Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1123/20.5SFLSB.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: NULIDADE DO JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
IMPOSSIBILIDADE DE COMPARÊNCIA DO ARGUIDO
JUSTIFICAÇÃO
DESIGNAÇÃO DE NOVA DATA PARA O JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: ISe o Arg., atempadamente, dá conhecimento da sua impossibilidade de comparência, salvo se, por qualquer razão, o processo dever correr com especial celeridade ou houver razões para crer que se trata de manobra dilatória, deve ser marcada nova data de julgamento.

IIEntre 02/02/2021 e 05/04/2021, esteve em vigor o art.º 6º-B da Lei 1-A/2020, de 19/03, que só permitia a realização de diligências em processos não urgentes “... quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ...”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


No Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, por sentença de 22/02/2021, foi o Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 5[3]), condenado nos seguintes termos:

“… Tudo visto e ponderado, decide-se:
I- Condenar o arguido AA, pela prática em 26- 10-2020, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, n.º 1, e n.º 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 3 (três) meses de prisão.
Nos termos dos artigos 50º, n.º 1, 4 e 5 do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena aplicada ao arguido, pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
II- Condenar o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça que fixamos em 1 (uma) UC, 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e artigo 8, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo. …”.
*

Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 97/109, concluindo da seguinte forma:

“… a)- O ora Recorrente, na primeira data designada para julgamento, 04 de fevereiro de 2021, encontrava-se impedido de comparecer, por facto não imputável, que deu conhecimento atempado através de requerimento datado de 20 de janeiro, junto aos presentes autos, através da sua mandatária ora subscritora, alegando para o efeito que iria ser submetido a intervenção cirúrgica no estrangeiro, para onde já se tinha deslocado e apresentando comprovativos da impossibilidade de comparecimento, indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso podia ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
b)-Tal requerimento, de justificação de falta de comparecimento foi acompanhado dos elementos de prova da impossibilidade para comparecer, nos termos a que aludem os artigos 116º e 117º n.º 1, 2, 3 e 4 do CPPenal, tendo sido requerido o adiamento da aludida audiência de julgamento, com vista a que o arguido pudesse comparecer na aludida audiência ali prestar declarações relativamente aos factos que lhe eram imputados.
c)- Entendeu o Tribunal à quo manter a data já designada para audiência de julgamento, tendo o arguido vindo requerer que lhe fosse dada a possibilidade de prestar declarações na 2ªdata que viesse a ser designada, o que veio a ser deferido.
d)- Sucede, que na data em que ocorreu a 1ª audiência de julgamento, o nosso país atravessava uma difícil situação pandémica que obrigou a um novo estado de emergência e a um novo confinamento geral que culminou com a publicação em 01 de Fevereiro de 2021 da lei n.º 4B/2021 que veio estabelecer um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença Covid-19.
d)- Com relevância para o caso dos presentes autos, o artigo 6º B n.º 1 da referida lei, que estabelece a seguinte regra geral: são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, tribunal constitucional e entidades que junto dele funcionem, tribunal de contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, ministério Público, julgado de Paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes;
Prevê-se uma excepção à referida regra no n.º 5 alínea c) do mesmo artigo, concedendo-se a possibilidade da prática de actos e a realização de diligências não urgentes, desde que verificados os seguintes pressupostos: i) aceitação por todas as partes; ii) declaração expressa de que tem condições para assegurara sua intervenção através das plataformas informáticas que possibilitem a sua realização por via electrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados.
