Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2595/16.8T8PDL.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: PEDIDO DE ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
PRAZOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Aos processos da competência do conservador, referentes ao pedido de alimentos a filhos maiores, é aplicável o art. 228 CRgC, ou seja, a regra da continuidade dos prazos, sem qualquer suspensão durante as férias judiciais.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


M... intentou, junto da Conservatória do Registo Civil de Ponta Delgada, acção de prestação de alimentos a filha maior contra V..., relativamente à filha de ambos, I..., pedindo a condenação do requerido a pagar uma pensão de alimentos à filha no valor de € 300,00.

O requerido foi citado em pessoa diversa tendo sido proferido, pela Sra. Conservadora, em 5/7/2106, o seguinte despacho:
“Por a citação se mostrar efectuada em pessoa diversa do citando, nos termos do art. 241 CPC, envie-se ao citado carta registada a comunicar-lhe que o acto de citação se considera realizado, em 1/7/2017, por carta registada recebida por João Sousa, pessoa em que a citação foi realizada e que, nos termos do disposto no art. 7 do DL 272/2001 de 13/10, fica citado para o processo de alimentos a maiores que deu entrada nesta Conservatória e de que dispõe de um prazo de 15 dias para apresentar oposição, indicar provas e juntar prova documental, sob pena de se considerarem confessados os factos indicados pelo requerente e ser declarada a procedência do pedido” – fls. 57.

Em 2/8/2016, o requerido juntou oposição requerendo a revogação do pedido de apoio judiciário concedido à requerente por falsas declarações, a sua notificação para constituir advogado no processo, o arquivamento do processo porquanto a filha do casal tem legitimidade e capacidade judiciária para estar em juízo, a improcedência do pedido, e que a filha, já maior, instaurou processo de alimentos contra si, nesta mesma Conservatória – fls. 58 a 60.

Em 2/8/2016 foi proferida decisão pela Sra. Conservadora que, considerando a oposição extemporânea, considerou confessados os factos alegados e condenou o requerido “a entregar, mensalmente, à requerente, uma prestação no valor de € 300,00, enquanto esta assumir a título principal as despesas de sustento e educação da filha maior, Inês A...M...F..., e enquanto esta dela necessitar” – fls. 61.

“O requerido foi notificado da decisão, em 5/8/2016, para a morada do seu Exmo. Mandatário, tendo o aviso de recepção sido assinado, em 8/8/2016” – fls. 73 a 75.

Em 27/9/2016, interpôs o requerido recurso para o tribunal da comarca – fls. 62 e sgs.

Em 4/11/2016, o Sr. Juiz proferiu a seguinte decisão:
“Aos processos previstos no DL 272/2001, de 13 de Outubro, bem como a todos os outros que se acham regulamentados no Código do Registo Civil só se aplicam as normas do Código de Processo Civil nos casos não especialmente regulados, conforme prevê o artigo 231 CPC, ou quando a própria lei do registo civil remete para a lei processual civil, como sucede quanto às citações e notificações - art. 225 CRC.
Nos procedimentos perante o conservador do registo civil, introduzidos pelo referido DL 272/2001, de 13 de Outubro, não obstante a lei fixar como prazo para a interposição dos recursos o previsto no art. 638 CPC, a contagem desse prazo deve ser feita segundo as regras dos processos que tramitam no registo civil.

Nesta matéria rege o artigo 228 CRgC, que dispõe o seguinte: “Os processos previstos neste Código e respectivos prazos correm durante as férias judiciais, sábados, domingos e dias de feriado”.
Assim, porque apenas com a admissão do recurso previsto no artigo 10º do DL 272/2001, de 13 de Outubro, o processo assume natureza jurisdicional, e dado que a remissão feita no nº 2, do artigo 10, é feita apenas para o prazo e não para as regras de contagem dos prazos, ínsitas nos artigos 137 e 138 do CPC, a contagem do prazo de recurso previsto no art. 10 do DL 272/2001, de 13 de Outubro, deve ser efectuada segundo as regras próprias das Conservatórias do Registo Civil e não com observância do disposto no art. 138 do CPC.
Assim, dado que o requerido foi notificado da decisão da Conservadora do Registo Civil 8-08-2016, o prazo de 30 dias terminou a 8-09-2016, sendo por isso intempestivo o recurso interposto a 27-09-2016, em razão do que não se admite o mesmo”.

