Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5920/21.6T8LSB-F.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
PERÍODO DE INIBIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – O nº 2 do art.º 186º do CIRE estabelece um elenco taxativo de presunções iuris et de jure de insolvência culposa.
2 – Está em causa uma função de pré-proteção ou de antecipação de proteção - devido à preocupação de prevenir com eficácia a lesão de um interesse ou bem jurídico, a lei veda e pune condutas independentemente de se demonstrar que essas condutas apresentam no caso concreto um perigo para tal interesse ou bem jurídico.
3 – A lei não exige intenção de prejudicar credores, para o preenchimento do tipo do art.º 186º do CIRE e, independentemente de qualquer intenção, a afetação dos recursos monetários do devedor a outra sociedade prejudica os respetivos credores por diminuir ou a respetiva garantia geral, que é sempre o património do devedor, preenchendo a al. d) do nº2 do referido preceito.
4 – O pagamento de encargos tributários e previdenciais devidos pelos trabalhadores de outra sociedade, tal como os pagamentos de prestações devidas por essa outra sociedade à AT e à Segurança Social, configuram disposição de meios monetários da insolvente no interesse e para benefício de outra sociedade, em uso contrário aos interesses da devedora – que com esses meios se poderia preservar um pouco mais e melhor nos tempos de pandemia, preenchendo a al. f) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
5 - Das regras do nº2 do art.º 186º do CIRE sobre afetação do património da insolvente, só a al. a) exige a afetação total ou em parte considerável do património do devedor, não contendo nem a alínea d) nem a alínea f) a indicação de qualquer medida quantitativa de afetação patrimonial.
6 – São critérios para a fixação da duração do período de inibição das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa a gravidade da conduta, incluindo o número de circunstâncias qualificadoras preenchidas, as consequências do comportamento, o grau de culpa e o contributo para a situação de insolvência, nomeadamente se determinou diretamente a situação de insolvência ou apenas agravou a mesma.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
SHU, Lda, pessoa coletiva n.º xxx xxx xxx, com sede em … Lisboa, foi declarada insolvente por sentença de 31 de março de 2021, transitada em julgado.
O Sr. Administrador da Insolvência veio propor a qualificação da insolvência da devedora como culposa, nos termos dos art.ºs 186º, nº. 2, als. a), d), f) e g) e nº. 3, al. b), do CIRE e indicando como pessoa a afetar o gerente da insolvente, CVC.
Alega, em síntese, que a insolvente procedeu ao pagamento de dívidas de sociedades de que o gerente era também gerente, dessa forma se descapitalizando.
O Ministério Público, pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa nos termos do nº 2 als. a), d), f) e g) e nº 3, al. b) do art.º 186º do CIRE, com afetação do gerente CVC.
Declarada a abertura do incidente de qualificação, foram citados a insolvente e o proposto afetado.
O proposto afetado CVC veio deduzir oposição, pedindo a qualificação da insolvência como fortuita. Alega em síntese que todos os pagamentos se referiam a serviços prestados e que as contas foram oportunamente apresentadas e registadas. Alega inexistência de nexo de causalidade entre as condutas imputadas e o agravamento ou causa da situação de insolvência.
Foi proferido despacho saneador e fixados o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença nos seguintes termos:
“Pelo exposto, nos termos do disposto nos art.ºs 191º nº1, al. c) e 189º nºs 1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o tribunal qualifica como culposa a insolvência de SHU, LDA., e, em consequência:
a) Declara afetado pela qualificação CVC;
b) Declara a inibição pelo período de 3 (três) anos de CVC, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
c) Condena CVC a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos, constantes da lista a que alude o artigo 129.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Custas do incidente pelo afetado pela qualificação – art.º 303º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a contrario.”
Inconformado apelou CVC pedindo seja revogada a decisão recorrida declarada a insolvência como fortuita, formulando as seguintes conclusões:
“A. A sociedade ora insolvente tinha por objecto a prestação de serviços de housekeeping, sendo única e exclusivamente direccionada para as actividades hoteleiras.
B. No ano de 2019 a sociedade ora Insolvente facturou o montante de €826.106,72, sendo que no ano seguintes seria expectável o montante €1.000.000,00.
C. Devido à crise económica gerada pelo SARS-COVID 19 no nosso País e no Mundo, originou o encerramento temporário ou definitivo de empresas ligadas ao turismo e o encerramento da actividade da sociedade.
D. A actividade da SFU, LDA. era totalmente dependente da actividade comercial dos seus clientes, que como se viu, foi extraordinariamente afectada pela pandemia.
E. O gerente sempre manteve a expectativa de recuperar a actividade e manter-se no mercado com o regresso e normalização do turismo em Portugal, mantendo a gestão da sociedade de forma transparente.
F. Apresentou-se um Processo Especial de Revitalização com o objetivo de efetuar a recuperação económico-financeira da mesma, por se manifestar viável, conforme o plano apresentado junto dos credores.
G. Não foi possível alcançar, devido à não aprovação do Plano de Recuperação por falta de apoio dos credores
H. Com o encerramento da actividade, originou os despedimentos de todos os trabalhadores ao serviço, tendo sido pago aos trabalhadores o montante global de € 32.836,91.
I. O Administrador de Insolvência nomeado e o Digníssimo Procurador consideraram que a Insolvência deveria ser tipificada como Culposa de acordo com o n.º 2, alínea a), d), f) e g) e n.º 3, alínea b), tudo do artigo 186.º do CIRE.
J. Contudo, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que não se encontravam preenchidas as alíneas a), g) e do n.º 3, alínea b) todos do artigo 186.º do CIRE.
K. Estando apenas a qualificação culposa pela aplicação das alíneas d) e f) do artigo 186.º do CIRE.
L. Os Exercícios de 2018 a Março de 2021, verificou que a Conta 278111 – Outros Devedores e credores, mais precisamente as subcontas 278111000001 – SF, LDA. apresentavam um saldo total devedor no valor de € 212.271,31.
M. O saldo devedor respeita a pagamentos efetuados por esta referentes a: salários de trabalhadores da SF, LDA.; impostos e contribuições à segurança social da responsabilidade de SF, LDA.; pagamento dos acordos prestacionais celebrados entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto da Segurança Social e SF, LDA.
N. O Tribunal a quo não esclareceu em concreto a que respeita o valor de € 202.809,23.
O. Os pagamentos efectuados pela sociedade SFU, LDA. à sociedade SF, LDA. ao nível do Instituto da Segurança Social foram de € 29.098,31 e junto do Autoridade Tributária e Aduaneira foi no valor de, aproximadamente, €15.000,00,
P. Ou seja, num total de € 44.098,31.
Q. Verifica-se que o valor de € 158.710,92 se reporta a pagamentos aos trabalhadores que se encontram vinculados na SF, LDA. e que prestaram efectivamente os serviços.
R. Assim e como bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar que no que concerne ao pagamento dos salários dos trabalhadores da SF, LDA, que prestavam, de facto, serviço à Devedora/Insolvente pensamos que tal comportamento, apesar de não ter a cobertura jurídico-formal de uma cedência de pessoal, não preenche as alíneas em apreço, na medida em que usufruindo da prestação laboral dos trabalhadores em apreço, não nos parece descabido no plano da materialidade da solução jurídica, que assegurasse o respetivo pagamento dos salários e suas demais responsabilidades.
S. Os valores em causa foram entregues diretamente à Segurança Social e à Autoridade Tributária, numa clara demonstração da vontade de liquidar os valores em divida ao Estado, não tendo o Recorrente obtido qualquer vantagem ou benefício pessoal.
T. A SF, LDA com os pagamentos por parte da SFU, LDA. não ficou numa situação económica melhor, uma vez se encontra em insolvência, correndo os seus termos na Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 2, sob o n.º 19776/21.5T8LSB,
U. Em bom rigor não estão verificados os pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa e não houve comportamento doloso ou culpa grave por parte do gerente da insolvente.
V. As dificuldades de tesouraria que a sociedade insolvente vivenciou foram o resultado da conjuntura económica e financeira que afetou o nosso país e, em particular as actividades que dependem totalmente do turismo.
W. A qualificação da insolvência como culposa pressupõe, pois, de acordo com a norma citada: que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada por determinada conduta ou actuação do devedor ou dos seus administradores; que tal actuação seja dolosa ou gravemente culposa e que esta actuação tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
X. Nessa medida o Tribunal a quo não tive em consideração os verdadeiramente pagos, quer à Autoridade Tributária, quer ao Instituto da Segurança Social, nem tão pouco o verdeiro momento que originou a Insolvência da sociedade.
Y. Dos factos dados provados não permitem o preenchimento do facto índice previstos nas alíneas d) e f) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
Z. Nestas alíneas estão em causa “…comportamentos dos administradores do insolvente que, afectando a situação patrimonial deste, implicam concomitantemente benefício para o próprio administrador que os adopta ou para terceiros”.
AA. Tem-se entendido na jurisprudência que tais comportamentos tanto são aqueles que têm por efeito a saída dos bens do património do devedor, como os que, não implicando necessariamente a saída dos bens do património do devedor, retiram-lhe, no entanto, a disponibilidade, colocando-os na disponibilidade de outrem.
BB. Destas considerações decorre, assim, que, no âmbito das alíneas d) e f) do citado preceito legal, ter-se-ão de apurar factos de onde decorra que os Administradores, de facto, ou de direito, da devedora/Insolvente realizaram: actos de disposição; de bens do devedor; em proveito pessoal (do Administrador) ou de terceiros;
CC. Compulsada a factualidade dada como provada, constata-se, efectivamente, que os requisitos não se encontram preenchidos, já que, apesar de se ter apurado que foram realizados pagamentos ao Instituto da Segurança Social e à Autoridade Tributária em bom rigor os pagamentos eram devidos por causa da cedência dos trabalhadores,
DD. O valor pago à Autoridade Tributária e ao Instituto da Segurança Social fixa-se em € 44.098,31.
EE. Pelo que, não devera ser aplicado aos presentes autos as alíneas d) e f) como pretende o Tribunal a quo para que fosse qualificada como culposa, tendo a insolvência que ser declarada fortuita.
FF. Para além disso o Gerente, na sua qualidade, está a ser executado por todas as garantias prestadas, estando igualmente a tentar saldar tais dívidas, por forma a reorganizar a sua vida.
GG. Já liquidou o montante reclamado pela C, S.A..
HH. No que concerne ao gerente da sociedade, afecto pela qualificação do Tribunal a quo, sempre se dirá que tem 59 anos de idade e dedicou os últimos 10 anos de trabalho a construir o modelo de negócio, que lhe assegura a sua única fonte de rendimentos.
II. O Recorrente trabalhou cerca de 30 anos sempre por conta de outrem e só decidiu iniciar uma atividade por conta própria, quando se viu sem lugar no mercado de trabalho por ter atingido os 50 anos de idade.
JJ. Na impossibilidade de encontrar trabalho por conta de outrem por motivos da sua idade, e apesar da sua formação académica, se não puder exercer funções de gerência da sociedade que, entretanto, está a tentar retomar a sua atividade, ficará privado de quaisquer meios de subsistência.
KK. Como tal, não deverá o gerente ser afecto à qualificação da Insolvência nos termos acima exposto, ou a verificar-se deverá ser pelo minino legalmente previsto.
LL. A insolvência da SFU deve ser considerada fortuita.”
O Ministério Público veio responder às alegações, pedindo seja julgado improcedente o recurso interposto e mantida a sentença recorrida.
O recurso foi admitido por despacho de 19/01/2023 (ref.ª 422319676).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso[1]. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas a questão a decidir consiste na verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa – disposição dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros ou uso do crédito ou bens do devedor contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto.
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3. Fundamentos de facto:
O Tribunal de 1ª instância proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
“1. SFU, Lda., pessoa coletiva n.º XXXXXXXXX, tem sede na … Lisboa, e tem por objeto: a prestação de serviços de apoio a empresas, prestação de serviços de housekeeping em unidades hoteleiras, implementação de sistemas de housekeeping (limpeza e arrumo de quartos) em unidades hoteleiras e sua monotorização e controle, auditoria e formação profissional a sistemas de housekeeping (limpeza e arrumo de quartos), actividades de consultoria para os negócios e gestão.
2. Tem o capital social de €3000,00 (três mil euros), correspondente a uma quota da titularidade de CVC.
3. Obriga-se com a assinatura de um gerente, encontrando-se inscrito como tal CVC desde a sua constituição em 8 de fevereiro de 2018.
4. Mostra-se inscrita na certidão do registo comercial de SFU, Lda., apenas, a prestação de contas referente ao exercício do ano de 2018.
5. SF, Lda, pessoa coletiva n.º XXXXXXXXX, tem sede na … Lisboa, e tem por objeto: prestação de serviços de apoio a empresas, nomeadamente restauração e catering; prestação de serviços de housekeeping em unidades hoteleiras. Implementação de sistemas de housekeeping em unidades hoteleiras e sua monotorização e controle; auditoria e formação profissional a sistemas de housekeeping, actividades de consultoria para os negócios e gestão.
6. Tem o capital social de €3000,00 (três mil euros), repartido da seguinte forma:
i. uma quota no valor de €2250,00 da titularidade de CVC;
ii. uma quota no valor de €750,00 da titularidade de MVM.
7. Obriga-se com a assinatura de um gerente, encontrando-se inscrito como tal CVC.
8. SR, Lda., pessoa coletiva n.º XXXXXXXXX, tem sede na … Lisboa, e tem por objeto: atividades de limpeza geral de todos os tipos de edifícios (escritórios, lojas, residências, hotéis). Gestão administrativa de recursos humanos. Recrutamento e seleção de pessoal. Formação profissional. Consultoria nas referidas áreas.
9. Tem o capital social de €2000,00 (dois mil euros), repartido da seguinte forma:
i. uma quota no valor de €1500,00 da titularidade de CVC;
ii. uma quota no valor de €500,00 da titularidade de MVM.
10. Obriga-se com a assinatura de um gerente, encontrando-se inscrito como tal CVC.
11. SFU, Lda. foi declarada insolvente por sentença de 31 de março de 2021, transitada em julgado, na sequência da entrada em juízo da certidão judicial extraída do processo especial de revitalização n.º 16979/20.3T8LSB, entrada em juízo a 10 de março de 2021.
12. SFU, Lda. apresentou-se a processo especial de revitalização que terminou com frustração das negociações e consequente não aprovação de qualquer plano de recuperação.
13. O senhor administrador judicial provisório emitiu parecer no sentido da devedora se encontrar em situação de insolvência, mas ser recuperável através da apresentação de um plano de insolvência. Mais emitiu parecer no sentido de dever ser atribuída a gestão à devedora.
14. Notificada a devedora para o efeito, manifestou expressa concordância ao parecer emitido pelo senhor administrador judicial provisório.
15. Na sentença declaratória da insolvência foram dados como provados os seguintes factos: “Importa considerar genericamente a existência de créditos reconhecidos no processo especial de revitalização no valor de 250.607,15€ que a devedora através do plano que ali apresentou e cuja aprovação não logrou, manifestou não conseguir pagar nem no imediato, nem na totalidade ainda que com dilação temporal de vários anos. Que do valor total dos créditos, 44.777,65€ correspondem a dívidas de capital e juros à Autoridade Tributária e 179.137,64€ ao Instituto de Segurança Social.”
16. A insolvência foi decretada com fundamento no artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b) e g) i) e ii) e artigo 28.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
17. O Senhor Administrador da Insolvência reconheceu créditos sobre a insolvência no valor total de €288.323, 20.
18. Por decisão de 16 de dezembro de 2021 o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 230.º e 232.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
19. A conta 278111 – Outros devedores e Credores da Insolvente, nomeadamente as subcontas 2781110001 – “SF, Lda.” e 27811100003 – “SR, Lda”. apresentavam um saldo total devedor no valor 212.271,31 €, sociedades essas que têm como sócio e gerente, o aqui também sócio e gerente da insolvente e com sede social na mesma morada.
20. A devedora/insolvente SFU, Lda. foi constituída, em 2018, com o mesmo objeto da sociedade comercial SF, Lda, porquanto esta tinha dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira e à Segurança Social, tendo as suas contas bancárias sido penhoradas e, por isso, impedida de continuar a laborar.
21. A fim de o sócio-gerente CVC poder continuar a laborar, mediante a prestação de serviços de housekeeping a hotéis, foi constituída a sociedade SFU, Lda., também para através da atividade desta poderem ser pagas as dívidas tributárias (fiscais e à Segurança Social) da sociedade SF, Lda., que entretanto celebrou acordos de pagamento com a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto da Segurança Social, I.P.
22. A partir de 2018 a sociedade SF, Lda. ficou inativa, não prestando quaisquer serviços, mantendo, contudo, os trabalhadores existentes, que rondariam entre as 14 e as 18 pessoas.
23. A partir de 2018, os trabalhadores da SF, Lda. prestavam trabalho para os clientes da SFU, Lda., cujos salários eram pagos diretamente por esta através de transferência bancária, em virtude de a SF, Lda. não ter actividade e possuir contratos de trabalho válidos com as trabalhadoras, algumas delas já na situação de efectivas,
24. A SFU, Lda. assegurava igualmente as obrigações tributárias referentes às remunerações dos trabalhadores da SF, Lda.
25. A SF, Lda., em 2018, emitiu faturas no valor total de €323 000,00 a SFU, Lda referente a cedência de pessoal.
26. A SF, Lda., em 2019, emitiu faturas no valor total de €129 000,00 a SFU, Lda. referente a cedência de pessoal.
27. A determinado momento, a SF, Lda. deixou de emitir faturas referentes à cedência de pessoal à a SFU, Lda., porque tal faturação gerava o pagamento de impostos, designadamente IVA por parte da SF, Lda.
28. A crise económica gerada pelo SARS-COVID 19 sentida no nosso País e no Mundo, originou o encerramento temporário ou definitivo de empresas ligadas ao turismo,
29. Os clientes principais da Insolvente eram Hotéis, Hostel’s, Alojamentos Locais e outras actividades direccionadas para o Alojamento turístico, com a situação do SARS-COVID-19 os seus clientes foram obrigados a fechar portas e/ou suspender as suas actividades e, consequentemente, essa situação agravou-se muito significativamente, deteriorando de forma acrescida a situação financeira da devedora e, naturalmente, impedindo-a de desenvolver as suas actividades em níveis de normalidade.
30. A SR, Lda prestava serviços de recursos humanos à SFU, Lda, designadamente a elaboração de contratos de trabalho e processamento de salários.
31. O saldo devedor de SR, Lda. à SFU, Lda, no montante de €9462,08, respeita a adiantamento pela prestação de serviços de recursos humanos desta, por faturar.
32. O saldo devedor de SF, Lda. à SFU, Lda., no montante de €202 809,23, respeita a pagamentos efetuados por esta referentes a:
i. salários de trabalhadores da SF, Lda.;
ii. impostos e contribuições à segurança social da responsabilidade de SF, Lda.
iii. pagamento dos acordos prestacionais celebrados entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto da Segurança Social e SF, Lda.
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4. Fundamentos do recurso
4.1. Verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa
Nos termos do disposto no art.º 185º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, não sendo, porém, a qualificação vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou ações de responsabilidade contra o devedor, terceiros e responsáveis legais.
A insolvência será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto[2], nos três anos anteriores ao início do processo – art.º 186º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo fortuita em todos os demais casos.
Esta a regra geral, contendo o nº2 do preceito a enumeração de situações de facto que, preenchidas pelos administradores de direito ou de facto, levam sempre à consideração como culposa da insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular[3]. De forma maioritária, quer a doutrina[4], quer a jurisprudência, consideraram desde o início da vigência do CIRE este nº2 do art.º 186º como estabelecendo um elenco taxativo de presunções iuris et de jure de insolvência culposa[5], estabelecendo o nº3 um conjunto de situações de presunção de culpa grave.
Estamos perante uma de duas posições, tal como apontado pelo Ac. STJ de 17/01/2023 (Graça Amaral)[6] onde se apontou como a posição maioritária da jurisprudência e doutrina – a de que o elenco do nº2 do art.º 186º do CIRE é uma enumeração taxativa de presunções inilidíveis de insolvência culposa; e a diferente posição de que, mesmo nos casos do nº2 do art. 186º, “importará demonstrar que essa actuação se revelou apropriada, pela sua natureza, geral e abstracta, e segundo o decurso normal das coisas e as regras da experiência, a produzir ou a agravar a situação conducente à insolvência, de acordo com um juízo de previsibilidade e probabilidade na óptica de um observador experimentado médio, colocado na posição concreta do sujeito e em referência ao momento da verificação ou agravamento da insolvência (resultado-dano), quanto à imputação dessa situação à conduta”.
Trata-se da posição defendida por Ricardo Costa[7] no Ac. STJ de 08/02/2022, onde se escreveu: “ (…) para se concluir que temos facto causalmente contributivo para a insolvência (em aproveitamento da aplicação adaptada do art.º 563º do CCiv.) é necessário que tenhamos facto (acção ou omissão) que conduza, imediata e/ou mediatamente, à criação e/ou ao agravamento da situação económico-financeira e/ou à criação ou agravamento de condições impeditivas do cumprimento de ou das obrigações vencidas, com a inerente repercussão negativa na satisfação do interesse dos credores ao pagamento dos seus créditos. Por outras palavras, é necessário demonstrar que essa actuação se revelou apropriada, pela sua natureza, geral e abstracta, e segundo o decurso normal das coisas e as regras da experiência, a produzir ou a agravar a situação conducente à insolvência, de acordo com um juízo de previsibilidade e probabilidade na óptica de um observador experimentado médio, colocado na posição concreta do sujeito e em referência ao momento da verificação ou agravamento da insolvência (resultado-dano), quanto à imputação dessa situação à conduta […]. Cairá essa adequação se a actuação se revelou de todo indiferente para que se espoletasse a previsão factual do art.º 3º, 1, do CIRE e se tornou uma condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias ou anormais ou fortuitas ou imprevisíveis ou, ainda, quando a situação de insolvência sempre surgiria (ou se agravaria) com elevada probabilidade mesmo sem a actuação desviante do sujeito.
 Em contraponto, portanto, só há actuação causalmente adequada se a insolvência, criada ou agravada, se situa imputacionalmente na esfera ou círculo de riscos que sejam de prever (enquanto “cognoscibilidade do potencial lesante da esfera de risco que assume, que gera ou que incrementa”) e se assume como possibilidade derivada do desvio da conduta relativa à solvabilidade perante os credores, de tal modo que era de exigir o comportamento contrário ou alternativo para evitar os resultados. Em consequência, exclui-se a imputação quando o risco não foi criado ou quando haja diminuição de risco pela actuação do sujeito. […]
O que se exige é que o facto do devedor insolvente ou dos seus representantes “administradores” (ou eventualmente outros sujeitos relacionados: v. art.º 189º, 2, a), CIRE) seja objectivamente uma causa adequada para a produção lesiva tendo em conta o processo factual que conduziu à situação de insolvência vista como dano da sua actuação, pois é este que assim se integra na referida aptidão geral ou abstracta do facto […]. Por isso, tanto serve a identificação do facto como evento único e exclusivo na causação do resultado, como a identificação do facto ou factos que foram condições posteriores que causaram directamente o resultado, desde que estas se mostrem consequência também adequada do facto que deu origem a essa ou essas condições – causalidade indirecta ou mediata […].
Numa linha similar, encontramos a seguinte passagem do Acórdão do Tribunal Constitucional de 26/11/2008[8] (Acórdão 570/2008), relatado por Vítor Gomes:
“O acórdão recorrido interpretou a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE como fazendo corresponder à demonstração de que o administrador da sociedade insolvente destruiu, danificou, inutilizou, ocultou, ou fez desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor – conduta que considerou provada e imputou aos recorrentes – uma presunção inilidível de culpa, conducente à qualificação da insolvência como culposa com as consequências inerentes. Aliás, no mesmo sentido vai a generalidade da doutrina (Cfr. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, vol. II, pág. 14, MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, pág. 175, 2ª ed., CARNEIRO DA FRADA, A responsabilidade dos administradores na insolvência, in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António Sousa Franco, vol. II, pág. 963).
Este entendimento implica que se considere a situação de insolvência da sociedade imputável ao administrador contra quem se prove uma das condutas previstas, sem possibilidade de o interessado demonstrar (ou de o tribunal verificar oficiosamente) que, apesar da prova do comportamento descrito na norma, o juízo de censura não se justifica (sobre o funcionamento desta presunção vide CARNEIRO DA FRADA, na ob. cit., pág. 965-966).
As presunções legais são ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Mediante a demonstração de um determinado facto (o facto base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais, intervém a lei para concluir pela existência de outro facto (o facto presumido).
Neste sentido, é duvidoso que na previsão do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE se instituam verdadeiras presunções. Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa.
De todo o modo, numa ou noutra perspectiva (presunção inilidível de culpa, factos-índice ou tipos secundários de insolvência culposa), o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adopção das medidas restritivas previstas no artigo 189.º do CIRE contra os administradores julgados responsáveis pela insolvência. Ora, mais do que a determinação da natureza da norma (estabelecimento de uma presunção juris et de jure ou qualificação jurídica dos factos tipificados), o que é decisivo para a questão de constitucionalidade suscitada é que, perante a prova de determinados comportamentos dos administradores da sociedade insolvente, se conclui pela verificação desse requisito, sem necessidade, nem sequer possibilidade, de um juízo casuístico efectuado pelo julgador perante todo o circunstancialismo do caso concreto.”
Tal aresto veio a concluir que a Constituição não obsta ao estabelecimento de presunções inilidíveis, “desde que visem atingir um fim legítimo e não sejam desproporcionadas. No caso as vantagens são as de “evitar a subjetividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico (e superar) as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência”, consubstanciando objetivos legítimos. Considerou ainda que os factos em que assenta a presunção, e que podem ser discutidos em termos gerais, são tão flagrantemente reprováveis e aptos para causar a situação de insolvência que a indiscutibilidade do inerente juízo de culpa se revela adequado aos fins em vista com a insolvência.”[9]
O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar no sentido da constitucionalidade da interpretação da norma do nº 2 do art.º 186º como estabelecendo uma presunção de culpa e de nexo de causalidade, não só da alínea a) do nº 2 do art.º 186º do CIRE,  no citado Acórdão 570/2008, juízo confirmado no Acórdão nº 136/2020[10] com carater alargado, como da alínea i) do mesmo preceito, no Ac. 70/2012[11] e ainda da presunção de culpa grave prevista no nº3 do mesmo preceito no Ac. 564/2007[12].
Em comum a consideração da gravidade e aptidão das condutas descritas para causar ou agravar a situação de insolvência, o carater punitivo e dissuasor da violação dos deveres funcionais dos administradores das normas em questão e a consideração da proporcionalidade das consequências previstas no art.º 189º do CIRE.
Feito este enquadramento foquemos a nossa atenção no caso concreto dos autos, estando em causa tão somente, de entre as condutas referidas nos nºs 2 e 3 do art.º 186º, apenas as situações previstas nas alíneas d) e f) do nº2, ou seja quando os administradores, de facto ou de direito do devedor, no período relevante tenham:
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário aos interesses deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
De entre os pressupostos de qualificação da insolvência da devedora SFH II como culposa, o recorrente não questiona a sua qualidade de administrador e que as condutas ocorridas se deram no período temporal relevante de 3 anos anteriores ao da entrada do requerimento inicial[13].
O apelante defende nas suas alegações, em sede geral, a não verificação de qualquer comportamento seu doloso ou com culpa grave e a inexistência de nexo de causalidade, atribuindo à pandemia SARS-Covid 19 e ao encerramento dos respetivos clientes, a exclusiva razão da insolvência.
Especificamente, e no tocante às alíneas consideradas preenchidas na decisão sob recurso, o recorrente alega que não teve qualquer benefício com os pagamentos efetuados pela SFU de dívidas da SF, que a própria SF não melhorou a sua situação, uma vez que se encontra também em estado de insolvência, já declarada e que os referidos pagamentos foram efetuados por causa da cedência de trabalhadores, cujo pagamento o tribunal considerou justificado e que o tribunal não apurou o valor dos pagamentos efetuados, o que impede que se saiba a medida de afetação do património. Acrescenta que está pessoalmente a ser executado, tendo já procedido ao pagamento a um dos credores.
*
Preveem as alíneas d) e f) do nº2 do art.º 186º do CIRE que se considera sempre culposa, na modalidade de dolo ou culpa grave, a insolvência do devedor, quando o devedor ou os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
«d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;»
(…)
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;»
De entre as três categorias de atos que o nº 2 do art.º 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas consagra como presunções inilidíveis[14] de culpa na insolvência, estas duas alíneas inserem-se na categoria dos atos que prejudicando a situação patrimonial do devedor em simultâneo trazem benefícios para o administrador que os pratica ou para terceiros[15].
Como refere Carneiro da Frada[16], a relação entre a violação dos deveres especificados no nº 2 do art.º 186º e a verificação da situação de insolvência não é igualmente próxima em todos os casos. Algumas das condutas têm normalmente como consequência direta ou previsível a insolvência (o autor dá o exemplo das alíneas a) e g)), mas “em diversos casos o que está em jogo é a reprovação de comportamentos que não conduzem por si, necessariamente, à situação de insolvência, requerendo-se a verificação de outros fatores, algumas vezes fortuitos para que ela ocorra” sendo o caso, refere, das alíneas d) e f).
Neste tipo de casos, está em causa uma função de pré-proteção ou de antecipação de proteção, devido à preocupação de prevenir com eficácia a lesão de um interesse ou bem jurídico a lei veda e pune condutas independentemente de se demonstrar que essas condutas apresentam no caso concreto um perigo para tal interesse ou bem jurídico. É o caso, refere, da alínea d): pune-se a “mera disposição de bens do devedor em proveito pessoal” podendo mesmo a disposição ter tido uma contrapartida idónea. A infração de uma disposição de proteção pode, assim, corresponder a um delito de perigo abstrato, sendo compreensível o estabelecimento de uma presunção de culpa. O caso da alínea d) é um dos casos em que prescinde da prova de um prejuízo direto e se abstrai da causalidade entre o comportamento e a insolvência. Estamos ante violações do dever de fidelidade em que o administrador não pauta a sua conduta pelos interesses da sociedade, mas pelos seus ou de terceiros.
O que justifica, finalmente, que a inadmissibilidade de prova em contrário é o facto de estas condutas, mesmo as enunciadas, serem, segundo a experiência, suscetíveis de causar insolvências, estando com elas intimamente ligadas. A causalidade fundamentante da responsabilidade do nº 2 do art.º 186º não exclui elementos fortuitos, podendo concorrer culpa e acaso porque visam prevenir abstratamente um perigo.
De acordo com a matéria de facto provada, que não sofreu impugnação, a SFU foi criada para “prosseguir” a atividade da SF, não tendo, porém, por motivos não apurados, assumido os contratos de trabalho dos trabalhadores desta que passou a utilizar – factos nºs 20 a 27.
A SFU pagava diretamente os trabalhadores, levando depois à conta 278111 – Outros devedores e credores – os pagamentos efetuados, bem como os respetivos encargos tributários e previdenciais – facto nº 19.
Pagava também os acordos prestacionais que a SF havia efetuado com a AT e Segurança Social – factos nºs 21 e 32.
Durante os anos de 2018 e de 2019, a SF emitiu faturas relativas à cedência de pessoal, tendo deixado de o fazer para não gerar mais encargos fiscais – factos nºs 25, 26 e 27.
O proposto afetado e ora apelante, CVC era sócio e gerente único de ambas as sociedades – factos nºs 1 a 3 e 5 a 7.
A crise pandémica causou o encerramento, temporário e definitivo de empresas ligadas ao setor do turismo e afetou os clientes da insolvente, que fecharam portas ou suspenderam as suas atividades, o que impediu a insolvente de, por sua vez, desenvolver a sua atividade – factos 28 e 29.
Há ainda a ter em conta a cronologia da pandemia – sendo factos notórios o confinamento de março e abril de 2020, com a declaração do estado de emergência, a passagem a estado de calamidade em maio de 2020, o aumento de casos após o Verão de 2020 e a nova declaração de estado de emergência em janeiro de 2021 e o retomar de uma relativa normalidade em outubro de 2021, que ainda não viria a ser plena com novas restrições às viagens a serem implementadas em novembro do mesmo ano.
Disposição é “a forma de exercício de um direito que tem como consequência a sua perda, total ou parcial, absoluta ou relativa”[17] e ato de disposição “é um ato que implica a alienação de direitos de um património, ou a sua oneração, tendo como efeito a diminuição deste ou a alteração da sua composição, no que respeita aos seus elementos estáveis.”[18].
A lei não exige qualquer elemento subjetivo adicional (intenção de prejudicar credores), para o preenchimento do tipo do art.º 186º do CIRE e, independentemente de qualquer intenção, a afetação dos recursos monetários do devedor a outra sociedade prejudica os respetivos credores por diminuir ou a respetiva garantia geral, que é sempre o património do devedor.
Como se decidiu no Ac. STJ de 06/09/2022 (José Rainho), “por disposição de bens não se podem entender apenas os atos de alienação de bens da propriedade do devedor mas todo e qualquer ato de disponibilização (afetação) a terceiro de vantagens económicas que, segundo a sua normal ordenação (supondo-se aqui sempre o uso de boa-fé, e não o uso de expedientes mais ou menos encapotados), estavam destinadas a fazer parte unicamente da esfera jurídica do devedor[9], ou seja, estavam destinadas a servir aos fins do devedor e não de terceiro.”
Estamos, assim, claramente, ante atos de disposição de bens da SFU – os meios que a insolvente SFU despendeu nos pagamentos devidos pela SF – a favor de terceiro, a sociedade SF de que o requerido e proposto afetado era também gerente único.
Como o tribunal recorrido, compreendemos a materialidade dos pagamentos dos salários dos trabalhadores da SF – que deveriam ser trabalhadores da SFU – dado que prestavam serviços aos clientes da SFU, clientes que pagavam a esta pelos seus serviços.
Mas estamos ainda ante atos de disposição em benefício de terceiro – só que com contrapartida – o que, em rigor, apenas pode ser valorado no grau da ilicitude[19] e que claramente o tribunal recorrido não considerou como integrando a alínea d) do nº 2 do art.º 186º.
Assim sendo, embora discordando da apreciação jurídica do tribunal recorrido quanto ao (não) preenchimento, neste particular, da alínea d), o que se situa nos limites de apreciação deste tribunal, não podemos valorar esses factos como agravantes do grau de ilicitude do recorrente, sob pena de violação do princípio da proibição de reformatio in pejus.
Ponderando o argumento da inexistência de dolo ou culpa grave, diremos que, sendo dolo conhecimento e vontade, não conseguimos sequer conceber que o recorrente, na qualidade de administrador (e logo decisor) da insolvente, desconhecesse que pagava salários de trabalhadores de outra sociedade, encargos tributários e previdenciais de trabalhadores que não eram seus e que pagava prestações de acordos de pagamento celebrados entre a AT, a Segurança Social e outra sociedade. Uma vez que a sociedade insolvente é uma pessoa jurídica, uma ficção legal, os pagamentos só por si podiam ser ordenados e realizados, pelo que está fora de questão que os não quisesse fazer. Aliás, a disposição de bens ou outros interesses é dificilmente concebível como ato negligente.
Já o uso dos mesmos bens em proveito da SF, sociedade da qual era também sócio e único gerente, apenas quanto ao pagamento dos salários dos trabalhadores não será contrária aos interesses da SFU (porque beneficiou dos serviços dos trabalhadores), aqui se concordando, neste particular, com o raciocínio do tribunal recorrido, ou seja, quanto ao não preenchimento da alínea f).
O pagamento dos encargos tributários e previdenciais, porém, que o recorrente refere como não tendo sido devidamente ponderados pelo tribunal, em juízo de normalidade, não deveriam ser suportados pela insolvente, mas pela entidade empregadora dos trabalhadores.
Finalmente, quanto aos pagamentos de prestações devidas pela SF à AT e à Segurança Social, nem o recorrente ensaia qualquer justificação ou argumento quanto aos mesmos, sendo claro que se trata de disposição de meios monetários da insolvente no interesse e para benefício de outra sociedade, em uso contrário aos interesses da devedora – que com esses meios se poderia preservar um pouco mais e melhor nos tempos de pandemia e em proveito de sociedade na qual o proposto afetado tinha interesse direto – sendo sócio e gerente e potencial responsável (por reversão) por tais dívidas fiscais.
O recorrente prossegue argumentando a inexistência de nexo de causalidade entre a sua conduta – que já sabemos ser dolosa – e a causa ou agravamento da insolvência que atribui, em exclusivo à crise pandémica e aos seus efeitos no setor do turismo, ao qual se dedica.
Como já referimos, estas duas alíneas não são das que exprimem maior proximidade entre a violação do dever e a situação de insolvência.
Para quem, como nós, considera a presunção do nº 2 do art.º 186º, dados os interesses protegidos e a natureza de norma de proteção do preceito, como dupla presunção, de culpa e de nexo de causalidade, a concorrência de outra causa não exclui a causa de qualificação de insolvência.
Mas reconhecendo esse maior distanciamento e que a crise pandémica ocorreu e teve consequências absolutamente paralisadoras do setor do turismo, no qual a devedora operava em exclusivo, diríamos que mesmo seguindo a posição acima enunciada, defendida por Ricardo Costa, chegaríamos ao mesmo resultado: numa altura de suspensão forçada de atividade a devedora viu-se sem meios para suportar essa ausência de atividade e consequente ausência de proveitos – como claramente sucedeu dada a sequência de apresentação a PER, não aprovação de plano e declaração de insolvência (factos nºs 11 a 16 da matéria de facto provada) – sendo que, no período relevante anterior havia disposto dos seus proveitos em benefício de outra sociedade. Esses meios, independentemente do montante, poderiam então ter sido utilizados para suportar o cumprimento das obrigações não suspensas da devedora, como aliás milhares de empresas ligadas ao mesmo setor fizeram, em Portugal e em todo o mundo, beneficiando de toda uma série de medidas de apoio à economia em geral e ao turismo em particular.
Ou seja, sem se negar a ocorrência de uma causa concorrente da situação de insolvência, o facto de estes montantes não estarem disponíveis quando a crise eclodiu agravou o estado de insolvência.
O recorrente alega que não teve qualquer benefício com os pagamentos efetuados pela SFU de dívidas da SF, que a própria SF não melhorou a sua situação, uma vez que se encontra também em estado de insolvência, já declarada.
Importa referir que não foi posto em causa ou apontado qualquer benefício direto do recorrente com esta conduta – embora possamos identificar um potencial benefício mediato, como potencial responsável subsidiário pelas dívidas da SF, que, porém, não se valorou e aqui também não se valorará – mas sim o benefício direto da sociedade que beneficiou dos pagamentos, a SF.
É irrelevante para o efeito que a beneficiada esteja, também ela, em situação de insolvência – foram pagas dívidas suas a terceiros por outra sociedade, o que claramente constitui um benefício.
Alega também o recorrente que os pagamentos foram efetuados por causa da cedência de trabalhadores, cujo pagamento o tribunal considerou justificado e que o tribunal não apurou o valor dos pagamentos efetuados, o que impede que se saiba a medida de afetação do património.
Em primeiro lugar, e como já referimos, nada justifica o pagamento dos encargos com os trabalhadores pela insolvente – os trabalhadores eram trabalhadores da SF e não seus; como também já aludido há ainda pagamentos de planos prestacionais que não se relacionam com a “cedência” de trabalhadores.
Quanto à medida da afetação do património da devedora, anota-se que foi a própria devedora e a beneficiada que assim dispuseram os factos: a devedora lançando os pagamentos na conta 27 sem justificativos e a beneficiada deixando de emitir as faturas que permitiriam a diferenciação que agora se reclama não ter sido feita.
Permitimo-nos interpretar diferentemente do recorrente o douto Ac. TRG de 02/05/2019 (Margarida Sousa) citado nas alegações de recurso no qual se refere que quanto à necessidade de “que apesar de na descrição da situação prevista na alínea d) – “terem disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros” – não se fazer qualquer referência à importância económica dos bens objeto dessa atuação e à necessidade de o seu relevo patrimonial ser significativo – ao contrário da alínea a) –, “em qualquer circunstância esses bens têm de ter algum relevo económico, não nos parecendo conforme à ordem jurídica qualificar uma insolvência como culposa e imputar aos gerentes as consequências dessa qualificação apenas porque um dos administradores ou um terceiro se apropriou de um bem da insolvente de escasso valor económico, cujo interesse para o funcionamento da devedora nas condições existentes à data não fosse significativo….”.
Na verdade, discordamos quanto à consequência ali apontada (citando para o efeito o Ac. TRG de 09/02/2012 (Rita Romeira) de que não se apurando o valor dos bens objeto das referidas atuações não se pode considerar verificada a hipótese referida na al. d), do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
Tal nega a presunção de nexo de causalidade que o próprio acórdão assume como posição e também não corresponde ao juízo de adequação abstrata ao provocar ou agravar a situação de insolvência.
Não discordamos, note-se que apurado um valor económico muito reduzido ou insignificante, por iniciativa do proposto afetado ou do tribunal (art.º 11º do CIRE), dos bens dispostos ou usados em contrário aos interesses da insolvente, não se possa eventualmente afastar o preenchimento das estatuições das alíneas d) e f) do nº 2 do art.º 186º. Mas não que na indeterminação desse valor não se tenha por verificada a conduta, mais a mais quando essa indeterminação radica também na conduta da insolvente e do proposto afetado. Na verdade, das regras do nº2 do art.º 186º sobre afetação do património da insolvente, só a al. a) exige a afetação total ou em parte considerável do património do devedor, não contendo nem a alínea d) nem a alínea f) a indicação de qualquer medida quantitativa de afetação patrimonial.
Alega finalmente o apelante que está pessoalmente a ser executado, tendo já procedido ao pagamento a um dos credores.
Trata-se de matéria alheia à matéria da responsabilidade pela insolvência culposa, logo irrelevante e que não foi objeto de apreciação pela decisão recorrida[20], pelo que não poderá na presente sede ser apreciada e valorada.
Os recursos, são, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais, que apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas.
Em regra, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso fica limitado por “…em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.”[21]
Ou, e seguindo o acórdão STJ de 07/07/16 (Raúl Borges) [22], “como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação,…”.
No mesmo sentido se escreveu no Ac. TRC de 08/11/2011 (Henrique Antunes)[23], que “IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas. V – Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.”
Improcedem, assim, as alegações de recurso no tocante ao preenchimento da previsão das alíneas d) e f) do nº2 do art.º 186º do CIRE.
*
O recorrente questiona ainda a medida da inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, nos termos das alíneas b) e c) do nº 2 do art.º 189º do CIRE, que a decisão recorrida fixou em 3 anos.
Alega, em síntese, que tem 59 anos de idade e dedicou os últimos 10 anos de trabalho a construir o modelo de negócio, que lhe assegura a sua única fonte de rendimentos, tendo trabalhado cerca de 30 anos sempre por conta de outrem e que só decidiu iniciar uma atividade por conta própria, quando se viu sem lugar no mercado de trabalho por ter atingido os 50 anos de idade. Refere que na impossibilidade de encontrar trabalho por conta de outrem por motivos da sua idade, e apesar da sua formação académica, se não puder exercer funções de gerência da sociedade que, entretanto, está a tentar retomar a sua atividade, ficará privado de quaisquer meios de subsistência.
Como é pacificamente apontado pela jurisprudência “na ponderação da duração do período de inibição deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência, as repercussões do comportamento, o grau de culpa (actuação dolosa ou com culpa grave, sendo que no primeiro caso é relevante a natureza do dolo) e o contributo para a situação de insolvência (balizado entre um comportamento que determinou directamente a situação de insolvência e outro que apenas agravou a mesma)”. – Acs. STJ de 06/09/2022 (José Rainho) e TRG de 19/01/2023 (José Alberto Moreira Dias) e de 31/01/2019 (Joaquim Boavida).
No caso apurou-se a concorrência de outras causas para a situação de insolvência (a situação pandémica e o setor de atividade), sendo a conduta censurada causadora de agravamento da situação de insolvência.
O recorrente agiu com dolo e a sua conduta preencheu duas circunstâncias qualificadoras.
Os factos pessoais alegados foram-no agora, em sede de recurso, alegados pela primeira vez, pelo que não podem ser considerados – sendo para todos os efeitos questões novas nos termos já enunciados.
A medida de inibição fixada é já muito próxima da medida mínima de inibição abstratamente aplicável prevista nas alíneas b) e c) do nº2 do art. 189º do CIRE (2 a 10 anos), que se tem por adequada, tendo ainda em conta o facto de não se ter apurado concretamente o montante da afetação patrimonial da insolvente – facto que aqui sim, deve ser ponderado.
Improcedem assim conclusões da presente apelação, verificando-se a correção da qualificação da insolvência de SFU, Lda como culposa e a afetação do recorrente, ao abrigo das als. d) e f) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, é assim de manter a decisão recorrida.
**
O apelante, porque vencido, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – art.ºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[24].
*
5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar improcedente a apelação, decidindo-se manter a decisão recorrida.
Custas de parte na presente instância recursiva pelo recorrente.
Notifique.
                
Lisboa, 28 de fevereiro de 2023
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________
[1] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, junho de 2018, pg. 115.
[2] O art.º 189º, nº2, al. a) do CIRE refere também como pessoas suscetíveis de serem afetados pela qualificação da insolvência como culposa os técnicos oficiais de contas e os revisores oficiais de contas.
[3] Sem prejuízo do disposto no nº4 do preceito.
[4] Cfr. Manuel Carneiro da Frada em A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, Ano 66 (2006), II, setembro de 2006, pg. 689, João Labareda e Carvalho Fernandes em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, pg. 680, Alexandre Soveral Martins em Um Curso de Direito da Insolvência, I Vol., 4ª edição, Almedina 2022, pgs. 563 e ss., Maria do Rosário Epifânio, em Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, 2022, pgs. 156 e ss. e Catarina Serra em Lições de Direito da Insolvência, Almedina 2018, pg. 301 (exprimindo esta autora dúvidas quanto às alíneas h) e i); na jurisprudência, entre muitos outros ver os Acórdãos TRC de 14/06/2022 (Paulo Correia), TRPde 06/09/2021 (Eugénia Cunha) e de 24/10/2022 (Fátima Andrade), TRE de 30/06/2021 (Tomé de Carvalho), TRG de 02/02/2023 (Alexandra Viana Lopes) e STJ de 17/01/2023 (Graça Amaral), todos disponíveis, como os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[5] Incluindo a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta e a causação ou agravamento da situação de insolvência.
[6] Disponível em www.dgsi.pt, tal como os demais citados sem referência.
[7] Doutrinalmente em Os administradores de facto das sociedades comerciais, 2014 (reimp. 2016), Almedina, Coimbra, págs. 123-125 e nt. 248), e jurisprudencialmente no Ac. STJ de 08/02/2022, disponível também em www.dgsi.pt.
[8] Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080570.html.
[9] Seguimos de muito perto Joana Carla Henriques da Silva e Nuno Lemos Jorge em Jurisprudência Constitucional em Matéria de Insolvência, Julgar nº 48, Setembro/Dezembro de 2022, Almedina, ASJP, pg. 106.
[10] Relator Lino Rodrigues Ribeiro, disponível em
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200136.html.
[11] Relator Joaquim de Sousa Ribeiro, disponível em
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120070.html.
[12] Relator Joaquim de Sousa Ribeiro, disponível em
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070564.html.
[13] Relevando, para além desse prazo, todos os atos praticados entre a data da entrada do requerimento inicial e a data de declaração de insolvência, nos termos previstos no art.º 4º nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, bem como, e sem relevo para o caso concreto, para os efeitos da al. i) do nº 2 do art.º 186º, também o período decorrido até à data da elaboração do parecer previsto no nº6 do art.º 188º do mesmo diploma.
[14] Como o considera a maioria da doutrina e jurisprudência, como já referido.
[15] cfr. Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, 8º edição, Almedina 2022, pg. 157.
[16] Em A Responsabilidade dos Administradores…, pgs. 692 e 693.
[17] Ana Prata em Dicionário Jurídico, Vol. I, 5ª edição, Almedina, 2020, pg. 529.
[18] Idem, pg. 44.
[19] Foi a seguinte a apreciação do tribunal recorrido, que o recorrente não questiona: “No que concerne ao pagamento dos salários dos trabalhadores da SF, LDA, que prestavam, de facto, serviço à Devedora/Insolvente pensamos que tal comportamento, apesar de não ter a cobertura jurídico-formal de uma cedência de pessoal, não preenche as alíneas em apreço, na medida em que usufruindo da prestação laboral dos trabalhadores em apreço, não nos parece descabido no plano da materialidade da solução jurídica, que assegurasse o respetivo pagamento dos salários e suas demais responsabilidades.”
[20] O ora recorrente limitou-se a alegar, de forma genérica, no nº 57 do seu requerimento de oposição que “Para além disso, cumpre sempre esclarecer que o Gerente, na sua qualidade, está a ser executado por todas as garantias prestadas, estando igualmente a tentar saldar tais dívidas, por forma a reorganizar a sua vida.”
[21] Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pgs. 139 a 142.
[22] Disponível em www.dgsi.pt.
[23] Disponível também em www.dgsi.pt.
[24] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com.