Caso exista acordo quanto à realização pelos meios de comunicação à distância, o legislador estabeleceu norma especial quanto à participação de arguidos, assistente e testemunhas através daqueles meios, prevendo no n.º 9 daquele artigo que a prestação de declarações daqueles intervenientes devem ser realizadas a partir de um tribunal ou de instalações de edifício público, desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas orientações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
Do exposto, retira-se que, em processos de natureza não urgente os actos e diligências processuais teriam lugar apenas quanto houvesse acordo de todas as partes e estas possam assegurar a sua realização por meios de comunicação à distância, sendo que os arguidos, os assistentes e as testemunhas, fariam a ligação por meio de comunicação À distância mas a partir dum tribunal ou de instalações de edifício público.
e)- Mesmo após a publicação da referida lei e a realização da 1º audiência de julgamento, o arguido, através da sua mandatária apresentou diversos requerimentos, no sentido de obter o adiamento da 2ª data de julgamento designada para o dia 22 de fevereiro de 2021, data em que vigorava a proibição de voos de e para o Brasil, onde se encontrava o arguido retido, que é nacional Brasileiro, e que não conseguia regressar ao nosso País para se apresentar em juízo, face à proibição de voos e por conta da nova variante da doença Covid-19 Brasileira.
f)- De igual forma, o arguido viu todos os seus requerimentos de adiamento das audiências de julgamento de dia 04 e 22 de fevereiro 2021, que se encontram junto aos autos, datados de 20 de janeiro, 27 de janeiro, 03 de fevereiro e 18 de fevereiro serem indeferidos, bem como o requerimento para que o arguido pudesse ser ouvido à distância, com vista a prestar declarações e confessar os factos (como referido no seu requerimento) veio também a ser indeferido.
g)- Ora, em nosso modesto entender e tendo em momento anterior apresentado requerimento de adiamento para audiência de julgamento designada para data posterior à publicação da referida lei, impunha-se, atenta a não obtenção de concordância por parte de todos os intervenientes processuais, que tivesse sido considerada sem efeito a aludida audiência de julgamento designada, porquanto tratar-se de julgamento de crime, com as consequências que poderiam acarretar para o arguido, que num processo desta natureza é sempre indispensável à boa decisão da causa a observância do princípio da imediação e a audição do arguido, dando lugar a uma nulidade insanável nos termos do artigo 119º alínea c) do C. Penal.
h)- Da douta sentença recorrida não consta, quer o relatório quer a fundamentação, constando unicamente o seu dispositivo;
i)- Estamos assim perante uma nulidade ao abrigo do disposto no art. 379º n.º1 al. a) do CPPenal;
j)- O arguido tem apenas uma única condenação anterior que se alcança do seu certificado do registo criminal, pese embora a sentença recorrida não o refira expressamente, como devia;
k)- Nesse sentido a pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, aplicada ao recorrente mostra-se desproporcionada e desadequada, a violação pelo princípio da preferência pelo tribunal à quo que optou por pena privativa da liberdade em alternativa a pena não privativa da liberdade ( pena de multa), que realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
l)- A pena de multa deveria ser fixada próxima dos limites mínimos, por força do disposto da disposições combinadas dos artigos 47º n.º1 e 71º ambos do CPenal;
m)- Violando assim as disposições atrás mencionadas;
n)-O recorrente está perfeitamente inserido socialmente, familiar e profissionalmente ;
o)- Pelo que aqui também violou a douta  sentença lei substantiva expressa – artigos 70º e 71º, todos do CPenal;
p)-Finalmente, considerando as circunstâncias atenuantes aludidas e que militam a favor do recorrente, ter apenas uma condenação anterior, estar inserido socialmente, familiar e profissionalmente.
Nestes Termos, e nos mais de Direito aplicáveis, que doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por outro lado, a não proceder a tal arguição, vir a revogar-se a douta sentença recorrida e ser substituída por outra que venha a ser aplicada ao recorrente uma pena de multa próxima dos limites mínimos, fazendo-se, assim a sempre e douta e acostumada Justiça! …”.
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O Exm.º Magistrado do MP[4] respondeu ao recurso a fls. 118, para além do mais, nos seguintes termos:

“… Desde já se adianta não parecer assistir razão ao inconformado arguido.
Quanto à realização da audiência nas circunstâncias de tempo em que se desenrolou, considerando por um lado o quadro legal vigente à data e as pretensões de adiamento formuladas pelo arguido, não se afigura a existência de qualquer irregularidade ou vício que importe a sua censura.
No que concerne à invocada nulidade porquanto ser a sentença omissa no que tange ao relatório e fundamentação, não assistirá de igual sorte razão ao inconformado arguido, uma vez que tal sucedeu oralmente, atenta a natureza abreviada dos autos e aquela da pena aplicada, não implicando uma imediata privação de liberdade – art. 389.º-A do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 391.º-F do mesmo diploma.
Quanto à natureza e medida da pena, pese embora se não repute de excessiva, considerando os antecedentes criminais do arguido, admite-se que possa haver maior amplitude na sua escolha e determinação, não chocando, também, opção por natureza e dosimetria diversas.
Tudo visto e ponderado, ainda assim, mantém-se como segue:
A sentença recorrida é formal e materialmente correta, devendo merecer inteira confirmação, pois não enferma de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, o enquadramento jurídico-penal, considerando os elementos a ter em conta, mostra-se correto bem como, consequentemente, a natureza e medida da pena, culminando na condenação ora em crise.
Do que vem de se dizer e em conclusão,
Não enferma a decisão ora em crise de qualquer um dos vícios invocados pelo arguido.
Destarte, mantendo a decisão impugnada nos seus precisos termos será por V. Exas. feita, como vem sendo hábito, a costumada e desejada Justiça. …”.
***

Neste tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 122/124, com, para além do mais, o seguinte teor:

“... Como resulta documentado nas actas de audiência e julgamento de 74 e 76 e fls 85 e 86, que aqui dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, este acto processual foi gravado e, estando o arguido regularmente notificado para nele comparecer e por se haver perspectivado não ser absolutamente indispensável a sua presença para a descoberta da verdade material desde o início, a audiência em causa prosseguiu na ausência do mesmo arguido ao abrigo do disposto no artigo 333.º, nº 1, do Código de Processo Penal, sendo que se mostra observado o preceituado nos artigos 389.º-A e 391.º ambos do mesmo compêndio legal.
Sublinhe-se que o arguido revela possuir antecedentes criminais por prática de ilícitos criminal da mesma natureza em que foi condenado nos presentes autos, conforme melhor se alcança do teor fls. 46 e 47, resultando deste documento que;
- No âmbito do Proc.º nº 211/19.5SILSB, que correu seus termos no Juízo (J3) Local da Pequena Criminalidade de Lisboa e por factos ocorridos no 23-02-2019, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, na pena um de única de 130 dias de multa, à taxa de diária de € 5,00, perfazendo o total € 650,00, por prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3/01 (na pena parcelar de 80 dias de multa à taxa diária de € 5,00) e ainda de um crime de condução em estado de embriaguez (na pena parcelar de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00).
É consabido que, e conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Por força do disposto no artigo 389.º, “ex vi” do artigo 391.º F, ambos do Código de Processo Penal, a sentença sindicada foi proferida oralmente, contendo, obrigatoriamente, os seguintes aspectos:
a)- A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b)- A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
c)- Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
d)- O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º 2 - O dispositivo é sempre ditado para a acta.
3- A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º
4- É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º
5- Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.”

A respeito da natureza da pena fixada e a sua dosimetria, e na formulação do Acórdão do TRE, datado de 7.01.2016, Proc.º nº 356/15.0GBSSB.E1, o Tribunal “a quo” seguramente ponderou, aquando da aplicação de uma pena prisão curta suspensa na sua execução, ser a mesma adequada e suficiente para a satisfação das finalidade de prevenção geral e especial presentes no caso concreto e só se nenhuma delas o for decidirá pela execução da pena de prisão, devendo então apreciar se é suficiente e adequada na hipótese concreta, alguma das alternativas à execução contínua e intramuros legalmente previstas.
Com efeito, “o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição”.

Explicita, pois, o mencionado Acórdão do TRE, datado de 7.01.2016, Proc.º nº 356/15.0GBSSB.E1, disponível in www.dgsi.pt, que:
I- Apesar de não poder deixar de ter-se em conta a condenação repetida do arguido pelo mesmo tipo de crime, por factos praticados (…) e as necessidades de prevenção especial que lhe estão associadas, não podemos esquecer que a opção do legislador pela substituição regra da pena de prisão igual ou inferior a 1 ano, representa afirmação particularmente incisiva do princípio da prisão como última ratio, pelo que estas penas curtas só em casos contados deverão executar-se, ou seja, na terminologia legal, tal só deve suceder quando a execução da prisão for exigida pela necessidade de evitar o cometimento de futuros crimes, ou seja, por imposição das finalidades de prevenção geral e especial que norteiam a aplicação das pena, conforme estabelece o art. 40.º do Código Penal.
II- Se no caso concreto for evidente para o tribunal de julgamento que não existem razões para afastar a regra da substituição da pena de prisão por pena de substituição em sentido próprio, decidirá qual de entre as penas de substituição cujos pressupostos formais se mostrem preenchidos é mais adequada, sendo certo que o princípio da proporcionalidade, que deve ter-se em conta igualmente no momento da aplicação do direito, imporá que se aplique a pena não privativa da liberdade menos intrusiva.
III- Apesar de os antecedentes criminais do arguido sugerirem necessidades já assinaláveis do ponto de vista da prevenção especial positiva, as penas antes aplicadas e o comportamento do arguido durante o período de execução das mesmas, maxime a ausência da prática de ilícitos da mesma ou de diferente natureza no período de 3 anos que decorreu entre a prática dos factos atinentes à última condenação e os factos ora em apreço, revela que não se mostram ainda esgotadas as possibilidades de reinserção social.
IV- Estando a conduta desviante do arguido umbilicalmente ligada à condução, que cessará com a habilitação legal para conduzir, justifica-se ainda a suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a regime de prova, que incluirá a obrigação de o arguido se inscrever e frequentar escola de condução com vista à sua habilitação legal para conduzir.”
É obrigatória uma tal avaliação crítica na sentença condenatória nos termos do preceituado no artigo 389.º-A, nº 1, alínea d), “ex vi” do disposto no artigo 391.º F, ambos do Código Penal, ao impor-se que, além do mais, a sentença proferida oralmente terá de conter, em caso de condenação, “os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada”, de tal sorte que, ocorrendo a omissão deste procedimento, e seguindo a formulação do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 10.12.2013, disponível in www.dgsi.pt, a decisão fica inquinada de “ (…) de nulidade, por omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal deve apreciar – artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP -, a sentença onde, condenado o arguido numa pena de (…) meses de prisão, o julgador se não pronuncia sobre a (in)aplicabilidade de penas de substituição em sentido impróprio, ou detentivas.”
No caso vertente, e examinada a gravação da douta sentença impugnada proferida oralmente, constata-se que o Tribunal “a quo” avaliou aquando da aplicação da pena de prisão ao arguido se haveria, ou não, de concretizar à sua substituição, por qualquer outra pena não privativa de liberdade, designadamente o regime de permanência na habitação, suspensão com regime de prova ou substituição da prisão por multa, enveredando-se justamente pela suspensão da execução daquela pena de prisão fixada, por se mostrar a mais adequada a satisfazer cabalmente as finalidades que devem presidir à aplicação de uma pena, revelando- se, assim, a prisão suspensa na sua execução como único meio de as alcançar.
3.–O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso (cf. fls 117 e 118), defendendo a sua improcedência e a consequente manutenção da douta sentença recorrida, considerando adequada e proporcional a natureza e medida da pena de prisão aplicada, cuja execução ficou suspensa, considerando os antecedentes criminais do arguido.
Na verdade, e nosso ver, a douta sentença recorrida, proferida oralmente no âmbito de um processo abreviado e examinada a respectiva gravação, mostra-se bem fundamentada, de forma lógica e conforme as regras da experiência comum, sendo fruto de uma adequada e criteriosa apreciação da prova, tendo sido feita correcta qualificação jurídica dos factos dados como provados e, escalpelizando o disposto nos artigos 40.º, 41.º 42.º, 50.º 70.º e 71.º, todos do Código Penal, aplicado pena prisão, cuja execução ficou suspensa, por se mostrar a mais adequada a satisfazer cabalmente as finalidades que devem presidir à aplicação de uma pena, revelando-se, assim, apena de prisão fixada suspensa na sua execução como único meio de as alcançar.
Na sequência do que vem a referir-se, e examinados os fundamentos do recurso interposto e da douta decisão impugnada (gravada), consideramos que o Exmº Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância identificou correctamente o objecto do recurso, rebatendo sucintamente todos os aspectos nele suscitados e argumentando criteriosamente com clareza, rigor e correcção jurídica; o que merece o nosso total acolhimento, dispensando- nos, assim, porque de todo desnecessário e redundante, de aduzir outros considerandos no que ao objecto do recurso em análise diz respeito.
Pelo exposto, e dando por reproduzida a Resposta elaborada pelo Exmº Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente. ...”.
***

É pacífica a jurisprudência do STJ[5] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[6], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:
I– Nulidade por realização do julgamento na ausência do Arg.;
II– Falta de fundamentação da sentença recorrida;
III– Medidas das penas.
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Cumpre decidir.
I– Entende o Recorrente que constitui nulidade a realização do julgamento na sua ausência.
No dia 04/01/2021, foi proferido o despacho que designou para julgamento a data de 04/02/2021.
Enviada, em 05/01/2021, a notificação deste despacho para o Arg., que assim se considera notificado em 13/01/2021, este veio, em 20/01/2021, juntar requerimento com, para além do mais, o seguinte teor (sublinhados nossos):
“... O arguido tem já agendada intervenção cirúrgica, no estrangeiro para o próximo dia 22 de Janeiro, tendo viajado já para o exterior, conforme cópias dos bilhetes de avião que se juntam sob docs. 1, 2 e 3.
A sobredita intervenção prevê um período de repouso e impossibilidade de viajar até ao dia 6 de Fevereiro, conforme declaração emitida pela clinica onde irá ocorrer a aludida cirurgia que se junta sob doc. n.º 4.
Segundo indicações médicas, o arguido não poderá retornar ao nosso país antes de dia 10 de Fevereiro.
Estando o arguido impossibilitado de comparecer na data designada para julgamento, o próximo dia 4 de Fevereiro de 2021, é previsível a sua falta na audiência de julgamento.
Estando impedido, por razões médicas de comparecer e não tendo o arguido consentido na realização da audiência de julgamento na sua ausência, serve o presente para informar da sua falta previsível, requerendo a sua justificação e o adiamento da audiência, para que possa estar presente. ...”.

Este requerimento mereceu o despacho de 27/01/2021, com o seguinte teor:
Indefere-se o requerido adiamento por falta de fundamento legal, o qual também não é alegado, sendo que sempre poderá o arguido, notificado, requerer prestar declarações nos termos do artigo 333º, nº 3, do Código de Processo Penal. ...”.

Ora, o fundamento legal para o adiamento do julgamento, por impossibilidade de comparência do Arg., resulta tanto do direito de este estar presente (art.º 61º/1-a) do CPP), como da obrigatoriedade dessa presença (art.º 333º/1 do CPP), salvo se o Arg., devidamente notificado, faltar injustificadamente ou, estando impossibilitado de comparecer, requerer ou consentir que o julgamento se realize na sua ausência (art.º 334º/2 do CPP).

Se o Arg., atempadamente, dá conhecimento da sua impossibilidade de comparência, salvo se, por qualquer razão, o processo dever correr com especial celeridade ou houver razões para crer que se trata de manobra dilatória, deve ser marcada nova data de julgamento.

Por isso é que, sendo previsível a impossibilidade, dela deve o Arg. dar conhecimento ao tribunal, com cinco dias de antecedência (art.º 117º/2 do CPP).

Para além disso, entre 02/02/2021 e 05/04/2021, esteve em vigor o art.º 6º-B[7] da Lei 1-A/2020, de 19/03[8], que só permitia a realização de diligências em processos não urgentes nos casos “... quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ...”.

Ora, no presente caso, como vimos, o Arg. deu conhecimento expresso ao tribunal de que não consentia a realização do julgamento na sua ausência e requeria o adiamento do mesmo.

Acresce que, tendo a Exm.ª Defensora do Arg. requerido, na data em que teve lugar a primeira audiência, que este prestasse declarações numa segunda data, o tribunal recorrido designou para continuação da audiência a data de 22/01/2021.

Entretanto, o Arg. veio requerer o adiamento dessa continuação, ou a sua audição por videoconferência, por se encontrar legalmente impossibilitado de viajar do Brasil para Portugal.

Tal requerimento mereceu indeferimento em acta, nos seguintes termos:
“... Quando eram 15 horas e 25 minutos, a Mmª Juiz de Direito declarou aberta a audiência de discussão e julgamento.
De seguida, pela Mmª Juiz de Direito, foi proferido despacho, nos termos do qual, atenta a impossibilidade de comparência do arguido:
determinou o prosseguimento da audiência;
indeferiu a requerida prestação de declarações do arguido através de videoconferência, por não estar legalmente previsto relativamente aos arguidos em sede de julgamento;
sendo que sempre implicaria a expedição de rogatória o que sempre retardaria o julgamento, por um período de tempo imprevisível; ...”.

Assim, a realização do julgamento naquelas datas, para além de ter tido lugar fora das condições legais devido à situação de pandemia,  integra a nulidade prevista no art.º 119º/c) do CPP.
Neste sentido, veja-se o acórdão da RE de 22/11/2018[9], com o seguinte sumário:
I– Ocorre uma compressão ou limitação desproporcionada do núcleo essencial dos direitos de audição, de defesa e de contraditório, garantidos no artigo 32º, n.ºs 1, 2, 5, e 6 da Constituição e no artigo 11º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, se o tribunal recusa a designação de nova data para audição do arguido em sede de julgamento, após ter considerado justificada a falta deste na 2.ª data designada para a realização do julgamento, a que este devia comparecer para ser ouvido.
II– Assim, ao indeferir-se a pretensão do arguido de ser ouvido em data posterior à agendada, por aquele estar impossibilitado de a esta comparecer, foi cometida a nulidade insanável prevista na al. c) do artigo 119.º do CPP.

A consequência é a prevista no art.º 122º/1 do CPP, ou seja, a invalidade do acto praticado bem como dos que dele dependerem.
Assim sendo, impõe-se declarar a nulidade do julgamento e dos actos subsequentes.

É, pois, procedente nesta parte o recurso.

Esta procedência prejudica o conhecimento das restantes questões suscitadas.
*****

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, declaramos nulo o julgamento e todos os actos subsequentes, devendo os mesmos ser repetidos.
Sem custas.
*
Notifique.
D.N..
*****


Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).
*****

Lisboa,20/05/2021

João Abrunhosa
Cristina Pego Branco


______________________________________________________
[1]Arguido/a/s.
[2]Termo/s de Identidade e Residência.
[3]Prestado em 26/10/2020.
[4]Ministério Público.
[5]Supremo Tribunal de Justiça.
[6]Nesse sentido, ver Vinício Ribeiro, in “CPP – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2011, pág. 1292.
Ver também a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que com a devida vénia, reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[7]Com o seguinte teor, na parte que interessa (sublinhados nossos):
Artigo 6.º-B Prazos e diligências
1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão....”.
[8]Este art.º foi, entretanto, revogado pelo art.º 6º da Lei 13-B/2021, de 05/04.
[9]Relatado por Laura Maurício, no proc. 148/17.2GBABT.E1, in www.dgsi.pt.