Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8371/15.8T8LSB-A.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Numa execução, em que o título executivo é constituído por uma escritura pública de compra e venda de imóvel, não é fundamento de oposição à execução a invocação da excepção do não cumprimento do contrato, com a recusa do pagamento de parte do preço imputado a obras de beneficiação, cuja obrigação por parte dos vendedores não ficou consignada na escritura definitiva de compra e venda.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que J… intentou contra C… e M… para pagamento da quantia certa de 6 723,09 euros, sendo 5 900,00 euros de capital e o restante de juros de mora, correspondente a parte do valor não pago do preço de um contrato de compra e venda de imóvel em cuja escritura pública os executados se declararam devedores e a qual foi apresentada como título executivo, vieram os executados deduzir oposição à execução, alegando, em síntese, que antes da escritura de compra e venda celebraram um contrato promessa em que os promitentes vendedores, o ora exequente e a sua mulher, se comprometeram a fazer obras de limpeza, impermeabilização e reparação no imóvel até à data da escritura e aquando da celebração da escritura essa obrigação não havia ainda sido cumprida, fixando-se que o prazo de um ano para pagamento do remanescente do preço, no montante de 40 000,00 euros, 20 000,00 euros ao exequente e 20 000,00 euros à sua esposa, tendo os oponentes efectuado o pagamento de 20 000,00 euros a esta última e de 15 100,00 euros ao exequente, mas, como não foram realizadas as obras acordadas, suspenderam o pagamento de 4 900,00 euros, invocando o não cumprimento do contrato ao abrigo do artigo 428º do CC, para além de o imóvel apresentar outras anomalias e de os oponentes terem tido despesas por este lhes ter sido entregue depois da data prometida.
Mais alegaram que deverá ser chamada a intervir nos autos a mulher do exequente, promitente vendedora, por estarem reunidos os pressupostos do artigo 34º nº3 do CPC.

Concluíram pedindo a procedência da oposição e a intervenção principal da esposa do exequente.

O exequente contestou alegando, em síntese, que o título executivo é constituído pela escritura de compra e venda onde não foi fixada qualquer obrigação por parte dos vendedores, sendo as únicas obrigações sinalagmáticas a venda da fracção e o pagamento do preço, que os oponentes não pagaram parcialmente, pelo menos em relação ao contestante, não relevando quaisquer contratos de promessa anteriores, sendo falsos os factos alegados quanto às anomalias do imóvel, ignorando o contestante se houve atraso na entrega do imóvel, pois à data da escritura já não o habitava com a sua mulher e tendo o contestante, logo a seguir à realização da escritura, se disponibilizado a efectuar os trabalhos constantes do relatório de obra e orçamento que junta, cujo valor não excedia 250,00 euros, mas os oponentes foram obstando ao início das obras, reclamando outras obras, o que impediu o contestante de as realizar. 

Concluiu pedindo a improcedência da oposição.

Após os articulados foi proferido despacho que indeferiu a intervenção principal e saneador sentença que julgou procedentes os embargos relativamente à quantia de 1000,00 euros, julgando-os improcedentes relativamente à restante quantia de 4 900,00 euros, determinando o prosseguimento da execução para pagamento deste último valor.
                                                           
Inconformados os oponentes interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões com as seguintes questões:
No contrato de promessa de compra e venda os vendedores assumiram a obrigação de realizar, no imóvel que alienaram, até à data da escritura, obras de limpeza, impermeabilização e reparação, obrigação esta intimamente relacionada com a compra e venda do mesmo imóvel e com vencimento antes da exigibilidade do pagamento, aos ora recorrentes, da parte remanescente do preço, no valor de 440 000,00 euros, que ocorreria no ano posterior à outorga da referida escritura.
Apesar de a referida obrigação de realizar as obras em causa não faça parte, em geral, do conceito jurídico de compra e venda, ela faz parte, no caso concreto, do contrato bilateral entre as partes celebrado.
No contrato bilateral que constitui o pressuposto de invocação da excepção de não cumprimento, esta pode estender-se a obrigações acessórias.
Apenas se impõe que seja respeitado o princípio da proporcionalidade, o que os apelantes cumpriram, pois restringiram o não pagamento ao valor de 4 900,00 euros, que consideraram equivaler à obrigação incumprida pelos dois vendedores.
O facto de a obrigação de os vendedores realizarem as obras no imóvel objecto do contrato de compra e venda não ter ficado vertida na escritura pública apresentada como título executivo não impede a sua validade nem a sua invocação como parte do negócio celebrado e manifestação da plena liberdade contratual das partes.
E o mesmo se diga relativamente a outras circunstâncias invocadas pelos apelantes e que constituem excepções susceptíveis de ser contrapostas ao crédito do exequente e sujeitas à respectiva produção de prova.
Nos termos do artigo 731º é lícito aos executados ora apelantes invocar quaisquer fundamentos que pudessem ser invocados como defesa em processo declarativo.
Não deveria o Tribunal ter rejeitado a admissibilidade da invocação da excepção de não cumprimento do contrato e a invocação de qualquer obrigação não vertida na escritura pública, tendo interpretado erradamente o disposto no artigo 428º do CC.
Por força da relação contratual estabelecida, torna-se necessária a intervenção da mulher do exequente/apelado, uma vez que os direitos invocados pelos apelantes advêm de facto praticado por ambos, sendo a decisão que venha a ser proferida susceptível de regular definitivamente a situação jurídica de ambos, por se tratar de uma situação de litisconsórcio necessário, estando reunidos os pressupostos do artigo 34º nº3 do CPC.
Deve ser revogada a decisão recorrida e substituir-se esta por outra que conclua pela admissibilidade da invocação da excepção de não cumprimento e determine o prosseguimento dos autos e que ordene o chamamento à acção da vendedora do imóvel.
                                                         
O recorrido apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.
                                                          
As questões a decidir são:
I) Fundamento da oposição.
II) Intervenção principal do cônjuge do exequente.
                                                           
FACTOS.

A sentença recorrida considerou os seguintes factos assentes, com relevância para a decisão da causa:
1. O exequente intentou acção executiva a que coube o nº8371/15.8 T8LSB contra os executados, ora embargantes, apresentando como título executivo uma escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e mandato, celebrada no dia 27 de Setembro de 2010 e respectivo documento complementar, através da qual o exequente e sua mulher venderam, livre de ónus ou encargos, aos executados/embargantes, a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao 1º andar, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua …, 57 e 59, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº… daquela freguesia e inscrito na matriz da freguesia do … sob o artigo …, pelo preço global de 220 000,00 euros, dos quais, nessa data, aqueles apenas receberam 180 000,00 euros.
2. Na data da celebração da escritura referida em 1., o preço da venda não ficou integralmente pago, tendo os executados/embargantes se comprometido a pagar ao exequente e sua mulher a remanescente quantia de 40 000,00 euros, no montante de 20 000,00 euros cada um, no prazo máximo de um ano a contar da data da escritura.
3. Até à presente data os executados/embargantes apenas pagaram ao exequente a quantia de 15 100,00 euros.
4. Em 27 de Maio de 2010 celebraram os executados/embargantes com o exequente e mulher contrato promessa de compra e venda relativo ao prédio urbano sito na Rua …, nºs 57 a 59, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº… daquela freguesia e inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo …, constituído por 3 (três) fracções autónomas: A, B e C.  
5. De acordo com o referido contrato promessa de compra e venda, comprometeram-se os então promitentes vendedores, exequente e mulher, como resulta do teor da Cláusula Oitava, “até à data da escritura de compra e venda, a proceder à limpeza e impermeabilização das duas caleiras da fachada principal e igualmente a reparar os danos causados pelas infiltrações ocorridas nos vãos das janelas por debaixo destas duas caleiras”.
6. Foi entre as partes acordado que o preço global da venda prometida ascendia a 450 000,00 euros, como resulta da Cláusula Terceira do mencionado contrato promessa.
7. Na data da celebração do referido contrato promessa entregaram os executados/ embargantes ao exequente e mulher, a título de sinal, e princípio de pagamento, a quantia de 10 000,00 euros, conforme previsto na alínea a) da Cláusula Quarta do mencionado contrato.
8. Foi então entre as partes acordado, como resulta da alínea b) da mesma Cláusula Quarta, que o remanescente do preço, no montante de 440 000,00 euros, seria pago na data da outorga da escritura pública de compra e venda
                                                          
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Fundamento da oposição.
O exequente apresentou à execução uma escritura de compra e venda de imóvel em que os executados se declararam devedores de parte do preço, sendo este documento exarado por notário e, como tal, título executivo, previsto no artigo 703º nº1 a) do CPC.
Nos termos do artigo 731º do CPC, não se baseando o título executivo em sentença, a execução pode ter como fundamento, para além dos previstos no artigo 729º, quaisquer factos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.

Por seu lado, o artigo 428º prevê que nos contratos sinalagmáticos, em que não haja prazos diferentes para o cumprimento das obrigações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

O contrato de compra e venda celebrado pelas partes está previsto nos artigos 874º e seguintes do CC e tem como efeitos essenciais os descritos no artigo 879º: transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, obrigação de entregar a coisa e obrigação de pagar o preço.

A escritura de compra e venda dos autos estabeleceu um regime de pagamento do preço que alterou o que havia sido acordado no contrato promessa no sentido de a totalidade do preço ser paga na data da escritura e fixou um novo prazo para o pagamento da parte do preço ainda não paga de 40 000,00 euros, sendo 20 000,00 euros a pagar a cada um dos vendedores no prazo de um ano posterior à escritura, mas, quanto à realização de obras, nada foi consignado, assim como nada ficou consignado relativamente a prazo de entrega do imóvel não coincidente com a data da escritura.

Portanto, haverá que concluir que, do que resulta da formalização definitiva do contrato, são obrigações sinalagmáticas apenas a entrega do imóvel e o pagamento do preço, no regime aí estritamente fixado.

Não estão assim reunidos os requisitos do artigo 428º, o que também se aplica às restantes anomalias invocadas, relativamente às quais não estão alegados factos que integrem os requisitos legais de denúncia.
                                                          
II) Intervenção provada.
Face ao supra decidido, fica prejudicada a questão da intervenção provocada do cônjuge do exequente, requerida no pressuposto do prosseguimento da oposição.
                                                           
DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.                                                 
Custas pelos apelantes.

                                                          
Lisboa, 2017-12-21
                                              
                                                                     
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho                                                                    
Anabela Calafate
Decisão Texto Integral: