Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6863/17.3T8SNT.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RENUNCIA A CRÉDITOS LABORAIS
CÓDIGO DO TRABALHO DA REPÚBLICS DO CONGO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: Do confronto das normas do Código do Trabalho e do Código Civil da República do Gongo aplicáveis é legítimo concluir que os contratos regulados por cláusulas que disponham contra o estipulado no Código do Trabalho, como o dos autos, à luz do artigo 1134º do Código Civil, não podem ser considerados “validamente celebrados”.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

           
Relatório:


Com o patrocínio do Ministério Público, veio AAA, residente na (…), intentar acção declarativa sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra:
-BBB S.A., com sede na Avenida (…); e
- CCC S.A. ou CCI S.A., com sede em (…), Congo.

Pediu que a acção seja julgada procedente e condenadas as Rés a pagar-lhe as seguintes quantias:
I 3.573,00 euros da retribuição mensal de Março de 2016 (2.750,00 euros) e dos 9 dias de trabalho do mês de Abril de 2016 (+825 euros);
II 3.300,00 euros a título de subsídio de Natal relativo a todo o período em que este trabalhou (1 ano 2 meses e 13 dias, desde 21-1-2015 até 9-4-2016);
III 3.300,00 euros do subsídio de férias referente ao mesmo período de 1 ano 2 meses e 13 dias;
IV 3.300,00 euros a título de retribuição de férias referente ao mesmo período;
V Juros vencidos e vincendos sobre as quantias em dívida até integral pagamento.

Invocou para tanto, em resumo, que:
No dia 26 de Janeiro de 2015 acordou com a 1ª Ré, através do seu administrador, começar a trabalhar sob as ordens, fiscalização e direcção da mesma, como Director de Serviços Financeiros, mas por ordem daquela foi prestar trabalho na República do Congo para a 2ª Ré;
Ambas as sociedades tinham o mesmo administrador e funcionavam relativamente ao Autor como uma entidade plural, tendo este desempenhado as suas funções para ambas as Rés;
O contrato de trabalho cessou no dia 9 de Abril de 2016, data em que o Autor rescindiu o mesmo; e
Até à data nenhuma das Rés procedeu ao pagamento ao Autor da retribuição de Março de 2016, dos 9 dias de Abril de 2016, nem pagaram o subsídio de Natal, retribuição de férias e subsídio de férias relativos ao período em que o Autor trabalhou para as Rés, o que peticiona.

Teve lugar a audiência de partes não tendo sido obtida a sua conciliação.

A Ré BBB, S.A. contestou defendendo-se por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou ser parte ilegítima dado nunca ter celebrado com o Autor qualquer contrato de trabalho, ou com ele ter mantido qualquer vínculo laboral e, por impugnação, que o Autor celebrou o contrato de trabalho com a 2ª Ré, que as duas Rés são pessoas jurídicas distintas e entre elas não existe qualquer relação de grupo ou de domínio, sendo a 1ª Ré uma mera prestadora de serviços da 2ª Ré, que desconhece em que condições o Autor laborou para a 2ª Ré, que nada deve ao Autor a título de créditos laborais e que o Autor alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, tendo, assim, litigado com má fé.

Pediu, a final, que seja declarada a sua ilegitimidade passiva para a acção, que seja absolvida do pedido e condenado o Autor como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a 2.000,00 euros.

Também a Ré CCC S.A. contestou por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou a incompetência internacional do tribunal português para conhecer do litígio e, por impugnação, alegou, em síntese, que celebrou com o Autor um contrato de trabalho a termo, mediante o qual este se obrigou a exercer as funções inerentes à categoria de técnico de recursos humanos, tendo estado ao seu serviço desde 26 de Janeiro de 2015 a 9 de Abril de 2016, data em que, entre as partes, foi celebrado um acordo que titularam de “Protocolo do Acordo de Resolução Antecipada do Contrato de Trabalho”, mediante o qual, por mútuo acordo, puseram termo ao contrato de trabalho, ao abrigo da legislação congolesa e nos termos do qual o Autor declarou que renunciava irrevogavelmente a reclamar o que quer que fosse, seja indemnização, sejam créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, pelo que não pode o Autor reclamar da 2ª Ré as quantias que, agora, peticiona.

Acrescentou que a retribuição do mês de Março foi paga no dia 4.4.2016, que, face à lei do trabalho congolesa, o Autor não tinha direito ao subsídio de Natal e que o Autor litiga com má fé.

Concluiu pedindo que seja julgada procedente a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses e, se assim não for entendido, que a acção seja julgada improcedente com a sua absolvição do pedido e condenado o Autor a pagar à Ré, como litigante de má fé, multa e indemnização em valor não inferior a 2.000,00 euros.

O Autor respondeu que tem residência em Portugal e uma das Rés está sediada neste país, pelo que o tribunal português goza de competência internacional para apreciar o litígio, que o pagamento efectuado pela Ré em 4.4.2016, reporta-se à retribuição do mês de Fevereiro desse ano e não ao mês de Março, que é verdade que, no dia 17.3.2016, assinou o acordo de rescisão do contrato de trabalho e no mesmo dia assinou um outro contrato de trabalho com a sociedade (…), que pertence ao mesmo grupo das Rés, que se iniciaria no dia 10 de Abril de 2016 e no âmbito do qual esta sociedade assumia todos os direitos e deveres decorrentes do contrato de trabalho celebrado anteriormente com a (…)Congo, sendo que este contrato não foi cumprido pois aquela sociedade não o chamou para reiniciar a actividade e que, na data em que assinou o dito acordo, os créditos que agora reclama ainda não estavam vencidos.

Concluiu pugnando pela improcedência das excepções e do pedido de condenação como litigante de má fé.

Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador no âmbito do qual foram julgadas improcedentes as excepções da incompetência internacional e da ilegitimidade passiva da 1ª Ré, bem como foi dispensada a fixação dos temas da prova.

Por determinação do Tribunal foi a  2ª Ré notificada para juntar aos autos a legislação laboral congolesa que rege a matéria de pagamento de retribuições, férias e subsídios de férias e de Natal, o que aquela cumpriu juntando aos autos o Código do Trabalho e Convenção Colectiva da República do Congo, na língua francesa e sem que tivesse juntado a respectiva tradução para a língua portuguesa, o que também não foi ordenado pelo Tribunal a quo.
Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo, após o que foi proferido despacho que fixou  a matéria de facto provada e não provada.

Foi elaborada a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés dos pedidos contra elas formulados, bem como absolveu o Autor do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformado, o Autor recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“1 A Mm.ª Juiz deu como provado, sob o ponto 10 dos factos provados, que “ O autor e a ré … celebraram em 9.4.2016 o acordo que denominaram de Protocolo do Acordo de resolução Antecipada do Contrato de Trabalho junto a fls.99 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, nos termos do qual declararam que a resolução do contrato de trabalho produz efeitos em 9.4.2016”;
2 Sob o ponto 11 a Mm.ª Juiz deu como provado que “ Mais consta do referido contrato que ao assinar o acordo, o trabalhador irrevogavelmente:
- renuncia ao direito de contestar os elementos da sua declaração final, e em geral, renuncia a quaisquer outras pretensões e indemnizações de qualquer natureza, directa ou indirectamente relacionadas com o seu contrato de trabalho;
- renuncia ao exercício de qualquer reclamação contra a entidade empregadora, no que diz respeito à execução e termo do contrato de trabalho, seja através de uma acção judicial, ou qualquer outra via legal;
-desiste definitiva e irrevogavelmente de todos e quaisquer direitos, instâncias ou acções instauradas ou a instaurar cujo objecto seja a celebração, a execução ou a resolução do contrato de trabalho.”;
3 Sob o ponto 12 a Mm.ª Juiz deu como provado que “Consta ainda que o referido acordo vale como decisão transitada em julgado, não permitindo ao trabalhador recorrer do mesmo por qualquer via judicial.”;
4- Sob o ponto 15 dos factos dados como provados a Mm.ª Juiz escreveu: O Protocolo do Acordo de resolução Antecipada do Contrato de Trabalho junto a fls. 99 foi assinado em 17.3.2016.”;
5 Não pode o recorrente concordar com a Mm.ª Juiz que, tendo considerado ser aplicável à situação em apreço, a legislação laboral do Congo, atribuiu validade ao acordo celebrado entre o Autor e a 2ª ré com efeitos a 9.4.2016, assinado em 17.3.2017;
6 Escreve a mm.ª Juiz na sentença: “ Sucede que, em 17.3.2016, o autor e a ré CCI puseram termo ao contrato de trabalho do autor, por acordo, com efeitos a 9.4.2016.
Nesse acordo, o autor renunciou e desistiu de quaisquer direitos referentes à execução do seu contrato de trabalho, nos termos melhor descriminados no facto provado sob o n.º 11.
Ora tendo o autor efectuado tal renúncia, não pode o mesmo vir agora, em oposição à renúncia apresentada, peticionar créditos aos quais renunciou.
De referir que na legislação aplicável, que é a lei laboral vigente na república do Congo, não se descortina a existência de qualquer limitação à possibilidade de tal renúncia vir a ser efectuada.
Por outro lado, embora seja verdade que o autor renunciou a alguns créditos que ainda não estavam vencidos em 17.3.2016, data da assinatura do acordo, como sejam a da retribuição de março e de 1 a 9 de Abril, a verdade é que não se conhece na lei congolesa norma que impeça que seja efectuada essa renúncia antecipada.(…)”

7 No panorama nacional, tem sido unanimemente entendido, quer pela jurisprudência, quer pela doutrina que, durante a pendência de contrato de trabalho, o trabalhador não pode renunciar aos seus créditos laborais;
8 O mesmo sucede no âmbito da legislação laboral congolesa, existindo na mesma mesmo norma expressa que não deixa margem para dúvidas;
9 Nos termos do art.90. Parágrafos quarto e quinto, da secção I “ Du mode de paiement du salaire, do Cap. 2 “ Du paiement du salaire” (fls.128 dos autos):
“Ne sera pas opposable ao travailleur la mention “pour solde de tout compte” ou toute mention equivalente souscrite par lui, soit ao cours de l´éxecution, soit aprés la résiliation de son contrat de travail e par laquelle le travailleur renonce à tout ou partie des droits qu´il tient de son contrat de travail.
L´acceptation sans protestation ni réserve, par lhe travailleur d´un bulletin individual de paie ne peut valoir renuntiation de sa part au paiement de tout ou partie du salaire, de primes et des indemnités de toute nature qui lui sont dues en vertu des dispositions legislatives, réglementaires ou contratuelles. Elles ne peuvent valor non plus compte arrêté ou réglé aus sens du code civil e du code de procédure civile”.
10 Existe na legislação laboral do Congo norma expressa e clara no sentido de que não é susceptível de ter qualquer validade o documento por via do qual um trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho e mesmo após a sua cessação, renuncie aos créditos laborais, nomeadamente salários, prémios ou indemnizações de qualquer natureza;
11 Não poderia a Mmª Juiz ter absolvido a CCI S.A., do pedido de pagamento de créditos devidos ao recorrente com base no documento assinado pelo mesmo em 17 de Março de 2016, durante a vigência do contrato de trabalho, o denominado “Acordo de resolução Antecipada do Contrato de Trabalho”;
12 A decisão recorrida violou o disposto no art.º90. Parágrafos quarto e quinto, da secção I “ Du mode de paiement du salaire”, do Cap.2 “ Du paiement du salaire” (fls.128 dos autos).
13 Deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que condene a ré CCI SAL no pagamento ao recorrente dos créditos peticionados pelo mesmo.
Vossas Excelências farão, contudo, como for de justiça.”

A Ré CCI S.A. contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
“A Com o devido respeito, bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ao julgar improcedente a acção intentada pelo autor e consequentemente absolver as Rés dos pedidos.
B E como tal bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, ao ter absolvido a ré CCI, S.A, do pagamento dos créditos peticionados pelo auto ao recorrente com base no documento de fls. 99 dos autos, denominado de “Acordo de resolução Antecipada do Contrato de Trabalho”.
C A douta sentença recorrida, já que interpretou e aplicou o direito aplicável ao caso sub judice de acordo com a matéria de facto julgada provada, não se encontrando violada qualquer disposição legal e muito menos as invocadas pelo Apelante, pelo que concordando-se com a douta fundamentação de facto e de direito constante da decisão recorrida que aqui por integralmente reproduzida.
D Com efeito, como bem refere a douta sentença recorrida, o contrato de trabalho celebrado entre A e R, CCI cessou em 17.3.2016, por acordo, com efeitos a 9.4.2016, tendo o autor renunciou e desistido de quaisquer direitos referentes à execução do seu contrato de trabalho (fls. )
E Ao acordo celebrado entre a Ré CCI, é aplicável a legislação congolesa.
F E nessa legislação, existe norma que permite a renúncia a créditos determinados e com vencimento a curto prazo após a declaração da renúncia, nomeadamente o artigo 1134º do Código Civil Congolês ao abrigo do qual foi celebrado o acordo de resolução antecipada do contrato.
G E como tal não pode o A, fazer uso do art.90º do Code du Travail (fls.128 dos autos), nem tão pouco da forma isolada e com a interpretação que lhe deu, para tentar contrariar a decisão da Meritíssima Juiz, que atribuiu e bem, validade ao referido acordo.
H Com efeito, o artigo 90º do Code du Travail, refere-se a expressões/menções apostas no recibo de vencimento “bulletin de paie”, e o autor não assinou, nem de longe, nem de perto um recibo de vencimento onde tivesse feito/aposto uma qualquer menção.
I Estamos perante um acordo de resolução antecipada do contrato de trabalho, que reflecte a real vontade das partes e celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual, ínsito naquele artigo 1134º do Código Civil Congolês, facultando as partes o direito transaccionarem, nos moldes que o Autor e Ré CCI S.A, o fizeram no protocolo de resolução antecipada do contrato de trabalho.
J Pelo que é o mesmo válido e eficaz, e consequentemente válida e eficaz é também a renuncia do autor a peticionar créditos aos quais também renunciou.
K Tal como é bem vincado, na douta sentença, o autor à data da assinatura do acordo, e decidiu renunciar aos direitos que possuía, sabia perfeitamente que os mesmos se venceriam dentro de pouco tempo, visto se tratar de normais créditos salariais de que todos os trabalhadores têm conhecimento e o autor ainda mais devido ao facto de exercer as funções de técnico de recursos humanos.
L Por isso, bem andou a Meritíssima Juiz ao ter atribuído validade ao Acordo de resolução Antecipada do Contrato de Trabalho” e absolvido a Ré CCI, S.A, do pagamento dos créditos peticionados pelo autor.”
Finaliza pedindo que o recurso seja julgado improcedente e, consequentemente, mantida a decisão recorrida.

O recurso foi admitido na espécie, modo de subida e efeito adequados.

Foram colhidos os vistos.

Após despacho da relatora, a 2ª Ré juntou aos autos  a tradução, na língua portuguesa, dos artigos 80º a 102º do Código do Trabalho da República do Gongo, bem como dos artigos 1131º a 1139º do Código Civil do mesmo país.

Cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso.

Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no caso, há que apreciar as seguintes questões:
Se o Tribunal  a quo errou o julgamento ao considerar válida a renúncia antecipada aos créditos laborais efectuada pelo Autor no Acordo de Resolução Antecipada do Contrato de Trabalho, assinado em 17.3.2016, com efeitos a 9.4.2016.
Em caso de resposta afirmativa à 1ª questão, se são devidos ao Autor os créditos laborais que peticiona.

Fundamentação de facto.

A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1. Com data de 26.1.2015, o autor e a ré CCI celebraram o contrato de trabalho junto a fls.6 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos termos do qual o autor se obrigou a exercer por conta e sob a autoridade da ré CCI as funções inerentes à categoria profissional de técnico de recursos humanos, nas várias cidades do território da República do Congo, mediante o pagamento mensal da quantia de € 2 200.
2. Foi estipulado  que o autor teria direito a 26 dias de férias por cada ano de prestação de trabalho, direito adquirido após a prestação de 12 meses de trabalho efectivo.
3. Foi ainda estipulado que ao contrato seria exclusivamente aplicável a legislação laboral vigente na República do Congo.
4. (…) é presidente do Conselho de Administração da BBB, S.A. e é administrador geral da CCI, S.A.
5. A Ré “BBB, S.A.”é uma sociedade comercial anónima.
6. A mesma foi constituída em 24.5.2007, com  a denominação de BBB, Lda, tendo como objeto social construções, compra e venda de propriedades, gabinete de projectos de engenharia.
7. Tem sede na (…), no distrito de Braga.
8. A referida sociedade foi transformada em sociedade anónima em  27.7.2010, passando a designar-se BBB, S.A.
9. O capital social da ré BBB S.A. tem o valor de 660.000,00 Euros, sendo que, à data da constituição, (…) era titular de uma quota no valor de 285.000,00 Euros e (…) de uma quota no valor de 15.000,00Euros.
10. O autor e a ré CCI celebraram em  9.4.2016 o acordo que denominaram de Protocolo do Acordo de Resolução Antecipada do Contrato de trabalho junto a fls. 99 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, nos termos do qual declararam que a resolução do contrato produz efeitos em 9.4.2016.

11. Mais consta do referido contrato que ao assinar o acordo, o trabalhador irrevogavelmente:
- renuncia ao direito de contestar os elementos da sua declaração final, e em geral, renuncia a quaisquer outras pretensões e indemnizações de qualquer natureza, direta ou indirectamente relacionadas com o seu contrato de trabalho;
- renuncia ao exercício de qualquer reclamação contra a entidade empregadora, no que diz respeito  à execução e termo do contrato de trabalho, seja através de uma acção judicial ou por qualquer outra via legal.
- desiste definitiva e irrevogavelmente de todos e quaisquer direitos, instâncias ou acções instauradas ou a instaurar cujo objecto seja a celebração, a execução ou a resolução do contrato de trabalho.

12. Consta ainda que o referido acordo vale como transacção definitiva e vale como decisão transitada em julgado, não permitindo ao trabalhador recorrer do mesmo por qualquer via judicial.
13. As rés são parceiras comerciais e a ré BBB presta serviços à CCI.
14. A ré CCI pagou ao autor, em 4.4.2016, por transferência bancária, a quantia de € 2.597,65.
15. O Protocolo do Acordo de Resolução Antecipada do Contrato de Trabalho, junto a fls.99 foi assinado em 17.3.2016.   
Fundamentação de direito
Apreciemos, então, a primeira questão suscitada no recurso e que consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao considerar válida a renúncia antecipada aos créditos laborais efectuada pelo Autor no Acordo de Resolução Antecipada do Contrato de Trabalho, assinado em 17.3.2016, com efeitos a 9.4.2016.
Após considerar que a designação da legislação laboral vigente na República do Congo como lei reguladora das relações jurídicas emergentes do contrato de trabalho em causa é admissível nos termos do artigo 41º do Código Civil, que é essa a lei aplicável ao caso e após concluir que, tendo o contrato de trabalho sido celebrado entre o Autor e a CCI, a Ré BBB, S.A. devia ser absolvida do pedido, segmentos da sentença recorrida que não foram postos em causa e que, por isso, transitaram em julgado, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“ Sucede que, em 17.3.2016, o autor e a ré CCI puseram termo ao contrato de trabalho do autor, por acordo, com efeitos a 9.4.2016.
Nesse acordo, o autor renunciou e desistiu  de quaisquer direitos referentes à execução do seu contrato de trabalho, nos termos melhor descriminados no facto provado sob o nº 11.
Ora, tendo o autor efectuado tal renúncia, não pode o mesmo vir, agora, em oposição à renúncia apresentada, peticionar créditos aos quais renunciou.
De referir que na legislação aplicável, que é a lei laboral vigente na República do Congo, não se descortina a existência de qualquer limitação à possibilidade de tal renúncia vir a ser efectuada.
Por outro lado, embora seja verdade que o autor renunciou a alguns créditos que ainda não estavam vencidos em 17.3.2016, data da assinatura do acordo, como sejam  a retribuição de março e de 1 a 9 de abril, a verdade é que não se conhece na lei congolesa norma que impeça que seja efectuada essa renúncia antecipada.
E repare-se que não se está a falar de uma “renúncia às cegas” referente a direitos eventuais a constituir no futuro ou a qualquer direito que possa vir a ter sobre a empregadora, independentemente da sua natureza.
O que está em causa são direitos que o autor, à data da renúncia, sabia perfeitamente que possuía e que se venceriam dentro de pouco tempo, visto que entre  a data da assinatura do contrato (17 de março e a cessação do mesmo (9 de abril) mediaram apenas 24 dias. Ou seja, o autor tinha que ter conhecimento que tais créditos lhe deveriam ser pagos até 9.4.2016, visto se tratar de normais créditos salariais de que todos os trabalhadores têm conhecimento e o autor ainda mais devido ao facto de exercer as funções de técnico de recursos humanos. Se optou por renunciar antecipadamente a tais créditos é facto que só a si pode ser imputado, sendo certo que nenhum facto se provou que permita concluir que a sua vontade estava inquinada por erro ou por qualquer outro vício da vontade.
De salientar novamente que a legislação aplicável não é a portuguesa, mas sim a congolesa, e que se desconhece que na mesma exista norma que proíba a renúncia antecipada referente a créditos perfeitamente determinados e com vencimento a curto prazo após a declaração da renúncia.
Consequentemente, resta concluir que o autor não pode exigir da ré CCI os créditos aos quais renunciou, pelo que a acção tem que ser julgada improcedente quanto à mesma.”

Discorda o Recorrente invocando, em resumo, que existe na legislação laboral do Congo norma expressa e clara no sentido de que não é susceptível de ter qualquer validade o documento por via do qual um trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho e mesmo após a sua cessação, renuncie aos créditos laborais, nomeadamente salários, prémios ou indemnizações de qualquer natureza- artigo 90 parágrafos quarto e quinto, da secção I “ Du mode de paiement du salaire”, Cap.2 “ Du paiement du salaire ( fls.128 dos autos), pelo que a Mmª Juiz violou tal disposição ao absolver a CCI S.A., do pedido de pagamento de créditos devidos ao recorrente com base no documento assinado pelo mesmo em 17 de Março de 2016, durante a vigência do contrato de trabalho, o denominado “Acordo de resolução Antecipada do Contrato de Trabalho.

Contrapõe o Recorrido que, na legislação congolesa, existe norma que permite a renúncia a créditos determinados e com vencimento a curto prazo após a declaração da renúncia, nomeadamente o artigo 1134º do Código Civil Congolês, ao abrigo do qual foi celebrado o acordo de resolução antecipada do contrato e como tal não pode o Autor fazer uso do art.90º do Code du Travail (fls.128 dos autos), nem tão pouco da forma isolada e com a interpretação que lhe deu, para tentar contrariar a decisão da Meritíssima Juiz que atribuiu e bem, validade ao referido acordo, sendo certo que o artigo 90º do Code du Travail, refere-se a expressões/menções apostas no recibo de vencimento “bulletin de paie”, e o autor não assinou, nem de longe, nem de perto um recibo de vencimento onde tivesse feito/aposto uma qualquer menção.

Vejamos:
Assente que está a aplicabilidade ao caso da lei congolesa, que a renúncia aos créditos laborais ocorreu ainda durante a vigência do contrato e sendo sabido que no nosso ordenamento jurídico é pacífico que durante a vigência do contrato de trabalho o trabalhador não pode renunciar aos seus créditos laborais, indisponibilidade dos créditos que apenas se impõe durante a vigência do contrato de trabalho (a título de exemplo vide, entre outros, os Acórdãos do STJ de 18.06.2003, 31-10-2007 e de 10-12-2009, do Tribunal da Relação do Porto de 05.12.2010 e de 4.7.2011, todos in www.dgsi)  importa, então, apurar se o invocado artigo 90º do Code do Travail da República Congolesa proíbe a renúncia aos créditos laborais.

O artigo 90º do “Code du Travail” está inserido no “Chapitre 2- Du paiement du salaire” , Section 1 – “Du mode de paiement du salaire” e os respectivos parágrafos quarto e quinto têm a seguinte redacção:
“ Ne sera pas opposable au travailleur la mention «pour solde de tout compte» ou toute mention équivalente souscrite par lui, soit ao cours de l´éxecution, soit aprés la resiliation de son contrat de travail et par laquelle le travailleur renone à tout ou partie des droits qu´il tient  de son contrat de travail.”
“ L´acceptation sans protestation ni resérve, par le travailleur d´un bulletin individual de paie ne peut valor renunciation de sa part au paiement de tout ou partie du salaire, des primes et des indemnités de toute nature que lui sont dues en vertu des disposition legislatives, réglementaire ou contractuelles. Elles ne peuvent valoir non plus compte arrêté et réglé aus sens du code civil et du code de procédure civile.”

Da tradução para a língua portuguesa dos referidos parágrafos consta o seguinte:
“ Não será oponível ao trabalhador a menção “para saldo de todas as contas” ou qualquer menção equivalente por ele subscrita, quer durante a execução ou após a rescisão do seu contrato de trabalho e através da qual o trabalhador renuncia à totalidade ou parte dos direitos que decorrem do seu contrato de trabalho.
A aceitação sem reclamações nem reservas, pelo trabalhador de um boletim individual de vencimento não poderá valer como renúncia da sua parte ao pagamento de toda ou parte do salário, dos subsídios e das indemnizações qualquer que seja a sua natureza e que lhes são devidos nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou contratuais. Também não poderão valer como contas decididas e pagas na aceção do Código Civil e do Código de Processo Civil.”

Ora, da análise das citadas normas resulta claro que, tal como afirma o Recorrente, a lei laboral congolesa não permite a renúncia parcial nem total dos direitos que decorram para o trabalhador do seu contrato de trabalho, nem durante a sua execução, nem após a sua cessação.

Por seu turno, o artigo 1134º do Código Civil da República do Congo inserido no Capítulo III- Do Efeito das Obrigações, Secção I Disposições Gerais dispõe:
“ Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites.
Elles ne peuvent être révoquées que de leur consentement mutual, ou pour les causes que la loi autorise.
Elles doivent être execute de bonne foi.”

Da tradução para a língua portuguesa consta:
 “ Os contratos validamente celebrados valem como lei para quem os celebra. Só poderão ser revogados mediante o seu consentimento mútuo ou com os fundamentos permitidos por lei. Deverão ser executados de boa fé.”

Não obstante a Recorrida invocar que o artigo 1134º do Código Civil Congolês permite a renúncia a créditos determinados e com vencimento a curto prazo, o certo é que não especifica que créditos determinados são esses que podem ser objecto de renúncia, pelo que ficamos sem saber se neles estão incluídos alguns créditos laborais.
E da leitura da referida norma também não se extrai essa conclusão.
Por outro lado, a norma em causa não contraria o que se retirou da leitura dos parágrafos quarto e quinto do artigo 90º do Código do Trabalho da República do Congo.
Ademais, sendo o Código do Trabalho da República do Congo uma lei especial, não se vislumbra como é que a referida norma do Código Civil  revoga aquelas outras normas.
Acresce que, do confronto das normas do Código do Trabalho e do Código Civil da República do Gongo aplicáveis, é legítimo concluir que os contratos regulados por cláusulas que disponham contra o estipulado no Código do Trabalho, como o dos autos, à luz do artigo 1134º do Código Civil, não podem ser considerados “validamente celebrados”.
Donde, quer à luz do Código do Trabalho, quer do Código Civil da República do Congo, é inválida a renúncia do Autor àqueles créditos, efectuada no âmbito do Acordo de Resolução Antecipada do Contrato de Trabalho.
E sendo inválida tal renúncia cumpre, agora, apreciar a 2ª questão suscitada no recurso  e que consiste em saber se são devidos ao Autor os créditos laborais que peticiona, sendo certo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta matéria a qual, naturalmente, ficou prejudicada pela resposta que deu à questão anterior.

Nos artigos 24º a 27º da petição inicial, o Autor invoca:
“24- Sucede que, até à data nenhuma das Rés procedeu ao pagamento ao Autor  da retribuição mensal de Março de 2016-2.750,00 €uros-nem dos 9 dias em que este prestou trabalho no mês de Abril de 2016 (+ 825, 00 Euros);
25- As Rés TAMBÉM não pagaram ao Autor o subsídio de Natal relativo a todo o  período em que  este trabalhou (1 ano 2 meses e 13 dias, desde 21-1-2015  até 9-4- 2016 (3.300,00 Euros).
26- Tal como não lhe pagaram o subsídio de Férias referente ao mesmo período  de 1 ano 2 meses e 13 dias (3.300,00 €uros).
27- Tal como não lhe pagaram retribuição de férias referente ao  mesmo período (3.300,00 €uros).”

A Ré BBB S.A. no artigo  61º da contestação invoca que “ Impugnam-se  por não corresponderem à verdade os factos vertidos em 1º, 6º, 7º, 8º, 9º, 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 21º, 23º, 24º, 25º, 26º 27º da petição inicial.

Não juntou qualquer documento comprovativo do pagamento dos valores reclamados pelo Autor nos artigos 24º a 27º da petição inicial.

Por seu turno, a Ré CCI, S.A.. na contestação que apresentou alegou:
“ 40- Mas ainda que assim não fosse, mente o A a este Tribunal quando refere que se encontra em dívida a retribuição do mês de Março de 2016.
41- Com efeito, a retribuição do mês de março de 2016, foi paga ao A. em 04.04.2016, conforme documento que se junta como documento n.º 3 agora junto e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
42- Acresce anda que, mesmo que não fosse o acordado entre as partes quanto aos créditos laborais, sempre se dirá que não tinha o A. direito a receber da Ré (…)a quantia de 3.300,00€, peticionada a título de subsídio de Natal.
43- Por quanto nos termos  da lei de trabalho em vigor na república do Congo, designadamente o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 45-75 de 15 de Março de 1975, alterada pelas Leis nº 22-88 de 17 de setembro de 1988 e nº 6-96 de 6 de março de 1996, não há lugar ao pagamento do subsídio de Natal.
44- Do exposto, resulta que a Ré CCI nada deve ao A.”
E no artigo 65º da contestação esta Ré ainda impugnou, de modo genérico, além de outros, os factos vertidos nos artigos  23º a 27º da petição inicial.
O Autor respondeu que “ Ao contrário do que alega a Ré CCI, não foi paga ao autor a retribuição referente ao mês de março de 2016, reportando-se o pagamento efectuado em 4 de Abril de 2016, à retribuição pelo trabalho prestado em Fevereiro, mantendo por isso, o autor o peticionamento do pagamento da retribuição atinente ao mês de Março de 2016.”   
Dos factos provados resulta que a Ré CCI pagou ao Autor, em 4.4.2016, por transferência bancária a quantia € 2.597,65.
Mas não se provou que essa quantia correspondia à retribuição do mês de Fevereiro de 2016, como invocado pelo Autor.
Consequentemente, considerando as regras do ónus da prova (art.342º do Código Civil), bem como o disposto na Cláusula Quinta ponto 2 do Contrato de Trabalho (“O pagamento mensal do salário deverá ser efectuado oito dias após o final do mês a que a prestação do trabalho respeita, de acordo com o disposto no artigo 88º da lei nº 45-75 de 15 de março de 1975, alterado pelas leis nº 22-88 de 17 de Setembro e nº 6-96 de 6 de março de 1996), impõe-se concluir que a Ré CCI S.A. pagou ao Autor a retribuição do mês de Março de 2016
Contudo, não provou a Ré, conforme lhe competia (art.342º nº 2 do CC e cláusula Quinta, 3. Do Contrato de Trabalho celebrado entre o Autor e aquela Ré (“ O pagamento do salário deverá ser comprovado por documento certificado pela Primeira Outorgante, ou seu representante, assinado por ambas as partes ou duas testemunhas, no caso de se tratar de pessoas analfabetas.”) que também pagou ao Autor os 9 dias de Abril de 2016, que este peticiona.
Assim, tendo resultado provado que o valor da retribuição paga ao Autor é de 2.200€ mensais (cfr. facto provado em 1), mostra-se em dívida, pela falta de pagamento de 9 dias de trabalho do mês de Abril, o valor de € 660,00 (2.200€:30 x 9).
Quanto ao direito a férias, retribuição de férias e subsídio de férias, estão os mesmos previstos na Cláusula Sexta do Contrato de Trabalho junto a fls.91vº a 96 vº dos autos e nos artigos 119º a 122º do Código do Trabalho da República do Congo.
Relativamente a esta matéria, a Ré CCI também não provou, como lhe competia, que pagou ao Autor a retribuição de férias e subsídio de férias. Aliás, para além de ter impugnado genericamente a matéria invocada nos artigos 26º e 27º da petição inicial, em lado algum da contestação a Ré afirma que estas quantias não são devidas ou que já foram pagas.
Assim, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor, o valor de €2646,00 a título de retribuição de férias [ 2.200,00€ (1 ano) + €367,00 (2 meses) + €79,00 (13 dias) ] e igual valor a título de subsídio de férias, tudo no total de € 5.292,00.
A tais quantias acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde a data do vencimento das prestações até integral pagamento (cfr. artigo 88º do Código do Trabalho da República do Congo, Cláusula Quinta do Contrato de Trabalho e artigo 805º nº 2 al.a) do CC).

Por fim, e no que respeita ao valor reclamado a título de subsídio de Natal, há a referir o seguinte:
No contrato de trabalho celebrado entre as partes nada foi estipulado a título de subsídio de Natal.
Por outro lado, da análise das disposições do Código do Trabalho da República do Congo não consta a atribuição de subsídio de Natal, sendo certo que o Autor não invocou qualquer norma daquele país que fundamente este seu pedido.
Consequentemente, regendo-se o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, CCI, pela lei laboral congolesa, não assiste ao Autor o direito de receber o subsídio de Natal que peticiona.
Em conclusão, procede parcialmente o recurso.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:
- julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré CCI S.A. e julgando a acção parcialmente procedente por provada, condenam a referida Ré a pagar ao Autor a quantia de € 5.952,00 (cinco mil novecentos e cinquenta e dois euros), acrescida de juros de mora à taxa legal devidos desde a data de vencimento das prestações e até integral pagamento.
- No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas da acção e do recurso por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que goza o Autor.


Lisboa, 11 de Julho de 2018


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria Paula Sá Fernandes