Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1537/14.0TBFUN-J.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: SEPARAÇÃO DE BENS NO CIRE
BENS DE TERCEIRO
MASSA INSOLVENTE
DIREITOS REAIS DE HABITAÇÃO PERIÓDICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / ANULADA A DECISÃO
Sumário: I - O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL 53/2004 de 18/03 prevê a separação de bens de terceiro indevidamente apreendidos para a massa insolvente.

II - O tribunal só deve ordenar a separação se nos autos estiver produzida prova segura de que o bem não pertence à massa insolvente.

III - Dar como provado que o administrador da insolvência declarou que nos títulos de direitos reais de habitação periódica que apreendeu não foi endossada qualquer transmissão, não equivale a dar como provado que naqueles títulos não foi endossada qualquer transmissão.

IV - E dizer que tal endosso não foi efectuado é uma conclusão a extrair do teor da frente e verso de cada um dos títulos.

V - Não constando do processo todos os elementos que permitam fixar os factos necessários para decidir a causa segundo as várias soluções plausíveis de direito, deve ser anulada a sentença para ser ampliada a matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 662º nº 2 al. c) do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

Nos autos de apreensão de bens da massa insolvente de Hotelmar - Indústria Hoteleira, SA foi proferida sentença em 04/12/2017 nestes termos:
«1. Declarar que os títulos de DRHP - Direitos Reais de habitação Periódica apreendidos pelo Sr. Administrador da Insolvência são da titularidade da insolvente Hotelmar - Indústria Hoteleira, Lda e, por conseguinte, são parte integrante da massa insolvente (cfr art. 46º do CIRE); e
2. Levantar a suspensão da liquidação decretada por despacho datado de 24 de Março de 2017.».
*
Inconformada, apelou a Magistrada do Ministério Público, concluindo a alegação com estas conclusões:
1 – Nestes autos foi proferida sentença que declarou que os títulos de DRHP – Direitos Reais de Habitação Periódica apreendidos pelo Sr administrador da insolvência são da titularidade da HOTELMAR – Indústria Hoteleira, Ldª e, por conseguinte são parte integrante da massa insolvente “.
Em consequência determinou o levantamento da suspensão da liquidação
2 – Contudo, os factos e o direito aplicável aos mesmos não permitem tal decisão.
3 – Na sequência de PER, foi em 12/6/2014 declarada a insolvência da sociedade “HOTELMAR – Indústria Hoteleira, SA”.
4 – O apenso de apreensão de bens foi instaurado 8/7/2014 com base na junção dos autos de arrolamento de fls 4, 8 (participações sociais).
5 – Em 11/7/2014, (fls 17), o sr administrador judicial juntou um auto de apreensão de 624 títulos de Direitos Reais de Habitação Periódica (DRHP) a que se seguiu a junção a fls 68 e 69 a 80 de um “auto de apreensão-DRHP/substituição” nos termos do qual os DRHP apreendidos deixaram de ser 624 para passarem a ser 830.
6 - Em 20/5/2016 (fls 87) juntou um auto de apreensão adicional de mais 106 títulos de DRHP pelo que a totalidade dos títulos de DRHP apreendidos passou a ser 936, títulos esses que sendo certificados de Direitos Reais de Habitação Periódica (DRHP) emitidos em nome da HOTELMAR, o Sr administrador entende serem propriedade da insolvente, pelo que iniciou diligências para a sua venda.
7 – A tal apreensão e venda o MºPº se opôs por entender que face ao regime aplicável aos DRHP e à actividade desenvolvida pela insolvente enquanto foi proprietária da unidade hoteleira a que tais títulos dizem respeito, não fazia sentido a existência de títulos originais decorridos tantos anos da sua emissão a que acrescia a especial circunstância de o imóvel ter sido dado em dação ao BCP em 2010.
8 – Na verdade, como consta dos autos, sendo a insolvente proprietária de um imóvel sito na rua Penha de França, esquina com a Carvalho Araújo e Beco do Ataíde, inscrito na matriz predial do Funchal-freguesia da Sé, sob o art 1330º e descrito na CRP sob o nº101/19890510, nele construiu um imóvel em dois blocos destinado à actividade hoteleira, sob a marca comercial “Hotel Apartamento Madeira Regency”, classificado como hotel apartamento de quatro estrelas.
9 – Depois de constituída a propriedade horizontal, para tal unidade hoteleira obteve autorização para a comercialização de unidades de alojamento sujeitas ao regime de habitação periódica, tendo-lhe sido entregues em 10/3/1993, os respectivos certificados, cf doc de fls 140vº e ss.
10 – A insolvente vendeu posteriormente o bloco 2 de tal edifício à sociedade “DUNBELL Limited”, sociedade constituída em 6/11/1985 na Ilha de Man sob o nº 28200C, reservando para si a propriedade do Bloco 1, com 18 unidades de alojamento oneradas com DRHP, num total de 936 títulos, mas fazendo a gestão dos dois blocos sob a marca “ Hotel Apartamento Madeira Regency”,
11 – cf fls 96, sendo Luis Miguel de Aguiar Rodrigues Camacho, administrador da insolvente no dia 31/12/2010 celebrou com o BCP uma escritura de dação em pagamento nos termos da qual a HOTELMAR deu ao BCP “em pagamento parcial das dívidas identificadas…”, 37 fracções
autónomas do prédio descrito na CRP sob o nº101, 18 das quais onerados com DRHP.
12 – Tais unidades de alojamento, estão identificadas no documento complementar junto a fls 101, como sendo: verba 3 apart. 38; verba 5 apart. 27; verba 6 apart. 12; verba 8 apart. 37; verba 10 apart. 26; verba 12 apart. 11; verba 14 apart. 36; verba 16 apart. 25; verba 19 apart. 27; verba 20 apart. 24; verba 22 apart. 34; verba 23 apart. 23; verba 25 apart. 33; verba 26 apart. 22; verba 28 apart. 32; verba 29 apart. 40; verba 30 apart. 21; verba 32 apart. 31.
13 – Na mesma data, entre a HOTELMAR e o BCP - foi celebrado o “contrato de locação financeira imobiliária”, junto a fls 193, nos termos da qual à locatária coube continuar a exploração do hotel, conferindo o BCP à locatária no ponto 7.5 do contrato, tendo entre outros o direito ao recebimento das prestações periódicas, a serem pagos pelo detentores dos Direitos Reais de habitação Periódica …”.
14 - Esta referência expressa nos contratos, não se destina a reconhecer a HOTELMAR como titular de DRHP mas tão só a consignar a existência de tais ónus bem como o regime a seguir relativamente aos mesmos, aliás na decorrência do que dispõe o art. 25º do DL 275/93 de 5/8 nos termos do qual “o proprietário pode ceder a exploração do empreendimento, «transferindo-se para o cessionário os poderes e deveres a ela ligados ..”. e, Poderes, são, nomeadamente o direito a receber do titular do DRHP a prestação anual referida no art 22º do mesmo diploma legal, pelo que dúvidas não havia de que o imóvel se encontrava onerado com DRHP, resumindo-se o seu endosso nos termos previsto na lei.
15 – Quando em 2012 o BCP instaurou a providência cautelar para a devolução ao BCP do imóvel “Hotel Apartamento Madeira Regency”, a qual correu termos na secção central cível da comarca da Madeira sob o nº 530/12.1TCFUN, cf certidão junta a fls 210, com vista a resolver o contrato de locação financeira celebrado com a HOTELMAR,
16 – também a HOTELMAR na oposição que se mostra junta a fls 443vº; confirmou ao tribunal a existência de terceiros adquirentes dos DRHP, mostrando-se especialmente preocupada com o destino a dar a tal acção e a protecção dos titulares de tais DRHP.
17 – Em tal acção foi dado como provado que através do agrupamento de várias entidades relacionadas com a insolvente, haviam sido comercializados os títulos de DRHP nomeadamente “o Madeira Regency Club”, mas não foi estabelecida a titularidade dos DRHP posto não ser esse o objecto da acção.
18 – Face à apreensão dos títulos emitidos em nome da insolvente e a necessidade de o tribunal os visionar foi requerido que os mesmos fossem remetidos ao tribunal sendo que, em resposta junta a fls 131, (em 29/12/2016 refª 24467048), o Sr administrador informou, entre outras coisas que “a HOTELMAR tinha os DRHP mas optou por mantê-los na sua titularidade e celebrar …contratos obrigacionais de cedência de direito de uso” (art24º). e no art. 27º informou o tribunal que “os títulos foram apreendidos e se encontram à sua guarda..
19 – Os títulos foram juntos em 30/6/2017, cf fls 588 em cinco caixas.
20 - Visionado o conteúdo de tais caixas deles resulta que:
a) na caixa 10, sendo títulos originais de DRHP das Unidades de Alojamento (UA): 34, 35, 36 e 38, o título correspondente à semana 52ª da UA 34 é 2ª via;
b) na caixa 12, são títulos de DRHP originais das UA: 27, 31, 32 e 33;
c) na caixa 15, idem das UA: 11, 12, 21 e 22;
d) na caixa 19, contem os títulos originais de DRHP das UA: 23,24,25,26 mas dela não consta o título reportado à 52ª semana da UA 25. E o título da 8ªsemana da UA 24 é 2ªvia;
e) na caixa 20, contém os títulos das fracções 37 e 40, TODOS em 2ªvia;
21 – Decorre dos autos que depois das acções instauradas pelo BCP em 2012 contra a HOTELMAR todos os documentos relacionados com o contrato de locação financeira com ela celebrado e, nomeadamente a documentação relativa ao endosso dos títulos de DRHP foram entregues ao BCP.
22 – Quando o BCP decidiu vender o imóvel ao SAVOY, procedeu à contagem dos títulos tendo-se deparado com a ausência de alguns pelo que diligenciou pela obtenção das 2ºs vias, faculdade que é conferida ao proprietário do imóvel cf previsto no art. 10º do DL 275/793.
Porém,
23 – Ilustres Juízes Desembargadores, face à data em que os títulos foram entregues ao proprietário do imóvel – a HOTELMAR – os anos em que ela esteve a laborar – até 2010, nada permite concluir quanto ao destino dos títulos que desapareceram – 104 a não ser a sua venda pela HOTELMAR, pelo que a decisão de requerer a emissão das 2ªs vias é abusiva.
24 – Os documentos contidos nas caixas 10,12,15 e 19 encontravam-se desde 2012, depositadas com outras caixas de documentos que ao grupo hoteleiro gerido pela HOTELMAR pertenciam, em instalações do BCP sitas na rua do Castanheiro, nº5 no Funchal, até à data do seu transporte para o tribunal, e o desaparecimento dos títulos foi constatado em 25/2/2016
cf doc 1, que se junta.
25 - Daqui decorre que contrariamente ao afirmado pelo Sr administrador, ele não fez qualquer apreensão dos documentos e muito menos os da caixa 20 pelos seguintes motivos:
- a caixa 20, é uma embalagem em uso nos Ctts, remetida pelo gabinete do advogado Raposo Subtil “Raposo Subtil e associados”, mandatário do BCP neste processo, à advogada Drª Paula Margarido do gabinete de advogados RSA LP que também representa o BCP neste processo como decorre, nomeadamente de fls 29 vº do apenso F, contendo as 104 2ªs vias dos títulos das unidades de habitação 37 e 40;
26 – o documento 1, que se junta, foi lobrigado pelo MºPº no interior da caixa 20, aquando do visionamento dos documentos nela contidos,
27 - desconhecendo-se em que datas foram emitidas as 2ªs vias dos certificados da pasta 20, a 2ª via da semana 8ª da unidade de alojamento 24 foi requerida pelo BCP em 27/7/2016 como decorre dos documentos arquivados na CRP do Funchal e que se juntam (doc 2).
28 - Com excepção dos que se mostram em 2ªs vias, temos os demais certificados e, muito embora boa parte deles tenha neles inserida uma tentativa de transacção a favor da pessoa colectiva “Madeira Regency Title Limited”, cf doc 3 que se junta como exemplo, o que acontece em 435 casos, porque tal transacção não foi concretizada por falta de assinaturas e reconhecimento das mesmas forçoso é considerar que todos são certificados originais.
29 – Porém, sendo originais e emitidos em nome da HOTELMAR não pertencem à massa mas sim ao BCP por ser o proprietário do imóvel e por sê-lo mandou fazer as 2ªas vias dos títulos em falta.
30 – Como consta do art 10º 2 do DL 275/93 de 5 de Agosto, “o certificado predial só pode ser emitido a favor do proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de direito de habitação periódica” e a segunda via “só pode ser emitida….. a requerimento do titular”, (nº3), o que ocorreu.
31 – Todas as 2ªs vias foram requeridas pelo BCP, ou seja pelo titular dos títulos e não pelo administrador da insolvência o que evidencia, se dúvidas houvesse não serem tais títulos bens da massa.
32 – O BCP é por isso o legítimo titular dos certificados emitidos em 2ª via e é também titular dos títulos originais uma vez que se a HOTELMAR os manteve na sua posse por ter desistido da sua comercialização a ele cabe dar-lhes o destino que lhe aprouver enquanto proprietário do imóvel por eles onerado.
33 – E é o titular de tais títulos porque se tornou o proprietário do imóvel a que tais títulos dizem respeito – o que aconteceu em 2010 -, tendo feito o averbamento da dação em pagamento em cada uma das unidades de alojamento e em cada semanas de tais unidades de alojamento, tendo a HOTELMAR perdido a legitimidade para transaccionar tais títulos, e, consequentemente o administrador da insolvência, porque o que não é da insolvente não é da massa.
34 - Por isso, ao ter decidido como decidiu reconhecendo que tais títulos são da massa, violou a sentença recorrida o disposto no art. 10º do DL 275/93 de 5/8 pelo que deve ser substituída por outra que decida que:
- não são bens da massa os 830 de DRHP emitidos em nome da insolvente mas nunca transaccionados por ela;
- não são bens da massa os 104 títulos de DRHP juntos aos autos emitidos em 2ªs vias a pedido do BCP em 2016;
- que tais documentos pertencem ao BCP por se reportarem a imóvel por ele adquirido à insolvente por escritura de dação em pagamento celebrada em 2010;
- que tais documentos nunca foram apreendidos pelo administrador da insolvência por se encontrarem na posse do BCP desde pelo menos o ano de 2012 na sequência das acções judiciais instauradas pelo BCP contra a insolvente.
37 – Porém, V.Exª tudo apreciarão e decidirão assim fazendo a costumada justiça.
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Não há contra-alegação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se estão apreendidos para a massa insolvente os Títulos do Registo dos Direitos Reais de Habitação Periódica constituídos sobre as fracções autónomas identificadas na decisão recorrida
- se a massa insolvente é a titular desses Direitos Reais de Habitação Periódica
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III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1. Da “escritura de constituição do regime de habitação periódica”, datada de 03 de Março de 1993, consta que a sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA. adquiriu 17 (dezassete) fracções autónomas localizadas no Bloco 1, bem como 1 (uma) fracção localizada no Bloco 2, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 101/19890510 (cfr. prova documental de fls. 458 verso a 480);
2. Da “escritura de constituição do regime de habitação periódica” referida em 1. consta igualmente que sobre as 18 fracções foram constituídos “direitos reais de habitação periódica” a favor da sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA. que “têm duração ilimitada, e os títulos são semanais” (cfr. prova documental de fI. 460);
3. Da “escritura de constituição do regime de habitação periódica” referida em 1. consta que as 18 (dezoito) unidades de alojamento deste prédio pertencentes à sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA., sobre as quais foi constituído o “direito real de habitação periódica”, correspondem as seguintes unidades de alojamento (cfr. prova documental de fls. 460 a 461 verso):
1. A1;
2. B1;
3. C1;
4. 01;
5. E1;
6. F1;
7. G1;
8. H1;
9. A2;
10. B2;
11. C2;
12. 02;
13. E2;
14. F2;
15. G2;
16. A3;
17. B3;
18. G1 (Bloco 2);
4.Da “escritura de constituição do regime de habitação periódica”, datada de 03 de Março de 1993, consta que a sociedade DUNBELL LlMITED adquiriu 74 (setenta e quatro) fracções autónomas, todas localizadas no Bloco 2 do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 101/19890510, sobre as quais foram igualmente constituídos “direitos reais de habitação periódica” (cfr. prova documental de fls. 458 verso a 480);
5. Do “título do registo do direito real habitação periódica” referente a “unidade de alojamento 601 (A-Sétimo) Bloco 2” consta que a sociedade DUNBELL LlMITED, na qualidade de titular do direito, vendeu o mesmo à sociedade MADEIRA REGENCY TITLE LlMITED (cfr. prova documental de fls. 9 verso a 506);
6. Os direitos reais de habitação periódica referidos em 3. encontram-se registados junto da Conservatória do Registo Predial do Funchal (cfr. prova documental de fls. prova documental de fls. 247 a 439 verso);
7. As sociedades HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA, DUNBELL LlMITED e MADEIRA REGENCY TITLE LlMITED, na qualidade de titulares dos direitos reais de habitação periódica que oneram as fracções autónomas referidas em 1. a 5., celebraram “contratos de utilização das referidas fracções” com as sociedades REGENCY MANAGEMENT, LDT. e REGENCY SERVICES, LDT., as quais comercializam depois as respectivas semanas identificadas no título com os chamados utilizadores finais (proponentes que pretendem fazer parte do CLUBE REGENCY MADEIRA) (cfr. prova documental de fls. 481 a 502 e 564);
8. Da “proposta de sócio” referente ao “CLUBE REGENCY MADEIRA” consta que a sociedade, no prazo de 60 dias após o pagamento por parte do proponente do montante total devido, fará emitir um “certificado de sócio” para o proponente respeitante “aos períodos semanais fixados no contrato”, identificando para o efeito o respectivo “apartamento” (cfr. prova documental de fls. 495 a 499 verso);
9. Os proponentes angariados pelas sociedades REGENCY MANAGEMENT, LDT. e REGENCY SERVICES, LDT. passam a ser membros do "MADEIRA REGENCY CLUB" e "MADEIRA REGENCY INTERNATIONAL CLUB" (cfr. fls. 495 a 502 e 535 verso a 558);
10. Por escritura de “dação em cumprimento”, datada de 31 de Dezembro de 2010, a sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA transferiu, entre outras, a titularidade das fracções autónomas referidas em 3. para o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. (cfr. prova documental de fls. 507 a 517);
11. Da escritura de “dação em cumprimento”, datada de 31 de Dezembro de 2010, consta que sobre as fracções autónomas referidas em 3., “(…) estão constituídos direitos reais de habitação periódica, (…) direitos estes que não são objecto da presente transmissão e permanecerão na titularidade dos seus detentores ou de terceiros a quem estes os transmitam e que ficam salvaguardados nos termos mencionados na presente escritura.
(…) Que a sociedade (…) HOTELMAR declara, sob sua exclusiva responsabilidade, que utilizará os direitos reais de habitação periódica que oneram as dezoito fracções (…}, com observância do previsto na lei, nos documentos supra referidos, bem como no documento (“'Declaração”' e respectiva listagem) anexo ao presente instrumento, dele fazendo parte integrante, Mais declara que utilizará os equipamentos, mobiliário, objectos de decoração e demais pertencentes das referidas fracções, com o devido dever de cuidado” (cfr. prova documental de fls. 509 e verso);
12. No dia 31 de Dezembro de 2010, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., na qualidade de locador, e a sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA., na qualidade de locatária, celebraram um “contrato de locação financeira imobiliária”, mediante o qual o primeiro deu à segunda, em locação financeira, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 101/19890510 (cfr. prova documental de fls. 193 a 207);
13. Do “contrato de locação financeira imobiliária” referido em 12. Consta que “(. .. ) é do pleno conhecimento da locatária que sobre noventa e duas fracções autónomas, objecto da presente locação, incidem direitos reais de habitação periódica. Destas, aquando da dação, dezoito eram da sua titularidade e setenta e quatro eram da titularidade da DUNBELL (…).
Enquanto em vigor o presente contrato, o locador transfere para a locatária o direito ao recebimento das prestações periódicas, a serem pagos pelos detentores dos direitos reais de habitação periódica, sem prejuízo da referida receita ser consignada a favor do locado (…).” (cfr. prova documental de fls. 196 e verso);
14. No dia 31 de Dezembro de 2010, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. e a sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA. celebraram um acordo  designado por “consignação de receitas” do qual consta que “Quinto - decorre dos termos da cláusula sétima das condições particulares “contrato de locação” (…), o BANCO cedeu à HOTELMAR o uso e gozo do prédio antes identificado, bem como a gestão e controlo dos direitos reais de habitação periódica (DRHP) incidentes sobre noventa e duas das fracções integrantes do prédio, objecto da locação, incluindo nisto o direito da HOTELMAR receber os montantes relativos às prestações periódicas a que tem direito, enquanto proprietário das fracções sobre as quais incidem os referidos Direitos.
SEXTO - Foi condição determinante para o banco, quer para a contratação da locação financeira imobiliária quer para efectuar a transferência para a HOTELMAR, do direito de receber os montantes relativos às prestações periódicas, consignar as receitas provenientes da receita daí advinda, para garantia e amortização dos montantes em dívida na referida locação. (…)” (cfr. prova documental de fls. 165 a 179)
15. Por sentença datada de 24 de Outubro de 2012 e proferida no âmbito do processo n.º 530/12.1TCFUN, que correu termos nas Varas de Competência Mista do Funchal, 2.ª Secção, o Tribunal decidiu julgar a providência cautelar instaurada pelo BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. contra a sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA. totalmente procedente e, por conseguinte, ordenou a entrega imediata do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 101/19890510 ao BANCO (cfr. prova documental de fls. 563 a 568);
16. A sentença referida em 15. foi confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. prova documental de fls. 569 a 579 verso);
17. O Sr. Administrador da Insolvência apreendeu a favor da massa insolvente 830 (oitocentos e trinta) títulos de “direitos reais de habitação periódica” (cfr. prova documental de fI. 69);
18. Por requerimento datado de 28 de Junho de 2017, o Sr. Administrador da Insolvência declarou ter apreendido fisicamente os títulos dos “direitos reais de habitação periódica” da titularidade da sociedade HOTELMAR - INDÚSTRIA HOTELEIRA, LDA. e que nos mesmos não foi endossada qualquer transmissão, nos termos do artigo 12.° do Decreto-Lei n.º 275/93, de 05 de Agosto (cfr. prova documental de fi. 585 verso);

19. O Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos, a título de exemplo, o seguinte título, sendo que do mesmo não consta qualquer endosso referente a uma eventual transmissão para terceiros, em conformidade com o disposto no artigo 12º do decreto-Lei nº 275/93,de 05 de Agosto (cfr prova documental de fls. 158 a 161)
título
*
B) Decorre destes dois volumes instruídos como apenso J, «recurso em separado» com certidão das peças do processo indicadas pelo Ministério Público, em cumprimento dos despachos judiciais de 27/02/2018 e 19/04/2018 (cfr fls. 13 e 16), designadamente, a seguinte dinâmica processual:
1 - Em 15/06/2016 o Ministério Público apresentou requerimento no apenso F (autos de liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente) onde se lê:
«1 - compulsado o apenso de apreensão de bens constatou-se que o Sr Administrador da Insolvência apreendeu para a massa os títulos de Direitos Reais de Habitação Periódica (DRHP) constituídos sobre os apartamentos que compunham o imóvel em que a insolvente desde 2’10 exerceu a sua actividade, enquanto cessionária da exploração da unidade hoteleira.
2 - na verdade e como decorre dos documentos juntos aos autos, a Hotelmar foi proprietária até 2010 do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, composto por dois edifícios onde sempre funcionou o “Hotel Apartamento Madeira Regency” classificado como “hotel apartamento de 4 estrelas”, situado nas ruas da Penha de França, carvalho Araújo e beco do Ataíde, Funchal, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1330.
Tal prédio era composto de 111 fracções autónomas, sendo que sobre todas essas fracções (37 pertencentes à insolvente e aa demais à sociedade “Dumbell Limited” sociedade constituída em 1985 registada na Ilha de Man, com sede em (…) e representada por Luís Miguel Camacho) foram constituídos DRHP.
3 - Porém, e de acordo também com documentos juntos aos autos, que por dívidas foi, em 31712/2010 entre a insolvente e o Banco Comercial Português SA (BCP) e Luís Miguel Camacho em representação da insolvente e da Dumbell, celebrado (vd fls 471 e 494 do PER, junto por apenso a estes autos), dois contratos de dação em cumprimento nos termos dos quais, todas as fracções passaram a propriedade do BCP.
4 - na mesma data, cfr. doc juntos aos autos (rfeª 22520487), entre o BCP como locador, a Hotelmar e a Dumbell, foi celebrado um contrato de locação financeira imobiliária relativamente ao edifício do hotel, pelo período de 30 anos, do qual resultou que a Hotelmar tenha continuado a exercer a sua actividade no mesmo edifício, agora como cessionário na expressão usada pelo art. 25 do DL 275/93.
5 - de tudo isto resulta que, sem margem para quaisquer dúvidas, que todo o edifício do qual são partes integrantes todas as fracções sobre as quais foram constituídos dos DRHP agora apreendidos pelo SR AI, pertence ao BCP como resulta também expresso do ponto nº 2 do “contrato de locação financeira imobiliária” junto ao apenso D, com o requerimento refª 22520487.
6 - ora, porque tais contratos (de dação e locação) foram celebrados em 2010, dúvidas não existem que à data da insolvência tal imóvel não pertencia à insolvente e, não lhe pertencendo nenhuma relação existe entre a massa e os contratos de DRHP sobre ele constituídos pelo que, com todo o respeito, não deviam ter sido apreendidos.
7 - na verdade, regendo esta matéria o estatuído no DL 275/93 de 05 de agosto, neste diploma e com interesse para o caso presente se diz:
- Art. 3º: que o DRHP é “perpétuo”
- Art. 12º: que a oneração ou a transmissão por actos entre vivos de direitos reais de habitação faz-se mediante declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte do ónus ou do alienante.
10 - como foi referido no ac. Do TRG de 27/2/2014 proferido no proc. 5443/12 TBBRG acessível em http://www.dgsi.pt/jtrg“ o direito real de habitação periódica só sai da esfera jurídica do seu titular por alienação ou acto de renúncia, que terão de seguir as formalidades previstas nos arts. 12 e 42 do DL 275/93 de 5/8 com as alterações introduzidas pelo DL 180/99 de 22/5 e DL 116/2008 de 4/97 ou por extinção do direito de propriedade”.
11 - Aqui chegados, porque não ocorreu a extinção do direito de propriedade, posto o imóvel ter sido transmitido em 2010 ao BCP, forçoso é concluir que só os titulares dos DRHP têm legitimidade para decidir do seu destino e mesmo que por hipótese se colocasse a possibilidade da sua extinção por força da insolvência (extintiva dos ónus sobre os bens vendidos pela massa), tal situação nunca se colocaria nestes autos pela simples razão de o imóvel sobre os quais tais direitos foram constituídos não pertencer à massa.
Pelo exposto, requer-se que, ponderadas todas estas razões, e caso o tribunal concorde com o que vem de ser expendido, seja o Sr AI notificado para cancelar os registos de apreensão efectuados sobre os títulos de DRHP, tendo em vista obviar futuras indemnizações a exigir da massa por parte dos seus titulares afectados.».
2 - Em 06/10/2016 o Administrador da Insolvência, Raul Gonzalez Benito juntou escrito onde se lê, além do mais:
«(…) vem informar sobre as diligências de venda dos bens apreendidos, e pronunciar-se quanto ao requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário do Devedor, o que faz nos termos seguintes

1. Os bens apreendidos para a massa insolvente, particularmente os respeitantes a Direitos Reais de Habitação (DRHP) e (…) são activos com características singulares e cuja (complexa) alienação (…)
2. (…) foi obtida uma proposta proveniente do grupo hoteleiro “Sociedade (…) Savoi, SA (…)
3. Adicionalmente, e no mesmo período temporal, foi o signatário notificado pelo BCP relativamente às prestações vencidas (e em dúvida) correspondentes aos DRHP apreendidos à ordem da massa insolvente (Anexo II).
(…)
9. Face ao que antecede, (…) entende o signatário que deve proceder-se à adjudicação» à Sociedade Imobiliária de Empreendimentos Turísticos - Savoi, SA nas condições apresentadas.».
3 - Na Acta da reunião da comissão de credores realizada em 31/05/2016 lê-se, além do mais:
«(…)
Ponto Um - Deliberar sobre a aceitação da proposta de aquisição dos ativos da massa insolvente, melhor identificados na proposta em anexo, apresentada pela sociedade imobiliária de empreendimentos turísticos - Savoi, SA, no valor de € 342.941,96, no âmbito das diligências de venda por negociação particular realizadas pelo Sr. Administrador de Insolvência;
(…)
Nessa sequência, e após análise dos termos da proposta apresentada, o Sr Júlio Gomes, na qualidade de representante do credor Millennium e Presidente da Comissão de Credores, manifestou que, de acordo com a análise efetuada pelos competentes serviços do Banco, o valor da proposta recebida está em linha com os valores de transacção dos demais direitos reais de habitação periódica recentemente efetuada (…). Por fim (…) foi deliberado por unanimidade dos presentes aceitar a proposta recebida para aquisição dos referidos ativos. (…)».
4 - Em 05/12/2016 o Ministério Público expôs, designadamente, e promoveu (no apenso B):
«1 - foram-nos estes autos apresentados com vista para apreciação dos documentos juntos pelo Sr Administrador de fls. 190 a 124, todos eles relacionados com títulos de Direitos reais de Habitação periódica (DRHP) emitidos e entregues à Hotelmar em 10/371993 que o Sr Administrador diz ter apreendido os quais a SAVOY quer comprar uma vez que o Sr Administrador entende que, porque tais títulos se reportam às fracções (unidades de alojamento) que foram dadas pela Hotelmar em pagamento ao BCP, são bens da massa insolvente.
Porque nos termos da lei que regula os DRHP (art. 22º do DL 275/93 de 5/8), os titulares de tais direitos estão obrigados ao pagamento anual das despesas decorrentes da administração e conservação das unidades de alojamento, o BCP como seu proprietário, remeteu factura à massa insolvente.
(…)
É certo que, como decorre deste Apenso, o Sr Administradir diz que apreendeu tais títulos e que até os arrolou como decorre de fls. 18, 69 e 87 vº, num total de 18 fracções e 936 títulos.
Mas não diz onde os localizou e, se os apreendeu, não demonstrou que o tivesse feito uma vez que não se mostra documentado o registo da sua apreensão, sendo certo que para a sua transmissão e uma vez que se trata de direitos reais sujeitos a trato sucessivo, sempre teria de o ter feito um por um, relativamente a cada uma das semanas de cada uma das fracções.
(…)
Na verdade, não se imagina como é que a Hotelmar detentora desde 1993 de tantos títulos os não tenha transaccionado!!!
(…)
Pelo exposto entendemos que:
a) A Hotelmar, por ter transaccionado os títulos de DRHP constituídos sobre as fracções que deu em cumprimento ao BCP, não é proprietária de qualquer DRHP sobre as fracções dadas em cumprimento na escritura junta aos autos
b) Não sendo detentora de tais direitos não podia o Sr Administrador arrolar nem apreender quaisquer documentos ou direitos relacionados com tais fracções por não serem bens da massa insolvente.
c) O Sr Administrador não demonstrou ter efectuado qualquer apreensão de DRHP, e nem sequer demonstrou que tivesse procedido ao seu registo, o que sempre teria que fazer posto estarmos perante direitos reais.
(…)
Pelo exposto P.:
- que o Sr Administrador informe em que local se encontram os “títulos” que diz ter arrolado
- que o tribunal ordene o seu transporte para as instalações do tribunal
- se solicite ao IRN uma análise a tais documentos dando parecer sobre a sua natureza e susceptibilidade de serem transaccionáveis.».
5 - Em 29/12/2016 o Administrador da Insolvência apresentou escrito onde se lê, além do mais:
«(…) notificado do douto despacho (…) e da douta promoção da Digníssima Magistrada do Ministério Público, vem esclarecer o seguinte:
(…)
19º
O que acontece no caso em apreço é que o titular do DRHP manteve os seus direitos na sua titularidade e decidiu obter rendimento por via de comercialização desses seus direitos através de um eventual Clube Trustee ou qualquer outra via, mas não se trata aqui de direitos susceptíveis de serem opostos ao proprietário e/ou explorador do empreendimento, sendo os chamados “Time sharing”.
(…)
24º
A Hotelmar tinha os DRHP mas optou por mantê-los na sua titularidade e celebrar esses ditos contratos obrigacionais de cedência de direito de uso.
25º
Por isso, não há registo de transação porque os títulos nunca foram efetivamente transacionados, conforme pode ser confirmado pelo certificado dde cada DRHP e pelo registo predial.
26º
Pelo exposto, não restam dúvidas de que os DRHP em causa são da titularidade da insolvente e, por esse fato, susceptíveis de serem liquidados no âmbito do presente processo de insolvência, não assistindo, salvo melhor opinião, qualquer fundamento para o requerido pela Digníssima Magistrada do Ministério Público.
27º
Mais se esclarece que os respectivos títulos foram apreendidos e se encontram à sua guarda, conforme autos de apreensão juntos aos presentes autos.
(…)».
6 - Em 24/03/2017 foi proferido o seguinte despacho no apenso F):
«Conforme decorre do teor dos autos (a saber: autos principais e apensos “B” e “F”), no âmbito dos mesmos, forma suscitados por parte do Ministério Público em representação da Fazenda Nacional, múltiplos incidentes que não se encontram concentrados num único apenso, relacionados com a apreensão a favor da massa insolvente de títulos de “direitos reais de habitação periódica” que, alegadamente, são daa titularidade da insolvente Hotelmar - Indústria Hoteleira, SA.
Assim sendo, e considerando que o Tribunal, após compulsar a totalidade dos autos, verificou existir, de facto, pertinência nas questões suscitadas pelo Ministério Público, o Tribunal decide suspender a liquidação relativamente aos activos em apreço até que seja proferida decisão no âmbito do apenso “B”.».
7 - Em 25/05/2017 foram os autos do apenso B com vista ao Ministério Público que expôs, além do mais, e promoveu, em 29/06/2017:
«(…) o Sr Administrador informou o tribunal que “os mesmos encontram-se fisicamente apreendidos e encontram-se no armazém sito (…) pelo que se necessário,  os mesmos serão entregues no tribunal”, ou seja, não houve apreensão física como o tribunal pretendia ver confirmado.
De tudo decorre que existe no caso concreto, a prática de acto de apreensão para a massa de quaisquer DRHP que permita a sua posterior liquidação.
Na verdade e como vimos defendendo, tal apreensão só seria possível perante os títulos originais emitidos pelo conservador relativamente a cada uma das semanas e cada uma das unidades de habitação uma vez que só os originais poderiam vir a ser objecto de transmissão.
(…)
Pelo exposto, P. seja proferida decisão dando sem efeito a “apreensão” efectuada pelo Sr Administrador, de modo a que o mesmo se abstenha de encetar actos de disposição com base na mesma, bem como o de assumir encargos para a massa a pretexto de tal apreensão.».
8 - Notificado para se pronunciar, o Administrador da Insolvência disse além do mais, em 28/06/2017:
«(…)

(...) os títulos de Direitos Reais de Habitação Periódica em apreço foram fisicamente apreendidos.
(…)

Contudo, e sem prejuízo do exposto, o ora signatário procederá à apresentação, a título devolutivo, dos originais dos títulos (…)
Mais se reitera o peticionado no requerimento anteriormente apresentado pelo ora signatário, dada a urgência na liquidação deste ativo, (…)».
9 - Em 30/06/2017 o Administrador da Insolvência disse nos autos:
«(…) vem apresentar a V. Exa, e a título devolutivo, os 936 títulos dos direitos reais de habitação periódica, os quais se encontram em cinco caixas (…)
Destarte, e para uma mais fácil consulta dos mesmos, as ditas caixas estão identificadas por unidades de alojamento (apartamentos) encontrando-se dentro de cada uma delas os 52 direitos reais de habitação periódica pertencentes às ditas unidades de alojamento, nos termos que se discriminam do seguinte modo:
(…) tudo conforme lista que aqui se junta sob o nº 1.
Junta: 5 caixotes que contêm, na sua totalidade, 936 títulos de direitos reais de habitação periódica (…)».
10 - Em 21/12/2017 o Administrador da Insolvência requereu no apenso B:
«(…) aquando do trânsito em julgado da sentença de 04/12/2017, (…) o autorize o levantamento dos Títulos de Direitos Reais de Habitação Periódica, juntos aos autos de fls 90 a 124.».
11 - Em 21/12/2017 foi proferido o seguinte despacho no apenso B:
«Requerimento que antecede:
Deferido.».
12 - Em 09/01/2018 foi lavrado com a referência 44968046 por Escrivão Adjunto (não se identificando se no processo principal se em algum apenso):
«Termo de Entrega
Compareceu nesta data neste Juízo o Sr. Administrador de Insolvência, Dr Raul Gonzalez Benito, tendo-lhe entregue 5 (cinco) caixas contendo DRHP».
13 - Em 27/02/2018 foi proferido do seguinte despacho:
«1. Porque tempestivamente interposto de decisão recorrível, e por quem tem legitimidade para o efeito, admito o presente recurso o qual é de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cfr artigo 14º, nºs 5 6 6, a contrario do CIRE).
2. Notifique o Recorrente e a Recorrida para, no prazo de 5 (cinco) dias, indicarem as peças do processo de que pretendem certidão para instruir o recurso.
3. Após, organize apenso em separado.
4. Oportunamente, conclua naquele apenso.».
*
C) A 1ª instância decidiu que estão apreendidos para a massa insolvente títulos DRHP, que os mesmos são da titularidade da insolvente e por isso são parte integrante da massa insolvente, tendo levantado a suspensão da liquidação.
O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL 53/2004 de 18/03 - e que tem sido alvo de diversas alterações - prevê a separação de bens de terceiro indevidamente apreendidos para a massa insolvente (cfr art. 141º a 147º).
O art. 141º do CIRE «tem como pressuposto a apreensão indevida de bens para a massa», «A procedência da reclamação será apreciada de acordo com as regras do direito substantivo aplicáveis em cada caso», «Se não houver contestação das reclamações, aplicando correspondentemente o nº 3 do artº 130º, o juiz proferirá sentença reconhecendo o direito à restituição e separação de bens reclamados, a menos que o processo não contenha os elementos para tanto apropriados, em função das exigências de carácter substantivo necessárias à fundamentação do direito do reclamante», «as reclamações são autuadas num único apenso, por aplicação do artº 132º», «A reclamação deve, em princípio, ser deduzida pelo interessado. Contudo, à semelhança do que sucedia no Direito anterior, permite-se a separação de bens, quando aquele não o faça. A separação é então ordenada pelo juiz nos termos do nº 3.
É, no entanto, necessário que a reclamação seja feita pelo administrador da insolvência. Mas, quando exista comissão de credores, atendendo à sua representatividade, faz-se depender do seu parecer favorável a possibilidade da separação não requerida pelo interessado.
O administrador pode requerer a separação mesmo tendo sido ele quem procedeu à apreensão.
(…)
O tribunal não está, porém, vinculado a deferir o requerimento do administrador, ainda quando devidamente instruído. Só terá de o fazer se nos autos estiver produzida prova segura de o bem não pertencer efectivamente à massa. (…).» (cfr Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in «Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas» anotado, reimpressão, 2009, pág. 475 a 478).
Na fundamentação de direito, ponderou a 1ª instância, designadamente:
«Ora, considerando, por um lado (i) o facto do “contrato de dação em cumprimento” excluir expressamente do seu âmbito os DRHP da titularidade da Hotelmar - Indústria Hoteleira, Lda (cfr Facto 11.) e, por outro lado, (ii) que o Sr. Administrador da Insolvência declarou expressamente que apreendeu os DRHP da titularidade da sociedade Hotelmar - Indústria Hoteleira, Lda e que nos mesmos não foi endossada qualquer transmissão a favor de terceiros, nos ternos do artigo 12º do Decreto-Lei nº 275/93, de 5 de Agosto, é legítimo concluir que os referidos títulos se mantenham na esfera jurídica da insolvente.».
Ora, atento o que consta nos pontos 17, 18 e 19 dos «Factos Assentes com relevância para a decisão do presente incidente» da sentença recorrida, corroborado pela fundamentação de direito, verifica-se que a 1ª instância se baseou:
- para o ponto 17: em «prova documental de fls 69» cujo teor não reproduz e que, dadas as várias numerações que as folhas destes autos de recurso apresentam, aventamos que seja aquela em que se visualiza duas vezes o número «69» e uma vez o número «85», e que corresponde a certidão de «Auto de Arrolamento de Direitos Reais de Habitação Periódica» datado de 16/04/2015 onde o Administrador da Insolvência declara: «procedi à apreensão onde 830 (oitocentos e trinta) títulos de DRHP - Direitos Reais de Habitação Periódica, constituídos por escritura pública outorgada em 3 de Março de 1993, na Secretaria Notarial de Protesto de Letras do Funchal, com a seguinte identificação:
(…)»;
- para o ponto 18: em «prova documental de fls. 585 verso», que corresponde ao requerimento do Administrador da Insolvência de 28/06/2017 onde se visualizam três numerações e que admitimos como estando nestes autos de recurso com a numeração fls. 600 v a 602, em que aquele declarou ter apreendido fisicamente os título e que neles não foi endossada qualquer transmissão;
- para o ponto 19: num título junto pelo Administrador da Insolvência «a título de exemplo» onde «não consta qualquer endosse referente a uma eventual transmissão para terceiros, em conformidade com o disposto no artigo 12º do Decreto-Lei (…)».
No caso concreto, não vemos que tenha sido seguido o formalismo legal, mas não foi arguida nulidade, e apenas foi interposto recurso pelo Ministério Público com o objectivo de que se declare que nenhum dos títulos de DRHP pertence à insolvente nem foram apreendidos para a massa insolvente.
Vejamos então se estes autos contêm os necessários elementos de facto para decidir.
Decorre dos nº 3 e 4 do art. 607º do Código de Processo Civil que na sentença deve o juiz discriminar os factos que considerar provados e na fundamentação deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Na sentença recorrida não vem dado como provado o teor de cada um dos títulos de DRHP que se diz terem sido apreendidos pelo Administrador da Insolvência, reportando-se a senhora juíza a um «auto de arrolamento»; o ponto 18 reporta-se ao que o Administrador da Insolvência declarou; e o ponto 19 contém a cópia da frente de um título de DRHP junta por aquele a título de exemplo.
Ora, dar como provado que o Administrador da Insolvência declarou que naqueles títulos não foi endossada qualquer transmissão, não equivale a dar como provado que naqueles títulos não foi endossada qualquer transmissão. E dizer que tal endosso não foi efectuado é uma conclusão a extrair do teor da frente e verso de cada um dos títulos.
Portanto, mesmo quanto ao título cuja cópia é reproduzida na sentença, apenas sabemos o que consta na sua frente.
Além disso, o ponto 17 refere-se a 830 títulos apreendidos, mas o Administrador da Insolvência declarou nos autos, em 30/06/2017, apresentar «a título devolutivo, os 936 títulos» em 5 (cinco) caixas.
Por outro lado, sustenta o Ministério Público que vários dos títulos apresentados nas 5 caixas pelo Administrador da Insolvência são 2ªs vias.
Estes autos de apelação, compostos por dois volumes, não contém os elementos necessários para suprir a deficiência de fundamentação de facto exarada na sentença recorrida.
De lembrar ainda, que 09/01/2018 foi lavrado termo de entrega das cinco caixas contendo os títulos ao Administrador da Insolvência.
Por quanto se expôs, a apontada deficiência da decisão sobre a matéria de facto impõe que se proceda à sua ampliação em ordem a averiguar quantos títulos de DRHP foram apreendidos, o teor de cada um deles -frente e verso -, incluindo o esclarecimento se são originais ou se são segundas vias e em que moldes foram estas emitidas.
Assim, por não constarem deste processo todos os elementos que permitam fixar os factos necessários para decidir a causa segundo as várias soluções plausíveis de direito, será anulada a sentença recorrida para aquele efeito, ao abrigo do disposto no art. 662º nº 2 al. c) do Código de Processo Civil.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, anula-se a sentença recorrida em ordem a ser ampliada a matéria de facto nos termos indicados supra em III - C).
Custas a fixar a final.
Lisboa, 07 de Junho de 2018

Anabela Calafate

António Manuel Fernandes dos Santos       

Eduardo Petersen Silva