Inconformado o requerido apelou e apresentou as seguintes conclusões:
1-A sentença ora em recurso decidiu julgar extemporâneo o recurso apresentado pelo recorrente relativamente à decisão proferida pela Exma. Sra. Conservadora do Registo Civil de Ponta Delgada, condenando o recorrente em alimentos devidos a maior, defendendo a contagem dos prazos atinentes aos processos previstos no DL 272/2001, resulta do artigo 228 CPC (prazos contínuos);
2-Nas alegações de recurso (rejeitado) o recorrente invocou a nulidade da totalidade do processado pela Conservatória do Registo Civil de Ponta Delgada, nulidade insanável emergente da falta de citação. Com efeito,
3-Essa Conservatória como válida a citação do recorrente efectuada em pessoa diversa;
4-A citação em pessoa diversa do citando, nos termos do preceituado no artigo 225/4 CPC, é válida nos "casos expressamente previstos na lei" e, estes casos são residuais;
5-A citação exigida pela natureza dos presentes autos não admite citação em pessoa alheia cabendo no caso concreto - logo que constatado que a citação ocorreu em pessoa diversa - ter sido diligenciada a citação do requerido nos termos dos artigos 226, 227 e 231 CPC.
6-Destarte, aquela decisão administrativa enferma de nulidade insanável.
7-Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 196 e 198/2 parte inicial CPC, o tribunal conhece oficiosamente, ou a reclamação dos interessados, da nulidade reportada à falta de citação, nulidade que podem ser arguidas em qualquer estado do processo.
8-Assim não se entendendo, o que não se espera, certifica o documento junto com o n.º 1, nas alegações do recurso rejeitado, que o requerido procedeu ao levantamento da citação em 22 de Julho, tendo deduzido oposição em 2 de Agosto de 2016;
9-Deveria, por isso, essa oposição ser considerada oportuna e os autos remetidos, nos termos do disposto no artigo 8 DL 272/2001, para a Instância Central - Secção de Família e Menores de Ponta Delgada;
10-Assim se advogando, igualmente, a nulidade da decisão recorrida na parte em que, para além de ter classificado a oposição inoportuna não remeteu o processo para as vias judiciais, em violação do preceituado no citado artigo 8 DL 272/2001, de 23 de Outubro, omissão que também ela dita a nulidade de todo o processo da Conservatória do Registo Civil de Ponta Delgada,
11-Nulidade que o tribunal recorrido deveria conhecer, por poder ser arguida em qualquer estado do processo (art.198/2 parte inicial, do C. P. Civil) pelo que,
12-Assim não tendo sido determinado, deverá a decisão recorrida ser revogada, por manifesto erro na interpretação da matéria de direito ao caso aplicável, in casu, as disposições conjugadas dos artigos 187 a), 188/1 a) e e), 191, 196 e 198/2, parte inicial, CPC.
Termos em que, atentas as disposições legais citadas (e violadas) deverá a sentença ora em recurso ser revogada e, por essa via, ser ordenada a normal prossecução dos autos.

Não houve contra-alegações.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir.

Vejamos então.  

Os factos com interesse constam do relatado supra.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se o recurso é ou não extemporâneo e se há lugar à nulidade do processado pela Conservatória do Registo Civil – falta de citação, oposição atempada e não remessa do processo para o tribunal (art. 8 DL 272/2001 de 13/10).
           
a)Extemporaneidade ou não do recurso interposto.       
                       
Defende o apelante a tempestividade do recurso interposto do despacho da Sra. Conservadora do Registo Civil para o Tribunal da comarca, sustentando que à contagem dos prazos aplicam-se as normas do CPC (art. 138 – suspensão dos prazos durante as férias judiciais) e não o art. 228 CRgC (prazo contínuo, sem qualquer suspensão).

O DL 272/2001 de 13/10, procedeu à transferência não só de competência para as Conservatórias do Registo Civil de um conjunto de matérias respeitantes a processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, como também à transferência da competência decisória para o MP em processos referentes à tutela de interesses de incapazes e ausentes, até aí da competência dos tribunais judiciais, com vista a um procedimento mais célere, simples, vantajoso e menos oneroso para as partes.

Os procedimentos elencados no art. 5 do DL 272/2001, constando da sua alínea a) os pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados, comportam duas fases distintas, a saber: uma materialmente administrativa (tramitação junto da Conservatória) e outra formalmente judicial.

Apresentado o pedido, com a indicação das provas, procede-se à citação do requerido para deduzir oposição e indicar prova; em caso de não dedução de oposição e puderem considerar-se confessados os factos o Sr. Conservador declara a procedência do pedido; caso contrário, em que seja deduzida oposição, há lugar a uma tentativa de conciliação – cfr. art. 7 DL citado (fase administrativa).

Se não houver lugar a acordo, o processo é remetido ao tribunal, seguindo a tramitação art. 1412 e sgs. CPC (fase judicial).

Assim, à tramitação do processo na Conservatória devem ser aplicadas as regras do CRgC, nomeadamente o art. 228 que estabelece: “Os processos previstos neste código e respectivos prazos correm durante as férias judiciais, sábados, domingos e dias feriado”.

Tal resulta também do preceituado no art. 10/2 do DL citado ao deferir o prazo do recurso das decisões do Conservador para o   art. 685 CPC (30 dias). Ressalve-se que esta remissão é efectuada para o prazo e não para a sua contagem.

Daqui se extrai, que o legislador não relegou, em matéria de prazos, a aplicação subsidiária do CPC, fez opções e presumindo-se que o legislador consagrou as decisões mais acertadas e soube exprimir-se em termos adequados (art. 9/3 CC), concluiu-se que aos processos da competência do Conservador é aplicável o art. 228 CRgC, ou seja, a regra da continuidade dos prazos sem qualquer suspensão durante as férias judiciais – cfr. Ac. STJ de 31/5/2011, relator Gregório Jesus, in www.dgsi.pt.

In casu, o apelante foi notificado da decisão da Sra. Conservadora, em 8/8/2016 dispondo, a partir desta data, de 30 dias para interpor recurso para o tribunal de comarca, cujo terminus teria lugar, em 7/9/2016.

Ora, tendo o recurso sido interposto, em 27/9/2016, está bem de ver que é extemporâneo, soçobrando a pretensão do apelante.

Atenta a extemporaneidade do recurso prejudicada fica a apreciação das demais questões.

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão.
Custas pelo apelante.

  

Lisboa, 23/3/2017


         
Carla Mendes
António Ferreira de Almeida
Catarina Arêlo Manso
Decisão Texto Integral: