido entendeu que, face aos factos dados como provados, a conduta do recorrente se subsume na previsão do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2, do RGIT.

Estabelece-se neste artigo 103º, na redacção vigente à data da prática dos factos (Lei nº 15/2001, de 05/06):

“1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7500.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”

E no artigo 104º:

“1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:

a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;

b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;

c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;

d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;

e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;

f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.

2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.

3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.”

Salientam Carlos Adérito Teixeira e Sofia Gaspar, Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume II, UCE, 2011, pág. 454, que “o tipo objectivo do crime de fraude traduz-se, grosso modo, nos modelos de conduta típicos que, visando a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária, se traduzam na violação de deveres de colaboração (informação e lealdade) com a administração tributária, através da ocultação de factos ou valores, por via da sua não declaração à administração tributária ou por via da sua não escrituração ou integração na documentação contabilística passível de fiscalização, ou ainda, por via da celebração de negócios simulados (…) susceptíveis de causarem diminuição das receitas fiscais”.

E, no dizer de António Tolda Pinto e Jorge Manuel Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, em anotação ao artigo 103º, “este crime classificado doutrinalmente como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de "as condutas ilegítimas tipificadas" visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais "susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias". Isto é, será suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta e medida da pena.” – Assim, vd. também Ac. do STJ de 27/11/2007, Proc. nº 07P3324, Ac. deste Tribunal da Relação e Secção de 13/07/2010, Proc. nº 712/00.9JFLSB.L1-5 e Ac. R. do Porto de 05/01/2011, Proc. nº 110/98.2IDAVR.P1, consultáveis em www.dgsi.pt.

No caso sub judice, estamos perante fraude na modalidade da conduta típica da utilização de facturas por operações inexistentes ou seja, do que vulgarmente se denomina de “facturas falsas”, sendo que a responsabilidade jurídico-penal do recorrente emerge da sua actuação em comunhão de esforços e desígnios (co-autoria) com o gerente da sociedade “O. ”, que agiu em nome e no interesse desta, o que, como provado está, por via da facturação simulada levou à obtenção para a sociedade de vantagens patrimoniais a que não tinha direito (simulação de prestações de serviços constante de facturas para efeitos de dedução ou reembolsos indevidos de IVA e de IRC), sendo certo que o resultado vantagem patrimonial ilegítima nem sequer é elemento objectivo deste tipo de ilícito.

Enquanto co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica, o que resulta da conjugação do estabelecido nos artigos 6º e 7º, nº 3, do RGIT e 26º, do Código Penal, daí a não relevância de o recorrente não ser sujeito passivo de obrigação/relação tributária e para ele a título pessoal não ter advindo qualquer benefício económico.

Censura também o arguido a suspensão da execução da pena condicionada ao pagamento da aludida quantia com o argumento de que mesmo o tribunal a quo considerou que não tinha ele condições económicas para a liquidar.

Já vimos que a quantia que relevará para o efeito não será a de 183.970,98 euros, mas a de 143.420,63 euros.

Estabelece-se no artigo 14º, do Regime Geral das Infracções Tributárias:

“1 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

2 - Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:

a) Exigir garantias de cumprimento;

b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;

c) Revogar a suspensão da pena de prisão.”


E, o Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012, de 12/09/2012, in D.R. I Série, nº 206, de 24/10/2012, fixou a seguinte jurisprudência:

“No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia”.

Ainda que se entenda que a disciplina fixada no mesmo apenas se aplica quanto aos crimes tributários puníveis com pena de prisão e outra não privativa da liberdade em alternativa (maxime a de multa), o que não acontece com o de fraude fiscal qualificada – como sustentam os Ac. R. do Porto de 20/2/2013, Proc. nº 131/08.9IDPRT.P1 e de 29/04/2015, Proc. nº 290/07.8IDPRT.P1, em www.dgsi.pt – certo é que, indubitavelmente, dele resulta a obrigatoriedade da imposição da condição.

Ora, o que quanto a esta problemática consta da decisão recorrida – não podendo olvidar-se que foi já anteriormente proferido acórdão na 1ª instância aos 07/11/2016, que foi parcialmente anulado por Acórdão deste Tribunal da Relação de 16/01/2018, relatado pelo Exmº Desembargador João Carrola determinando-se que, de acordo com a linha de pensamento do Ac FJª citado se efectue o “juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte dos condenados, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura” decidindo-se a final em conformidade com tal ponderação e após prévia justificação da suspensão da execução das penas e da proporcionalidade de aplicação da condição do pagamento tributário, é o seguinte:

Apesar de se afigurar ao Tribunal que os arguidos, com os rendimentos que auferem e declaram actualmente, não conseguirão pagar na íntegra os benefícios que já usufruíram indevidamente do Estado, atenta a norma legal, entende que é de sujeitar os arguidos a tal condição, sem prejuízo de, verificado o esforço dos arguidos do cumprimento que estiver ao seu alcance no período determinado, que o Tribunal entende não ser de limitar neste momento, ainda que fique aquém do valor que já usufruíram, considerar que a condição não se mostra cumprida por causa não imputável ao arguido, com as inerentes consequências.

Efectuando o supra mencionado juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, ponderando o montante a pagar (que, repete-se, será de 143,420,63 euros) o valor da remuneração que auferirá enquanto auxiliar de acção médica no Hospital Beatriz Ângelo e o montante dos seus encargos fixos, por um lado e a circunstância de se desconhecer se é titular de qualquer outro bem de fortuna, por outro, não se mostra que a exigência de que pague a quantia fixada no prazo estabelecido resulte, por ora, de impossível cumprimento, ainda que se reconheça a necessidade de um esforço intenso.

Contudo, vero é também que as repercussões de uma eventual falta de pagamento sobre a suspensão da execução da pena sempre dependerão de um juízo futuro a respeito do carácter culposo, ou não, dessa falta de pagamento.

O Tribunal Constitucional tem salientado, em apoio deste entendimento, o facto de ser sempre possível a alteração para melhor da situação económica do condenado e, sobretudo, a circunstância de a eventual revogação da suspensão da pena pelo não pagamento nunca ser automática, mas depender sempre de uma avaliação judicial da culpa do condenado, não podendo um incumprimento não culposo ser fundamento de revogação dessa suspensão. Neste sentido, os acórdãos nº 256/2003, 335/2003, 376/2003, 500/2005, 309/2006, 543/2006, 29/2007, 61/2007, 360/2007, 377/2007, 327/2008, 427/2008, 563/2008, 244/2009, 556/2009, 587/2009 e 237/2011, que podem ser lidos no sítio respectivo - pelo que o tribunal a quo não efectuou interpretação do artigo 14º, do RGIT em violação do estatuído nos artigos 1º, 13º e 18º, da Constituição da República Portuguesa, como sustenta o recorrente.

Assim sendo, a suspensão da execução da pena deve ficar condicionada nos exactos termos definidos pela 1ª instância.

Considera ainda o recorrente que, tendo sido ele e o co-arguido A. condenados em pena de prisão suspensa na sua execução sob a condição de cada um deles proceder ao pagamento da quantia de 183.970,98 euros (leia-se agora 143.420,63 euros) “pagando cada um dos referidos arguidos, o montante a que foram condenados, constituirá inevitavelmente o erário público numa situação de enriquecimento sem causa, uma vez que irá receber o dobro do montante benefício que aqueles indevidamente tiveram” pelo que se deveria no acórdão “ter definido, relativamente a cada um dos condenados abrangidos pela decisão, a respectiva quota-parte, no global da condição fixada.”

Não tem, porém, a razão pelo seu lado, como passamos a demonstrar.

O já referido artigo 14º, nº 1, do RGIT, impõe que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada seja condicionada ao pagamento das quantias correspondentes à “prestação tributária e acréscimos legais” ou ao “montante dos benefícios indevidamente obtidos”, podendo ler-se no Acórdão nº 8/2012, retro mencionado, que “a escolha da pena de substituição é um prius em relação à imposição da condição. Prevendo a penalidade a alternativa prisão/multa, incidindo a opção sobre a pena de prisão, de duas, uma: ou é eleita a pena de prisão efectiva ou a pena de substituição, a pena suspensa. Mas porque no caso a suspensão ficará subordinada a condição com contornos pré-definidos, a opção não pode ser cega, tem que ser ponderada, avaliada, porque senão deixa de ser um poder dever, o exercício de um poder vinculado, sem necessidade de específica fundamentação”.

Acrescentando-se ainda que “feita a escolha, a adopção da medida de substituição, cessa a liberdade de punição, porque imposta é a subordinação à condição; o juiz fica subordinado, amarrado, ao incontornável passo seguinte, que é a impor a subordinação ao pagamento.”

Por outro lado, como se pode ler no Ac. R. de Guimarães de 03/07/2017, Proc. nº 471/12.2IDBRG.G2, consultável em www.dgsi.pt, “a imposição do condicionamento da pena suspensa ao pagamento das supra indicadas quantias, nomeadamente equivalentes aos benefícios indevidamente obtidos, constitui sanção pelo cometimento de crime de natureza fiscal, ou melhor integra-se na pena fixada ao arguido, condenado como responsável pelo crime de fraude fiscal qualificada, e não deriva diretamente da qualidade de sujeito passivo da relação jurídica de imposto em falta” – neste sentido, vd. também os Acs. R. do Porto de 20/02/2013 e 29/04/2015, já assinalados.

Porque assim é, correcta se apresenta a condenação do recorrente e do seu co-arguido na totalidade da quantia correspondente à vantagem patrimonial indevida, resultante do crime praticado, não ocorrendo, no caso em apreço, violação do princípio da pessoalidade das penas.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em:

A) Proceder à correcção do dispositivo do acórdão recorrido, nos termos do estabelecido no artigo 380º, nº 1, alínea b) e nº 2, do CPP, passando a constar a condenação dos arguidos V. e A. como co-autores da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias;

B) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido V. e, em consequência, condenam-no como co-autor de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período temporal, sujeita ao dever de pagar o montante de 143.420,63 euros (cento e quarenta e três mil, quatrocentos e vinte euros e sessenta e três cêntimos) nos termos do artigo 14º do Regime Geral das Infracções Tributárias, a comprovar nos autos no prazo de 18 meses, revogando nesta parte a decisão recorrida;

C) Condenam A. , como co-autor de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 104º, nº 2, com referência ao disposto no artigo 103º, nº 1, alínea c) e nº 2 e artigo 7º, nº 3, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita ao dever de pagar a quantia de 143.420,63 (cento e quarenta e três mil quatrocentos e vinte euros e sessenta e três cêntimos) euros, nos termos do artigo 14º do Regime Geral das Infracções Tributárias, a comprovar nos autos no prazo de 2 anos e 6 meses, revogando nesta parte a decisão recorrida;

D) No mais confirmam a decisão revidenda.

Sem tributação.

Lisboa, 23 de Outubro de 2018

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)

Artur Vargues

Jorge Gonçalves